Discursos João Paulo II 1997 - 3 de Junho de 1997

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA


ORAÇÃO DO SANTO PADRE


DIANTE DO QUADRO DE NOSSA SENHORA


DE JASNA GÓRA




«Ó Mãe de Deus, ó Virgem, por Deus és glorificada!».

Mãe de Jasna Góra e Rainha, venho hoje a Ti numa peregrinação de fé, para Te agradecer a incessante protecção sobre a Igreja inteira e sobre mim, especialmente durante os cinquenta anos do meu sacerdócio e os do meu serviço na Sé de Pedro. Com grande confiança me apresento neste santo lugar — na Colina de Jasna Góra, tão caro ao meu coração — para mais uma vez exclamar: Mãe de Deus e nossa Mãe, agradeço-Te ser a Estrela Polar da construção dum futuro melhor para o mundo, ser a Padroeira da edificação da civilização do amor em todo o género humano. Mãe, peço-Te humildemente, circunda com a tua protecção materna os dias e os anos que ainda nos separam do ano 2000. Confio à tua intercessão a preparação para o Grande Jubileu do Cristianismo. Ajuda todas as nações do mundo a iniciarem o novo milénio em união com Cristo — Rei dos séculos.

Mãe da Igreja, Virgem Auxiliadora, na humildade da fé de Pedro trago aos teus pés a Igreja inteira, todos os continentes, países e nações, que acreditaram em Jesus Cristo e reconheceram n’Ele o sinal-guia no caminho através da história. Aqui trago, ó Mãe, a humanidade inteira, também aqueles que ainda estão em busca do caminho rumo a Cristo. Sê para eles guia e ajuda-os a abrir-se ao Deus que vem. Trago-Te na oração os povos do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e confio à tua solicitude materna todas as famílias das nações. Mãe da fé da Igreja, assim como perseveravas no Cenáculo de Jerusalém, em oração com os discípulos de Cristo, assim está hoje connosco no Cenáculo da Igreja rumo ao segundo milénio da fé e obtém-nos a graça de nos abrir ao dom do Espírito de Deus.

Templo do Espírito Santo, hoje, no Santuário de Jasna Góra, rendo-Te graças por todo o bem que se tornou parte da minha nação em anos de profundas transformações. Durante a minha primeira peregrinação na Pátria, implorei para que sobre ela fosse derramado o Espírito Santo, invocando: «Desça o Teu Espírito! E renove a face da terra, desta Terra» (Varsóvia, Praça da Vitória, 2 de Junho de 1979; ed port. de L'Osservatore Romano de 10 de Junho de 1979, pág. 6). Mais tarde visitei a terra polaca com as Tábuas do Decálogo. Para aqui eu trouxe os jovens do mundo inteiro. Sempre retornei à minha Pátria por uma necessidade do coração, trazendo uma mensagem de fé, de esperança e de caridade.

A história da nossa Pátria à margem do Vístula está marcada com o testemunho da fé de Santo Adalberto, e também de tantos Santos polacos e candidatos aos altares, e ainda com a labuta de muitas gerações, que consolidavam a Polónia fiel a Cristo. Durante dez séculos nós permanecemos uma Nação baptizada, fiel a Ti, ao Teu Filho, à Sua Cruz e ao Evangelho, à Santa Igreja e aos seus Pastores.

Venho hoje a Ti, ó Mãe, para exortar os meus Irmãos e as minhas Irmãs a perseverarem ao lado de Cristo e da sua Igreja, para encorajar a um uso sábio da liberdade reconquistada, no espírito daquilo que há de mais belo na nossa tradição cristã.

Rainha da Polónia, recordando com gratidão a tua protecção materna, confio-Te a minha Pátria, as transformações sociais, económicas e políticas, que nela se verificam. Que o desejo do bem comum supere o egoísmo e as divisões. Que todos aqueles que exercem um serviço público vejam em Ti a humilde Escrava do Senhor, aprendam a servir e a reconhecer as necessidades dos compatriotas, como o fizeste Tu em Caná da Galileia, a fim de que a Polónia possa tornar-se uma Nação, onde reinem o amor, a verdade, a justiça e a paz. Seja glorificado nela o nome do teu Filho.

Filha Fiel do eterno Pai, Templo do Amor que abraça o céu e a terra, confio-Te o serviço da Igreja no mundo, que tem tanta necessidade de amor. Mãe de Deus, Mãe do Filho unigénito, que nos deu como princípio de vida o mandamento novo do amor, obtém-nos a graça de nos tornarmos construtores de um mundo solidário, no qual a paz vença a guerra, e a civilização da morte seja substituída pelo amor à vida.

