Discursos João Paulo II 1999

PAPA JOÃO PAULO II




MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO X ANIVERSÁRIO


DA VISITA PASTORAL


À DIOCESE DE VOLTERRA (ITÁLIA)




Ao Venerado Irmão

D. VASCO GIUSEPPE BERTELLI

Bispo de Volterra

Com grande prazer tive conhecimento de que essa Diocese se prepara para recordar, com particulares celebrações, a Visita pastoral que, há dez anos, tive a alegria de realizar na antiga e nobre Cidade de Volterra.

Conservo viva e grata memória do caloroso acolhimento que me foi oferecido pela Comunidade volterrana, dos diversos encontros tidos com os fiéis e os cidadãos, e do forte testemunho de fé com que Volterra soube honrar a rica herança cristã de que é portadora. Faço votos por que o propósito de retornar, com a mente e o coração, àquela feliz jornada conduza essa Diocese a reavivar os singulares vínculos de comunhão eclesial que ela teve com Roma desde os primeiros tempos do cristianismo, isto é, desde que a Providência chamou São Lino Mártir, originário de Volterra segundo a antiga tradição, a suceder imediatamente ao apóstolo Pedro na guia da Igreja de Roma. De coração desejo à Igreja de Volterra que conserve íntegra e continue a fazer crescer esta longa tradição de fé apostólica e de proximidade espiritual à Sé de Pedro.

Venerado e caro Irmão, desejo repropor hoje a exortação que fiz há dez anos, por ocasião da minha Visita: «Esta vossa Igreja de Volterra seja deveras uma família: a família de Deus!» (Discurso aos representantes da Igreja local, em L'Osservatore Romano, ed. port. 1/10/1989, pág. 5, n. 6). Possa essa Comunidade diocesana experimentar verdadeiramente, com o activo contributo de todas as suas componentes, uma sempre mais intensa vida de comunhão – uma vida de família – para testemunhar, de maneira eficaz neste último período de século, a mensagem da salvação e cruzar o limiar do terceiro milénio, interiormente renovada e pronta para enfrentar os desafios da nova evangelização.

Com estes votos, enquanto confio as alegrias e as esperanças, os propósitos e os empenhos da querida Igreja de Volterra à celeste intercessão da Nossa Senhora, particularmente venerada na antiga Catedral, e de São Lino Mártir, Padroeiro da Diocese, com afecto concedo-lhe, venerado Irmão, ao Clero, às pessoas consagradas e à inteira Comunidade volterrana a Bênção Apostólica.

Castel Gandolfo, 23 de Setembro de 1999, festa de São Lino, Papa e Mártir.

PAPA JOÃO PAULO II




MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SUPERIOR-GERAL DA CONGREGAÇÃO


DOS FILHOS DA IMACULADA CONCEIÇÃO


Ao Reverendo Padre

AURÉLIO MOZZETTA

Superior-Geral da Congregação
dos Filhos da Imaculada Conceição

1. Durante o já iminente ano jubilar, a Família religiosa dos Filhos da Imaculada Conceição terá a alegria de recordar os cem anos que transcorreram desde a morte do Fundador, o Servo de Deus Padre Luís Maria Monti, maravilhosa figura de leigo consagrado, religioso, apóstolo da caridade, que o fervoroso amor pela Virgem Imaculada levou a servir heroicamente a Cristo nos jovens, nos pobres e nos sofredores.

Aceitando sem hesitações a chamada evangélica, ele dedicou a sua vida a Deus e aos irmãos, atraindo muitos dos seus coetâneos para os caminhos do testemunho cristão. Em Bosívio, sua terra natal, deu vida à "Companhia dos Frades" e, em seguida, arrebatado por um estímulo interior, em 1857 fundou no Hospital do Santo Espírito em Roma a Congregação dos "Filhos da Imaculada Conceição". O Servo de Deus Papa Pio IX, de venerada memória, acompanhou com amorosa paternidade os primeiros passos da nascente instituição, que em seguida pôde contar também com o encorajamento dos meus Predecessores. O Padre Monti viu na solicitude pelos doentes uma ocasião preciosa para acolher e servir o próprio Cristo e quis que os seus filhos espirituais fossem ajudados neste serviço tanto por uma caridade sempre disponível e solícita, como por uma específica competência científica. Em 1881, o amor a Cristo e aos irmãos levou-o a ocupar-se também da assistência à juventude necessitada, órfã ou abandonada, que indicou aos seus seguidores como uma nova fronteira para o apostolado zeloso e generoso.

