Discursos João Paulo II 1999 - Sábado, 11 de Setembro de 1999

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DO JAPÃO JUNTO


DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 11 de Setembro de 1999



Senhor Embaixador

É-me particularmente grato acolher Vossa Excelência por ocasião da apresentação das Cartas através das quais Sua Majestade o Imperador Akihito o acredita como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Japão junto da Santa Sé.

Senhor Embaixador, sensibilizaram- me as deferentes palavras que Vossa Excelência acaba de me dirigir e os bons votos por ocasião do vigésimo aniversário do meu Pontificado. Agradeço-lhe ter-se feito intérprete do seu Soberano e agradeceria se lhe retribuísse com os meus ardentes votos pela sua pessoa, pela sua família imperial, pelos membros do governo e pelo conjunto do povo japonês. Recordo-me da visita que o Primeiro-Ministro do seu país me prestou no início do passado mês de Janeiro, visita esta que constitui uma das manifestações do revigoramento dos vínculos de cordialidade que unem a Sé apostólica ao Japão.

Neste ano, o seu país comemora o 450° aniversário da chegada ao Japão de São Francisco Xavier, padroeiro das missões: ele é uma grandiosa figura à qual os japoneses são particularmente afeiçoados. É o símbolo de uma profunda experiência espiritual e de um íntimo ligame com Cristo, que impelem os discípulos a anunciarem o Evangelho e a colocarem-se ao serviço dos seus irmãos em todos os continentes. Sob este ponto de vista, pode-se dizer que o grande santo, que faz parte tanto da vossa história como daquela do seu país de origem, contribuiu para lançar pontes e entretecer relações fraternas entre o Ocidente e o Oriente. A vida e a obra de São Francisco Xavier recorda-nos inclusive a importância da liberdade espiritual e religiosa que, no respeito dos princípios da sociedade civil, constituem condições indispensáveis para a edificação de uma nação, assim como para a colaboração e a amizade entre os povos. Ao longo da história, o cristianismo sempre teve a solicitude de unir e congregar os homens e os povos, auxiliando-os indefessamente a construir uma sociedade mais justa e fraterna, e a promover o advento da paz, indispensável para o crescimento integral das pessoas e das comunidades humanas em geral. Neste espírito, é oportuno elogiar a atitude de tolerância do Japão, que permanece fiel às suas tradições de abertura às diferentes religiões – esta é uma garantia do respeito de todas as liberdades individuais e comunitárias – enquanto se prodigaliza em cuidar da salvaguarda das pessoas contra eventuais movimentos que impedem as liberdades e podem colocar em grave perigo os cidadãos, particularmente os mais frágeis.

Não se pode esquecer o facto de que o seu país é um dos símbolos da paz, como Vossa Excelência acaba de ressaltar, uma vez que as cidades de Hiroxima e de Nagasáqui são para todos os homens de hoje uma mensagem que convida cada um dos povos da terra a haurir lições de história e a comprometer-se de maneira sempre mais decidida em benefício da paz. Efectivamente, elas evocam para os contemporâneos todos os crimes cometidos contra as populações civis durante a segunda guerra mundial, crimes e verdadeiros genocídios que pensávamos que jamais viessem a repetir-se e que contudo ainda são perpetrados em várias regiões do planeta. A fim de não esquecermos as atrocidades do passado, é importante que as jovens gerações compreendam o valor incomparável da paz entre as pessoas e entre os povos, dado que a cultura da paz é contagiosa mas está longe de se ter difundido no mundo inteiro, como o demonstram os focos de conflito ainda acesos. É preciso que repitamos sem cessar que a paz é o princípio primordial da vida comum no seio de todas as sociedades.

Embora sejam pouco numerosos, os católicos são chamados a tomar uma parte activa na vida pública da sociedade nipónica, ao lado do conjunto dos seus compatriotas, para participarem na evolução e na transformação da mesma, a fim de que esta se dedique cada vez mais ao serviço das pessoas, que hão-de constituir o cerne das preocupações de todos aqueles que são responsáveis pela administração pública, de forma especial nos campos da política e da economia. Em conformidade com a sua longa tradição, tendo em vista a solicitude do bem comum, a Igreja dá continuidade à própria actividade no seu país, Senhor Embaixador, especialmente no sector da educação, tendo o cuidado de transmitir às jovens gerações o sentido cívico e também os valores espirituais e morais essenciais para a sua vida pessoal e para a própria inserção na sociedade; ela ajuda-os inclusivamente a esperarem no futuro, propondo-lhes um ideal, e a prepararem-se para as funções que os jovens serão chamados a assumir ao serviço do próprio país.

