
Discursos João Paulo II 1999 - Quinta-feira, 21 de Janeiro de 1999
Senhor Presidente da República
Senhores Cardeais e Irmãos no Episcopado
Amadíssimos Irmãos e Irmãs do México!
1. Como há vinte anos, chego hoje ao México e é para mim motivo de imensa alegria encontrar-me de novo nesta terra bendita, onde Santa Maria de Guadalupe é venerada como Mãe querida. Como naquela vez e nas duas visitas sucessivas, venho como apóstolo de Jesus Cristo e Sucessor de São Pedro, confirmar na fé os meus irmãos, anunciando o Evangelho a todos os homens e mulheres. Nesta ocasião, além disso, esta Capital vai ser lugar de um encontro privilegiado e excepcional, devido a uma data histórica: juntamente com Bispos de todo o Continente americano apresentarei amanhã, na Basílica de Guadalupe, os frutos do Sínodo que há mais de um ano se celebrou em Roma.
Os Bispos da América traçaram então os aspectos fundamentais da acção pastoral do futuro que, a partir da fé que compartilhamos, desejamos que corresponda em plenitude ao plano salvífico de Deus e à dignidade do ser humano, no contexto de sociedades justas, reconciliadas e abertas a um progresso técnico que esteja em sintonia com o necessário progresso moral. Essa é a esperança dos Bispos e dos fiéis que expressam a sua fé católica em espanhol, inglês, português, francês ou nas múltiplas línguas próprias das culturas indígenas, que representam as raízes deste continente da esperança.
Nesta tarde, na sede da Nunciatura terei a alegria de assinar a Exortação Apostólica, na qual recolhi as ideias e propostas expressas pelo Episcopado da América. Através da nova evangelização, a Igreja quer revelar melhor a sua identidade: estar mais próxima de Cristo e da sua Palavra; manifestar-se autêntica e livre de condicionamentos mundanos; ser melhor servidora do homem a partir de uma perspectiva evangélica; ser fermento de unidade e não de divisão da humanidade, que se abre a novos, amplos e ainda não bem delineados horizontes.
2. É-me grato saudar agora o Dr. Ernesto Zedillo Ponce de León, Presidente dos Estados Unidos Mexicanos, agradecendo-lhe as amáveis palavras que quis dirigir-me, para me dar as boas-vindas. Na sua pessoa, Senhor Presidente, saúdo todo o povo mexicano, este nobre e querido povo que trabalha, reza e caminha em busca de um futuro sempre melhor nas amplas planícies de Sonora ou de Chihuahua, nas florestas tropicais de Veracruz ou de Chiapas, nos laboriosos centros industriais de Nuevo León ou de Coahuila, aos pés dos grandes vulcões que emergem nos serenos vales de Puebla e da Cidade do México, nos acolhedores portos do Atlântico e do Pacífico. Saúdo também os milhões de mexicanos que vivem e trabalham além das fronteiras pátrias. Sendo esta uma viagem com um aspecto continental, saúdo também todos os que, dum ou doutro modo, estão a seguir estes eventos.
Saúdo com muito afecto os meus Irmãos no Episcopado; em particular, o Senhor Cardeal Norberto Rivera Carrera, Arcebispo Primaz do México, o Presidente e os membros da Conferência do Episcopado Mexicano, assim como os demais Bispos que vieram de outros Países para participar nos actos desta Visita pastoral e, deste modo, renovar e fortalecer os estreitos vínculos de comunhão e afecto entre todas as Igrejas particulares que fazem parte do Continente americano, desde o Alasca até à Terra do Fogo. Nesta saudação o meu coração abre-se também com grande afecto aos queridos sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas, catequistas e fiéis, aos quais me sinto devedor no Senhor. Deus queira que esta Visita, que hoje começa, sirva de encorajamento a todos, no generoso esforço de anunciar Jesus Cristo com renovado ardor em vista do novo Milénio que se aproxima.
3. O povo mexicano, desde quando há vinte anos me acolheu com os braços abertos e repleto de esperança, acompanhou-me em muitos dos caminhos percorridos. Encontrei mexicanos nas audiências gerais de quarta-feira e nos grandes acontecimentos que a Igreja celebrou em Roma e noutros lugares da América e do mundo. Ainda ressoam nos meus ouvidos as saudações com que sempre me acolhem: México, sempre fiel e sempre presente!
Chego a um país onde a fé católica serviu de fundamento à miscigenação, que transformou a antiga pluralidade étnica e antagónica em unidade fraterna e de destino. Não é possível, pois, compreender o México sem a fé, trazida da Espanha a estas terras pelos doze primeiros franciscanos e alicerçada mais tarde por dominicanos, jesuítas, agostinianos e outros pregadores da Palavra salvadora de Cristo. Além da obra evangelizadora, que faz do catolicismo uma parte integrante e fundamental da alma da Nação, os missionários deixaram profundos vestígios culturais e prodigiosos sinais de arte, que hoje são motivo de legítimo orgulho para todos os mexicanos e rica expressão da sua civilização.