Que o Congresso Eucarístico Internacional em terra polaca se torne para todas as nações o início de um milagre de transformação, no espírito da liberdade, trazida pelo Evangelho de Cristo. Que a humanidade se ponha com firmeza ao lado de Deus, a Quem pertence o mundo inteiro.

Mãe da Unidade e da Paz, fortalece o vínculo de comunhão na Igreja do teu Filho, reaviva os esforços ecuménicos, a fim de que todos os cristãos, em virtude do Espírito Santo, se tornem uma família de irmãs e de irmãos de Jesus Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre (cf. Hb He 13,8).

Virgem, Mãe de Deus, ajuda-nos a entrar no terceiro milénio do cristianismo através da porta santa da fé, da esperança e da caridade.

Ó clemente, ó pia, ó doce Virgem Maria, aceita a nossa confiança, refortalece-a nos nossos corações e apresenta-a diante da face do Deus único na Santíssima Trindade. Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA


SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE AOS PEREGRINOS


PRESENTES NO SANTUÁRIO DE CZESTOCHOWA


4 de Junho de 1997





1. Salve, Jesus, Filho de Maria!

O Congresso Eucarístico Internacional, que teve lugar em Wroclaw, repercute- se agora com um vasto eco na Polónia inteira. Aqui, em Czestochowa, em Jasna Góra, o Congresso foi acompanhado precisamente por este cântico eucarístico e ao mesmo tempo mariano:

«Saudamos-Te, Hóstia viva,
na Qual Jesus Cristo
esconde a divindade.
Salve, Jesus, Filho de Maria,
na santa Hóstia
Vós sois o Deus verdadeiro».

Eu canto com frequência este hino, medito as suas palavras, porque contêm uma grande riqueza teológica. Há outras estrofes; entretanto, queremos deter- nos nesta primeira, que se liga de modo particular à página do Evangelho, lida no nosso encontro de hoje. Conhecemos bem esta passagem, é um dos textos usados com mais frequência na liturgia: o trecho em que o evangelista Lucas descreve as fases salientes da anunciação. O arcanjo Gabriel enviado por Deus a Nazaré, à Virgem Maria, saúda-a com as palavras que constituirão o início da oração, talvez a mais frequentemente recitada, a Ave Maria: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo...» (Lc 1,28). O anjo depois continua: «Achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus» (Lc 1,30-31). E quando Maria pergunta: «Como será isso, se eu não conheço homem?» (Lc 1,34), o anjo responde-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar- Se Filho de Deus» (Lc 1,35). A resposta de Maria é: «Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra » (Lc 1,38).

Deste modo o Verbo eterno Se fez carne. O Filho unigénito de Deus fez-Se homem, assumindo a nossa natureza no seio da Imaculada Virgem de Nazaré. Maria, acolhendo com fé o dom de Deus, o dom do Verbo Encarnado, encontra- se assim no início, na fonte da Eucaristia. A fé da Mãe de Deus introduz a Igreja inteira no mistério da Presença eucarística do Filho. Na liturgia da Igreja, tanto no Ocidente como no Oriente, a Mãe de Deus conduz sempre os fiéis à Eucaristia. Foi, portanto, bom que um ano antes do Congresso Eucarístico de Wroclaw, tenha realizado os seus trabalhos, aqui, em Jasna Góra, o Congresso Mariano, que tratava o tema: «Maria e a Eucaristia». Até mesmo nesta sequência de eventos se põe em evidência, de modo simbólico, a verdade sobre Maria que conduz ao Filho e sobre a Mãe da Igreja que conduz os seus filhos à Eucaristia. Com efeito, para nós, que acreditamos em Jesus Cristo, Maria é a mais perfeita Mestra daquele amor, que permite unir-nos do modo mais completo ao Redentor, no mistério do Seu Sacrifício eucarístico e da Sua presença eucarística.

