
Discursos João Paulo II 1999
A Eucaristia, que nos aprestamos para celebrar, conduz-nos hoje espiritualmente ao Tabor, juntamente com os apóstolos Pedro, Tiago e João, para admirarmos extasiados o esplendor do Senhor transfigurado. No evento da Transfiguração contemplamos o encontro misterioso entre a história, que se edifica cada dia, e a herança bem-aventurada que nos espera no Céu, na união plena com Cristo, Alfa e Ómega, Princípio e Fim.
A nós, peregrinos sobre a terra, é dado alegrar-nos com a companhia do Senhor transfigurado, quando nos imergimos nas coisas do alto mediante a oração e a celebração dos divinos mistérios. Mas, assim como os discípulos, também nós devemos descer do Tabor à existência quotidiana, onde as vicissitudes dos homens interpelam a nossa fé. No monte vimos; pelas estradas da vida é-nos pedido que proclamemos incansavelmente o Evangelho, que ilumina os passos dos crentes.
Esta profunda convicção espiritual guiou a inteira missão eclesial do meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, que retornou à casa do Pai precisamente na festa da Transfiguração, há vinte e um anos. No «Angelus» que ele desejaria pronunciar naquele dia, 6 de Agosto de 1978, afirmava: «A solenidade hodierna lança uma luz deslumbrante sobre a nossa vida quotidiana e faz-nos dirigir a mente ao destino imortal que aquele facto, em si, esconde».
Sim! Paulo VI recorda-nos: somos feitos para a eternidade, e a eternidade começa desde agora, pois o Senhor está no meio de nós, vive com e na sua Igreja.
Enquanto, com intensa comoção, fazemos memória deste meu inesquecível Predecessor na sede de Pedro, oremos a fim de que todo o cristão saiba, da contemplação de Cristo, «resplendor da glória do Pai e imagem da Sua substância» (He 1,3), haurir coragem e constância para o anunciar e o testemunhar de maneira fiel, mediante as palavras e as obras. Maria, Mãe solícita e prestimosa, nos ajude a ser centelha esplendorosa da luz salvífica do seu Filho Jesus.
Queridos jovens da Europa!
Uma saudação muito afectuosa a todos os jovens europeus!
1. Por ocasião do Encontro Europeu de Jovens, dirijo-me a vós, reunidos em Santiago de Compostela junto do túmulo do primeiro Apóstolo que deu a sua vida como testemunha do Senhor. Saúdo-vos de Roma, para vos expressar a minha grande confiança em vós e alegro-me por este Encontro, ao qual me uno em espírito como peregrino da fé. Durante dias ou semanas, a pé ou de modos diversos, percorrestes o Caminho de Santiago partindo de diferentes cidades e nações do nosso querido Velho Continente. Representais a juventude de toda a Europa: a Europa mediterrânea, a central e a nórdica, a Europa anglo-saxónica e a eslava. Sois a juventude europeia que, movida pela fé em Jesus Cristo, se pôs a caminho neste Ano Santo Compostelano, pórtico do Grande Jubileu do Ano 2000.
2. Queridos Jovens: a Igreja olha para vós com confiança, conta convosco. Sois as gerações chamadas a transmitir o dom da fé ao novo milénio. Não desiludais a Cristo que, repleto de amor, vos chama ao seu seguimento e vos envia, como o apóstolo São Tiago, até aos confins da terra. Tomai nas vossas mãos o cajado do peregrino – que é a Palavra de Deus – e ide pelas estradas da Europa anunciando com coragem a Boa Nova de Cristo, o Homem perfeito, o Homem novo, que revela aos homens e às mulheres de todos os tempos a sua grandeza e a sua dignidade de filhos de Deus. Este é hoje o melhor serviço que podeis prestar na vossa vida, com toda a sua radical novidade. Uma novidade capaz de seduzir o coração da juventude pela sua beleza, bondade e verdade.