Chego a um país cuja história é percorrida, como rios às vezes ocultos e sempre caudalosos, por três realidades que ora se encontram, ora revelam as suas diferenças complementares, sem jamais se confundirem totalmente: a antiga e rica sensibilidade dos povos indígenas que amaram Juan de Zumárraga e Vasco de Quiroga, aos quais muitos desses povos continuam a chamar pais; o cristianismo arraigado na alma dos mexicanos e a moderna racionalidade, de perfil europeu, que tanto quis enaltecer a independência e a liberdade. Sei que não são poucas as mentes clarividentes que se esforçam por que estas correntes de pensamento e de cultura consigam conjugar melhor as suas riquezas, mediante o diálogo, o desenvolvimento sócio-cultural e a vontade de construir um futuro melhor.
Venho a vós, mexicanos de todas as classes e condições sociais, e a vós, irmãos do Continente americano, para vos saudar em nome de Cristo: o Deus que Se fez homem, para que todos os homens possam tomar consciência da sua chamada à filiação divina em Cristo. Juntamente com os meus Irmãos Bispos do México e de toda a América, venho prostrar-me diante do manto do Beato Juan Diego. Pedirei a Santa Maria de Guadalupe, no final de um milénio fecundo e atormentado, que no próximo milénio no México, na América e no mundo inteiro se abram caminhos seguros de fraternidade e de paz. Fraternidade e paz que, em Jesus Cristo, podem encontrar bases sólidas e grandes caminhos de progresso. Com a paz de Cristo, desejo aos mexicanos êxito na busca da concórdia entre todos, já que constituem uma grande Nação que os irmana.
4. Ao sentir-me já prostrado ante a Morenita do Tepeyac, Rainha do México e Imperatriz da América, desde este momento confio aos seus cuidados maternos o destino desta Nação e de todo o Continente. Que o novo século e o novo milénio favoreçam um renascer geral sob o olhar de Cristo, vida e esperança nossa, que nos oferece sempre os caminhos de fraternidade e de sadia convivência humana. Que Santa Maria de Guadalupe ajude o México e a América a caminharem unidos por essas sendas seguras e repletas de luz.
Encontro aqui mexicanos num duplo sentido, uma vez que sois cidadãos deste Estado Federal e cidadãos desta Capital, que tem o mesmo nome. Felicitações!
Senhor Presidente da República
Excelentíssimos Embaixadores
e Chefes de Missão
Ilustres Senhoras e Senhores
1. Estou deveras grato ao Senhor Presidente, Dr. Ernesto Zedillo Ponce de León, pelas suas amáveis palavras ao apresentar-me aos Chefes de Missão diplomática acreditados no México. A apresentação deles ao Papa nesta residência oficial de «Los Pinos» constitui um deferente gesto, que aprecio muito cordialmente.
No âmbito desta visita pastoral, é com muito gosto que me encontro com Vossas Excelências, que tendes a responsabilidade das relações dos vossos respectivos Estados com o México, fortalecendo-as mediante o diálogo e a cooperação, enquanto dais testemunho da importância desta Nação no mundo. Além disso, representais a comunidade internacional com a qual a Santa Sé mantém antigas e sólidas relações, as quais confirmam uma tradição secular que cada dia adquire um renovado vigor.
2. Vivemos num mundo que se apresenta complexo e ao mesmo tempo unitário; as várias comunidades que o formam aproximam-se entre si e os sistemas financeiros e económicos dos quais depende o desenvolvimento integral da humanidade são mais extensos e rápidos. Esta crescente interdependência leva a novas etapas de progresso, mas também existe o perigo de limitar gravemente a liberdade pessoal e comunitária, própria de toda a vida democrática. Por isso, é necessário favorecer um sistema social que permita a todos os povos participarem activamente na promoção de um progresso integral, caso contrário não poucos destes povos poderiam ser impedidos de o alcançar.
O progresso actual, que não tem precedentes, deve permitir a todos os seres humanos assegurarem a própria dignidade e oferecer-lhes uma maior consciência da grandeza do seu próprio destino. Porém, ao mesmo tempo expõe o homem - tanto o mais poderoso como o social e politicamente mais frágil - ao perigo de se transformar num número ou num simples factor económico (cf. Centesimus annus CA 49). Neste caso, o ser humano poderia perder progressivamente a consciência do seu valor transcendente. Esta consciência, por vezes evidente, outras implícita, torna o homem diferente de todos os outros seres da natureza.
3. Fiel à missão recebida do seu fundador, a Igreja proclama incansavelmente que a pessoa humana deve ser o centro de toda a ordem civil e social, bem como de todo o sistema de desenvolvimento técnico e económico. A história humana não pode ir contra o homem. Isto equivaleria a ir contra Deus, cuja imagem viva é o homem, inclusivamente quando é deformada pelo erro ou pela prevaricação.
Esta é a convicção que a Igreja quer propor às Nações Unidas ou ao diálogo amistoso que mantém com Vossas Excelências, membros do Corpo Diplomático, e com as autoridades que representais nas várias partes do mundo. Destes princípios deduzem-se importantes valores morais e cívicos, postos em evidência pelos Bispos da América, congregados em Roma para o Sínodo de 1997.
