
Discursos João Paulo II 1985 - Segunda-feira, 29 de Abril de 1985
Amados Irmãos no Episcopado,
1. “COMO É BELO, como è agradável o convívio de muitos irmãos juntos”(Ps 133,1). Com estas palavras do Salmista, quero começar por exprimir a alegria que sinto, ao saudar aqui os Senhores, Arcebispos e Bispos das Províncias eclesiásticas do Paraná e de Santa Catarina, que integram os Secretariados Regionais Sul-Dois e Sul-Quatro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. É uma saudação cordial e, ao mesmo tempo, grata, pelo testemunho de comunhão com o Sucessor de Pedro, que sempre se encerra na “Visita ad limina Apostolorum”.
Os Senhores tornam aqui presentes os amados filhos dessa belíssima região sulina do Brasil, que já visitei, simbolicamente, quando da inolvidável estada em Curitiba, durante a peregrinação pastoral por terras brasileiras. As imagens desse encontro com gentes bondosas e trabalhadoras, desperta em mim, com certa saudade, a intensidade de afeto em Cristo, que experimentei, e a esperança imensa que vivi e conservo e então pude ler nos olhos de cada brasileiro que contatei.
Arraigada tradição cristã e sensibilidade à comunhão eclesial, é riqueza peculiar do povo de vossas terras, caracterizadas pela continuidade geográfica e pela diversidade étnica, mas com aspectos sócio-culturais e religiosos comuns.
Hoje, nas pessoas dos Senhores, com origens ancestrais diferentes, eu revejo essa “terra de todas as gentes”, revejo o “mosaico” de fisionomias de várias raças, irmanadas e congregadas no “novo Povo de Deus pelo Espírito Santo, que é Senhor e fonte de vida, princípio de aglutinação e de unidade na doutrina dos Apóstolos, na união fraterna, na fração do pão e na oração” (cf. Ac 2,42) (Lumen gentium LG 13). Saúdo todos os fiéis de suas fervorosas comunidades cristãs, chamados a resplandecer, na única Igreja de Cristo, como luzeiros no mundo, ostentando a palavra de vida”(cf. Phil Ph 2,16).
Como Pastores, realizando aí a apologia do “escriba instruído acerca do reino dos céus”(cf. Matth Mt 13,52), os Senhores se empenham em manter e incrementar a fidelidade a Cristo, que influiu não pouco na promoção humana de seu povo, porquanto encerra uma potência incomparável para o desenvolvimento integral da pessoa humana e para a edificação da sociedade, animada pela força da fraternidade.
2. É sabido que, conjuntamente à afirmação da Colegialidade episcopal e da vivência dos vínculos de íntima comunhão, na fé em Cristo e na vida eclesial, entre a Santa Sé e as várias Dioceses, a “Visita ad Limina” é também convite à reflexão, a fazer avaliações e rever projetos e a “situar” a própria solicitude de Pastores. O conhecimento dos relatórios e, sobretudo, o contato pessoal com os Senhores, deram-me o ensejo de compartilhar um pouco aquilo que lhes vai no coração. Dou graças a Deus, por ter verificado que prevalece o amor de Cristo, com o sentido de responsabilidade pessoal e de co-responsabilidade apostólica, a serviço do rebanho de que o Senhor os constituiu pontífices, mestres e pastores (Cf. Christus Dominus CD 12 CD 15 CD 16).
Neste olhar de relance para o retrato que me deram do “campo de Deus”, que cultivam com a serena perseverança do bom agricultor (cf. Jc 5,7), não deixei de notar o que de momento constitui objeto de sua atenção e diligencia: evangelização do mundo da cultura; particulares entraves à pastoral urbana e suburbana; presença da Igreja no mundo do trabalho; apreensões pelos fiéis que vivem no meio rural; migrações forçadas e desigualdades sociais a superar, na busca de uma sociedade mais justa e fraterna, fenômenos que nem sempre encontram os filhos da Igreja preparados; o surgimento de novas seitas e movimentos, mais ou menos religiosos, que confundem o povo simples e desprevenido; a própria adaptação da catequese, que não autoriza reduções da doutrina nem a escamoteação das verdades da fé; o compromisso dos leigos na vida da Igreja e a sua participação na vida coletiva; as “espontaneidades” na vida e adaptação da Liturgia, etc.