Sem um compromisso efectivo na visociedade e na busca de formas sempre renovadas de administrar as questões, a fim de que eles possam entender e fazer compreender aos seus compatriotas os fundamentos antropológicos e éticos dos comportamentos e das decisões relativas à gestão da res publica, assim como a necessidade da solidariedade nacional e internacional, à qual o Senhor Embaixador fez referência. Nesta perspectiva, enquanto actualmente a vossa região está a atravessar graves dificuldades económicas, o Japão tem um papel importante a desempenhar, para que os problemas não pesem de maneira inconsiderada sobre os países mais débeis e frágeis; com efeito, é essencial que todos se mobilizem em vista de evitar que cada vez mais pessoas e famílias se encontrem em situações de precariedade e pobreza. Portanto, exorto o povo japonês a uma solidariedade cada vez maior para com aqueles que são atingidos pela crise, tanto no próprio país como em todo o sudeste asiático.

No momento em que Vossa Excelência dá início a sua missão de Representante do Japão junto da Sé apostólica, formulo-lhe os meus melhores votos, desejando que cumpra a sua tarefa com uma intensidade particular durante o ano jubilar. Posso assegurar-lhe que junto dos meus colaboradores encontrará um caloroso acolhimento e uma atenta compreensão.

No termo do nosso encontro, peço ao Altíssimo que faça descer as suas bênçãos sobre Sua Majestade o Imperador Akihito e a família imperial, sobre o povo nipónico, sobre aqueles que no limiar do terceiro milénio são responsáveis pelo destino do país, sobre Vossa Excelência e os seus entes queridos, assim como sobre o pessoal da Embaixada em geral.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


APÓS O CONCERTO PROMOVIDO PELA


FUNDAÇÃO "LUCCHINI" DE BRÉSCIA


Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Domingo, 12 de Setembro de 1999



No termo deste sugestivo sarau musical, é-me grato dirigir uma cordial saudação a todos vós, ilustres Senhores e Senhoras, que participastes no Concerto promovido pela Fundação "Lucchini" de Bréscia. Saúdo antes de tudo o Presidente, Dr. Luigi Lucchini, e agradeço-lhe as amáveis palavras que há pouco me dirigiu.

Exprimo depois o meu apreço ao jovem pianista Daniele Alberti, que tocou com grande e apaixonada habilidade.

Na comemoração do 150º aniversário da morte do compositor e pianista polaco Frederico Chopin, a vossa Fundação programou uma série de concertos nalgumas localidades significativas para a vida do grande músico.

Estou grato aos Organizadores, porque quiseram que a primeira dessas iniciativas se realizasse precisamente aqui em Castel Gandolfo. Formulo os melhores votos a fim de que a vossa benemérita Fundação possa contribuir, com as suas múltiplas actividades, para difundir os valores humanos e espirituais que constituem a base indispensável do progresso moral, civil e económico da inteira colectividade.

2. De Chopin, considerado um dos maiores músicos do romanticismo europeu, escutámos alguns Nocturnos dos quais emergiu, límpido e palpitante, o requinte interior do grande Mestre, que sabia abstrair-se do mundo exterior para se imergir na alma humana, delineando os seus traços mais delicados e subtis com uma linguagem musical extraordinariamente expressiva. No sucessivo Fantasia-Improviso em Dó díese menor e nas Valsas pudemos admirar a inspiração original e a alta veia poética do autor. Foram enfim propostas algumas Polacas: páginas musicais nas quais Chopin, recordando motivos escutados quando era criança, reevoca a pátria distante e inesquecível.