4. Entre estes valores, sobressaem a conversão das mentes e a solidariedade efectiva entre os vários grupos humanos, como elementos essenciais para a actual vida social a níveis nacional e internacional. A vida internacional exige alguns valores morais comuns como base e algumas regras comuns de colaboração. Certamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo cinquentenário celebrámos no ano passado, assim como outros documentos de valor universal oferecem elementos importantes para a busca desta base moral, comum a todos os países ou, pelo menos, a um grande número deles.
Se observarmos o panorama mundial, vemos que existem determinadas situações facilmente questionáveis. O poder dos países desenvolvidos torna-se cada vez mais oneroso em relação às nações menos desenvolvidas. Nas relações internacionais às vezes dá-se prioridade à economia e não aos valores humanos, enquanto que o debilitamento destes prejudica a liberdade e a democracia. Por outro lado, a corrida aos armamentos faz-nos ver que, em muitos casos, as armas são destinadas à defesa, porém noutros constituem instrumentos realmente ofensivos, utilizados em nome de ideologias nem sempre respeitosas da dignidade humana. Lamentavelmente, o fenómeno da corrupção invade grandes espaços do tecido social de alguns povos, sem que as pessoas que sofrem as suas consequências tenham sempre a possibilidade de reivindicar justiça e responsabilidades. O individualismo permeia também a vida internacional, de maneira que os povos poderosos podem sê-lo cada vez mais e os povos frágeis tornam-se sempre mais dependentes.
5. Diante deste panorama impõem-se com urgência uma adequada conversão das mentalidades e uma solidariedade efectiva, e não somente teórica, entre pessoas e grupos humanos. Eis o que, em união com o Papa, o Episcopado latino-americano vem propondo há decénios. Isto é o que pediram os Bispos do Continente americano durante o Sínodo. A este respeito, são dignas de serem assinaladas as numerosas iniciativas de socorro às populações da vizinha América Central, atingidas pelo furacão «Mitch», nas quais juntamente com outras nações, o México tomou parte com generosidade, dando assim demonstração de um comum sentimento de fraternidade e solidariedade.
A América é um continente que reúne povos grandes e progredidos sob o ponto de vista técnico, e outros relativamente pequenos, com índices de desenvolvimento muito diversificados. Mesmo dentro de um único país, como no caso do México, coexistem situações sociais e humanas muito diversas, que é necessário enfrentar sempre com grande respeito e justiça, utilizando incansavelmente os recursos do diálogo e do entendimento.
A América constitui uma unidade humana e geográfica que vai do Pólo Norte ao Pólo Sul. Não obstante o seu passado afunde as próprias raízes em culturas ancestrais - como a maia, a olmeca, a asteca ou a inca - quando entrou em contacto com o velho continente e também com o cristianismo há mais de cinco séculos, transformou-se numa unidade de destino, singular no mundo. Por isso mesmo, a América constitui um espaço particularmente apropriado para promover valores comuns capazes de assegurar uma conversão eficaz das mentes, em especial das pessoas que têm responsabilidades a níveis nacional e internacional.
6. Este Continente poderá chamar-se «Continente da Esperança» se as comunidades humanas que o integram, assim como as suas classes dirigentes, assumirem uma base ética comum. A Igreja católica e as outras grandes Confissões religiosas presentes na América podem contribuir para esta ética comum com elementos específicos que libertem as consciências de se verem limitadas por ideias nascidas de meros consentimentos circunstanciais. A América e a humanidade inteira têm necessidade de pontos de referência essenciais para todos os cidadãos e responsáveis políticos. «Não matarás», «Não levantarás falso testemunho», «Não roubarás nem cobiçarás as coisas alheias», «Respeitarás a dignidade fundamental da pessoa humana» nas suas dimensões físicas e morais: são princípios intangíveis, sancionados no Decálogo comum para judeus, cristãos e muçulmanos, e próximos das normas de outras grandes religiões. Trata-se de princípios que obrigam tanto cada pessoa humana como as diversas sociedades.
Estes princípios e outros afins hão-de constituir uma barreira contra o atentado à vida, desde o princípio até ao seu fim natural; contra as guerras de expansão e o uso das armas como instrumentos de destruição; contra a corrupção que corrói amplos estratos da sociedade, às vezes com dimensões transnacionais; contra a invasão abusiva da esfera particular por parte de poderes que aprovam esterilizações forçadas ou leis que ameaçam o direito à vida; contra campanhas publicitárias falazes, que condicionam a verdade e determinam o estilo de vida de povos inteiros; contra monopólios que procuram anular iniciativas sadias e limitar o crescimento de sociedades inteiras; contra a difusão do uso das drogas que debilitam a força da juventude e até mesmo a matam.
7. Muito já se fez neste sentido. Abundam as convenções internacionais que têm como finalidade estabelecer um limite a alguns destes abusos. Grupos de nações associam-se para criar espaços económicos onde a vida política, económica e social seja devidamente orientada e melhor salvaguardada por princípios mais justos e conformes com os direitos de cada cidadão, povo e cultura.
