Homilias JOÃO PAULO II 192


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

CONCELEBRAÇÃO COM OS SACERDOTES

DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA




Filadélfia, 4 de Outubro de 1979

Caríssimos irmãos sacerdotes


1. Celebrando esta Missa, que reúne os presidentes dos órgãos presbiterais ou Conselhos, de todas as dioceses dos Estados Unidos, o tema vital que se impõe à nossa consideração é um só: o sacerdócio e a sua importância central na missão da Igreja. Na Encíclica Redemptor Hominis descrevi tal encargo com as seguintes palavras: "A tarefa fundamental da Igreja de todas as épocas e, de modo particular da nossa, é dirigir o olhar do homem, encaminhar a consciência e a experiência de toda a humanidade em direcção ao mistério de Cristo, ajudar todos os homens a terem familiaridade com a profundidade da Redenção, que se dá em Cristo Jesus" (Redemptor Hominis RH 10).

193 Os Conselhos Presbiterais constituem uma estrutura nova na Igreja, desejada pelo Concílio Vaticano II e pela recente legislação da Igreja. Esta nova estrutura dá expressão concreta à unidade do Bispo com os presbíteros no serviço pastoral do rebanho de Cristo, e auxilia o Bispo na sua tarefa especifica de governar a diocese, fornecendo-lhe o conselho de colaboradores representativos e escolhidos entre o presbitério. A concelebração da Eucaristia de hoje deseja constituir sinal de confirmação do bem realizado pelos vossos Conselhos presbiterais durante os anos passados, e ser ao mesmo tempo um encorajamento a que se prossiga com entusiasmo e decididamente para alcançar esta importante meta, que é a de "promover a conformidade de vida e de acção do povo de Deus com o Evangelho" (Ecclesiae Sanctae, 16, 1). Mas deseja sobretudo que esta Missa constitua uma especial ocasião para falar através de vós, a todos os meus irmãos sacerdotes desta nação, sobre o nosso sacerdócio. Com grande amor vos repito as palavras que vos escrevi na Quinta-feira Santa: "Para vós eu sou Bispo, convosco sou sacerdote".

A nossa vocação sacerdotal foi-nos dada por Jesus em pessoa. É chamamento pessoal e individual: fomos chamados pelo nome, como Jeremias. Foi um chamamento ao serviço: somos mandados a pregar a Boa Nova de Deus, a dedicar "os cuidados do pastor ao rebanho de Deus". É chamamento a uma comunhão de propósitos e de acção: constituir um sacerdócio único com Jesus e entre nós, como Jesus e o Pai são uma coisa só — unidade que tão bem simboliza esta Missa concelebrada.

O sacerdócio não é somente a tarefa que nos foi designada; é uma vocação, um chamamento a que é necessário prestar continuamente ouvidos. Escutar este chamamento e responder generosamente a quanto ele comporta, é tarefa de cada sacerdote, mas é também responsabilidade do Conselho Presbiteral. Esta responsabilidade significa aprofundar e compreender o sacerdócio tal como o instituiu Cristo, do modo que Ele quis que fosse e permanecesse, tal como a Igreja o desdobra e o transmite. Fidelidade ao chamamento para o sacerdócio significa ,construir este sacerdócio juntamente com o povo de Deus, mediante uma vida de serviço em acordo com as prioridades apostólicas: concentrar tudo na oração e no ministério da Palavra (
Ac 6,4).

No Evangelho de São Marcos, a vocação sacerdotal dos Doze Apóstolos é como um botão cujo florir abre uma teologia inteira do sacerdócio. Já em pleno Seu ministério, lemos que Jesus subiu ao monte, chamou os que Ele quis. E foram ter com Ele. Elegeu Doze para andarem com Ele e para os enviar a pregar; em seguida o passo evangélico enumera os nomes dos Doze Apóstolos (Mc 3,13-14). Aqui, nós apercebemo-nos de três aspectos significativos do chamamento de Jesus: primeiramente Ele chamou os seus primeiros sacerdotes individualmente e pelo nome; chamou-os ao serviço da Palavra, para pregarem o Evangelho; e fê-los seus companheiros, associando-os à unidade de vida e de acção que Ele partilha com o Pai no mais profundo da vida trinitária.