Ao escutar a execução magistral de Daniele Alberti, eu pensava que também este concerto representa um significativo testemunho daquela unidade cultural e espiritual da Europa, à qual a tradição cristã deu ao longo dos séculos, e continua a oferecer actualmente, uma contribuição fundamental.

Ao renovar, também em nome dos presentes, um vivo agradecimento tanto aos promotores do sarau como ao exímio Pianista, formulo cordiais votos por que as iniciativas empreendidas pela Fundação "Lucchini" na comemoração aniversária da morte de Chopin, constituam uma oportunidade privilegiada para favorecer a compreensão entre as pessoas e os povos.

Com estes sentimentos, invoco sobre cada um dos presentes e as respectivas famílias a constante protecção do Senhor e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.

Quero ainda agradecer esta iniciativa vinda de Bréscia, a cidade de Paulo VI e também do Monsenhor Substituto. A circunstância dos 150 anos da morte de Frederico Chopin é particularmente eloquente. Bem Sabemos o que significa este nome e a sua criatividade na história da Polónia, da cultura polaca, e não só: também na história europeia, universal. Por este motivo, quero ainda agradecer e desejar ao jovem artista e inclusive à Fundação uma boa continuação.

Obrigado a todos!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR RANIERO AVOGADRO,


NOVO EMBAIXADOR DA ITÁLIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DA CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 13 de Setembro de 1999



Senhor Embaixador!

É-me particularmente grato acolhê-lo e apresentar-lhe os mais ardentes bons votos para o alto cargo de Embaixador da Itália, ao qual hoje Vossa Excelência dá início de forma oficial. Ao agradecer- lhe as nobres expressões que me dirigiu, desejo enviar uma saudação reverente e cordial a Sua Excelência o Prof. Carlo Azeglio Ciampi, Presidente da República, ao qual renovo os meus calorosos votos de todo o bem a poucos meses da eleição para a suprema magistratura da República Italiana.

A missão apostólica do Romano Pontífice não conhece limites territoriais e para todos os povos ele é igualmente pai atento e solícito. Contudo, é especialíssima a relação que o une a Roma e à Itália: à Urbe veio Pedro, que aqui derramou o seu sangue; de Roma os Sucessores de Pedro promoveram a difusão da Boa Nova no mundo. No arco de dois milénios esta singular missão jamais esmoreceu, nem sequer quando, durante um breve período, circunstâncias externas afastaram os Papas da Cidade que era, é e continua a ser a sua sede natural.

Este dado histórico, por si mesmo tão significativo, não é de modo algum exterior e material. O catolicismo plasmou o País com infinitos sinais de fé e de caridade. Se é verdade que a Itália detém um glorioso primado de obras de arte, é também verdade que grande parte delas tem uma vigorosa característica, e muitas vezes também um preciso destino religioso. Por outro lado, é imperioso reconhecer que a Itália deu muitíssimo à Igreja: com Santos de estatura excepcional, com insignes personalidades em cada ordem do Povo de Deus, com singulares contributos de génio e de estilo à Cúria Romana, que soube assim mediar de maneira eficaz as tensões e os conflitos, que durante muito tempo minaram a unidade da Europa e insidiaram a paz no mundo.

Felizmente o século XX superou as incompreensões e as crises que acompanharam a constituição da Itália em livre estado nacional. A respeito disso, o Papa Paulo VI julgou de algum modo providencial a superação do domínio temporal, que aliás no passado tivera a sua inegável função. Tendo sido mitigadas as lacerações que contristaram os antepassados, o novo século consentiu chegar a uma solução equilibrada, que encontrou confirmação também durante as vicissitudes não fáceis destas últimas décadas. Já no final do primeiro conflito mundial, à Itália e à Santa Sé parecia que o dissídio do século XIX fosse conciliável, mas mediante os Pactos Lateranenses chegou-se finalmente a uma completa sistematização das relações. São estas as tábuas fundadoras da convivência, que com o Tratado sancionaram, entre outras coisas, a constituição do «Estado da Cidade do Vaticano», dotado daquele mínimo de base territorial necessária para assegurar ao Pontífice e à Santa Sé absoluta soberania e independência. A Concordata, depois, para além da letra do dispositivo, assumiu um grande e exemplar valor de garantia para o livre exercício da vida religiosa, que se apresenta como o primeiro entre todos os direitos humanos, sendo basilar para uma amadurecida e moderna cidadania a fim de que a inspiração espiritual se possa manifestar em todas as suas potencialidades.