Encerrou a sua jornada terrena em Saronno, na Casa-Mãe da Congregação por ele fundada a 1 de Outubro de 1900, circundado pelos Irmãos de hábito e pelos "seus órfãos" em lágrimas pela perda do Pai amoroso e sapiente.

2. As celebrações centenárias oferecem a oportunidade de repercorrer idealmente as vicissitudes dos anos transcorridos para reconhecer, gratos a Deus, o bem realizado pelos filhos espirituais do Padre Monti. Seguindo idealmente as pegadas do Fundador, eles dilataram a incidência das suas iniciativas apostólicas na Igreja e na sociedade. Hoje a Congregação cresceu e está presente em doze nações.

É particularmente significativo o serviço que ela desempenha no campo da dermatologia. Penso no "Instituto Dermatológico" de Roma, que foi fundado em 1925, o qual reúne o comum apreço pela autoridade científica. Penso também na acção discreta e competente de tantos religiosos e, sobretudo, do Padre António Sala, cuja incansável solicitude pelos pobres na "Vinha da Imaculada" no Monte de Creta, é um orgulho para a ciência e a fé. Penso de igual modo no religioso Dr. Emanuel Stablum, que durante muitos anos se empenhou no mesmo Instituto com clarividência e tenacidade.

Recentemente o fervor de caridade herdado do Padre Monti estimulou a Congregação a tomar corajosas iniciativas em zonas do mundo particularmente necessitadas, tais como a Albânia, com a construção dum grande hospital em Tirana, e o Brasil, com o centro de saúde que está a ser construído em Foz do Iguaçu.

Ao mesmo tempo, os Filhos da Imaculada Conceição procuraram responder com prontidão às exigências de categorias sociais com mais dificuldades, como os deficientes, os idosos sozinhos ou abandonados e os doentes terminais. A este ponto, apraz-me recordar a "Casa-Família Padre Monti", situada na periferia de Roma, no bairro La Storta, destinada a pessoas atingidas pela Sida: é um eloquente testemunho de generosidade e disponibilidade para com o próximo que merece ser mencionado. Também não posso deixar de recordar o anseio missionário que levou a Congregação até aos Camarões, Índia, Filipinas e outros países do Terceiro Mundo, para realizar novos centros de evangelização e de promoção humana sob o impulso da caridade.

3. Com estas iniciativas, os Filhos da Imaculada prolongaram no tempo o fervor apostólico que animou a vida do venerado Fundador. Ele foi um exemplar homem de Deus, desejoso de realizar em todas as circunstâncias a vontade do Senhor. A vida para ele não foi fácil; ao contrário, muitas vezes o seu ardente desejo de servir Cristo e os irmãos encontrou obstáculos e teve que enfrentar incompreensões e impedimentos.

Sabe-se, entre outras coisas, que por volta dos trinta anos, quando ainda se interrogava acerca da opção que o Senhor esperava que ele fizesse, foi submetido a um período de atormentadoras tribulações interiores. Desanimado, combatido por grandes tentações, transcorria longas horas em oração diante de Jesus sacramentado, sem contudo experimentar qualquer tipo de consolo celeste. Um dia, precisamente quando estava para deixar tudo, encontrando-se no coro da Igreja, teve a sensação de ser finalmente satisfeito. O Senhor fizera-lhe compreender que teria que sofrer muito e enfrentar duras lutas, mas que com a sua ajuda tudo venceria. Para ele, isto foi uma iluminação interior e a partir daquele dia não teve mais hesitações na via empreendida.

Faço votos de coração por que o exemplo do Padre Monti ajude os seus filhos espirituais a permanecer firmes na fé, na esperança e na caridade. Este centenário, que comemora o seu nascimento no Céu, constitua para a Congregação uma preciosa ocasião de aprofundamento da herança espiritual por ele deixada em vista dum renovado empenho na adesão ao carisma originário.