3. Jovens da Europa: deixai-vos renovar por Cristo! A nova evangelização – da qual deveis ser protagonistas – começa por uma só coisa, pela conversão do coração a Cristo. Vivei em intimidade com Ele; descobri na oração as riquezas da sua pessoa e do seu mistério; recorrei a Ele quando necessitais da graça do perdão; buscai-O na Eucaristia, fonte da vida e servi-O nos pobres e necessitados que esperam a sua passagem benfeitora. Não vos conformeis com a mediocridade. O Reino dos céus é daqueles que se esforçam com tenacidade para entrar nele (cf. Lc Lc 16,16 Mt 11,12). Como eu disse há dez anos nesse Monte do Gozo: não receeis ser santos! Tende a coragem e a humildade de vos apresentar diante do mundo decididos a ser santos, pois da santidade brota a liberdade plena e verdadeira. Esta aspiração ajudar-vos-á a descobrir o amor autêntico, não contaminado pela permissividade egoísta e alienante; far-vos-á crescer em humanidade mediante o estudo e o trabalho; abrir-vos-á a um possível chamado à doação total no sacerdócio ou na vida consagrada; converter- vos-á de «escravos» do poder, prazer, dinheiro ou carreira, em jovens livres, «senhores» da própria vida, sempre dispostos a servir o irmão necessitado, à imagem de Cristo servo, para dar testemunho do Evangelho da caridade.
4. À Virgem Maria, que no Pórtico da Glória da Catedral de Santiago de Compostela aparece representada com o expressivo gesto de aceitar a vontade divina, confio os frutos espirituais do Ano Jubilar Compostelano e deste Encontro Europeu de Jovens. Ela, que segundo uma piedosa tradição foi a válida sustentadora do apóstolo São Tiago, agora é chamada a guiar, como estrela do terceiro milénio, os passos evangelizadores dos novos apóstolos do Senhor na construção de uma Europa unida e amante da paz, fiel às suas raízes cristãs e aos valores autênticos que fizeram gloriosa a sua história e benéfica a sua presença nos demais continentes; uma Europa que ainda possa ser farol de civilização e estímulo de progresso para o mundo.
5. Antes de concluir esta Mensagem, desejo saudar também os Senhores Bispos, os queridos sacerdotes, religiosos e religiosas e todos os que cooperam com eles na pastoral juvenil. Sobre todos vós, peregrinos de Compostela, invoco o «grande perdão» de Deus Pai, rico em misericórdia, e ao confiar-vos sob a poderosa protecção do Senhor São Tiago concedo-vos com grande afecto a Bênção Apostólica: no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
A D. Etienne NGUYÊN NHU THÊ
Arcebispo de Huê
1. Por ocasião do encerramento do Ano Mariano e da 25ª peregrinação trienal ao Santuário de Nossa Senhora de La Vang, mediante a oração associo-me aos fiéis vietnamitas e aos peregrinos que têm recorrido à intercessão materna da Virgem Maria, implorando que a santíssima Mãe acompanhe a Igreja católica no Vietnã ao longo do seu itinerário rumo ao Senhor, assistindo-a no testemunho que está a dar no limiar do terceiro milénio.
«Há dois mil anos que a Igreja é o berço onde Maria depõe Jesus e O confia à adoração e à contemplação de todos os povos» (Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000 Incarnationis mysterium, 11), que jamais deixam de invocar a Mãe de toda a misericórdia. Sob a sua protecção, os homens encontram sempre refúgio e coragem. Efectivamente, Maria «brilha como sinal de esperança segura e de consolação aos olhos do Povo de Deus peregrino» (Lumen gentium LG 68), no meio das dificuldades deste mundo. É a Mãe da Igreja a caminho, que Ela continua a gerar, convidando incessantemente os homens a acolherem a promessa de Deus como Ela mesma fez e, com o auxílio do Espírito Santo, a serem missionários do Evangelho.