2. Examinemos esta tríplice dimensão do nosso sacerdócio reflectindo sobre as leituras bíblicas de hoje. De facto, o Evangelho coloca, na tradição da vocação dos profetas, a chamada dos Doze Apóstolos por parte de Jesus. Quando um sacerdote reflecte na chamada de Jeremias ao cargo profético, fica confirmado e abalado ao mesmo tempo — "Não tenhas medo... porque eu estou contigo para te proteger" — diz o Senhor a todos aqueles que chama: "Eis, ponho as Minhas palavras nos teus lábios". Quem não havia de ficar sossegado ao ouvir estas tranquilizadoras palavras divinas? Quando nós consideramos porque são necessárias estas palavras resserenadoras, não vemos, provavelmente, em nós mesmos essa mesma relutância que encontramos na resposta de Jeremias? Como no caso dele, por vezes o nosso conceito de ministério está demasiado ligado à terra, falta-nos a confiança n'Aquele que nos chama. Podemos, igualmente, tornar-nos apegados a uma nossa visão do ministério, pensando que ele depende demasiado dos nossos talentos e capacidades, e às vezes esquecendo que é Deus quem nos chama, como chamou Jeremias desde o ventre materno. A coisa principal não é nem o nosso trabalho nem a nossa capacidade; somos chamados a pronunciar as palavras de Deus, não as nossas; a administrar os sacramentos que ele confiou à Igreja; a chamar o povo a um amor que Ele começou por tornar possível.

Por isso, entregarmo-nos ao chamamento de Deus, deve fazer-se com extrema confiança e sem reservas.

A nossa entrega à vontade de Deus deve ser total: o sim, dito duma vez para sempre, deve modelar-se no sim pronunciado por Jesus mesmo. Como nos diz São Paulo: Assim como é verdade que Deus é fiel, quando vos dirijo a palavra, não existe um "sim" e depois um "não". O Filho de Deus, Jesus Cristo... não foi um "sim" e depois um "não", mas sempre foi "sim" (2Co 1,18-19). Esta chamada de Deus é uma graça: é dom, tesouro que nós trazemos em vasos de barro, para que tão excelso poder se reconheça vir de Deus e não de nós (2Co 4,7). Mas este dom não é dado ao sacerdote primeiramente para si mesmo, é antes um dom de Deus para toda a Igreja e para a sua missão no mundo. O sacerdócio é um sinal sacramental estável, que demonstra que o amor do Bom Pastor pelo seu rebanho não diminuirá. Na minha carta aos sacerdotes, na Quinta-feira Santa última, desenvolvi este aspecto do sacerdócio como dom de Deus: o nosso sacerdócio — dizia eu — "constitui um particular ministerium, isto é, 'serviço' em relação à comunidade dos crentes. Não tira, porém, a origem desta comunidade, como se fosse ela a 'chamar' ou a 'delegar'. O sacerdócio sacramental é, bem certamente, dom para essa comunidade e provém do mesmo Cristo, pela plenitude do seu sacerdócio" (Carta aos Sacerdotes, 4).

Nesta oferta de dons ao povo, é o divino Doador a tornar a iniciativa; é Ele quem chama "quem Ele mesmo estabeleceu".

Daqui que, quando reflectimos na intimidade entre o Senhor e o seu profeta, o seu sacerdote — intimidade que brota como resultante do chamamento com o qual Ele tomou a iniciativa — tornamo-nos capazes de compreender melhor certas características do sacerdócio e damo-nos conta da sua correspondência à missão da Igreja de hoje como à do passado:

a) O sacerdócio é para sempre — tu es sacerdos in aeternum — nós não retomamos um presente uma vez oferecido. Não é possível que Deus que deu o impulso a dizer sim, queira agora ouvir dizer: não!

b) Nem deve surpreender o mundo que o chamamento de Deus mediante a Igreja continue a propor-nos um ministério celibatário de amor e de serviço, segundo o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo. O amor de Deus, de facto, tocou-nos na profundidade do nosso ser. E depois de séculos de experiência, a Igreja sabe qual a conveniência profunda de os padres darem esta resposta concreta, nas próprias vidas, para exprimirem a totalidade do sim que disseram ao Senhor quando Ele os chamou pelo nome, ao próprio serviço.