2. Jasna Góra é o lugar onde a nossa Nação no decurso dos séculos se reuniu para dar testemunho da própria fé e da adesão à comunidade da Igreja de Cristo. Muitas vezes vínhamos aqui, pedindo a Maria a ajuda na luta para conservar a fidelidade a Deus, à Cruz, ao Evangelho, à santa Igreja e aos seus Pastores. Aqui assumíamos as tarefas da vida cristã. Aos pés da Senhora de Jasna Góra encontrávamos a força para permanecer fiéis à Igreja, quando era perseguida, quando devia observar o silêncio e sofrer. Dizíamos sempre «sim» à Igreja, e esta atitude cristã foi um acto de grande amor por ela. A Igreja é, de facto, a nossa mãe espiritual. Devemos a ela se «somos chamados filhos de Deus. E, de facto, somo-lo» (1Jn 3,1) podemos cantar: «Abba, Pai», como cantaram aqui os jovens durante o Dia Mundial da Juventude de 1991 e como o fazeis também vós hoje. A Igreja inscreveu- se para sempre na história da nossa Nação, velando com zelo pela sorte dos seus filhos, especialmente nos momentos de humilhação, de guerras, de perseguições ou de perda da independência.

Aqui, aos pés de Maria, sempre de novo «aprendemos a Igreja», confiada por Cristo aos Apóstolos e a todos nós. O mistério de Maria está unido de modo indissolúvel ao mistério da Igreja, desde o momento da Imaculada Conceição, através da Anunciação, da Visitação, de Belém, de Nazaré, até ao Calvário. Maria, juntamente com os Apóstolos, permaneceu em oração no Cenáculo, aguardando, depois da Ascensão do Filho ao céu, o cumprimento da promessa. Esperava juntamente com eles a vinda do Espírito Santo, que manifestaria publicamente o nascimento da Igreja, e depois vigiava sobre o desenvolvimento da comunidade cristã primitiva.

São Paulo diz que «a Igreja é corpo de Cristo» (cf. 1Co 12,27). Isto significa que ela foi formada segundo o desígnio de Cristo, como uma comunidade de salvação. A Igreja é obra Sua, edifica- se incessantemente em Cristo, pois Ele continua a viver e a actuar nela. A Igreja pertence a Ele e permanecerá Sua para sempre. Devemos ser filhos fiéis da Igreja, que nós próprios formamos. Se com a nossa fé e com a nossa vida dizemos «sim» a Cristo, não podemos deixar de o dizer também à Igreja. Cristo disse aos Apóstolos e aos seus sucessores: «Quem vos ouve é a Mim que ouve, e quem vos rejeita é a Mim que rejeita; mas quem Me rejeita, rejeita Aquele que Me enviou» (Lc 10,16). É verdade que a Igreja é uma realidade também humana, que traz em si todos os limites e as imperfeições dos seres humanos que a compõem, seres pecadores e débeis. Não foi o próprio Cristo que quis que a nossa fé na Igreja se confrontasse com esta dificuldade Procuremos sempre, com magnanimidade e em espírito de confiança, aceitar aquilo que a Igreja nos anuncia e nos ensina. O caminho que nos é indicado por Cristo, vivo na Igreja, conduz-nos ao bem, à verdade, à vida eterna. É Cristo, com efeito, que fala, perdoa e santifica. Um «não» dito à Igreja, seria ao mesmo tempo um «não» a Cristo.

A esta altura quero repetir as palavras do meu Predecessor na Sé de Pedro, Paulo VI, o Papa que amava a Polónia e queria participar nas cerimónias do Milénio em Jasna Góra, a 3 de Maio de 1966, ao qual, porém, as autoridades de então não o concederam. Eis as suas palavras: «Amai a Igreja! Chegou a hora de amar a Igreja com coração forte e novo... os defeitos e o mal-estar mesmo dos homens da Igreja deveriam tornar mais forte e mais solícita a caridade, de quem da Igreja quer ser membro vivo, sadio e paciente. Assim fazem os filhos bons, assim os Santos... Amá-la [a Igreja] significa estimá-la e ser feliz por lhe pertencer, significa ser estrenuamente fiel; significa obedecer-lhe e servi-la, ajudá-la com sacrifício e com alegria na sua árdua missão» (Insegnamenti di Paolo VI, VI 1968, PP 912-913).

«Salve, Jesus, Filho de Maria...», cantamos hoje em Jasna Góra e depois acrescentamos: «Na santa Hóstia Vós sois o Deus verdadeiro». Confessamos crer que, ao receber Cristo na Eucaristia sob as espécies do pão e do vinho, recebemos o verdadeiro Deus. É Ele que Se torna o alimento sobrenatural das nossas almas, quando nos unimos a Ele na santa Comunhão. Demos graças a Cristo pela Igreja por Ele instituída, que vive do Seu sacrifício redentor, que se tornou presente sobre os altares do mundo inteiro. Demos graças a Cristo, porque compartilha connosco a Sua vida divina, que é a vida eterna.