É imenso e multiforme, pois, o campo que se abre ao zelo e empenho pastoral dos Senhores, como Bispos, que já se demonstra infatigável e inteligente. Tem de acompanhar-nos sempre, a todos, a confiança de que somos “colaboradores de Deus”, ao fazer aquilo que devemos fazer. E acompanhá-los-á sempre a minha oração.
3. Na complementariedade dos temas que me propus tocar, nos encontros com os diversos grupos de Bispos do Brasil, quereria deter-me hoje, em breves considerações, sobre o múnus de formador permanente dos seus Sacerdotes, que incumbe a todo Bispo diocesano: formação no Seminário e, para além do Seminário, formação permanente. O enfoque da problemática, neste campo, não pode ser diferente do que foi apontado pelo Espírito da Verdade e do Amor, mediante o autor sagrado: o Sacerdote, “escolhido de entre os homens é constituído a favor dos homens, nas coisas concernentes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados”(He 5,1). Em cinco dimensões, portanto, se tem de processar a formação do Sacerdote: a “segregação” de entre os homens (sem falar já do “mundo”), o serviço do homem, nas coisas de Deus, o sacrifício e a reconciliação. Seria belo e proveitoso desenvolver, seguindo as pistas traçadas pelo Concílio Vaticano II, cada um destes pontos; neles assenta a definição do Sacerdote, a identidade do Padre, como se prefere dizer na sua língua.
Sabia já e os Senhores confirmaram-mo, com alegria, que não só no aspecto econômico, mas também no das vocações para o Sacerdócio e para a Vida consagrada, se pode chamar ás suas regiões o “celeiro do Brasil”. A vocação é e permanece sempre dom de Deus, que Ele não recusa a nenhuma comunidade; mas é como boa semente que só vinga, cresce e chega a frutificar no húmus da boa terra.
4. Num País imenso como o Brasil, com tão acentuada escassez de clero e de pessoas consagradas, é consolador verificar uma reflorescência de vocações. Isso nos faz acalentar a esperança de que a crise generalizada, talvez menos sentida nas suas regiões, esteja em vias de superação. No entanto, esse despertar vocacional demonstrar-se-á frutuoso na medida em que se processar com acerto a formação dos “chamados”. Esta é algo mais do que a mera aquisição de conhecimentos ou formação acadêmica: tem de ser formação integral da pessoa, que vai dos dotes ou qualidades humanas, a desenvolver e orientar para a missão da Igreja, até a globalidade da vida ascético-espiritual de cada um, a servir de base à doutrina, nos vários ramos das ciências sagradas, devidamente integradas pelas ciências humanas, e à preparação pastoral.
Compartilho a solicitude que demonstram, em proporcionar uma sólida formação aos futuros Sacerdotes, e não posso não louvar a importância que reconhecem à função do Seminário, para alcançar esse objetivo. A vida comunitária nestas instituições, conforme foi preconizado no Concílio Vaticano II e mais recentemente confirmado pelo Código de Direito Canônico, continua a ser uma necessidade na preparação para o Sacerdócio. Neste ponto talvez sejam eloquentes experiências baldadas e, mais do que elas, a prática seguida nas Dioceses confiadas aos seus cuidados de Pastores, onde abundam e frutificam os Seminários. É certo que precisam de constante renovação e adaptação aos novos tempos, o que exige, da parte de quem as atua, equilíbrio e bom senso e as necessárias qualidades; em particular, profundo espírito evangélico e sacerdotal, bem enquadrado na missão da Igreja.
5. Não se duvide, portanto, em destinar e preparar adequadamente para os Seminários os melhores membros do Presbitério ou da Família religiosa, mesmo a custo de privar-se de sua válida ajuda para outros trabalhos. Esta é tarefa vital para o futuro das comunidades; humanamente falando, é um “bom investimento” que frutificará a prazo mais ou menos longo. A configuração das comunidades cristãs, quer paroquiais quer de outro gênero, assim como a da própria Comunidade diocesana, depende, em larga escala, da figura e capacidades - sempre “instrumentos” de Deus, bem entendido - dos respectivos pastores que as guiam e servem.