Vossa Excelência evocou oportunamente a recíproca colaboração do Estado e da Igreja católica «para a promoção do homem e o bem do País» (art. 1 do Acordo de Revisão de 1984). Essa colaboração merece ser aprofundada e prosseguida para a satisfação de algumas aspirações fundamentais, sentidas de modo particular pela Igreja e pelos católicos na Itália. A defesa da dignidade humana desde a concepção atém-se ao direito natural, mas espera da legislação positiva do Estado o pleno reconhecimento, que deriva da consciência de que na maternidade existe um valor indiscutível para a pessoa e a inteira sociedade. Também a família, célula base da sociedade e seu fundamento natural, requer o mais efectivo reconhecimento como lugar do amor do homem e da mulher e abrigo para a esperança de novas vidas. É, depois, na educação das jovens gerações que a experiência religiosa da Nação italiana se pode orgulhar de uma genialidade criativa de instituições escolares, em grande parte voltadas para os menos afortunados, que merece respeito e apoio mediante a efectiva igualdade jurídica e económica entre escolas estatais e não estatais, superando com coragem incompreensões e sectarismos, estranhos aos valores fundamentais da tradição cultural europeia.

Em nome da particular solicitude que nutro pelas jovens gerações, sinto-me impelido depois a pedir a todas as componentes da sociedade italiana um esforço concorde, para superar atrasos e lentidões e assegurar às novas gerações o trabalho que liberta a personalidade e enriquece a convivência civil.

Ao valer-se destes recursos fundamentais, a Itália pode manifestar a sua vocação no contexto europeu. Se a unidade do velho continente não é só um facto organizativo e económico, a Itália cristã pode oferecer um contributo fundamental à edificação de uma Europa do espírito, na qual encontrem acolhimento e harmonização os também importantíssimos factos externos da casa comum. Com efeito, é a inspiração cristã que pode transformar a agregação política e económica numa verdadeira casa comum para todos os europeus, contribuindo para formar uma exemplar família de nações, na qual outras regiões do mundo se podem inspira de maneira frutuosa.

Se a Europa é o primeiro âmbito natural em que se pode exercer esta fecunda presença italiana, não pode ser subestimada a incomparável trama de relações que a particular posição no Mediterrâneo assegura à Itália, fazendo dela uma passagem obrigatória para os contactos do inteiro continente com as outras margens do mesmo mar. O contributo que se espera da Nação italiana não é só económico e cultural, mas também de pacificação e de desenvolvimento harmónico, em todas as iniciativas que uma perspectiva clarividente pode elaborar. Na verdade, a Itália pode estar presente como operadora de paz, adquirindo um título incomparável de benemerência entre as Nações.

Co-edificadora de uma Europa do espírito, artífice de paz no Mediterrâneo, guardiã da antiga alma cristã constitutiva da sua história: eis a Itália que está nas minhas esperanças! Para este objectivo, faço votos por que os crentes e todos os homens de boa vontade tenham sempre bem presente a meta da transcendência. Sempre e em toda a parte lhes compete a obrigação de não marginalizarem o ponto de referência do Espírito, aquele mesmo que animou as consciências mais vigilantes, deu frutos incomparáveis em todos os sectores e, sem dúvida, fez grande e inconfundível este País.

Como Vossa Excelência recordou, já estamos no limiar do Grande Jubileu do Ano 2000. É motivo de conforto constatar que a preparação deste importante evento, entendido como renovação interior e recuperação dos valores do espírito, vê o efectivo concurso das instituições e das iniciativas particulares nos preparativos de um quadro completo que promove esta experiência da alma. Ao exprimir apreço por quanto as Autoridades italianas estão a fazer a respeito disso, é-me grato formular bons votos por que a positiva colaboração entre o Governo italiano e a Santa Sé prossiga de maneira eficaz, para preparar uma «casa» acolhedora a fim de que todos os homens e mulheres de boa vontade, que atravessarem a Itália e chegarem a Roma.