3. É bom que no itinerário da minha visita à Polónia se encontre, também desta vez, Jasna Góra. Quero saudar cordialmente a inteira Arquidiocese de Czestochowa juntamente com o seu Pastor, D. Stanislaw e o seu Auxiliar. Saúdo os queridos Monges de São Paulo, primeiro Eremita, com o seu Prior-Geral. Repeti várias vezes que Jasna Góra é o santuário da Nação, o confessionário e o altar. É o lugar da transformação espiritual, da conversão e da renovação da vida dos Polacos. Permaneça ela assim para sempre. Quero reiterar as palavras que disse aqui, durante a minha primeira peregrinação na Pátria: «Tantas vezes viemos aqui, a este santo lugar, com vigilante atenção pastoral, para ouvir bater o coração da Igreja e da Pátria no coração da Mãe... Este coração, com efeito, pulsa como sabemos com todas as chamadas da história, com todas as alternativas da vida... Todavia, se queremos saber como interpreta esta história o coração dos Polacos, é necessário vir aqui, é necessário aplicar o ouvido a este Santuário, é necessário captar o eco da vida da inteira Nação no coração da sua Mãe e Rainha! E se este coração bate com tom de inquietação, se ressoam nele a solicitude e o grito para a conversão e o reforço das consciências, é necessário corresponder a este convite. Nasce ele do amor materno, que a seu modo forma os processos históricos na terra polaca» (Jasna Góra, 4 de Junho de 1979; L'Osserv. Rom 17/6/1979, pág. Rm 6). Este talvez seja também o lugar mais adequado, para recordar o mais antigo cântico polaco:

«Ó Mãe Divina,
Ó Virgem por Deus glorificada,
Mãe escolhida, envia-nos O Teu Filho Salvador.
Ó Filho de Deus, pelo Vosso Baptista,
Ouvi as nossas vozes,
realizai os pensamentos humanos».

Quantos significados contêm estas breves palavras!

Assim oravam os nossos antepassados e assim o fazem hoje os peregrinos que vêm a Jasna Góra: «Ouvi as nossas vozes, realizai os pensamentos humanos». Também eu o peço durante a peregrinação que faço, nesta ocasião do milénio de Santo Adalberto. Ao encontrar-me hoje neste itinerário do milénio, não posso deixar de recordar outro homem de Deus, que a Providência deu à Igreja na Polónia no final do segundo milénio, um homem que preparou esta Igreja para as celebrações do milénio do Baptismo e que é comummente chamado o Primaz do Milénio. Com que frequência passava aqui o Servo de Deus, Cardeal Stefan Wyszynski, grande devoto da Mãe de Deus, quantas graças obtinha, ajoelhado imóvel diante da imagem de Jasna Góra! Foi precisamente aqui, a 3 de Maio de 1966, que o Cardeal Primaz pronunciou o Acto de Jasna Góra de total servidão à Mãe de Deus, Mãe da Igreja, para a liberdade da Igreja de Cristo no mundo e na Polónia. Há muito que pensar, recordando esse Acto. Retornando com a memória àquele acto histórico, desejo hoje confiar de novo à Rainha de Jasna Góra todas as orações dos Compatriotas e também todas as necessidades e as intenções da Igreja universal e de todos os homens do mundo — por mim conhecidos e desconhecidos, especialmente dos doentes, dos que sofrem e daqueles que estão privados de esperança. Aqui também, aos pés de Maria, quero agradecer todas as graças do Congresso Eucarístico deste ano — todo o bem que ele gerou nas almas dos homens e na vida da Nação e da Igreja.

Mãe da Igreja de Jasna Góra, roga por todos nós. Amém.

Peço que canteis:

«Desde há séculos tu és a Rainha da Polónia». Este poderia ser o «Ó Mãe divina! » dos nossos tempos.

Enfim, desejo saudar de modo particular todas as pessoas consagradas. Hoje representa-vos em Jasna Góra a Comissão dos Superiores Maiores dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica. Trouxe-vos uma mensagem especial sobre a qual podereis reflectir nas vossas casas religiosas e nas vossas comunidades.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA


MENSAGEM DO SANTO PADRE


ÀS PESSOAS CONSAGRADAS


Jasna Góra, 4 de Junho de 1997



Caros Irmãos e Irmãs!