2. Seguindo o seu exemplo de maneira totalmente especial na iminência do Grande Jubileu, durante o qual são chamados a uma conversão cada vez mais intensa, os fiéis afirmarão a própria fé, serão mais atentos à palavra de Deus e tornar-se-ão disponíveis aos próprios irmãos. Para todos os discípulos de Cristo, Maria é o paradigma por excelência da vida cristã. Ela dispõe os nossos corações ao acolhimento de Cristo convidando-nos, como fez com os servidores nas núpcias de Caná, a fazer tudo o que Ele disser (cf. Jo Jn 2,5). Exorta-nos a ir ao encontro daqueles que têm necessidade do nosso apoio e da nossa ajuda, como Ela mesma fez em relação à sua prima Isabel (cf. Lc Lc 1,39-45). Assim, havemos de receber desta Mãe muito querida o «gosto» do encontro com Deus e da missão em benefício dos nossos irmãos, que são os dois aspectos da caridade cristã.
Quando nos voltamos para Maria, a nossa esperança reaviva-se. Com efeito, Ela é membro da nossa humanidade e n'Ela contemplamos a glória que Deus promete àqueles que respondem ao seu apelo. Portanto, convido os fiéis a depositarem a própria confiança na nossa Mãe comum, não raro invocada com o vocábulo Stella Maris, a fim de que no meio das tempestades do pecado e das vicissitudes às vezes dolorosas da história, permaneçam firmemente apegados a Cristo e possam dar testemunho do seu amor. «Seguindo-a, não vos perdereis; suplicando-lhe, não conhecereis o desespero; pensando n'Ela, evitareis todos os erros. Se Ela vos sustentar, não vos desencorajareis; se vos proteger, nada temereis; sob a sua guia, desconhecereis o cansaço; graças ao seu favor, alcançareis o objectivo» (São Bernardo, Segunda homilia sobre as palavras do Evangelho: «O Anjo Gabriel foi enviado»).
3. Quando acorrem ao Santuário de Nossa Senhora de La Vang, amado pelos fiéis vietnamitas, os peregrinos vão confiar-lhe as suas alegrias e tristezas, as suas esperanças e sofrimentos. Assim, dirigem-se a Deus e fazem-se intercessores pelas suas famílias e por todo o seu povo, pedindo ao Senhor que insira no coração de todos os homens sentimentos de paz, de fraternidade e de solidariedade, para que todos os habitantes do Vietnã se unam cada vez mais, em vista de edificar um mundo onde se possa viver bem, fundado sobre os valores espirituais e morais essenciais, e onde cada um possa ser reconhecido na sua dignidade de filho de Deus, recorrendo de forma livre e filial ao seu Pai celestial, «rico em misericórdia» (Ep 2,4).
4. Particularmente próximo de vós com o pensamento, neste período em que a Igreja no vosso País honra a Mãe do Salvador, confio-vos à intercessão de Nossa Senhora de La Vang e do íntimo do coração concedo a Bênção apostólica a Vossa Excelência, a todos os Pastores, aos peregrinos que visitarem o Santuário com espírito jubilar e aos fiéis católicos do Vietnã.
Vaticano, 16 de Julho de 1999.
Deus vos recompense por terdes vindo aqui. Completam-se hoje 21 anos, mas parece que tudo aconteceu ontem. Em todo o caso, 21 anos, é já alguma coisa. Todos vós vos tornastes mais velhos.
Concluímos hoje um dia de grande solenidade eclesial: a Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria. Neste mesmo dia, para nós polacos, celebra-se a memória da vitória do «Milagre sobre o Vístula». Entre todos os lugares que pude visitar em Junho passado na Polónia, conservei, de modo particular, no meu coração, Radzymin: o lugar onde se realizou a batalha que decidiu o futuro da guerra contra os comunistas. Esta guerra – como eu já disse – era uma das mais importantes guerras da Europa.
Em espírito retorno àquele lugar. Eu nasci precisamente naquele ano, em 1920. Sempre me pergunto o que teria sucedido sem o «evento de Radzymin», sem o «Milagre sobre o Vístula»? Este evento, este dia, inscreveu-se profundamente na minha história pessoal, na história de todos nós. Vós sois mais jovens, mas sois um prolongamento daquele ano de 1920, daquele «Milagre sobre o Vístula», do «evento de Radzymin».