E ao confirmar com estes votos e estas esperanças a minha afectuosa participação na vicissitude humana e civil do Povo italiano, é-me grato renovar-lhe, Senhor Embaixador, as mais calorosas felicitações para o desempenho da sua missão, enquanto de coração concedo a Vossa Excelência e à sua família, assim como aos seus colaboradores, a minha Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA LITUÂNIA


POR OCASIÃO DAVISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Sexta-feira, 17 de Setembro de 1999

Venerados Irmãos no Episcopado!

1. Bem-vindos ad Petri sedem! Com grande alegria vos revejo para esta Visita, que a praxe eclesial prevê em apoio à comunhão e à co-responsabilidade pastoral. Em vós saúdo as vossas comunidades, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os leigos da querida terra da Lituânia.

Agradeço a D. Audryz J. Backis as amáveis palavras com que, na qualidade de Presidente da vossa Conferência Episcopal, me manifestou os sentimentos de devoção que vos animam em relação ao Sucessor de Pedro. Esta unidade profunda da vossa terra com a Sé Apostólica jamais diminuiu, antes, foi revigorada pela grande provação que se abateu neste século sobre o vosso Pais.

O encontro hodierno oferece-nos a oportunidade para uma verificação do caminho percorrido, depois de termos exultado juntos, por ocasião da minha Visita pastoral na Lituânia em 1993, pela nova Primavera concedida por Deus às vossas Igrejas.

A minha recordação corre aos sentimentos que então tive, ao acolhimento caloroso que me foi reservado, aos lugares que pude visitar: Vilna, Kaunas, Suliai, Siluva. Como esquecer a emoção profunda, a alegria incontida, daqueles momentos? Poderíamos fazer nossas as referencias do Salmista: "A nossa boca encher-se-á de alegria, os nossos lábios de canções" (Ps 126,2).

Bastante longa tinha sido a "Via Crucis". Muitos filhos da vossa terra foram chamados a dar testemunho de Cristo entre privações, aprisionamentos, limitações de todo o tipo, até ao sacrifício da vida. Agora a liberdade de professar a fé tornava-se para a vossa comunidade como que um renascimento. Brilhavam de luz nova os símbolos tradicionais, para os quais a Lituânia católica olhara também nas horas mais sombrias, desde o Santuário dedicado a Nossa Senhora da "Porta da Aurora" à pungente "colina das Cruzes", onde as cruzes do vosso povo se fundiram muitas vezes com a de Cristo. A Mãe e o Filho divino voltavam ao centro da vida e da cultura lituanas, como nos melhores séculos da vossa história.

2. Ao estar no meio de vós, caríssimos Irmãos, tive a possibilidade de constatar com que vitalidade a fé dos lituanos superou a hora da provação. Certamente, como sempre acontece nos tempos de perseguição, não faltaram as deserções. Ainda hoje, nos vossos relatórios, pondes em evidência que os anos de propaganda ateísta tiveram efeitos devastadores, que não são fáceis de ser sanados. Mas, ao mesmo tempo, a fé de muitos, passada pelo crisol, robusteceu-se. Depois, não devemos duvidar de como é misteriosamente fecundo o sofrimento suportado por Cristo. Nenhuma lágrima se perde aos olhos de Deus, como ainda o Salmista nos recorda: "recolhe as minhas lágrimas no teu odre" (Ps 56,9). E não penso só na recompensa preparada para quantos reconheceram Cristo diante dos homens e, segundo a sua promessa, serão por Ele reconhecidos diante do Pai (cf. Mt Mt 10,32). Penso também na fecundidade que emerge no próprio decurso da história, por mais que nem sempre nos seja dado constatá-la de maneira sensível ou quantificá-la. "Semen est sanguis christianorum" (Tertuliano, Apolog. 50). Por este motivo, a memória de quantos dentre vós testemunharam até ao sacrifício de si, deve ser cultivada e introduzida como uma semente nos sulcos do presente, a fim de servir para orientar as fadigas quotidianas e sustentar as esperanças do amanhã.