Foi felizmente percorrido um longo lanço de estrada: graças a Deus por isto. Abrem-se no horizonte outras possibilidades: atentos aos sinais dos tempos, os Filhos da Imaculada Conceição saibam discernir as fronteiras sempre novas que o Espírito do Senhor os chama a ultrapassar, a fim de serem testemunhas críveis e generosas do evangelho da caridade no terceiro milénio.

4. O Servo de Deus Padre Luís Maria Monti foi um grande devoto da Virgem Imaculada e quis dedicar-lhe a sua Congregação. O amor à Virgem iluminou-o e orientou-o sempre, levando-o a fazer com que toda a sua existência fosse um coerente testemunho de fidelidade ao Evangelho. Meditando sobre o mistério da Imaculada Conceição à luz da Sagrada Escritura, do Magistério e da Liturgia da Igreja e recebendo dele admiráveis lições de vida, ele tornou-se um apóstolo daquela nova "era mariana", que o Servo de Deus Papa Pio IX tinha inaugurado com a proclamação do dogma da Imaculada Conceição. O Padre Monti estava consciente da riqueza inexaurível dos tesouros de graça presentes na Mãe de Deus e não perdia ocasião alguma para promover, entre os cristãos, a devoção a ela. A respeito disto, gostava de repetir: "Quem é verdadeiro devoto de Maria e a honra com pureza de mente e de coração, pode ter a certeza da saúde eterna".

Seguindo os passos do Fundador, os Filhos da Imaculada Conceição não deixarão de aprofundar a consciência do mistério da Santíssima Virgem, esforçando-se por inspirar a própria vida nos exemplos dela. Maria Imaculada constitua o seu constante ponto de referência nas diversas actividades em que a obediência os empenha. Fiéis ao carisma originário, eles serão desta forma um sinal concreto e acessível da ternura de Deus pelos pobres, doentes e sofredores, bem como por todos os que o seu ministério convida.

Ao invocar sobre todo o Instituto a protecção da Virgem Imaculada, luminosas primícias do mundo renovado pelo sacrifício redentor de Cristo, concedo-lhe, Reverendo Padre, e a cada religioso da Congregação que nasceu do coração do Servo de Deus Padre Luís Maria Monti, uma especial Bênção apostólica.

Vaticano, 24 de Setembro de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA REGIÃO ATLÂNTICA DO CANADÁ


POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA"


Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Sábado, 25 de Setembro de 1999



Eminência
Caros Irmãos no Episcopado!

1. No amor do Espírito Santo saúdo-vos, Bispos de New Brunswick, de Newfoundland, de Nova Scotia e de Prince Edward Island, juntamente com o Cardeal Ambrozic e os Bispos Auxiliares de Toronto, enquanto realizais a vossa visita ad limina Apostolorum: "Graça e paz vos sejam dadas em abundância pelo conhecimento de Deus e de Jesus Cristo, nosso Senhor" (2P 1,2). Aqui em Roma, junto dos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, renovais os vínculos de comunhão que vos unem ao Sucessor de Pedro e reavivais as energias espirituais que o vosso ministério exige. Trata-se de túmulos de mártires, e eles comemoram a força do testemunho cristão em todos os tempos e recordam-nos que a Igreja nasceu do derramamento de sangue o sangue do Cordeiro que flui para sempre nos céus e o sangue daqueles que lavaram os próprios vestidos, tornando-os brancos com o seu sangue (cf. Ap Ap 7,14). Celebrais aqui o Sacrifício eucarístico sobre altares erigidos em memória "daqueles que foram mortos por causa da palavra de Deus" (Ap 6,9) e vos unis a eles, cantando o grande hino da Igreja: "Ao que está sentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas acções de graças, honra, glória e poder para todo o sempre" (Ibid., 5, 13). Voltais atrás, no tempo, para as origens da cristandade, mas fazei-lo para ver com maior clareza e confiança o futuro que Deus quer para o milénio que está a surgir.