Porém, ainda resta muito a fazer. Encontramo-nos no final de um século e de um milénio que, apesar das grandiosas conquistas alcançadas pela ciência e pela técnica, deixam atrás de si evidentes cicatrizes que recordam, de maneira às vezes trágica, a pouca atenção prestada aos mencionados princípios morais. Em vez de os ver ulteriormente violados, é necessário que no novo século e no novo milénio se consolide a sua força ética, moralmente vinculante.
8. Ao fazer-vos partícipes destas considerações, não me inspira outro interesse senão o da defesa da dignidade do homem, nem outra autoridade a não ser a da Palavra divina. Esta Palavra não é minha, mas de Deus que se fez homem para que o homem pudesse ser seu filho. Isento de interesses de parte, ofereço-vos hoje estas reflexões com a esperança de que possam ajudar-vos na vossa tarefa diplomática e também na vossa vida pessoal, desejosos de contribuir para a construção de um mundo mais humano e mais justo do que aquele que nos oferecem o século e o milénio que estão para terminar.
Oxalá no próximo futuro predomine o respeito pela vida, pela verdade e pela dignidade de cada ser humano. Este é o urgente compromisso que nos espera. Deus abençoe a obra que Vossas Excelências realizais! Abençoe o México e os países que representais nesta Cidade privilegiada onde a América e o mundo se encontram e dialogam! Muito obrigado pela vossa atenção!
Queridos Irmãos e Irmãs!
1. Como noutras viagens pastorais em todas as partes do mundo, também nesta minha quarta visita ao México, desejei compartilhar convosco uns momentos na oração e na esperança, queridos doentes hospitalizados neste Centro que tem o nome de «Doutor Adolfo López Mateos», e por meio de vós com todos os demais doentes do País. Quero assegurar-vos o meu afecto e, ao mesmo tempo, associo-me à vossa oração e à dos vossos entes queridos, pedindo a Deus, por intercessão da Santíssima Virgem de Guadalupe, a conveniente saúde do corpo e da alma, a plena identificação dos vossos sofrimentos com os de Cristo e a busca dos motivos que, baseados na fé, nos ajudam a compreender o sentido do sofrimento humano.
Sinto-me muito perto de cada um dos que sofrem, assim como dos médicos e demais profissionais da saúde que prestam o seu abnegado serviço aos doentes. Quereria que a minha voz ultrapassasse estas paredes para levar a todos os doentes e operadores no campo da saúde a voz de Cristo, e oferecer assim uma palavra de consolo na enfermidade e de estímulo na missão da assistência, recordando de modo muito especial o valor que tem o sofrimento no contexto da obra redentora do Salvador.
Estar convosco, servir-vos com amor e competência não é apenas uma obra humanitária e social, mas sobretudo, uma actividade eminentemente evangélica, pois o próprio Cristo nos convida a imitar o bom samaritano que, ao encontrar no seu caminho o homem que sofria, «não passou adiante», mas «encheu-se de piedade, aproximou-se, ligou-lhe as feridas [...] e cuidou dele» (Lc 10,32-34). São muitas as páginas do Evangelho que nos descrevem o encontro de Jesus com pessoas afligidas por diversas enfermidades. Assim, São Mateus nos diz que «Jesus começou a percorrer toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, proclamando a Boa Nova do Reino, e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades. A Sua fama estendeu-se por toda a Síria e traziam-Lhe todos os que sofriam de qualquer mal, os que padeciam de males e de tormentos, os endemoninhados, os lunáticos e os paralíticos; e Ele a todos curava» (4, 23-24). São Pedro, seguindo os passos de Cristo, junto da Porta Formosa do Templo, ajudou um coxo a caminhar (cf. Act Ac 3,2-5) e enquanto se difundiu a voz do ocorrido, «traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e catres, a fim de que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles» (ibid., 5, 15-16). Desde as suas origens, a Igreja, movida pelo Espírito Santo, quis seguir os exemplos de Jesus neste sentido, e por isso considera que é um dever e um privilégio estar ao lado daquele que sofre e cultivar um amor preferencial pelos doentes. Por isso, escrevi na Carta Apostólica Salvifici doloris: «A Igreja, que nasce do mistério da redenção na Cruz de Cristo, tem o dever de procurar o encontro com o homem, de modo particular no caminho do seu sofrimento. É em tal encontro que o homem "se torna o caminho da Igreja"; e este é um dos caminhos mais importantes» (n. 3).
2. O homem é chamado à alegria e à vida feliz, mas experimenta diariamente muitas formas de sofrimento, e a enfermidade é a expressão mais frequente e comum do sofrimento humano. Diante dele é espontâneo perguntar-se: Por que sofremos? Para que sofremos? Tem um significado o facto de as pessoas sofrerem? Pode ser positiva a experiência do sofrimento físico ou moral? Sem dúvida, cada um de nós ter-se-á posto mais de uma vez estas questões, quer no leito da dor, nos momentos de convalescença, antes de se submeter a uma intervenção cirúrgica, quer ao ver sofrer um ente querido.