Vem a propósito lembrar a palavra inspirada, repetida pelo Senhor aos seus discípulos, em momento muito significativo: “Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas”(Mc 14,27; cf. Za 13,7). Sabe isto bem o “Príncipe do mundo” (Jn 14,30); sabem-no, igualmente, “os filhos deste mundo, mais sagazes do que os filhos da luz”(cf. Luc Lc 16,8), que não cessam nesta época de secularismo, de insidiar e fazer tentativas de aliciar os Sacerdotes com “a linguagem do mundo”. No entanto, nós e os nossos Padres dispomos da grande certeza para vencer: “Aquele que está em nós é mais forte do que aquele que está no mundo”(cf. 1Jn 4,1). Depois o próprio Cristo continua a repetir: . . . “tende confiança! Eu venci o mundo” (Jn 16,33).
Oxalá possam encontrar disponíveis os Sacerdotes, a preparar ou já preparados para essa tarefa eclesial. E, com este voto, vem-me espontânea também uma benevolente palavra de apreço, para com esses abnegados servidores da causa do Reino - os formadores de novas levas de Sacerdotes - com o anelo, cheio de afeto, de que nunca desmereçam da confiança do seu Bispo, aliás, confiança da Igreja; isto é, que se demonstrem não só peritos e atualizados nas respectivas matérias, mas também exemplares na fidelidade ao Magistério e à Hierarquia, entrosados, com humildade e pobreza de espírito, em todo o processo formativo, especificamente sacerdotal, seguido nas instituições onde servem. Estas, em todas as Dioceses, hão de resplandecer no meio ambiente como modelo de comunidades formativas.
6. Apraz-me registrar aqui o desvelo dos Senhores, seguindo louvável tradição de suas regiões, para que os seus Padres sejam plasmados como os quer o próprio Deus e segundo as explicitações dessa vontade divina que a Igreja vai fazendo.
Não ignoro, ainda, o amor em Cristo que vos distingue para com os Padres de seus Presbitérios, que se manifesta até na preocupação de que eles tenham uma vida humanamente digna e socialmente decorosa, também no aspecto material. Quereria animá-los a continuar nessa dedicação preferencial, para que estejam bem os seus colaboradores diretos e vivam, com alegria e em plenitude, a sua identidade em fidelidade a Deus e aos homens, na presença no mundo, sem serem do mundo, como autênticos “embaixadores de Cristo” (cf. 2Co 5,20).
O dote que os Sacerdotes levam do Seminário, inventariado nos Decretos conciliares “Optatam Totius” e “Presbyterorum Ordinis”, cuja doutrina o Código de Direito Canônico supõe ou assume, consta de um acervo de virtudes, apreciadas no convívio social, de qualidades morais, ascético-espirituais, inteletuais e pastorais. Este dote tem de ser renovado e enriquecido constantemente, para não se atenuar nos mesmos Sacerdotes o “bom odor de Cristo” (cf. 2Co 2,15). Para imunizar e preservar o tesouro contido em “vasos de argila” (cf. 2Co 4,7), constituído por aqueles que integram os seus Presbitérios, é importantíssimo que eles vejam no próprio Bispo um amigo confidente de sua vida, um irmão no Sacerdócio e um pai na fé. Nisto se baseará, a predisposição dos Sacerdotes, sem perda da autoridade da parte de quem presta o serviço de chefia: para o diálogo, compatível com o prestígio, se unido à pobreza de espírito; para a colaboração, que exige estima recíproca; e para a obediência, que pressupõe de ambas partes, fé viva e caridade sobrenatural.
Isto facilita muito o testemunho, que dará eficácia à missão: “é por isto que todos reconhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jn 13,35 cf. Jn 15,9 ss); uma caridade que crie a unidade: “para que todos sejam um . . . e o mundo creja” n’Aquele que o Pai enviou (cf. Jn 17,21), o qual, por sua vez, nos envia a nós.
7. Mas o caráter complexo da sociedade em que vivemos exige, para a podermos interpelar a atingir com os bens da Salvação, a par do testemunho, também atualização de posições e métodos, durante o período de desempenho efetivo do ministério pastoral (cf. Codex Iuris Canonici CIC 279 et c. CIC 555,2). Os campos a impregnar com o espírito evangélico são muitos e diversificados; e a Mensagem é única, simples, sempre idêntica e a todos destinada. É preciso adaptá-la, de maneira inteligente e sapiente, àqueles que hão de acolhê-la para serem salvos; tem que se pôr em prática a norma de ouro do Apóstolo: “fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a todo o custo”(cf. Codex Iuris Canonici, cân. CIC 279 e cân. CIC 555,2). O Concílio diz: “todos os Sacerdotes são enviados a colaborar na mesma obra, embora ocupados em funções diversas”(cf. Presbyterorum Ordinis PO 8 Codex Iuris Canonici, c. CIC 275). E essa obra, fundamentalmente, é a atuação do desígnio de Deus, que “quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”(1Tm 2,4).