2. No centro do plano de Deus para a Igreja actual há o grande momento de graça, o Concílio Vaticano II. Os decénios transcorridos desde o Concílio não foram tranquilos, mas em toda a parte existem sinais dos portentosos frutos que o Espírito pode fazer surgir, quando respondemos na fé às suas sugestões. Sem dúvida, um dos frutos do Espírito, nos anos que se passaram desde o Concílio, foi a suscitação de uma nova vitalidade espiritual e novas energias apostólicas entre os fiéis leigos. Os leigos católicos, homens e mulheres, estão a viver a graça do seu baptismo de maneira a mostrar, com maior esplendor, todos os carismas que revigoram e tornam bela a Igreja. Jamais poderemos louvar suficientemente a Deus por isto.

Prosseguindo a reflexão iniciada com o precedente grupo de Bispos do Canadá nesta série de visitas ad Limina, hoje desejo compartilhar convosco algumas breves considerações sobre a relação entre sacerdotes e fiéis leigos, na vida pastoral das vossas comunidades e no testemunho da Igreja perante a sociedade. Referimo-nos em primeiro lugar aos Bispos como "Pastores", tomando como ponto de referência a tradição bíblica e patrística, na qual a imagem do pastor é rica e sugestiva. Às vezes, porém, isto foi acompanhado de uma certa relutância em fazer referência aos leigos como ao "rebanho", como se, fazendo-o, eles fossem relegados a um papel estritamente passivo e dependente. Com certeza não era isto que o Concílio pretendia, nem é disto que a Igreja agora tem necessidade. Portanto, vale a pena reexaminar a imagem bíblica, para redescobrir o sentido de complementaridade e de comunhão que ele implica.

A imagem deriva de um mundo em que o rebanho era a pedra angular da vida económica e a chave para a sobrevivência humana. O pastor nutria as ovelhas, dava-lhes de beber e protegia-as, dia e noite, dos predadores e das doenças; nesse sentido, as ovelhas viviam graças ao pastor. O rebanho, por sua vez, fornecia alimento, vestuário e até mesmo refúgio não só ao pastor, mas também à inteira família ou tribo. Nesse sentido, o pastor dependia do rebanho tal como este dependia daquele. A imagem bíblica, portanto, apresenta uma visão de reciprocidade dadora de vida: o rebanho vive pelo pastor e o pastor vive pelo rebanho. A mesma ideia é expressa na carta que São Paulo escreve à Igreja em Tessalonica: "agora, revivemos, pois permaneceis firmes no Senhor" (1Th 3,8). O Apóstolo deu vida à comunidade e agora, através da sua fidelidade, ela dá-lhe vida.

3. De modo ainda mais radical, as ovelhas tornam-se corpo do pastor, em particular como fonte de alimento. Aqui, a imagem é tão profunda que nos introduz na noção da Igreja como Corpo de Cristo. Jesus Cristo é o Pastor eterno do rebanho, em cujo nome todos os pastores servem; mas o rebanho é o Corpo de Cristo no mundo. Mais uma vez, não é só uma questão de vida material e de sobrevivência humana, mas é o grande mistério do sacrifício do próprio Cristo para a salvação do mundo, o qual se torna presente todas as vezes que se celebra a Eucaristia. Chegamos assim ao centro mesmo do mistério da guia pastoral cristã, pois Cristo Pastor é também o Cordeiro. Com efeito, Ele é o Pastor porque é o Cordeiro. Nenhum pastor pode ser um verdadeiro pastor do rebanho de Deus se não for um só com o Cordeiro de Deus, que morreu pelos pecados do mundo. Não podemos esperar ser pastores conformados a Cristo, se não vivermos o mistério da sua Cruz (cf. Fl Ph 3,10). Isto vale hoje para os pastores da Igreja, tal como valia para os apóstolos, a cujos túmulos viestes em peregrinação. Ao morrerem como mártires, eles tornaram-se um só com o Cordeiro de Deus e, portanto, serão para sempre os pastores que, do seu lugar no céu, ainda nos guiam (cf. Prefácio dos Apóstolos I). O que vale para os pastores, vale também para a Igreja inteira, o povo sacerdotal de Deus no mundo. O centro de toda a actividade pastoral e de toda a forma de apostolado é a união com o Mistério pascal de Cristo. Ao tornarem-se um só com o Senhor crucificado e ressuscitado, através da graça do Espírito Santo, todos os baptizados são capazes de participar na missão evangelizadora da Igreja e no seu serviço à família humana. Pastor e rebanho têm complementares vocações de serviço.