Para os cristãos, estes não são interrogativos sem resposta. O sofrimento é um mistério, muitas vezes inescrutável para a razão. Faz parte do mistério da pessoa humana, que só se esclarece em Jesus Cristo, que é quem revela ao homem a sua própria identidade. Só a partir d'Ele poderemos encontrar o sentido a tudo o que é humano. O sofrimento - como escrevi na Carta Apostólica Salvifici doloris - «não pode ser transformado e mudado por uma graça que aja do exterior, mas sim por uma graça interior [...]. Este processo interior não se realiza sempre da mesma maneira [...]. Cristo, de facto, não responde directamente e não responde de modo abstracto a esta pergunta humana sobre o sentido do sofrimento. O homem percebe a Sua resposta salvífica à medida que se vai tornando ele próprio participante dos sofrimentos de Cristo. A resposta que lhe chega mediante esta participação... é, antes de mais nada, um apelo: "Segue-Me". Vem!, participa com o teu sofrimento nesta obra da salvação do mundo, que se realiza por meio do Meu próprio sofrimento! Por meio da Minha cruz» (n. 26). Por isso, diante do enigma do sofrimento, os cristãos podem dizer um decidido «faça-se, Senhor, a Vossa vontade» e repetir com Jesus: «Meu Pai, se é possível passe de Mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como Tu queres» (Mt 26,39).
3. A grandeza e dignidade do homem consistem em ser filho de Deus e estar chamado a viver em íntima união com Cristo. Essa participação na Sua vida requer a compartilha do Seu sofrimento. O mais inocente dos homens - o Deus que Se fez homem - foi o grande sofredor que carregou sobre Si o peso das nossas faltas e dos nossos pecados. Quando Ele anuncia aos Seus discípulos que o Filho do Homem devia sofrer muito, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia, adverte ao mesmo tempo que, se alguém quiser vir após Ele, deve negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz de cada dia e segui-l'O (cf. Lc Lc 9,22 ss.). Existe, pois, uma íntima relação entre a Cruz de Jesus - símbolo da dor suprema e preço da nossa verdadeira liberdade - e as nossas dores, sofrimentos, aflições, penas e tormentos que podem pesar sobre as nossas almas ou lançar raízes nos nossos corpos. O sofrimento transforma-se e sublima-se quando se está consciente da proximidade e solidariedade de Deus nesses momentos. É essa a certeza que dá a paz interior e a alegria espiritual próprias do homem que sofre com generosidade e oferece o seu sofrimento «como hóstia viva, santa e agradável a Deus» (Rm 12,1). Aquele que sofre com esses sentimentos, não é um peso para os outros, mas contribui para a salvação de todos com o seu sofrimento.
Vistos assim, o sofrimento, a enfermidade e os momentos obscuros da existência humana, adquirem uma dimensão profunda e inclusive repleta de esperança. Nunca se está sozinho diante do mistério do sofrimento; está-se com Cristo, que dá sentido à vida inteira: aos momentos de alegria e paz, assim como aos momentos de aflição e dor. Com Cristo tudo tem sentido, inclusive o sofrimento e a morte; sem Ele, nada se explica plenamente, nem sequer os legítimos prazeres que Deus uniu aos diversos momentos da vida humana.
4. A situação dos doentes no mundo e na Igreja não é, de modo algum, passiva. A respeito disso, quero recordar as palavras que vos dirigiram os Padres Sinodais, no encerramento da VII Assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos: «Contamos convosco para ensinar ao mundo inteiro o que é o amor. Faremos todo o possível para que encontreis o lugar a que tendes direito na sociedade e na Igreja» (Per Concilii semitas ad Populum Dei Nuntius, 12). Como escrevi na Exortação Apostólica Christifideles laici, «a todos e a cada um se dirige a chamada do Senhor: também os doentes são mandados como trabalhadores para a Sua vinha. O peso que fatiga os membros do corpo e que perturba a serenidade da alma, em vez de os impedir de trabalhar na vinha, convida-os a viver a sua vocação humana e cristã e a participar no crescimento do Reino de Deus com modalidades novas e mesmo preciosas [...]. Muitos doentes podem tornar-se veículo da "alegria do Espírito Santo em muitas tribulações" (1Th 1,6) e ser testemunhas da Ressurreição de Jesus» (n. 53). Neste sentido, é oportuno ter presente que os que vivem em situação de enfermidade não só são chamados a unir o seu sofrimento à Paixão de Cristo, mas também a ter uma parte activa no anúncio do Evangelho, testemunhando, a partir da própria experiência de fé, a força da vida nova e a alegria que vêm do encontro com o Senhor ressuscitado (cf. 2Co 4,10-11 1P 4,13 Rm 8,18 ss. ).
Com estes pensamentos eu quis suscitar em cada um e cada uma de vós os sentimentos que levam a viver as provações actuais com um sentido sobrenatural, sabendo ver nelas uma ocasião para descobrir Deus no meio das trevas e dos interrogativos, e divisar os amplos horizontes que se vislumbram a partir do alto das nossas cruzes de cada dia.