Assim, a missão do Padre, na missão própria da Igreja, não é de ordem política, econômica e social (cf. Gaudium et spes GS 42). O Sacerdote - homem da Igreja, “segregado” de entre os homens, para os servir, como dispensador dos mistérios de Deus, por deputação é um profissional da Fé e um especialista de Deus (cf. Codex Iuris Canonici CIC 276).
8. Para manter, nesta sua condição peculiar, o esplendor de “luz do mundo” e o vigor de “sal da terra”, terá de possuir límpidas convicções pessoais, hauridas e cultivadas constantemente sobre o fundamento da Filosofia perene e da Teologia ensinada e aprovada pelo Magistério da Igreja, no contato ininterrupto com a Sagrada Escritura, a Dogmática, a Moral, a Liturgia, a Pastoral, o Direito, a Sociologia, a Pedagogia, etc. Só com convicções e segurança pessoais o Sacerdote estará em condições de dialogar construtivamente com o seu mundo, de superar e ajudar outros a vencer o estado de confusão e de ilusão, criado pelas modernas versões do mito de Prometeu.
Não posso, pois, deixar de congratular-me com os Senhores pelas diligências empregadas em promover encontros de estudo e cursos de atualização, a par dos retiros espirituais, para os seus Presbitérios; e ainda pelo nível e tonalidade que dão aos Planos e Programas de Pastoral orgânica, ciclicamente emanados pelos seus Regionais Sul-2 e Sul-4 e por alguns dos Senhores Bispos que os integram.
Uma das mais importantes funções do Bispo diocesano está nisto precisamente: ser formador permanente dos seus Sacerdotes, estimulador da sua fidelidade à vocação e impulsionador e orientador do seu zelo e rendimento pastoral. Presidindo ao seu Presbitério, terá o Bispo de mostrar-se esclarecido e firme em manter a sã doutrina e a observância das normas tanto jurídicas, como litúrgicas e pastorais; e, ao mesmo tempo, sempre acolhedor e misericordioso para com as pessoas e a sua circunstancia, como bom pai de família: da família sacerdotal.
9. Antes de concluir o grato encontro, desejaria aludir a outro campo de grande importância, relacionado com o que acabo de dizer; faço-o, sobretudo, pelo sempre latente perigo de osmose, hoje muito favorecido pelos meios de comunicação social, que nem sempre se detêm à porta do santuário; e, ainda, pelo motivo das aumentadas exigências e requisitos de uma evangelização eficaz e sem ambiguidades, dos homens do nosso tempo.
Refiro-me à Vida consagrada. Conheço e aprecio, juntamente com os Senhores, a generosa, sacrificada e preciosa ajuda dos membros dos Institutos de vida consagrada nos múltiplos campos de apostolado, nas suas regiões e no Brasil em geral, particularmente onde mais escasseia o clero. Estou certo de que não passa nunca para segundo plano, na sua sensibilidade de Pastores, a responsabilidade que têm de serem mestres autênticos e guias da perfeição cristã de toda a grei do Senhor; e, por conseguinte, de serem também guardiães da vocação à santidade, segundo o espírito e carisma próprio de cada instituto, pelos caminhos da sã doutrina, ao mesmo tempo que animadores, educadores e pais na fé dos vocacionados à vida consagrada (cf. Christus Dominus CD 33-35 Mutuae relationes 28).
É óbvio que a responsabilidade do Bispo incide mais diretamente no serviço que as pessoas consagradas prestam no plano do apostolado diocesano; é a nós, come Bispos, que compete integrá-las e dirigi-las (cf. Codex Iuris Canonici, c. CIC 394 CIC 680).
10. Amados irmãos: que os animem estas considerações a partir do que pude auscultar nos relatórios e colóquios pessoais, juntamente com o seu amor à Igreja e com as luzes do Espírito Santo, no seu zelo pastoral, dando realização ao mandato de Cristo e continuidade à missão pela qual Ele “desceu dos céus, por nós homens e para nossa Salvação”. N’Ele se consolide sua esperança e empenho prático para construir um mundo mais reconciliado, mais cristão e, por isso mesmo mais humano e mais fraterno, onde reinem o amor e a paz.