4. Essa visão de complementaridade e de comunhão entre sacerdotes e leigos comporta formas de vida específicas para os sacerdotes e para a formação nos seminários, que demonstrem claramente que o sacerdote é um homem destinado a um serviço especial. Na liturgia e na guia pastoral das comunidades, os sacerdotes continuam o único sacerdócio de Jesus Cristo, "o Príncipe dos pastores" (1P 5,4). Ao guiar o rebanho e presidir às suas orações, o sacerdote eleva-o a Deus e enobrece a vocação cristã de todos os fiéis, dos quais ele é servidor. É importante que os sacerdotes sejam ao mesmo tempo "destinados" e "servidores", sendo um a condição do outro. Se o sacerdote não for claramente um homem destinado, não poderá exercer o serviço que a Igreja lhe pede; se não for um verdadeiro servidor, limitar-se-á numa solidão vazia e estéril, alheia a um pastor autêntico. O celibato sacerdotal, a disciplina da oração, a simplicidade de vida e o hábito eclesiástico constituem sinais evidentes de que o sacerdote é um homem destinado ao serviço do Evangelho. É inegável que esses sinais são portadores de frutos, sobretudo numa cultura que procura de maneira angustiosa sinais de transcendência, uma cultura que está em busca de verdadeiros pastores e de testemunhas convictas.

5. A complementaridade da diversificada vocação dos sacerdotes e dos leigos deve constituir o contexto em que se desenvolvem os esforços para reunir as forças da Igreja, em vista da nova evangelização no Canadá. Esta complementaridade, que corresponde ao carácter harmónico do Corpo de Cristo, do qual todos são membros mas no qual nem todos têm as mesmas funções, é a condição duma cooperação portadora de graça à missão da Igreja. A tarefa pastoral dos sacerdotes não consiste absolutamente em suprimir as iniciativas dos leigos nem em reduzir o povo a uma atitude de passividade ou de dependência. Ao contrário, ele deve favorecer formas de testemunhos laicais que não só tornem a Igreja presente no coração do mundo, de maneira mais eficaz, mas façam nascer abundantes e boas vocações sacerdotais. É preciso, entretanto, procurar evitar que se atenue a distinção entre o sacerdócio ministerial e a vocação laical, pois não era certamente isto que os Padres conciliares tinham em vista, quando pediam uma maior cooperação entre os sacerdotes e os leigos, procurando em particular fortalecer a vocação dos leigos na Igreja e no mundo. Às vezes uma noção imprecisa da diversificada missão dos sacerdotes e dos leigos conduziu a uma crise de identidade e de confiança no seio do clero, mas também a formas de actividades laicais que são muito clericalizadas ou demasiado "politizadas".

O primeiro âmbito da vocação do leigo é a vida da sociedade, da cultura e da empresa, que se estende para além dos limites visíveis da Igreja. Os leigos, homens e mulheres, são chamados a realizar ali a sua vocação baptismal e a promover a arte de ser cristãos no mundo. Na nossa época, em que diminuem as adesões à Igreja e a prática religiosa, pode parecer estranho que a Igreja queira ressaltar a vocação secular dos leigos. É precisamente a missão evangelizadora dos leigos no mundo que constitui a resposta da Igreja ao mal-estar da indiferença, que é muitas vezes descrito como "secularização". A tarefa específica dos leigos de hoje, homens e mulheres, foi um dos temas preponderantes da Exortação Apostólica Ecclesia in America, que entre outras coisas diz: "Mesmo devendo-se estimular o apostolado eclesial dos leigos, é preciso que este coexista com a actividade própria dos leigos, em que eles não podem ser substituídos por sacerdotes, isto é, o campo das realidades temporais" (n. 44).