1. «Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, do alto dos Céus, nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. Foi assim que n’Ele nos escolheu antes da constituição do mundo, para sermos santos e imaculados diante dos Seus olhos» (Ep 1,3-4). Com estas palavras de São Paulo saúdo todas as Ordens, as Congregações religiosas, as Sociedades de Vida Apostólica e os Institutos seculares da Polónia. «Bendito seja Deus» pelo dom da vocação à vida consagrada. Por este dom, é necessário incessantemente louvá-l’O e dar-Lhe graças. Antes dos séculos, Ele escolheu-vos em Jesus Cristo, e por amor destinou-vos para Si. Cada um de vós experimentou na vida um particular encontro com Cristo, durante o qual escutou no íntimo do coração o misterioso chamamento: «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-Me» (Mt 19,21). Ao contrário do jovem do Evangelho, respondestes com generosidade a este convite, abraçando a via dos conselhos evangélicos: de castidade, de pobreza e de obediência. Com o coração aberto acolhestes a graça da vocação, como uma «pérola preciosa» (cf. Mt Mt 13,45).

Juntamente convosco dou hoje graças à Santíssima Trindade pelo dom da vida consagrada na nossa Pátria, pelos Santos, os Beatos e os candidatos às honras dos altares dos vossos Institutos, e por todos vós, que «combateis pelo Evangelho » (cf. Fl Ph 4,3) na terra polaca, e também em várias regiões do mundo, de modo especial nos países de missão, anunciando, às vezes até ao heroísmo, «a bondade de Deus, nosso Salvador, e o Seu amor pelos homens» (Tt 3,4).

Com gratidão penso naqueles que, entre vós, levam ajuda à Igreja nos países confinantes, a fim de que ali, após anos de opressão e de perseguição da fé, não haja «ovelhas sem pastor» (cf. Mt Mt 9,36).

Dirijo palavras de particular saudação e de apreço às Comunidades de vida contemplativa, dedicadas totalmente à oração e ao sacrifício e, precisamente por isso, tão frutuosas para o desenvolvimento do Reino de Deus sobre a terra. «Paz a todos vós que estais em Jesus Cristo» (1P 5,14).

2. O Concílio Vaticano II pôs em plena evidência a vida consagrada, afirmando que ela está profundamente unida à santidade e à missão da Igreja. Ela encontra-se no coração mesmo da Igreja, pois exprime a mais profunda essência da vocação cristã: é o dom radical que a pessoa faz de si mesma por amor de Cristo — Mestre e Esposo — e dos irmãos remidos na cruz com o sangue do Salvador. O magistério conciliar, apresentado antes de tudo na Constituição dogmática Lumen gentium e nos Decretos Perfectae caritatis e Ad gentes, nos anos sucessivos fora retomado e desenvolvido, especialmente por Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelica testificatio e nos documentos emanados pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.

Eu mesmo, desde o início do pontificado, solícito pela renovação conciliar da Igreja, dirigi a minha atenção de Pastor à vida e ao apostolado dos consagrados, aos quais compete um papel extremamente importante na evangelização do mundo contemporâneo. Conservo no coração todos os encontros com os religiosos e as religiosas e com os representantes dos Institutos leigos, realizados durante as viagens apostólicas e na Cidade Eterna. Cada ano, na festividade da Apresentação do Senhor, convido as pessoas consagradas para uma comum Eucaristia na Basílica de São Pedro, durante a qual os presentes renovam os seus votos de castidade, de pobreza e de obediência.

Em várias circunstâncias, dirigi-me às Comunidades de vida consagrada, exprimindo o amor que a Igreja nutre pela sua vocação e pelo seu serviço ao Povo de Deus. No Ano jubilar da Redenção, dirigi a todos os religiosos e religiosas do mundo a Exortação Apostólica Redemptionis donum, e no Ano Mariano a Carta dedicada à presença da Virgem Mãe de Deus na vida consagrada. Esta vida — a vossa vida — foi também o tema de muitas das minhas catequeses, dirigidas aos peregrinos durante as Audiências gerais, e encontrou uma exaustiva exposição durante os trabalhos da IX Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, em Outubro de 1994.