Estou feliz, porque pudemos terminar assim esta solenidade mariana e, ao mesmo tempo, celebrar uma grande recordação da nossa história nacional. Quereria abençoar todos vós. Abençoe-vos Deus Omnipotente, Pai, Filho e Espírito Santo. Boa noite!
Excelência Reverendíssima
A realização anual do Encontro para a Amizade entre os Povos, que chega à sua vigésima edição, não deixará de suscitar um renovado impulso apostólico em quantos nele participarem. Nesta perspectiva, o Santo Padre confia a Vossa Excelência o encargo de exprimir aos organizadores e aos participantes os sentimentos de estima e de apreço pelo empenho que os anima, assegurando-lhes a sua lembrança na oração, para que desta iniciativa possam resultar copiosos frutos de bem.
O tema, que o Encontro propôs para esta edição – «O desconhecido gera temor, o Mistério gera admiração» – traz à mente as primeiras palavras de Jesus ressuscitado: «Nada receeis» (Mt 28,10), ou as do anjo às mulheres que vão ao sepulcro: «Não vos assusteis...» (Mc 16,6). Jesus Cristo é o Mistério que não só se tornou próximo do homem, mas destruiu pela raiz, de uma vez para sempre, o temor. De facto, Ele tornou conhecido o desconhecido, sendo o Mistério que se nos foi revelado. Cristo venceu o medo do desconhecido, porque venceu a morte tirando-lhe o aguilhão mortal (cf. 1Co 15,55-56). Da propagação do anúncio deste evento admirável ao mundo – Cristo morto e ressuscitado em favor da humanidade – brotou a possibilidade de uma construção plenamente humana da vida pessoal, familiar e social.
Neste final de milénio o homem, nas mais diversas culturas, não consegue esconder a própria preocupação diante dos desafios do novo século que avança. Um indício desse tormento pode ser reconhecido nos novos sincretismos religiosos, que estão a surgir em várias partes do mundo. Eles prometem harmonia e paz como resultado de uma vontade renovada do homem de se salvar por si mesmo, reconciliando-se com a natureza ofendida, com o próprio mal e com os outros homens. Na realidade, essa promessa revela-se incapaz de afastar a angústia que nasce duma vida em que tudo parece confiado ao afã de um «fazer», preocupado com mil coisas, mas no final esquecido da meta última. Com a intenção de melhorar a si mesmo, através das técnicas e das tecnologias, o homem pôs de parte os grandes interrogativos de todos os tempos, os grandes desejos de justiça, de beleza, de verdade. Criou-se assim uma harmonia artificial e frágil, que entra em crise logo que se apresentam de novo fenómenos obscuros como a guerra, as grandes injustiças sociais, as desventuras pessoais, as calamidades naturais. Ressurgem então temores atávicos, procurando-se de muitos modos vias de fuga para os exorcizar. Alguns movimentos artísticos, por exemplo, refugiam-se no abstracto e no virtual, enquanto uma certa ideologia científica propõe um super-homem capaz de se autogerar e de se melhorar até a uma pretendida perfeição. Mas precisamente dessas vias renascem, agigantados, os problemas: pensa-se, por exemplo, na biogenética e nos dramáticos interrogativos por ela apresentados, com os consequentes e legítimos temores que deles surgem.
Muitas vezes o Santo Padre pôs de sobreaviso contra semelhantes e perigosas ilusões, recordando aos cientistas que a «busca da Verdade, mesmo quando se refere a uma realidade limitada do mundo ou do homem, jamais termina; remete sempre para alguma coisa que está acima do objectivo imediato dos estudos, para os interrogativos que abrem o acesso ao Mistério» (Discurso na Universidade de Cracóvia, 8 de Junho de 1997: cf. L'Osserv. Rom 21/6/97, Rm 4, pág. Rm 5).