3. Na realidade, a Igreja lituana está hoje a enfrentar desafios que exigem vigilância, empenho generoso, nova criatividade. Já libertada dos grilhões de um Estado totalitário e anticristão, a fé é insidiada pelos tentáculos duma agressão mais subtil, constituída pela sedução do modelo secularista e hedonista da vida, que em grande escala predomina nos Países economicamente mais evoluídos. Notei quanto estais preocupados com isto, de modo particular olhando para as novas gerações. Alguns dos problemas éticos, que infelizmente se alastram no mundo inteiro - da crise da família à escassa consideração do valor da vida -, apresentam-se relevantes também na terra lituana. No próprio plano especificamente religioso, a fé é posta à prova também pela difusão das seitas. Tudo o que tive ocasião de vos dizer na precedente Visita Pastoral, à luz deste quinquénio, permanece da maior actualidade: a nova evangelização é a primeira e inderrogável urgência da pastoral lituana.

4. Por isso, é-me grato constatar a consciência que mostrais sobre este tema e os esforços que fazeis para qualificar sempre mais o movimento catequético.Uma catequese autêntica não se reduz à comunicação de um património de verdades, mas tem em vista introduzir as pessoas numa vida de fé consciente e plena. É importante que o Evangelho seja anunciado como uma "notícia", a "boa nova", toda centrada na pessoa de Jesus, Filho de Deus e Redentor do homem. A catequese deve ajudar as pessoas a "encontrar" Jesus Cristo, a dialogar com Ele, a imergir-se n'Ele. Se não houver a vibração deste encontro, o cristianismo torna-se um tradicionalismo religioso sem alma, que facilmente cede aos ataques do secularismo ou às seduções de propostas religiosas alternativas. Esse encontro depois, como a experiência confirma, não se promove só com inexpressivas "lições", mas antes deve ser, por assim dizer, "contagiado" com a força de um testemunho de vida. A catequese deve redescobrir todo o calor da primeira carta de João, quando começa com estas palavras: "O que era desde o principio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos... isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco... A nossa comunhão é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo" (1, 1.3).

5. Sobre esta base adquirem todo o seu valor também os aspectos metodológicos, que tem em vista elaborar percursos de formação atentos às diferentes situações e aos tempos de cada pessoa. É necessária uma proposta da fé adaptada aos mais distantes. De igual modo importante, para quantos já crêem e frequentam os sacramentos, é uma catequese que não se limite à formação das crianças, mas acompanhe o caminho cristão até à plena maturidade. As beneméritas "escolas paroquiais" de catecismo devem, por isso, abrir-se às exigências e aos métodos de uma catequese permanente.A atenção vigilante à integra transmissão da fé, hoje facilitada também pelo Catecismo da Igreja Católica, oferecido como ponto de referência dos outros instrumentos catequéticos, deve ser acompanhada por aquela criatividade e aquelas adaptações que são necessárias para uma autentica pedagogia da fé, como é posto em evidencia no Directório geral para a catequese (1997).

Neste sentido, a catequese tem uma configuração diferente do ensino escolar da religião (ibidem, nn. 73-75), que se realiza dentro dos limites marcados pelas finalidades próprias da escola, em particular da escola estatal. A catequese abrange mais porque, para além da dimensão cultural, tem em vista plasmar o homem de fé, plenamente coerente com a escolha do Evangelho de Cristo. O sujeito desta proposta é a inteira comunidade crista nas suas várias articulações. Fundamental é a acção educativa de cada uma das famílias.

Depois devem ser acolhidas como uma bênção aquelas experiências novas que o Espírito Santo suscitou na Primavera de movimentos eclesiais, que estão a animar a Igreja do pós-Concilio. Quando trabalham em plena sintonia com os Pastores, eles podem oferecer um contributo importante ao crescimento da vida cristã, e o cristianismo lituano saberá, sem dúvida, beneficiar-se da sua capacidade de unir "nova et vetera", valorizando o melhor das suas tradições e abrindo-se àquele novo que é suscitado pelo Espírito de Deus.