E seja-me permitido, neste momento, assumir e parafrasear as palavras com que terminava um dos relatórios dos Senhores: Agradecemos a Deus, Pai de todos os homens e fonte de todos os dons, que nos inspira e auxilia, com a sua divina graça, na realização de tantas coisas maravilhosas. Que Ele, por seu divino Filho, Jesus Christo morto e ressuscitado, Redentor do homem, continue a dispensar-nos a assistência do seu Espírito de Verdade e de Amor! E que por intercessão de Nossa Senhora, Mãe da Igreja e Mãe da nossa confiança, sustente o animo e boa vontade de todos nós, Bispos, e dos nossos colaboradores no ministério, para continuarmos, unidos e falando a mesma linguagem, a edificar o reino de Deus!
Assim seja, com a ampla e afetuosa Bênção Apostólica, que lhes dou e faço extensiva às Comunidades das suas Igrejas locais.
Queridos Irmãos no Episcopado,
1. É SEMPRE MOTIVO de alegria para o Bispo de Roma, no seu múnus de Sucessor de Pedro, encontrar-se com as diversas categorias de pessoas e os vários grupos de fiéis vindos à Cidade eterna; ainda mais, quando pode encontrar-se com seletos grupos de Irmãos Bispos, provenientes das diferentes partes do mundo, em representação de suas Igrejas particulares. Assume um caráter de particular regozijo e comunhão o encontro com os Pastores das Comunidades eclesiais, quando este se dá no quadro da sua “Visita ad limina Apostolorum”. Estou persuadido, quanto aos Senhores, que a minha alegria é comum a todos (cf. 2Co 2,3), no momento em que o nosso pensamento, em uníssono, se eleva agradecido a Deus, que nos proporciona hoje viver e testemunhar aqui “a unidade de espírito no vínculo da paz”(cf. Eph Ep 4,3) e do amor, tendo entre nós os mesmos sentimentos.
Quero saudá-los - e nas pessoas dos Senhores saúdo os Sacerdotes, Religiosos e Fiéis de suas Comunidades diocesanas - com uma palavra do Apóstolo, que é ao mesmo tempo gratidão pelo encontro: “O nosso coração está completamente aberto para vós” (2Co 6,11). Aberto para todos os Senhores, Arcebispos e Bispos das Províncias Eclesiásticas dos Estados do Mato Grosso, de Goiás e de Brasília, que integram os Regionais “Centro-Oeste” e “Extremo-Oeste” da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; e igualmente para quantos aqui representam.
2. Pude, nos encontros pessoais, obter maiores informações do que as constantes nos relatórios, inteirar-me mais diretamente da vitalidade e problemática de suas Comunidades. Pude compartilhar um pouco as alegrias e dificuldades de hoje e as perspectivas e esperanças de amanhã, que comporta o seu dedicado serviço pastoral. Ele se desenvolve em terras há pouco “descobertas” - se assim me posso exprimir - generosas do ponto de vista de natureza, pela sua fertilidade e vastos recursos, ricas humanamente e mais do que promessa do ponto de vista religioso e eclesial! Por toda a obra de edificação do Reino que o Espírito Santo inspirou, guiou e permitiu aí realizar, creio haver sobejos motivos para dar graças a Deus.
Situa-se a parte do rebanho do Senhor confiada aos seus cuidados pastorais numa larga faixa de território e abrange numerosa porção do querido Povo brasileiro. Como Bispos, continuam aí meritória obra de pléiades de missionários e pastores, que despenderam suas vidas com generosidade, lançando a semente da seara que já branqueja para a ceifa (cf. Io Jn 4,35), à espera de mais “trabalhadores”. Queira Deus que em breve, como fruto também de sua intensiva e extensiva Pastoral vocacional, possam contar com novos obreiros do Reino!
As bases de suas atuais dioceses e prelazias, na maioria com história ainda incipiente, assentam nessa obra pioneira de evangelização, que os Senhores, não obstante a escassez de meios, se empenham corajosa e devotamente por consolidar e ampliar. Comungando suas solicitudes, pude dar-me conta dos entraves ao maior êxito de seu labor e zelo pastoral: entraves que são peculiares das situações concretas que vivem as gentes de suas Igrejas particulares, a par de outros, que são hoje em dia desafios a nível da Igreja universal.