Hoje, além disso, não são poucos aqueles que, mesmo tendo perdido o último vestígio do admirável evento da Ressurreição, escolhem como campo de fuga o retorno à superstição e procuram vencer o sentimento de solidão e o medo do futuro, mediante o recurso a horóscopos, astrólogos, magos e seitas esotéricas. Trata-se de usos muito semelhantes aos do mundo pagão do século IV. Contra os promotores dessas práticas, já Santo Agostinho punha de sobreaviso e, desmascarando o aspecto ilusório das suas previsões e dos seus cálculos, recordava as palavras da Escritura: «Se chegaram a ter luz suficiente para poderem perscrutar a ordem do universo, como não descobriram mais facilmente o Senhor deles?» (Sg 13,9).
Na Encíclica Fides et ratio, João Paulo II recordou que «todo o homem está integrado numa cultura; depende dela, e sobre ela influi. É simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido. Em cada manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o caracteriza no meio da criação: a sua constante abertura ao mistério e o seu desejo inexaurível de conhecimento. Por consequência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer que a cultura contém em si própria a possibilidade de acolher a revelação divina» (n. 71).
Por que, então, abandonar a via-mestra? Por que não reconhecer aquilo de que o homem tem mais necessidade? Não a prometeica tentativa de superar a própria limitação, mas o abandono confiante nos braços d'Aquele que disse: «Coragem, sou Eu, não tenhais medo» (Mt 14,27), revelando-se como o Mistério bom, que se tornou amigo do homem até à total doação de si. Ao olhar para Ele compreende-se que na origem de tudo está o amor: é este o Mistério que cria e sustenta o inteiro cosmo.
Só percorrendo esta via é possível vencer a insegurança, que está na origem de tanta violência entre os homens. Só assim toda a pesquisa sobre o homem pode enfrentar, sem medo, os aspectos misteriosos de eventos que doutro modo gerariam angústia e que, ao contrário, podem abrir à admiração reflectida e grata. A experiência ensina como é insubstituível para a humanidade Aquele que «revela o homem ao próprio homem» (Gaudium et spes GS 22).
Sua Santidade formula votos cordiais por que os participantes no «Encontro para a Amizade entre os Povos», aprofundando juntos o conhecimento das grandes possibilidades que brotam do acolhimento do mistério de Cristo, testemunhem diante do mundo que, libertados do temor da caducidade e da morte, se pode constituir uma nova unidade para além das fronteiras e das divisões, sem nada temer, porque Jesus ultrapassou de maneira vitoriosa a barreira, contra a qual se debate todo o esforço humano: a barreira da morte.
Ao confiar a Deus, por intercessão da Virgem Santíssima, os trabalhos do Encontro, o Santo Padre concede de coração a propiciadora Bênção Apostólica a Vossa Excelência e a todos os participantes.
Também eu formulo votos por que o Encontro possa alcançar todo o almejado fruto espiritual, e aproveito a circunstância para me confirmar, com sentimentos de distinto obséquio,
Seu devotíssimo no Senhor
Angelo Card. SODANO
Distintas Senhoras e ilustres
Senhores Caríssimos Irmãos e Irmãs!
1. Na conclusão deste concerto, desejo dirigir um cordial agradecimento aos Artistas do Quarteto «Contempo», que com sensibilidade e perícia nos proporcionaram um momento de intensa contemplação estética. O meu agradecimento estende-se também à Embaixada da Roménia junto da Santa Sé, que projectou e organizou este sarau musical.
Os trechos, no alternar-se de fases serenas e vivazes, dramáticas e pungentes, foram para todos nós ocasião de envolvimento e de reflexão. Com efeito, a arte seria vazia exercitação estética, se não abrisse à intuição do aspecto mais profundo da realidade, traduzindo-se em convite ao empenho, a fim de que quanto foi percebido não permaneça abstracção vã, mas se concretize na vida de cada dia levando-lhe luz de beleza e de verdade. A arte, escrevi na Carta aos Artistas, é «apelo ao Mistério» (n. 10).