Com a ajuda destes múltiplos recursos, poder-se-ão também redescobrir fórmulas clássicas de evangelização e animação pastoral, como as "missões". Certamente, elas devem adaptar-se à situação do nosso tempo, para serem capazes de alcançar as mais diferentes categorias de fiéis e também aqueles que perderam totalmente a fé. Mas quando são bem organizadas, elas continuam a dar os seus frutos, como eu mesmo pude constatar aqui em Roma, onde recentemente se levou a termo a "Missão da cidade" em preparação para o Grande Jubileu.

6. Depois, não há dúvida de que a eficácia da evangelização depende, em grande parte, da tensão espiritual dos sacerdotes, "esclarecidos cooperadores da ordem episcopal" (Lumen gentium LG 28). Se a vós, caros Irmãos no Episcopado, compete ser "arautos da fé" e "doutores autênticos" (ibidem, 25) no meio do rebanho a vós confiado pelo Espírito Santo (cf. Act Ac 20,28), só a acção capilar dos vossos presbíteros pode assegurar que cada comunidade crista seja nutrida com a Palavra de Deus e sustentada pela graça dos sacramentos.

Graças a Deus, as vossas comunidades podem dispor de um bom número de presbíteros. Vós mesmos, porém, me fizestes notar que nem sempre eles são suficientes, e muitas paróquias estão sem pároco. É portanto louvável o esforço que estais a envidar na pastoral vocacional, para que os sacerdotes sejam numericamente adequados às exigências da comunidade lituana e, sobretudo, bem formados. Por este motivo, ocorre fazer com que as oportunidades formativas oferecidas pelos Seminários sejam de elevada qualidade. A vossa sabedoria pastoral saberá julgar quais são as opções concretamente preferíveis, para prestardes melhor este serviço, também com a colaboração entre as diversas dioceses. Quanto depois à directriz educativa, não é difícil recolhê-la dos documentos do Concílio e dos sucessivos documentos do Magistério, para realizar o máximo de equilíbrio entre as exigências de uma rigorosa formação espiritual e teológica e as não menos importantes de uma formação humana integral, aberta e atenta às exigências dos homens do nosso tempo. Nem se deve esquecer depois, ao lado das vocações sacerdotais, da grande oportunidade oferecida pelo diaconato permanente. O Concilio fez-nos redescobrir este ministério, que deve ser promovido não em chave de pouca monta ou substitutiva, para suprir as eventuais carências de sacerdotes, mas por causa do valor intrínseco deste serviço ao povo de Deus "na diaconia da Liturgia, da palavra e da caridade" (Lumen gentium LG 29).

Um papel especifico e particularmente benemérito, no campo da evangelização, é sem dúvida o desempenhado pelos catequistas. Vejo com prazer a grande solicitude dedicada à sua formação. Como omitir depois o serviço prestado pelas pessoas de vida consagrada? O renascimento cristão da Lituânia haurirá uma vantagem sempre maior da promoção da vida religiosa, com a condição de que cada Instituto saiba unir a fidelidade ao próprio carisma com uma operosa e cordial disponibilidade à comunhão pastoral com as Igrejas locais (cf. Vita consecrata VC 81).

7. Mas para além dos papéis pastorais específicos, é preciso nutrir uma profunda consciência que o desafio de uma evangelização eficaz não pode ser enfrentado senão contando com a tarefa profética própria de todos os baptizados. Chegou a hora de as comunidades cristas se tornarem comunidades de anúncio!

Nesta perspectiva, é urgente a formação do laicado, antes, a promoção de uma espiritualidade laical, que ajude os leigos cristãos a viverem de maneira profunda a sua vocação à santidade, "tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus" (Lumen gentium LG 31).