5. Quero fazer a minha saudação extensiva a todos os doentes do México, muitos dos quais estão a seguir esta visita através da rádio ou da televisão; aos seus familiares, amigos e a quantos os ajudam nestes momentos de provação; ao pessoal médico e sanitário, que oferece o contributo da sua ciência e das suas atenções para os superar ou, pelo menos, os tornar mais leves; às autoridades civis que se preocupam pelo progresso dos hospitais e dos demais centros assistenciais dos diferentes Estados e do País inteiro. Quero reservar uma menção especial às pessoas consagradas, que vivem o seu carisma religioso no campo da saúde, assim como aos sacerdotes e aos demais agentes pastorais que os ajudam a encontrar na fé consolo e esperança.
Não posso deixar de agradecer as orações e sacrifícios que muitos de vós oferecem pela minha pessoa e o meu ministério de Pastor da Igreja universal.
Ao entregar esta Mensagem a D. José Lizares Estrada, Bispo Auxiliar de Monterrey e Presidente da Comissão Episcopal de Pastoral no Campo da Saúde, renovo-vos a minha saudação e o meu afecto no Senhor e, por intercessão da Virgem de Guadalupe, que ao Beato Juan Diego disse «Não sou eu a tua saúde?» - manifestando-se assim como aquela a quem nós cristãos invocamos com o título de «Salus infirmorum» - concedo-vos de coração a Bênção Apostólica.
Cidade do México, 24 de Janeiro de 1999.
Amados Irmãos e Irmãs!
1. Concluir-se-ão daqui a pouco um século e um milénio importantíssimos para a história da Igreja e da humanidade. Neste momento significativo estais chamados a tomar renovada consciência do facto que sois os depositários duma rica tradição humana e religiosa. Compete-vos transmitir às novas gerações este património de valores para alimentar a vitalidade e a esperança, tornando-as partícipes da fé cristã que forjou o seu passado e caracterizará o seu futuro.
Faz agora mil anos, em 999, a exaltação dos que adoravam um deus violento, definindo-se seus representantes, fez desaparecer Quetzalcóalt, o rei profeta dos Toltecas, porque se opunha ao uso da força para resolver os conflitos humanos. Ao aproximar-se da morte, apertava entre as mãos uma cruz que para ele e para os seus discípulos era símbolo da coincidência entre todas as ideias em busca da harmonia. Tinha transmitido ao seu povo estes nobres ensinamentos: «O bem impor-se-á sempre sobre o mal». «O homem é o centro de toda a criação». «As armas jamais serão companheiras da palavra; é ela que dispersa as nuvens da tempestade, para que sejamos cumulados da luz divina» (cf. Raúl Horta, El Humanismo en el Nuevo Mundo, cap. II). Nestes e noutros ensinamentos de Quetzalcóalt podemos ver como que uma «preparação evangélica» (cf. Lumen gentium LG 16) que os antepassados de muitos de vós teriam a alegria de acolher quinhentos anos mais tarde.
2. Este milénio conheceu o encontro entre dois mundos, traçando um rumo inédito na história da humanidade. Para vós é o milénio do encontro com Cristo, das aparições de Santa Maria de Guadalupe no monte Tepeyac, da primeira evangelização e da consequente implantação da Igreja na América.
Os últimos cinco séculos deixaram uma marca decisiva na identidade e no destino do Continente. Trata-se de quinhentos anos de história comum, tecida entre as populações autóctones e os povos provenientes da Europa, aos quais se juntaram sucessivamente outros proveninetes da África e da Ásia. Com o característico fenómeno da mestiçagem, tornou-se evidente que todas as raças têm iguais dignidade e direito à própria cultura. Em todo este longo e complexo processo, Cristo esteve constantemente presente no caminho dos povos americanos, dando-lhes como Mãe a Sua mãe, a Virgem Maria, que tanto amais.
3. Como sugere o lema com o qual o México quis receber pela quarta vez o Papa - «Nasce um Milénio. Reafirma- mos a fé» - a nova época que se aproxima deve fazer com que a fé da América em Jesus Cristo se consolide. Será esta fé, vivida quotidianamente por numerosos crentes, que animará e inspirará as normas necessárias para superar as carências no progresso social das comunidades, sobretudo das camponesas e indígenas, e se sobreporá à corrupção que desacredita tantas instituições e cidadãos, desenraizará o narcotráfico, baseado na falta de valores, na ânsia do dinheiro fácil e na inexperiência juvenil, e porá fim à violência que contrapõe de modo cruel irmãos e classes sociais. Só a fé em Cristo dá origem a uma cultura contrária ao egoísmo e à morte.
Pais e avós aqui presentes: é vossa a tarefa de transmitir às novas gerações profundas convicções de fé, práticas cristãs e sadios costumes morais. Nisto, ser-vos-ão de ajuda os ensinamentos do último Concílio.