194 c) O facto de um chamamento pessoal, individual, ao sacerdócio ser dado pelo Senhor aos "homens por Ele escolhidos de antemão" está de acordo com a tradição profética. Isso dever-nos-ia ajudar a compreender que a histórica tradição da Igreja, de chamar ao sacerdócio homens e não chamar mulheres, não implica uma declaração dos direitos humanos nem exclusão das mulheres da santidade e da missão da Igreja. A decisão exprime antes a convicção da Igreja acerca desta particular dimensão do dom do sacerdócio, mediante o qual Deus escolheu apascentar o seu rebanho.

3. Caros irmãos: "O rebanho de Deus está no meio de vós: dedicai-lhe os cuidados de pastor". Como está ligada à essência da nossa compreensão do sacerdócio a tarefa de pastor, que na história da salvação é uma imagem frequente para exprimir o cuidado de Deus para com o povo. E só na missão de Jesus, Bom Pastor, pode ser compreendido o nosso ministério pastoral como sacerdotes. Recordai como, ao chamar os Doze, Jesus os chamou para serem seus companheiros, precisamente "para os mandar a pregar a Boa Nova". O sacerdócio é missão e serviço; o sacerdote é mandado por Jesus para "prodigar ao seu rebanho um cuidado de pastor". Esta característica do sacerdote — para citar uma bela expressão sobre Jesus como "homem-para-os-outros" — mostra-nos o sentido genuíno do "prodigar um cuidado de pastor". A expressão está a indicar consciência que tem a humanidade do mistério de Deus, da profundidade da redenção que se realiza em Cristo Jesus. O ministério sacerdotal é essencialmente missionário: isto significa ser-se mandado para bem dos outros, como Jesus foi mandado pelo seu Pai, para a causa do Evangelho, para evangelizar. Segundo as palavras de Paulo VI, "evangelizar significa levar a Boa Nova a todos os estratos da humanidade... e renová-los" ( Evangelii nuntiandi
EN 18). Na base e no centro do seu dinamismo, evangelizar contém uma clara enunciação de a salvação estar em Jesus Cristo, Filho de Deus. O seu Nome, o seu ensinamento, a sua vida, as suas promessas, o seu reino e o seu ministério: é isso que nós proclamamos diante do mundo. E a eficácia desta nossa proclamação — e portanto o verdadeiro êxito do nosso sacerdócio — dependem da nossa fidelidade ao Magistério mediante o qual a Igreja conserva o bom depósito com a ajuda do Espírito Santo que habita em nós (2Tm 1,14).

Como modelo de cada ministério e apostolado na Igreja, o ministério sacerdotal não deve ser nunca concebido em termos de coisa adquirida; enquanto dom, é um dom que deve ser proclamado e repartido com os outros. Não é isto mesmo que se vê claramente nas palavras de Jesus, quando a Mãe de João e Tiago pediu que os seus filhos se sentassem à direita e à esquerda do seu reino? Os chefes das nações governam-nas como seus senhores, e os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim, entre vós; pelo contrário, quem quiser fazer-se grande entre vós, seja vosso servo. E quem quiser ser o primeiro entre vós, seja vosso servo. Do mesmo modo, o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida pelo resgate de muitos (Mt 20,25-28).

Assim como Jesus foi perfeitamente homem-para-os-outros, dando-se completamente sobre a Cruz, assim o sacerdote é sobretudo servo e "homem-para-os-outros" quando age in persona Christi na Eucaristia, guiando a Igreja naquela celebração em que se renova o Sacrifício da Cruz. Por isso, no quotidiano sacrifício eucarístico da Igreja, a Boa Nova que os Apóstolos foram enviados a anunciar, é pregada na sua plenitude; a obra da nossa redenção é renovada.

Com que perfeição os Padres do Concílio Vaticano II expressaram esta verdade fundamental no seu decreto sobre a vida e ministério sacerdotal: "Os outros sacramentos, como também todos os ministérios eclesiásticos e as obras de apostolado, estão estreitamente unidos à Sagrada Eucaristia e para ela são orientados... Por isso a Eucaristia apresenta-se como fonte e ponto culminante de toda a evangelização" (Presbyterorum Ordinis PO 5). Na celebração da Eucaristia nós, sacerdotes, estamos precisamente no coração do nosso ministério de serviço, ao "prodigar ao rebanho de Deus um cuidado de pastor". Todos os nossos esforços pastorais são incompletos enquanto o nosso povo não for guiado até à plena e activa participação no Sacrifício Eucarístico.