Compete em particular aos leigos bem formados fazer-se fermento na sociedade, para a salvaguarda daqueles valores, ao mesmo tempo humanos e cristãos, sobre os quais se joga o futuro do homem. Refiro-me em particular ao respeito pela vida humana, hoje sempre mais insidiada por uma cultura de morte que se disfarça como cultura da liberdade. Penso também na família, que deve ser de novo apresentada com vigor como aliança de amor indissolúvel, que une de maneira estável um homem e uma mulher e os torna colaboradores de Deus na geração e educação dos filhos. Um empenho laical significativo, particularmente urgente na jovem democracia lituana, é o que concerne à política. Ele exige do cristão a plena coerência com os valores evangélicos, como são propostos na Doutrina Social da Igreja, e ao mesmo tempo a sua inteligente e responsável mediação nas complexas circunstâncias da história. Deste estatuto da acção politica do cristão deriva uma necessária distinção de âmbitos e papéis. Como o Concílio nos ensinou, uma é a missão dos pastores, outra é a responsabilidade que os fiéis leigos assumem, pessoalmente ou em grupo (cf. Gaudium et spes GS 76). A confusão dos papéis correria o risco de levar a Igreja a terrenos que não lhe são próprios, e isto, se às vezes pode ser justificado por circunstâncias excepcionais, normalmente acaba por ter efeitos contraproducentes.

8. Na realidade, o verdadeiro "segredo" de uma presença significativa da Igreja na sociedade lituana é a formação de um laicado amadurecido, que tornará sempre melhor o seu testemunho na sociedade, se encontrar também o seu espaço próprio no seio da comunidade crista, haurindo nela formação e apoio, e oferecendo ao mesmo tempo os serviços de acordo com a vocação laical. Os leigos não podem ser na Igreja sujeitos passivos! Para esta finalidade, a comunidade cristã, nas suas diversas articulações, deve desenvolver-se sempre mais como lugar de comunhão e de co-responsabilidade, para que todos os baptizados sejam ajudados a tornar-se e se sintam "adultos" na fé. Neste caminho de amadurecimento, eles podem encontrar um apoio naquelas formas associativas, mais tradicionais ou mais novas, que sob a guia dos pastores lhes oferecem seguras oportunidades formativas, orientando-os para válidas formas de testemunho. Outro lugar de crescimento são os organismos de participação, que o Concílio Vaticano II promoveu e já são praxe confirmada da comunidade crista, a nível tanto diocesano como paroquial (cf. CIC cânn. 511; 536-537). Não se trata de imitar as estruturas parlamentares da sociedade civil, mas de exprimir no estilo próprio da vida eclesial aquele sentido de comunhão, baseado na convicção de que o Espírito de Deus, enquanto assiste os Pastores no seu papel de magistério e de guia, anima todos os membros da comunidade crista, enriquecendo-a com a sua participação consciente, responsável e matura. Neste sentido, são de grande significado os Sínodos diocesanos que, celebrados na forma indicada pela norma actual, prevêem também a participação de fiéis leigos (CIC cân. 461, 5), ou melhor, consentem envolver a inteira comunidade diocesana num "caminho sinodal", salvaguardada obviamente a função do Bispo como "único legislador" (cân. 466).

9. Vós, caros Irmãos Bispos lituanos, estais a mover-vos com convicção segundo as orientações conciliares. Perseverai nesta linha, para assegurar nova vitalidade às vossas comunidades. Abri a alma à confiança. Tudo o que nestes anos realizastes é precioso aos olhos de Deus. Agora tem inicio uma nova etapa, e a própria circunstância do Grande Jubileu, já iminente, constitui uma ocasião providencial para dar impulso ao vosso empenho pastoral. É preciso semear com abundância e com alma rica de esperança. Recordemos, a esse propósito, a parábola evangélica: a semente do Reino de Deus cresce segundo uma lógica misteriosa, sob a acção do Espírito, de maneira que o próprio semeador se torna maravilhado com isto (Mc 4,27). Se depois nos for dado ver os resultados do nosso trabalho, então recordar-nos-emos de que somos "servos inúteis" (Lc 17,10), como diz o Evangelho, sempre prontos a fazer-nos instrumento de Deus, porque "nem o que planta nem o que rega é alguma coisa, mas só Deus, que dá o crescimento" (1Co 3,7).

Esta consciência vos anime sempre, caríssimos. O encontro com o Sucessor de Pedro vos sirva de encorajamento e incentivo. Transmiti ao vosso povo o afecto que o Papa sente por toda a comunidade lituana e levai a minha saudação a todos e a cada um. A Maria Santíssima, "Porta da Aurora", confio o caminho que vos espera e, de coração, concedo a vós e aos vossos fiéis a minha Bênção.




Discursos João Paulo II 1999 - Sábado, 11 de Setembro de 1999