Os trabalhos do Sínodo e, sucessivamente, a Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata, que publiquei no ano passado, deram um novo impulso à vida consagrada, aprofundando a sua identidade, espiritualidade e missão na Igreja e no mundo contemporâneo. Este rico Magistério conciliar e pós-conciliar da Igreja, concernente à vida consagrada, deve ser sempre mais bem conhecido, meditado, feito objecto de reflexão pessoal e comunitária, a fim de que as vossas Congregações e os vossos Institutos possam renovar- se e desenvolver-se segundo o desígnio divino, de acordo com o espírito dos vossos Fundadores e em plena comunhão com os Pastores da Igreja. Nutro também a esperança de que as celebrações do «Dia da Vida Consagrada», instituído por mim este ano, constituam para o clero e para os fiéis um estímulo a aprofundarem o conhecimento da beleza da via dos conselhos evangélicos, a exprimirem a Deus a gratidão por este dom e a desenvolverem a pastoral vocacional.

3. No discurso de despedida, dirigido aos Apóstolos antes da Sua paixão, Cristo disse: «Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes fruto» (Jn 15,16). São as palavras que Cristo dirige incessantemente a todos aqueles a quem amou e escolheu, e aos quais confiou a obra da evangelização. Em virtude da consagração baptismal e religiosa, sois chamados a uma doação total à missão de Cristo, «a quem o Pai santificou e enviou ao mundo» (Jn 10,36). Por uma semelhante atitude de responsabilidade em relação ao anúncio do Evangelho, sempre se distinguiram na Igreja as Comunidades de vida consagrada. Nos momentos difíceis da história e nos momentos de crise, o Espírito Santo suscitou novas Ordens e Institutos, a fim de que, mediante a santidade, o serviço abnegado e os carismas dos Fundadores, contribuíssem para a renovação da Igreja. A vossa vocação deriva do núcleo mais profundo do Evangelho e serve, do modo mais frutuoso, a obra da evangelização.

«Ai de mim se não evangelizar!» (1Co 9,16). Estas palavras do Apóstolo das Gentes animavam também os pensamentos e as obras de Santo Adalberto. O amor de Cristo guiou-o para os países e povos que ainda não tinham acolhido a Boa Nova da salvação. Selou, com o sofrimento e com a morte por martírio, a sua profissão de fé e o seu anúncio do Evangelho no Báltico, tornando-se semelhante ao seu Mestre e Senhor. Na atitude e na actividade apostólica de Santo Adalberto manifesta-se o universalismo da missão da Igreja, o universalismo do amor e do serviço, cuja fonte é o Espírito de Jesus Cristo. O Jubileu do martírio de Santo Adalberto, Bispo de Praga e monge beneditino, exorta a reflectir sobre o mandato de Cristo: «Ide, pois, ensinai todas as nações» (Mt 28,19) e exorta a Igreja na Polónia a retomar, com um impulso renovado, a obra da nova evangelização nos anos do Grande Jubileu do Ano 2000.

No limiar do terceiro milénio do cristianismo, todos nos devemos unir na fundamental missão de «revelar Cristo ao mundo, ajudar cada um dos homens para que se encontre a si mesmo n’Ele, ajudar as gerações contemporâneas dos nossos irmãos e irmãs, povos, nações, Estados, humanidade, países ainda não desenvolvidos e países da opulência, ajudar todos, em suma, a conhecer as “imperscrutáveis riquezas de Cristo” (Ep 3,8), pois estas são para todos e cada um dos homens e constituem o bem de cada um deles» (Redemptor hominis RH 11).

Vivemos em tempos de caos, de desorientação e de confusão espirituais, nos quais se percebem várias tendências liberais e laicistas; muitas vezes se cancela abertamente Deus da vida social, quer-se reduzir a fé à esfera puramente privada e, na conduta moral dos homens, infiltra-se um pernicioso relativismo. Difunde-se a indiferença religiosa. A nova evangelização é uma premente necessidade do momento também na Nação polaca, baptizada há mil anos. A Igreja espera de vós que vos dediqueis, com todas as forças, a anunciar à geração contemporânea dos Polacos a verdade sobre a cruz e sobre a ressurreição de Cristo, opondo-vos à maior tentação dos nossos tempos, a de rejeitar o Deus do Amor.

Fixando o olhar no exemplo de Santo Adalberto, trabalhai com zelo e perseverança no aprofundamento da fé e na renovação da vida religiosa dos fiéis, na educação cristã das crianças e dos jovens, na formação do clero, no empenho missionário «até aos extremos confins da terra» (Ac 1,8), nos vários campos da pastoral, do apostolado social, do ecumenismo, da instrução, do mundo da cultura e dos meios de comunicação social. Circundai com particular cuidado os ambientes mais necessitados de ajuda: as famílias que se encontram numa situação difícil, os pobres, os abandonados, os que sofrem, aqueles que são rejeitados por todos. Procurai novas vias, a fim de que o Evangelho possa penetrar em todos os sectores da realidade humana, tendo presente que a nova evangelização não pode transcurar o anúncio da fé e da justiça, a defesa do fundamental direito à vida, desde o momento da concepção até à morte natural, o esclarecimento do mistério da Igreja, Corpo Místico de Cristo.