4. Recordamos como Jesus chamou os Doze como seus companheiros. O chamamento ao serviço sacerdotal inclui o convite a uma particular intimidade com Cristo. A experiência, vivida pelos sacerdotes em cada geração, levou-os a descobrir nas próprias vidas e no próprio ministério a absoluta centralidade da própria união pessoal com Jesus, o serem seus companheiros. Ninguém pode, com efeito, levar aos outros a Boa Nova de Jesus se, primeiramente, não se fez seu constante companheiro através da oração pessoal, se não aprendeu de Cristo o mistério que deve anunciar.

Esta união com Jesus, modelada sobre a sua unidade com o Pai, reveste nova dimensão intrínseca, como mostra a sua oração durante a última Ceia: Para que sejam uma coisa só, Pai, como nós (Jn 17,11). O seu sacerdócio é uno, e esta unidade deve ser actual e efectiva entre os companheiros por ele escolhidos. Daqui que a unidade entre os sacerdotes, vivida em fraternidade e amizade, se torne exigência e parte integrante da vida de um padre.

A unidade entre os sacerdotes não é unidade ou fraternidade que seja fim a si mesma. Ela existe por amor do Evangelho, para simbolizar, no exercício do sacerdócio, a essencial linha de rumo à qual o Evangelho chama todos, isto é: à união de amor com Ele e à união recíproca duns com outros. E só esta união pode garantir a paz, justiça e dignidade a cada ser humano. Sem dúvida é este o significado subjacente à oração de Jesus, quando Ele continua: Rezo também por aqueles que, pela sua palavra, hão-de crer em mim, para que todos sejam uma coisa só como tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti (Ibid., 17, 20-21). Por isso, como poderá o mundo acreditar que o Pai mandou Jesus, se não vê de modo tangível aqueles que crêem em Cristo e escutaram o seu mandamento, "amarem-se reciprocamente"? E como poderão os crentes estar certos de este amor ser concretamente possível, se não têm o exemplo da unidade dos seus sacerdotes, daqueles que o próprio Jesus vai formando no sacerdócio como seus companheiros?

Meus irmãos sacerdotes: não tocámos porventura o centro da questão: o nosso zelo pelo próprio sacerdócio? Este zelo é inseparável do zelo pelo serviço do povo. Esta Missa concelebrada — que tão bem simboliza a unidade do nosso sacerdócio — oferece a toda a gente o testemunho daquela unidade pela qual Jesus orou ao seu Pai em nosso favor. Mas não pode ser unicamente manifestação passageira, que tornaria estéril a palavra de Jesus. Cada Eucaristia renova esta oração pela unidade: "Lembra-te Senhor da tua Igreja difundida por toda a terra; torna-a perfeita no amor, em união com o nosso Papa João Paulo, o nosso Bispo e toda a ordem sacerdotal".

Os vossos Conselhos Presbiterais, como novas estruturas na Igreja, fornecem maravilhosa oportunidade para se testemunhar visivelmente o único sacerdócio que vós participais com os vossos Bispos e reciprocamente, e para se demonstrar o que deve estar no centro da renovação de qualquer estrutura eclesial: a unidade pela qual Cristo rogou.

5. No início desta homilia indiquei-vos a tarefa de assumir a responsabilidade do vosso sacerdócio, tarefa para cada um de vós pessoalmente e tarefa para ser repartida com todos os sacerdotes, a qual diz respeito de modo especial aos vossos Conselhos Presbiterais. A fé de toda a Igreja exige ter bem clara a compreensão exacta do sacerdócio e do lugar dele na missão da Igreja. Assim a Igreja depende de vós para aprofundar cada vez mais esta compreensão, e para a pôr em prática nas vossas vidas e no vosso ministério. Por outras palavras: para ser repartido o dom do vosso sacerdócio com a Igreja, por meio da renovação da resposta que já destes ao convite de Cristo: "Vem, segue-me", oferecendo-vos completamente, como Ele tinha feito.