A experiência artística oferece-nos duas indicações pedagógicas, de modo particular: indicações que, por sua vez, se tornam inspirações para a vida. A primeira é dada pela constatação da harmonia que deriva da diversidade: a beleza brota de várias componentes, que não se anulam reciprocamente, mas se fundem num único desígnio. A segunda é relativa à nobreza dos sentimentos: a beleza nunca é fruto de rebaixamento e mediocridade, mas de tensão para aquilo que é mais alto e mais perfeito. No empenho em realizar estes valores na existência quotidiana, cada pessoa individualmente e as sociedades crescem e amadurecem.
2. Um ulterior motivo torna esta apresentação musical particularmente grata e evocadora: há poucos meses, tive a alegria de visitar a Roménia, encontrando-me com Autoridades e cidadãos daquela amada Nação e acolhendo no meu coração propósitos e esperanças das mulheres e dos homens daquela ilustre terra. A música desta noite, quase eco fiel das riquezas culturais do povo romeno, traz de novo à minha memória aquele encontro extraordinário, rico de cordialidade e de partilha, e renova em mim admiração sincera pela história, a civilização e as realizações daquele grande povo.
A Vossa Excelência, Senhor Embaixador, peço que se faça intérprete dos meus sentimentos de estima sincera e de cordial proximidade junto das Autoridades do seu País. Aos exímios artistas desejo um promissor caminho profissional e uma realização humana ainda mais satisfatória.
O Senhor, Deus da beleza e da harmonia, encha de alegria a vossa vida, cumulando cada um com as suas bênçãos.
Caríssimos Irmãos e Irmãs!
1. Sinto-me feliz por me encontrar convosco numa ocasião tão significativa como esta: celebrais neste ano o VIII centenário de fundação da Ordem da Santíssima Trindade e o IV da sua reforma. Portanto, de maneira oportuna a Família trinitária, que afunda as suas raízes no projecto do Fundador São João da Mata e vive do mesmo carisma, pensou em reunir-se em «Assembleia Geral» para reflectir juntos acerca dos problemas comuns e das possíveis soluções no limiar do novo milénio.
Saúdo o Ministro-Geral da Ordem e agradeço-lhe as gentis palavras que me dirigiu. Com ele, saúdo os responsáveis dos vários Institutos que fazem parte da Família trinitária, bem como os religiosos, as religiosas e os leigos que vieram de todas as partes do mundo para esta Assembleia. Ela constitui um momento particularmente propício para intensificar o caminho de fidelidade ao dom do Espírito recebido do Fundador, e para vos inserir de modo mais vital na renovação querida pelo Concílio Vaticano II, de modo a poder responder às exigências e solicitações do mundo de hoje.
2. No decurso de oito séculos, através de múltiplas vicissitudes históricas, a Família trinitária, animada e vivificada pelo carisma originário centrado na glorificação da Trindade e na dedicação à redenção do homem, desenvolveu-se e propagou-se na Igreja e no mundo mediante o florescimento de vários Institutos e de diversas Associações laicais. Cada organismo se reconhece em nome da Trindade, à qual está consagrado de modo especial, e em S. João da Mata, que veneram como Pai comum. Todos participam do mesmo carisma de glorificação da Trindade e de empenho pela redenção do homem, dedicando-se a obras de caridade e de libertação a favor dos pobres e dos escravos do nosso tempo.
Hoje a Família trinitária é composta tanto por religiosos como por religiosas de vida quer contemplativa quer activa. Estas dividem-se em diversas Congregações: as irmãs Trinitárias de Valença (França), de Roma, de Valença (Espanha), de Madrid, de Maiorca e de Sevilha. Além disso, existe o Instituto Secular das Oblatas Trinitárias e a Ordem Secular Trinitária, juntamente com as Confrarias e numerosas Associações do Laicado Trinitário, que testemunham no mundo a dimensão secular do espírito trinitário.
A todos renovo a exortação a que vivam com generosa fidelidade o carisma originário, que mantém uma extraordinária actualidade no mundo de hoje. O homem contemporâneo precisa de ouvir anunciar a salvação em nome da Santíssima Trindade e de ser salvaguardado de correntes não menos perigosas porque menos evidentes das de outrora. Por conseguinte, a Família trinitária fará bem em pôr-se à escuta das implorações que fazem as vítimas das modernas formas de escravidão, a fim de encontrar vias concretas de resposta às suas prementes expectativas.