Amai, também vós, a Mãe-Igreja e vivei os seus problemas, imitando Cristo que «amou a Igreja, e por ela Se entregou » (Ep 5,25). Que a característica do vosso serviço seja sempre o profundo sensus Ecclesiae, que distinguia os vossos Fundadores. Formai também nos leigos uma consciência, mais amadurecida e profunda, da Igreja, para que aumente neles o sentido de pertença e de responsabilidade para com ela.

4. «E por conseguinte, embora sejam sumamente importantes as múltiplas obras de apostolado a que vos dedicais, todavia a obra do apostolado fundamental continua sempre a ser aquilo que vós sois (e ao mesmo tempo quem vós sois) na Igreja» ( Redemptionis donum, 15). A alma da nova evangelização é uma profunda vida interior, pois só aquele que «permanece» em Cristo «produz muito fruto» (cf. Jo Jn 15,5).

Os preparativos para o Congresso Eucarístico Internacional de Wroclaw e o seu solene desenvolvimento repropuseram diante da Igreja, de modo especial na nossa Pátria, o inefável mistério da Eucaristia, e recordaram o «mandamento novo» anunciado por Cristo durante a Última Ceia.

A Eucaristia, «sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal» (Sacrosanctum concilium SC 47), exprime do modo mais perfeito o sentido e a verdade sobre a vossa vocação, sobre a vida fraterna em comunidade e sobre a necessidade de evangelização. A Eucaristia é sacrifício e dom. Como tal, exige uma resposta digna do dom e do sacrifício. As palavras do conhecido cântico eucarístico dizem a respeito de Cristo Senhor: «Dá-Se inteiramente a nós». Uma coerente resposta a este extraordinário Dom é o pleno e generoso dom de si, que encontra a própria expressão no cumprimento fiel dos conselhos evangélicos, isto é, em tender ao amor perfeito de Deus e do próximo, e, como consequência, ao zeloso anúncio da mensagem da salvação. A Eucaristia é uma fonte inexaurível de energia espiritual, que provém directamente do Senhor, o Qual, embora neste «mistério da fé» não fale, contudo repete continuamente: «Eu sou o Primeiro e o Último, O que vive; conheci a morte, mas eis-Me aqui vivo pelos séculos do séculos. E tenho as chaves da Morte e do Inferno» (Ap 1,17-18). A Sua ajuda, proporcionada ao vosso abrir-vos ao mistério do amor, sustém sempre de novo as vossas forças, que às vezes se enfraquecem, e ilumina com a sua luz «as noites da alma». Graças a essa ajuda e em virtude da vossa correspondência, a exortação do Senhor: «Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida» (Ap 2,10), certamente encontrará actuação. Ele «casto, pobre e obediente ao Pai», e hoje na Eucaristia já glorioso, é para vós o penhor para alcançardes a meta do vosso difícil e fascinante caminho rumo à santidade.

Jamais podeis esquecer que sois chamados a dar um testemunho pessoal e comunitário daquela santidade, que é o essencial chamamento da vida consagrada e fonte do dinamismo apostólico da Igreja. Os leigos esperam de vós que sejais, antes de tudo, testemunhas da santidade e guias que indicam a via para a alcançar na vida quotidiana. Convém, portanto, que ofereçais generosamente acolhimento e acompanhamento espiritual àqueles que procuram um vivo contacto com Deus e, ao vosso lado, desejam corroborar o seu empenho de santidade. Há necessidade do vosso testemunho para «favorecer e apoiar a tensão de todo o cristão para a perfeição... O facto de todos serem chamados a tornar- se santos não pode senão estimular ainda mais aqueles que, pela própria opção de vida que fizeram, têm a missão de o recordar aos outros» (Vita consecrata VC 39). O empobrecimento dos valores humanos que está a progredir, ligado aos modelos de vida, que se difundem também na Polónia, baseados sobre a tríplice concupiscência, faz com que uma sincera prática dos conselhos evangélicos adquira um particular carácter de sinal profético. Com efeito, os conselhos evangélicos «propõem... uma “terapia espiritual” para a humanidade, porque recusam a idolatria da criatura e tornam de algum modo visível o Deus vivo» (ibid., 87). A Igreja dos nossos dias na Polónia tem uma enorme necessidade deste sinal profético, se quiser ajudar o homem a fazer bom uso da liberdade.