3. Quanto a estes últimos os problemas comuns a toda a Igreja - juntos e em coordenação de esforços, na convicção constante de que “se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os edificadores”(Ps 127,1), temos de buscar e percorrer, dando-nos as mãos, as pistas de superação. A energia e o arrojo para a caminhada vêm-nos da certeza de que estamos a serviço do “Príncipe dos pastores”, que prometeu, num momento decisivo, que estaria conosco todos os dias até ao fim do mundo” (cf. Matth Mt 28,20); da certeza de que “o servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou”(Jn 13,16). E Ele, que nos deixou o exemplo, não nos quer como dominadores sobre aqueles que nos foram confiados, mas como servidores e modelos do rebanho (cf. 1P 5,3-4).
Neste serviço e nesta exemplaridade inclui-se, como componente indispensável - conjunta à capacidade de amar e compartilhar a vida, prova suprema da profundidade da comunhão interior e de sua credibilidade para fora (cf. Io Jn 13,35) - o empenho em sermos sempre “sinais e construtores da unidade”. O Documento de Puebla frisou, com justeza, o imperativo de comunhão em todas as funções e tarefas, “com o Papa e os Irmãos Bispos, especialmente os da própria Conferência episcopal”(Puebla, nn. 687 e 688). Por isso, cada momento e cada ato de nosso pastoreio se verifica dentro do “sagrado mistério da unidade da Igreja, em Cristo e por meio de Cristo, que faz dela o único rebanho de Deus, como bandeira erguida entre os povos, oferecendo a todo o gênero humano o Evangelho da paz e realizando na esperança a sua peregrinação a caminho da pátria celeste”(Unitatis redintegratio UR 2).
4. Este enfoque de modo algum deixa na obscuridade o fato de sermos discípulos de Cristo e guias autorizados de outros discípulos de Cristo, para os quais nada existe de verdadeiramente humano que não deva encontrar eco em seu coração (cf. Gaudium et spes GS 1). Sabemos, entretanto, que a compenetração da cidade terrena com a celeste, só pela fé se pode perceber: permanece o mistério da história humana, sempre perturbada pelo pecado.
Mas a Igreja pensa que, através dos seus membros e da Comunidade que é, muito pode contribuir para tornar cada vez mais humana a família dos homens e a sua história. Mais ainda, a Igreja sabe tendo-o proclamado repetidamente no Concílio Vaticano Segundo - que só logrará isso na fidelidade à consciência de si mesma, como a quis o seu divino Fundador. Efetivamente, Jesus Cristo, por meio da fiel pregação do Evangelho, da administração dos Sacramentos e do governo amoroso por parte dos Apóstolos e dos seus sucessores os Bispos, tendo como cabeça o sucessor de Pedro, quer que o seu Povo, sob a ação do Espírito Santo, cresça e aperfeiçoe a sua comunhão na unidade, na confissão de uma só fé, na comum celebração do culto divino e na fraterna concórdia da família de Deus (cf. Unitatis redintegratio UR 2).
5. Com esta visão e esta perspectiva conciliar, e demonstrando zelo e empenho pastoral animado pelo amor a Cristo e à Igreja, encaram os Senhores, estou certo, os problemas sócio-religiosos peculiares de suas Comunidades, que não deixam de condicionar o trabalho que desenvolvem e de lhes criar novas necessidades de evangelização. Entre estes avultam alguns, de que me falaram com maior insistência:
- As deslocações maciças e contínuas das populações e o seu aumento, em forçosas migrações, na busca de superar carências ou de encontrar melhores condições de vida; isso, como é óbvio, acarreta consigo situações novas, específicas e, por vezes, críticas. Em primeira linha aparece o problema da integração, que se põe para todas as categorias de pessoas, mas de modo particular para as que se apresentam mais vulneráveis, sob o aspecto físico, psíquico, profissional e religioso.
- A par da mobilidade social, que se esboça, diminui a importância ou mesmo chega-se à perda gradual do senso do religioso, acompanhada da ausência de escrúpulos em plano moral, que não poupa o santuário da família e não se detém diante de fronteiras impostas pelos direitos humanos fundamentais. Isto faz com que se desencadeiem forças instintivas latentes, que encontram muitas brechas num processo migratório por demais abandonado a si próprio, gerando as consequentes situações conflituosas.