6. Não devemos esquecer que a intenção do Concílio Vaticano II foi suscitar novas forças evangelizadoras no interior da Igreja, por causa da devastação provocada pelas duas guerras mundiais, tendo presentes as perspectivas do novo milénio. Era necessário um novo tipo de compromisso missionário, uma nova evangelização, e o Concílio, mediante a graça do Espírito Santo, tornou-se o meio para pôr em movimento esse dinamismo. Foi esta a finalidade principal de todas as novas disposições para a vida da Igreja, derivantes do Concílio. Todavia, devemos evitar atentamente toda a forma de introversão eclesial que trairia a intenção do Concílio visto que, em vez de incrementar, diminuiria o impulso missionário necessário para satisfazer as necessidades do novo século.

Caros Irmãos no Episcopado, somos chamados a ouvir como um discípulo o que o Espírito está a dizer às Igrejas (Ap 2,7), a fim de falarmos como mestres em nome de Cristo, declarando repletos de alegria, como o fez São João Damasceno: "E vós, nobre vértice da mais íntegra pureza, ilustre assembleia da Igreja, que esperais a ajuda de Deus, vós, em quem Deus habita, recebei das nossas mãos a doutrina da fé, que fortifica a Igreja, tal como no-la transmitiram os nossos pais" (Exposição sobre a Fé, 1). Oro com muito fervor para que obtenhais bom êxito nesta importante tarefa pastoral, de maneira que a Igreja no Canadá resplandeça com toda a sua glória, como Esposa de Cristo, que Ele escolheu com amor infinito. Ao confiar a vossa missão apostólica à intercessão da Virgem Maria, que em todas as épocas é a esplendente Estrela da Evangelização, concedo de coração a minha Bênção apostólica a vós, aos sacerdotes, religiosas, religiosos e leigos das vossas Dioceses.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ENCARREGADOS DAS CONFERÊNCIAS


EPISCOPAIS PARA A PASTORAL UNIVERSITÁRIA


Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Sábado, 25 de Setembro de 1999



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Esta audiência especial, por ocasião do encontro mundial dos encarregados das Conferências Episcopais para a pastoral universitária, é para mim motivo de alegria porque me oferece, entre outras coisas, a oportunidade de vos exprimir intenso apreço pelo trabalho que realizais nos âmbitos universitários das respectivas nações. Saúdo o Cardeal Pio Laghi, a quem agradeço as nobres palavras com que interpretou os comuns sentimentos. Saúdo também o Cardeal Paul Poupard e os outros Prelados, juntamente com as Autoridades académicas presentes. A minha saudação estende-se depois a todos vós que empenhais as vossas energias no mundo universitário, que é um sector tão importante.

Este encontro mundial constitui certamente um útil enriquecimento para todos vós, pois vos permite um proveitoso intercâmbio de experiências a nível de Igrejas locais. Além disso, ele oferece-vos a possibilidade de preparardes juntos o Jubileu dos universitários, que verá no próximo ano confluir a Roma numerosos representantes de Universidades e Institutos escolares de todas as partes do mundo.

Sei que estais a preparar-vos com empenho e dedicação para este evento. A esse propósito, desejo exprimir a minha intensa satisfação pelo subsídio predisposto pela Congregação para a Educação Católica, juntamente com o Pontifício Conselho para a Cultura e a Diocese de Roma, para a sensibilização e preparação dos universitários para o Grande Jubileu. Confio-o a vós e a todos os agentes de pastoral universitária: são linhas de aprofundamento e propostas operativas, que encontrarão resposta na criatividade de cada uma das realidades locais, para confluir de novo, com alegria e entusiasmo, na comum celebração do Dia Mundial da Juventude e, sobretudo, no Jubileu dos Professores Universitários do próximo ano.

2. O tema que escolhestes - a Universidade para um novo humanismo - coloca-se de maneira corajosa no delicado ponto de intersecção entre as dinâmicas do saber e a palavra do Evangelho. Estou certo de que, confiado aos vossos cuidados e aos das Universidades católicas e eclesiásticas, ele não deixará de produzir frutos abundantes. É vosso intento envolver a inteira comunidade universitária nas suas heterogéneas articulações (estudantes, professores, pessoal administrativo) e na sua especificidade de lugar privilegiado de elaboração e transmissão da cultura: no Evangelho se baseia uma concepção do mundo e do homem que não cessa de desprender valores culturais, humanísticos e éticos, que podem influenciar a inteira visão da vida e da história.