4. O Concílio Vaticano II, como resposta evangélica à recente evolução do mundo e início duma nova primavera cristã (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 18), foi providencial para o século XX. Este século viu duas guerras mundiais, o horror dos campos de concentração, perseguições e massacres, mas foi também testemunha de progressos que dão esperança no futuro, como o surgimento das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Por isso, apraz-me constatar os benefícios derivados do acolhimento das orientações conciliares, como o profundo sentido de comunhão e de fraternidade entre os Bispos da América que, em estreita união com o Papa, se tornou evidente na celebração do Sínodo que ontem concluí solenemente, o empenho crescente dos leigos na edificação da Igreja, o incremento de movimentos que estimulam a santidade de vida e o apostolado dos seus membros, o aumento das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada que se verifica em vários lu- gares, entre os quais o México.
Às quatro gerações aqui presentes eu pergunto: é verdade que o mundo em que vivemos é ao mesmo tempo grande, frágil e excelso, mas por vezes desorientado? Trata-se dum mundo em alguns aspectos progredido, mas retrógrado noutros? Sem dúvida, este mundo - o nosso mundo - tem necessidade de Cristo, Senhor da história, que ilumina o mistério do homem e com o seu Evangelho o orienta na busca de soluções para os principais problemas do nosso tempo (cf. Gaudium et spes GS 10).
Dado que alguns poderosos voltaram as costas a Cristo, este século que está para se concluir assiste impotente à morte devido à fome de milhões de seres humanos, mesmo se paradoxalmente aumenta a produção agrícola e industrial; renuncia a promover os valores morais, progressivamente corroídos por fenómenos como a droga, a corrupção, o consumismo desenfreado e o hedonismo difundido; contempla inerme o crescente abismo entre Países pobres e endividados e outros fortes e opulentos; continua a ignorar a perversão intrínseca e as terríveis consequências da «cultura da morte»; promove a ecologia, mas ignora que as raízes profundas de qualquer atentado à natureza são a desordem moral e o desprezo do homem pelo homem.
5. América, terra de Cristo e de Maria! Tens um papel importante na construção do mundo novo que o Concílio Vaticano II quis promover. Deves empenhar-te para que a verdade prevaleça sobre tantas formas de mentira, o bem se sobreponha ao mal, a justiça à injustiça, a honestidade à corrupção. Aceita sem hesitações a visão conciliar do homem, criado por Deus e redimido por Jesus Cristo. Desta forma, alcançarás a verdade total dos valores morais, perante a ilusão de certezas momentâneas, precárias e subjectivas.
Nós que constituímos a Igreja - Bispos, sacerdotes, consagrados e leigos - sentimo-nos empenhados no anúncio salvífico de Cristo. Seguindo o seu exemplo, não queremos impor a sua mensagem, mas propô-la em liberdade total, recordando que só Ele tem palavras de vida eterna e confiando plenamente na força e na acção do Espírito Santo no íntimo do coração humano.
Católicos de todas as gerações do século XX, sede portadores e testemunhas da grande esperança da Igreja em todos os ambientes nos quais Deus vos enviou como sementes de fé, de esperança e de um amor sem fronteiras para todos os vossos irmãos!
6. No próximo ano celebraremos dois milénios desde quando «a Palavra Se fez Homem e habitou entre nós» (Jn 1,14). O Filho de Deus feito homem ensinou todos a ser homens e mulheres autênticos, sentindo compaixão pelas multidões que encontrava como ovelhas sem pastor e dando a própria vida pela nossa salvação. A sua presença e a sua acção prosseguem na terra através da Igreja, seu Corpo Místico. Por isso, cada cristão é chamado a anunciar, testemunhar e tornar Cristo presente em todos os ambientes, nas várias culturas e épocas da história.
7. A evangelização, tarefa primordial, missão e vocação própria da Igreja (cf. Evangelii nuntiandi EN 14) nasce precisamente da fé na Palavra, que é a verdadeira luz que ilumina cada homem que vem a este mundo (cf. Jo Jn 1,9). A vós que hoje estais reunidos com o Papa, aqui ou através dos meios de comunicação social, digo: senti-vos responsáveis pela difusão da luz que recebestes!
Dentro em breve concluir-se-ão um século e um milénio nos quais, apesar de tantos conflitos, foi promovido o valor da pessoa acima das estruturas sociais, políticas e económicas. A este propósito, a nova evangelização tem em si também a resposta da Igreja a esta importante mudança de perspectiva histórica. Cada um de vós, com a própria maneira de viver e o empenho cristão, deve testemunhar, em toda a América e no mundo, que Cristo é o verdadeiro promotor da dignidade humana e da sua liberdade.
8. Nós, discípulos de Cristo, desejamos que no próximo século prevaleçam a unidade e não as divisões, a fraternidade e não os antagonismos, a paz e não as guerras. Este é também um objectivo fundamental da nova evangelização. Vós, como filhos da Igreja, deveis empenhar-vos para que a sociedade global que se aproxima não seja espiritualmente indigente nem herde os erros do século que está para se concluir.
Para isto é necessário dizer sim a Deus e empenhar-se com Ele na edificação duma nova sociedade, onde a família seja um âmbito de generosidade e de amor, a razão dialogue serenamente com a fé, a liberdade favoreça uma convivência caracterizada pela solidariedade e pela participação. Com efeito, quem possui como guia e norma de vida o Evangelho não pode permanecer numa atitude passiva, mas deve partilhar e difundir a luz de Cristo, mesmo com o próprio sacrifício.