Sustentam-vos na vossa reflexão e no vosso empenho os numerosos irmãos e irmãs que vos precederam e vos deixaram exemplos luminosos de virtudes e de santidade na actuação do mesmo carisma: religiosos, religiosas e leigos cujos nomes, muitas vezes coroados de sangue, estão inscritos no álbum dos santos e vivem no testemunho da tradição trinitária.
3. À luz deste heróico testemunho, desejais preparar projectos concretos com os quais entrar no novo milénio. Pensastes sobretudo em instituir um organismo internacional da Família trinitária, mediante o qual poder intervir de modo mais eficaz em defesa dos perseguidos ou discriminados devido à fé religiosa ou à fidelidade à sua consciência ou ainda aos valores do Evangelho. Destes ao novo organismo o nome de «Solidariedade Internacional Trinitária», desejando envolver toda a Família no serviço a muitas pessoas que sofrem e são infelizes, que na sua miséria suspiram por uma «epifania» de Cristo Redentor. Outro projecto muito significativo é de uma nova fundação no Sudão, que programastes como expressão da missão redentora e misericordiosa própria da Ordem. A iniciativa propõe-se, juntamente com o apostolado missionário e de libertação, o diálogo inter-religioso entre Cristianismo e Islão, segundo as indicações dadas pelo Concílio Vaticano II e retomadas e desenvolvidas por sucessivos documentos do Magistério.
4. O Grande Jubileu da Encarnação constitui para toda a Família trinitária um ulterior estímulo a aprofundar a meditação do Mistério trinitário, no qual ela reconhece o centro da própria espiritualidade. Haurindo daquela inexaurível Fonte, ela não deixará de se empenhar no progresso de todas as potencialidades da consagração trinitária, enriquecendo-a com uma nova plenitude. Desta experiência trinitária intensamente vivida surge um renovado empenho de libertação em relação a qualquer forma de opressão.
O Capítulo Geral extraordinário, concluído nestes dias, pôs no centro da vossa reflexão o tema da Domus Trinitatis et Captivorum. No espírito original do projecto de São João da Mata – merecedor de valorização também nos nossos dias – nesta Domus deve reinar o dinamismo do amor, que tem a sua origem no mistério trinitário e se expande aos privilegiados de Deus: escravos e pobres. O Espírito do Pai e do Filho, que é amor, estimula-vos a fazer-vos dom de amor aos outros. A unidade e a caridade serão o melhor testemunho da vossa vocação trinitária na Igreja.
A Virgem Santíssima, que há séculos invocais todos os dias com a bonita oração: «Ave, Filia Dei Patris, Ave, Mater Dei Filii, Ave, Sponsa Spiritus Sancti, Sacrarium Sanctissimae Trinitatis», vos introduza cada vez mais na agradável contemplaçãoistério e vos ajude a viver os dias do Grande Jubileu como tempo de renovada esperança e de sereno júbilo no espírito.
Com estes votos, concedo de coração a vós e a todos os componentes da Família trinitária uma especial Bênção apostólica.
: Venerados Irmãos no Episcopado
Distintas Senhoras e Senhores
Caríssimos Irmãos e Irmãs!
1. Com grande alegria dou hoje as boas-vindas a todos vós que participais na Semana internacional de estudos, promovida pelo Pontifício Instituto para os Estudos sobre o Matrimónio e a Família. Antes de tudo, saúdo D. Angelo Scola, Reitor Magnífico da Pontifícia Universidade Lateranense e Director do Instituto, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu no início do nosso encontro. Juntamente com ele, saúdo D. Carlo Caffarra, Arcebispo de Ferrara e o seu predecessor; o Cardeal Vigário Camillo Ruini e o Cardeal Alfonso López Trujillo, Presidente do Pontifício Conselho para a Família; os Prelados presentes, os ilustres professores, que me expuseram interessantes considerações, e quantos, a vários títulos, cooperam para o bom resultado desta vossa Assembleia. Saúdo todos vós, caros membros dos corpos docentes das várias sedes do Instituto que vos reunistes aqui em Roma para uma reflexão orgânica sobre o fundamento do desígnio divino sobre o matrimónio e a família. Obrigado pelo vosso empenho e pelo serviço que prestais à Igreja.