O testemunho da vossa vida, doada autenticamente e sem reserva a Deus e aos irmãos, é indispensável para tornar Cristo presente no mundo e para alcançar, com o Seu Evangelho, os homens do nosso tempo, que escutam com mais boa vontade testemunhas que mestres e são mais sensíveis aos exemplos vivos que às palavras. Os consagrados devem ser no mundo o sal que não se torna insípido, a luz que não cessa de irradiar sobre o ambiente, a cidade situada sobre o monte, que de longe atrai o olhar (cf. Mt Mt 5,13-16).

A realização do ideal de santidade na vida pessoal e comunitária comporta, como é óbvio, combates espirituais e trabalho pessoal. Os processos de laicização, que se verificam na sociedade, não deixam de afectar as pessoas consagradas a Deus, as quais são também submetidas à tentação de «agir mais que ser». Os participantes no Sínodo dos Bispos, em 1994, puseram em evidência estes perigos. São sempre necessários a vigilância e o discernimento do espírito, para proteger a vida consagrada contra os perigos externos e internos, contra tudo o que poderia levar ao enfraquecimento do impulso original, à superficialidade e à mediocridade no serviço divino. «Não vos conformeis com a mentalidade deste século, — recorda São Paulo — mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (Rm 12,2).

Alegro-me por que a vida religiosa na Polónia se desenvolve e produz magníficos frutos de santidade, como posso testemunhar diante da Igreja também durante esta peregrinação, elevando à glória dos altares os Santos e os Beatos: Jan de Dukla, as Servas de Deus Irmã M. Bernardina Jablonska e Irmã Maria Karlowska.

5. Transmito-vos esta mensagem no Santuário da Senhora de Jasna Góra, onde com tanta frequência vos reunis para a oração, para os dias de retiro e para os Exercícios Espirituais. Maria, primeira entre as criaturas humanas, no momento da anunciação recebeu o dom de Deus — o desígnio eterno da sua participação na missão do Filho. Jesus, ao agonizar na cruz, com as palavras: «Mulher, eis aí o teu filho!» (Jn 19,26) confiou-lhe, como Mãe, João e todos os homens e, de modo particular, aqueles que o Pai «desde sempre conheceu e predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho» (cf. Rm Rm 8,29). Todos os que no decurso dos séculos seguiram a via da imitação de Jesus, foram chamados juntamente com o «discípulo que Ele amava» a «tomar consigo Maria» (cf. Jo Jn 19,27), a amá-la e a imitá-la de modo radical, para experimentarem em contrapartida a sua particular ternura materna.

Maria, a primeira consagrada, é para vós modelo de abertura ao dom de Deus e do acolhimento da graça por parte da criatura, o modelo da doação total a Deus sumamente amado. Ela responde ao dom de Deus, com a obediência da fé que a acompanhou durante a vida inteira. Cada dia estava em contacto com o inefável mistério do Filho de Deus, não só na vida escondida de Jesus, quando juntamente com José permanecia ao lado d’Ele, mas também nos momentos decisivos da actividade pública, e de modo especial no Calvário, quando, ao pé da cruz, estava unida a Ele de maneira muito profunda no sofrer e no louvar a Deus: «Feliz daquela que acreditou» (Lc 1,45). A fé de Maria superou todas as provas sem jamais ceder. Para cada pessoa consagrada a Virgem de Nazaré é «mestra de seguimento incondicional e de assíduo serviço» (Vita consecrata VC 28). Procurai na fé de Maria o sustento para a vossa fé, para anunciardes aos homens de hoje «a fé que actua pela caridade» (Ga 5,6).

No limiar do Grande Jubileu do Ano 2000, confio ao Sacratíssimo Coração de Jesus e ao Coração Imaculado de Maria todas as Ordens, as Congregações, as Sociedades de Vida Apostólica e os Institutos seculares na Polónia, tanto masculinos como femininos.

No caminho da vossa vida e do trabalho apostólico vos acompanhe a minha Bênção Apostólica, a fim de que «em todas as coisas Deus seja glorificado por Jesus Cristo» (1P 4,11).

Jasna Góra, 4 de Junho de 1997.




Discursos João Paulo II 1997 - 3 de Junho de 1997