9. A nova evangelização será semente de esperança para o novo Milénio se vós, católicos de hoje, vos esforçardes por transmitir às gerações futuras o precioso legado de valores humanos e cristãos que deram um sentido à vossa vida. Vós, homens e mulheres, que com o passar dos anos acumulastes preciosos ensinamentos de vida, tendes a missão de fazer com que as novas gerações recebam uma formação cristã sólida durante a sua preparação intelectual e cultural, a fim de evitar que o forte progresso os torne fechados ao transcendente. Por fim, apresentai-vos sempre como incansáveis promotores de diálogo e de concórdia perante o predomínio da força sobre o direito, e da indiferença face aos dramas da fome e das doenças que afligem grandes camadas da população.
10. Por vosso lado, jovens e adolescentes que olhais para o futuro com o coração repleto de esperança, estais chamados a ser os artífices da história e da evangelização no presente e depois no futuro. Uma demonstração do facto que não recebestes em vão uma herança cristã e humana tão rica, será a vossa decidida aspiração à santidade, quer na vida de família que muitos de vós hão-de formar daqui a alguns anos, quer oferecendo-vos a Deus no sacerdócio ou na vida consagrada, se para isso fordes chamados.
O Concílio Vaticano II recordou-nos que todos os baptizados, e não apenas alguns privilegiados, são chamados a encarnar na sua existência a vida de Cristo, a ter os seus mesmos sentimentos e a confiar plenamente na vontade do Pai, entregando-se sem reservas ao seu plano salvífico, iluminados pelo Espírito Santo, repletos de generosidade e de amor incansável pelos irmãos, sobretudo pelos desfavorecidos. O ideal que Jesus Cristo vos propõe e ensina com a sua vida é sem dúvida muito nobre, mas é o único que pode dar plenamente sentido à vida. Por isso, desconfiai dos falsos profetas que propõem outras metas, por vezes mais agradáveis, mas sempre enganadoras. Não vos conformeis com menos!
11. Os cristãos do século XXI têm também uma fonte inexaurível de inspiração nas comunidades eclesiais dos primeiros séculos. Os que viveram na época de Jesus ou ouviram directamente o testemunho dos Apóstolos, sentiram a sua vida transformada e invadida por uma luz nova. Contudo, tiveram que viver a sua fé num mundo indiferente e até hostil. Fazer penetrar a verdade do Evangelho, alterar muitas convicções e costumes que desacreditavam a dignidade humana exigiu grandes sacrifícios, uma constância firme e grande criatividade. Só com a fé inabalável em Cristo, alimentada constantemente pela oração, a escuta da Palavra e a participação assídua na Eucaristia, as primeiras gerações cristãs conseguiram superar aquelas dificuldades e fecundar a história humana com a novidade do Evangelho, derramando muitas vezes o próprio sangue.
Na nova era que inicia, era da informática e dos poderosos meios de comunicação social, próxima duma globalização cada vez mais fluida das relações económicas e sociais, vós, caríssimos jovens, e os vossos coetâneos, tendes diante de vós o desafio de fazer com que a mente e o coração da humanidade se abram à novidade de Cristo e à gratuidade de Deus. Só desta forma se afastará o risco dum mundo e duma história sem alma, envaidecida com as suas conquistas técnicas mas carente de esperança e de significado profundo.
12. Vós, jovens do México e da América, deveis fazer com que o mundo que um dia vos será confiado esteja orientado para Deus e que as instituições políticas ou científicas, financeiras ou culturais se ponham ao serviço autêntico do homem, sem distinção de raça nem de classe social. A sociedade de amanhã deverá saber graças a vós, através da alegria que provém da vossa fé cristã vivida em plenitude, que o coração humano só encontra a paz e a plena felicidade em Deus. Como bons cristãos, deveis ser também cidadãos exemplares, capazes de trabalhar juntamente com os homens de boa vontade para transformar povos e regiões, com a força da verdade de Jesus e duma esperança que não desanima perante as dificuldades. Procurai pôr em prática o conselho de São Paulo: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm 12,21).
13. Deixo-vos como recordação e como prenda as palavras de despedida de Jesus, que iluminam o futuro e alentam a nossa esperança: «Eis que Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28,20).
No nome do Senhor, ide evangelizar com decisão o vosso ambiente, para que seja mais humano, fraterno e solidário, mais respeitoso da natureza que nos foi confiada. Transmiti a fé e os ideais de vida a todos os povos do Continente, não com confrontos inúteis mas com o testemunho da vossa vida. Revelai que Cristo tem palavras de vida eterna, capazes de salvar o homem de ontem, de hoje e de amanhã. Revelai aos vossos irmãos o rosto divino e humano de Jesus Cristo, Alfa e Ómega, Princípio e Fim, o Primeiro e o Último de toda a criação e da história inteira, também da que estais a escrever com a vossa vida.
Discursos João Paulo II 1999 - Quinta-feira, 21 de Janeiro de 1999