2. Desde quando nasceu há dezoito anos, o Instituto para os Estudos sobre o Matrimónio e a Família cuidou do aprofundamento do desígnio de Deus sobre a pessoa, o matrimónio e a família, conjugando a reflexão teológica, filosófica e científica com uma constante atenção à cura animarum.
Esta relação entre pensamento e vida, entre teologia e pastoral, é verdadeiramente decisiva. Se olho para a minha própria experiência, não me é difícil reconhecer quanto o trabalho realizado com os jovens na pastoral universitária de Cracóvia me ajudou na meditação sobre aspectos fundamentais da vida cristã. A convivência quotidiana com os jovens, a possibilidade de os acompanhar nas suas alegrias e fadigas, o seu desejo de viver plenamente a vocação à qual o Senhor os chamava, ajudaram-me a compreender de modo sempre mais profundo a verdade de que o homem cresce e amadurece no amor, isto é, no dom de si, e que precisamente ao doar-se recebe em troca a possibilidade do próprio cumprimento. Este princípio tem uma das suas mais elevadas expressões no matrimónio, que «é uma instituição sapiente do Criador, para realizar na humanidade o seu desígnio de amor. Mediante a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um mútuo aperfeiçoamento pessoal, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas» (Humanae vitae HV 8).
3. Movendo-se nesta inspiração de profunda unidade entre a verdade anunciada pela Igreja e as concretas opções e experiências de vida, o vosso Instituto prestou um louvável serviço durante estes anos. Com as Secções presentes em Roma na Pontifícia Universidade Lateranense, em Washington, na Cidade do México e em Valença, com os centros académicos de Cotonou (Benim), Salvador da Bahia (Brasil) e Changanacherry (Índia), cujo itinerário de incorporação ao Instituto já foi começado, e com o próximo início do centro de Melbourne (Austrália), o Instituto poderá contar com sedes próprias nos cinco continentes. É um desenvolvimento pelo qual queremos dar graças ao Senhor, enquanto olhamos com imperioso reconhecimento para quantos deram e continuam a dar o seu contributo para a realização desta obra.
4. Desejaria agora, juntamente convosco, dirigir o olhar para o futuro, partindo de uma atenta consideração das urgências que, neste campo, se apresentam hoje à missão da Igreja e, portanto, ao vosso próprio Instituto.
Em relação aos dezoito anos passados, quando iniciava o vosso caminho académico, a provocação dirigida pela mentalidade secular à verdade sobre a pessoa, o matrimónio e a família tornou-se, num certo sentido, ainda mais radical. Já não se trata apenas de pôr em discussão cada uma das normas da ética sexual e familiar. À imagem de homem/mulher própria da razão natural e, em particular, do cristianismo, opõe-se uma antropologia alternativa. Ela rejeita o dado, inscrito na corporeidade, de que a diferença sexual possui um carácter identificador para a pessoa; por consequência, entra em crise o conceito de família fundada sobre o matrimónio indissolúvel entre um homem e uma mulher, como célula natural e basilar da sociedade. A paternidade e a maternidade são concebidas só como projecto privado, a realizar também mediante a aplicação de técnicas biomédicas, que podem prescindir do exercício da sexualidade conjugal. Postula-se, desse modo, uma inaceitável «divisão entre liberdade e natureza», que ao contrário estão «harmonicamente ligadas entre si e intimamente aliadas uma à outra» (Veritatis splendor VS 50).
Na realidade, a conotação sexual da corporeidade é parte integrante do plano divino originário, no qual homem e mulher são criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn Gn 1,27) e chamados a realizar uma comunhão de pessoas, fiel e livre, indissolúvel e fecunda, como reflexo da riqueza do amor trinitário (cf. Cl Col 1,15-16).
Discursos João Paulo II 1999