Confirma-se, assim, a vocação originária da Universidade, às vezes posta em dúvida por impulsos dispersivos e pragmáticos: ser lugar rico de formação e de humanitas, ao serviço da qualidade da vida, segundo a verdade integral do homem no seu caminho na história. É cultura do homem e para o homem, que se difunde e se robustece nos diversos campos do saber, nas modalidades e formas do costume, no ordenamento correcto e harmónico da sociedade.

Não poucos, quanto a isto, são os problemas com os quais a pastoral universitária se deve confrontar na sua actividade quotidiana. Surgiram problemas novos depois das profundas mudanças que se verificaram neste último período de milénio. Na base delas está o desafio representado pelas relações entre fé e razão, entre fé e cultura, entre fé e progresso científico. No contexto da Universidade, o aparecimento de novos saberes e de novas correntes culturais está ligado sempre, directa ou indirectamente, às grandes questões sobre o homem e o sentido do seu ser e agir, sobre o valor da consciência e a interpretação da liberdade. Eis por que a tarefa prioritária dos intelectuais católicos é promover uma síntese renovada e vital entre fé e cultura, sem nunca esquecer que na multíplice actividade formativa o ponto central de referência permanece Cristo, único Salvador do mundo.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Com a vossa vida e o vosso trabalho proclamai a grande notícia: "Ecce natus est nobis Salvator mundi"! Neste mistério está centrada a celebração jubilar, que convida todo o crente a fazer-se anunciador incansável desta jubilosa verdade.

Para desempenhar esta tarefa apostólica, ele deve entretanto deixar-se guiar com docilidade pela Palavra divina. É quanto se deduz do testamento apostólico de Paulo aos anciãos de Éfeso: "Confio-vos a Deus e à palavra da Sua graça" (Ac 20,32). O Apóstolo confia os anciãos à Palavra, na convicção de que eles, antes de serem portadores da Palavra, são movidos pela Palavra de Deus. Isto precisamente porque a Palavra é poderosa e eficaz. Enquanto realidade viva e operante (cf. Hb He 4,12), tem o poder de salvar a vida (cf. Tg Jc 1,21), de conceder a herança com todos os santos (cf. Act Ac 20,32), de comunicar a sabedoria que traz a salvação (cf. 2Tm 3,15 2Tm 3,17), porque é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (cf. Rm Rm 1,16).

Nesta perspectiva, o Concílio Vaticano II afirma que o Evangelho tem a força de renovar continuamente a vida e a cultura, de as purificar e de as elevar (cf. GS GS 58). Não deve causar desânimo a constatação da insuficiência das próprias forças diante das dificuldades. Também este foi o drama de Paulo, que, porém, cônscio do poder do Evangelho, ao dirigir-se aos Coríntios afirmava: "Trazemos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que tão excelso poder se reconheça vir de Deus e não de nós" (2Co 4,7).

4. Toda a acção apostólica no sector universitário deve ter em vista fazer com que se encontrem pessoalmente com Cristo os jovens, os professores e quantos se movem dentro do mundo académico.

Para esta finalidade, revela-se de grande utilidade um específico serviço de pastoral universitária, que se empenhe em animar e coordenar as diversas realidades eclesiais activas neste sector: da Capelania aos Colégios, dos grupos paroquiais aos de Faculdade. Com efeito, o horizonte da evangelização da cultura não se restringe, dentro dos confins da cidade universitária. Ele atravessa a inteira acção eclesial e torna-se tanto mais eficaz quanto mais souber integrar-se numa pastoral orgânica.

Neste contexto, é para se desejar que junto de toda a Universidade surja a Capelania, coração da pastoral universitária. Ela deve ser um centro propulsor da formação e das iniciativas culturais específicas da evangelização. Tarefa sua será cultivar o diálogo aberto e franco com as diversas componentes da Universidade, propondo adequados caminhos de investigação em vista de um encontro pessoal com Cristo.