- A mentalidade que nestas circunstancias tende a prevalecer, a nível de base, é a de conlúio entre o ter e o poder, com menosprezo do ser. Sucede a concentração dos bens e da força nas mãos de poucos, em contraste com a “miséria imerecida” de muitos, que dá azo a novas áreas de colonização. Foi verificação feita já pelo Concílio: “No preciso momento em que o progresso da vida econômica permitiria mitigar as desigualdades sociais, se dirigido e organizado de modo humano, leva, muitas vezes, ao agravamento das mesmas desigualdades e até, em algumas partes, a uma regressão dos socialmente débeis e ao desprezo dos pobres” (Gaudium et spes GS 63).
Não podemos deter-nos a considerar e a lamentar, menos ainda devem amedrontar-nos estes elementos, com o seu cortejo de consequências na vida das pessoas, famílias e grupos, criando condições mais ou menos desfavoráveis à evangelização da fé. É preciso, pelo contrário, atender, para lhes dar remédio até onde for possível, às causas espirituais de tudo isso: a falta de fé, de solidez na adesão a Cristo, de formação religiosa e, quiçá, de fidelidade eclesial. É preciso evangelizar o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, obviar com todos os meios à tentação de silenciar, postergar ou recusar Deus, em nome de uma humanidade, vista, talvez, sem abertura à transcendência e de maneira incompleta. Neste sentido, compreende-se o relevo que os Senhores dão, como Bispos, e a seriedade com que procuram responder aos desafios nos campos da Pastoral Social e da Terra, do Menor, da Saúde e das Periferias urbanas. Só tenho que estimular esse esforço e peço a Deus que lhe dê o incremento.
6. Para dar à ação pastoral nitidez, liberdade e agilidade, a Igreja que está no Brasil, no contexto da América Latina, parcela da Igreja universal una e única, fez uma opção preferencial pelos pobres; e fê-lo, certamente, sobre a base da noção cristã e esclarecida de pobre, ciente de que a ordem social e o seu progresso devem reverter sempre em bem da pessoa humana: de cada homem e de todos os homens. A Igreja, de fato, quer ser no mundo inteiro a Igreja dos pobres, permanecendo porém a Igreja de todos para dispensar a todos o mistério da Redenção. Não, portanto, Igreja de uma classe, de um clã ou de um partido mas aquela em que já não há judeu nem gentio, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, mas todos são um só em Cristo Jesus (Cfr. Gal Ga 3,28)
Durante a visita pastoral ao Brasil, de grata recordação, falando ao Povo brasileiro na Favela do Vidigal, tive ocasião de dizer que me sentia portador da mensagem da Igreja das “bem-aventuranças”: da Igreja que não quer suscitar tensões nem agravar conflitos, nem fazer explodir a luta violenta entre os homens . . . Da Igreja que “fala a linguagem do Evangelho, explicando-o também à luz da ciência humana, mas sem nele introduzir elementos estranhos, heterodoxos e contrários ao seu espírito”. Da Igreja que fala a todos, sem exceção - aos que vivem na miséria, aos que possuem como único bem a própria dignidade, aos que estão colocados no alto da hierarquia social e aos que têm poder de decisão. Da Igreja, enfim, que fala em nome de Cristo e em nome também do homem (particularmente àqueles para quem o nome de Cristo não exprime toda a verdade que nesse Nome se contém) (cf. João Paulo II, Allocutio in loco vulgo “Favela do Vidigal” habita, 4-5, 2 luglio 1980).
7. Puebla, com a opção preferencial pelos pobres, forneceu princípios básicos - como já fizera o Concílio - para a ação pastoral e a renovação espiritual das comunidades. Sucede, porém, que por motivos vários - conhecimento superficial destes acontecimentos eclesiais, releitura ideológica de sua mensagem, aplicações imediatistas de suas normas - surgem posições que enganam, dividem e desorientam, quanto à realidade e à função da Igreja: ser “em Cristo, como que um sacramento, ou sinal e instrumentos da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”(Lumen gentium LG 1). O Apóstolo Paulo sentiu a necessidade de admoestar os Coríntios tendo em mente os operários evangélicos e a sua missão: “Veja cada um como edifica sobre o alicerce, porque ninguém pode pôr outro alicerce diferente daquele que foi posto, que é Jesus Cristo”(1Co 3,11).
Instruídos pela palavra de Deus, sabemos que “o fruto da justiça é semeado em paz, por aqueles que praticam a paz” (Jc 3,18). Mas sabemos também que a ordem social tem de desenvolver-se alicerçada na verdade, enraizada na justiça e vivificada pelo amor; deve encontrar um equilíbrio cada vez mais humano na liberdade. Para conseguir todos estes objetivos, torna-se necessária, ao mesmo tempo, profunda renovação das mentalidades e corajosa aplicação de amplas reformas sociais.