Útil será também a promoção de iniciativas significativas a nível nacional, como a Conselho para a pastoral universitária junto da Conferência Episcopal e a Jornada da Universidade, articulada segundo um empenho de oração, de reflexão e de programação. Como já aconteceu a nível europeu, é oportuno que seja instituída uma coordenação dos Capelães de cada continente, em colaboração com os organismos pastorais das Conferências Episcopais, para fortalecer na sinergia a riqueza multiforme das iniciativas locais.

5. A Igreja convida-vos, caríssimos Irmãos e Irmãs, a ser os evangelizadores da cultura. O crente, iluminado e guiado pela Palavra de Deus, não teme confrontar-se com o pensamento humano. Ao contrário, abraça-o como próprio, seguro da transcendência da verdade revelada que ilumina e valoriza o esforço humano. A sabedoria e a verdade provêm de Deus: lá onde houver o esforço da reflexão honesta, lá onde houver a paixão abnegada pela vida, ali abrir-se-á uma via que leva a Cristo, Salvador dos homens.

Caríssimos Irmãos e Irmãs! Estai persuadidos disto: vós não estais sozinhos nesta vossa importante tarefa missionária. Cristo caminha convosco! Sede por isso corajosos em anunciá-Lo e testemunhá-Lo: este anúncio tem a força e o poder de impressionar e de provocar admiração aos ouvintes, induzindo-os a uma pessoal tomada de posição em relação a Ele (cf. Lc Lc 2,34-35).

Invoco a protecção de Maria, Sedes Sapientiae, sobre vós, sobre as vossas Comunidades universitárias e sobre todos aqueles que encontrardes no vosso quotidiano ministério, e enquanto vos asseguro uma especial lembrança na oração, de coração concedo a cada um a minha afectuosa Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO XXXI ESQUADRÃO DA AERONÁUTICA


MILITAR ITALIANA


Domingo, 26 de Setembro de 1999



Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Para mim é sempre um prazer poder receber-vos e saudar-vos. O encontro hodierno, que já se tornou tradicional, enriquece-se cada vez mais com novas motivações e renovados sentimentos. Em primeiro lugar, ele oferece-me a oportunidade de vos agradecer pessoalmente, ilustres componentes do XXXI Esquadrão da Aeronáutica Militar Italiana que, acompanhando-me nas transferências aéreas no território italiano, me consentis participar em celebrações e manifestações eclesiais em várias localidades da querida Itália.

Desta forma cooperais no meu ministério e ofereceis-me a possibilidade de transmitir a mensagem evangélica a inúmeros irmãos e irmãs na fé, sustentando-os no testemunho e no amor a Cristo e à Igreja, assim como me dais a ocasião de levar conforto a quantos se encontram em particulares situações de sofrimento.

2. Por este vosso precioso e louvável serviço e pela vossa atenciosa e constante disponibilidade, desejo renovar-vos o meu mais sincero e cordial agradecimento, juntamente com o apreço pela vossa elevada preparação técnica e profissional. Além disso, permiti-me salientar os ideais de fé que inspiram e presidem à vossa não fácil actividade, ideais estes que o vosso Comandante acaba de evocar, ao saudar-me em nome de todos vós.

Como habitualmente acontece nesta circunstância, é com sentida alegria que confiro especiais distinções e honorificências pontifícias a alguns de vós: trata-se de um gesto externo e tangível, no qual se manifesta a minha pessoal gratidão e a da Santa Sé pela generosa disponibilidade com que colocais ao serviço do Papa as vossas capacidades profissionais, e constitui outrossim um sinal da estima que nutro por vós e por todos os componentes do inteiro XXXI Esquadrão.

3. Estamos a viver o terceiro ano de imediata preparação para o Grande Jubileu, que já é iminente. O ano de 1999 é dedicado ao Pai. Jesus ensinou-nos a dirigir-nos ao Pai celeste com estas palavras: «Pai nosso, que estais no céu» (Mt 6,9). A referência ao «céu» como lugar de morada do Pai é sem dúvida simbólica: com as suas ilimitadas dimensões e a multiplicidade dos astros que o aformoseam, o céu é o lugar onde refulgem de forma especial a beleza e a grandeza do Pai, «criador do céu e da terra».


Discursos João Paulo II 1999