Não é missão própria da Igreja impor estas reformas sociais ou indicar as modalidades contingentes de sua realização. Seu papel é explicitar os princípios éticos que devem inspirar essas reformas; papel que incide prevalentemente na renovação das mentalidades e na conversão dos espíritos, das vontades e dos corações. Fruto dessa conversão será a reconciliação.
Vivendo em contato direto e íntimo com a existência humana quotidiana e partilhando lutas e esperanças do povo de suas Comunidades, os Senhores se deixam guiar certamente pela sua consciência de servidores da Igreja, “sacramento universal da Salvação”, a qual prolonga no tempo e no espaço “a revelação do amor e da misericórdia, que tem na história do homem uma forma e um nome: Jesus Cristo”(Ioannis Pauli PP. II, Redemptor hominis RH 9). Uma evangelização autêntica e eficaz, capaz de levar os homens à conversão e à reconciliação, iluminada pelo binômio “amor - misericórdia”, não poderá verificar-se senão na fidelidade a Cristo e à Igreja; nunca à margem e, menos ainda, em oposição a Cristo e à Igreja como Cristo a desejou.
8. A história religiosa do Brasil revela um traço característico, componente essencial da piedade do povo brasileiro: um afeto sincero e filial ao Sucessor de Pedro, por vontade de Cristo, seu Vigário na terra como Pastor da Igreja universal e Cabeça do Colégio dos Bispos. Este mesmo afeto envolve necessariamente as pessoas e organismos que colaboram intimamente com o Papa e trabalham em seu nome e com a sua autoridade “para o bem das Igrejas particulares e serviço dos Pastores sagrados (cf. Christus Dominus CD 9 Codex Iuris Canonici CIC 331 et CIC 360). ”.
Aos Senhores está confiada a missão de apascentar uma porção do Povo de Deus que peregrina em prommisoras Regiões do Brasil - povo humilde, pacífico e generoso - traçando caminhos de evangelização e guiando-o, como instrumentos daquele Espírito que anima toda a Igreja na sua presença no mundo. Faz parte do seu zelo de Pastores a preocupação de traduzir o conteúdo do Evangelho e da autêntica doutrina da Igreja em linguagem compreensível a seus destinatários, com aquela margem legítima de sábio pluralismo na prática pastoral, que permite maior incisividade nas situações concretas e maior eficácia da mensagem da Salvação. Essa preocupação, porém, não pode separar-se jamais da atenção para que não se descambe em posições contrárias ou paralelas ao Magistério, posições eclesialmente inaceitáveis e pastoralmente estéreis. Esta é uma dimensão do nosso serviço eclesial e da nossa caridade pastoral, inspirada pelo Espírito da Verdade e do Amor e alimentada pela intimidade com o Coração de Cristo, Bom Pastor.
9. Amados Irmãos: sei da importância que os Senhores dão à ação de conjunto no trabalho pastoral, e do empenho que põem nos vários setores de seu ministério, ajudados por um clero infelizmente escassc mas generoso; ajudados, outrossim, por dedicadas Religiosas e por Leigos, gradualmente preparados, inseridos e comprometidos em tarefas eclesiais e evangelizadoras. Regozijo-me pela sabedoria com que se estabelecem as prioridades e se lançam as atividades pastorais específicas, pelas perspectivas de aumento do clero diocesano, pelo lugar que dão à catequese, intensiva e extensiva, às crianças, adolescentes e aos adultos (até para obviar a formas de aliciamento da religiosidade de seu povo por seitas e movimentos frequentemente eivados de sincretismo e relativismo). Alegro-me pela preparação proporcionada antes de ministrar os Sacramentos; pela participação de todo o Povo de Deus na vida das comunidades; pelo lançamento de missões cíclicas em centros não atendidos habitualmente pelo sacerdote e, ainda, pelo particular atenção dedicada às famílias e aos jovens.
Por tudo, com os Senhores, dou graças a Deus; e peço-Lhe, por intercessão da Virgem fiel, que os assista, conforte e ilumine no devotamento do seu serviço eclesial, como autênticos animadores da fé, promotores da dignidade das pessoas e instrumentos de reconciliação, à frente do rebanho confiado a cada um. Com minha ampla e afetuosa Bênção Apostólica.
Discursos João Paulo II 1985 - Segunda-feira, 29 de Abril de 1985