195 Por vezes ouvimos dizer: "Rezai pelos sacerdotes". E hoje eu lanço estas palavras como um apelo, como pedido a todos os fiéis da Igreja nos Estados Unidos. Rezai pelos sacerdotes, a fim de querer cada um deles repetir constantemente o seu sim à vocação recebida, permanecer firme em pregar a mensagem evangélica, e permanecer fiel para sempre como companheiro de Nosso Senhor Jesus Cristo. Caros irmãos sacerdotes, já que renovamos o mistério pascal e estamos como discípulos aos pés da Cruz juntamente com Maria, a Mãe de Jesus, permiti-me que a ela vos confie. No seu amor encontraremos a força para a nossa debilidade, a alegria para os nossos corações.






VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

SANTA MISSA EM «LIVING HISTORY FARM»



Des Moines, Iowa, 4 de Outubro de 1979




Queridos irmãos e irmãs em Cristo

Aqui, no coração da América rural, no meio dos campos férteis e generosos no período das colheitas, venho eu celebrar a Eucaristia.

Visto estar entre vós neste período das colheitas do Outono, parecem-me mais apropriadas do que nunca as palavras que são repetidas todas as vezes que os fiéis se reúnem para a Missa: "Bendito sejais, Senhor, Deus do Universo, pelo pão que recebemos da Vossa bondade, fruto da terra e do trabalho do homem, que hoje Vos apresentamos".

Uma vez que sempre estive perto da natureza, consenti-me que vos fale hoje da agricultura, da terra e daquilo que a terra e o trabalho do homem produziram.

1. A terra é dom de Deus à humanidade desde o início dos tempos. É dom de Deus, concedido pelo amor do Criador como meio de sustentar a vida por Ele criada.

Mas a terra não é apenas dom de Deus; é também responsabilidade para o homem. O homem, ele próprio criado do pó da terra (Gn 3,7), foi designado como possuidor dela (Ibid., 1, 26).

Para dar frutos, a terra ficaria dependente da genialidade e da habilidade, do suor e do cansaço do homem, a quem Deus a confiou. Assim o alimento, que sustentaria a vida sobre a terra, foi querido por Deus de tal modo que viesse a resultar em conjunto, daquilo que a terra dá e daquilo que o trabalho humano produz.

A todos os proprietários e aos trabalhadores da terra quero dizer que a Igreja tem imensa estima pelo vosso trabalho. O próprio Jesus Cristo demonstrou a sua considerarão pelo trabalho agrícola, quando descreveu Deus, Seu Pai, como um "vinhateiro" a conservar e alimentar a vinha. Vós realizais o mandamento dado por Deus desde o princípio: Enchei a terra e dominai-a (Ibid., 1, 28). Aqui, no coração agrícola da América, os vales e as colinas foram cobertos de trigo, os rebanhos e as manadas multiplicaram-se várias vezes. Por meio de um trabalho duro, tornastes-vos senhores da terra e ela submeteu-se a vós.

Em virtude da abundância e da fecundidade, que as alfaias agrícolas modernas favoreceram, vós alimentais milhões de pessoas, que não trabalham directamente na terra mas vivem graças aos vossos produtos. Lembrando isto, faço minhas as palavras do meu venerado Predecessor Paulo VI: "É a dignidade dos agricultores, bem como a de todos aqueles que trabalham nos diferentes níveis da investigação e da acção, dentro dos domínios do desenvolvimento agrícola, o que importa proclamar e promover sem descanso" (Paulo VI, Mensagem à Conferência Mundial da Alimentação, 7; L'Oss. Rom. , Rm 3).

196 Quais são as atitudes do homem em relação à terra? Como sempre, devemos responder inspirando-nos em Jesus porque, como diz São Paulo: Deveis ter em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus ( Flp 2, 5).

Na vida de Jesus encontramos verdadeira compreensão por aquilo que se refere à terra. No seu ensino referiu-se Ele às aves do céu (
Mt 6,26), aos lírios do campo (Ibid., 7, 17). Além disso, falou do semeador que andou a semear (Ibid., 13, 4), referiu-se ao Seu Pai Celeste como vinhateiro (Jn 15,1) e disse de si próprio que era o Bom Pastor (Ibid. 10, 14). Esta proximidade da natureza, estas referências espontâneas à Criação como dom de Deus, bem como o abençoar o trabalho doméstico, elemento característico, ainda nos nossos dias, de todas as propriedades rurais, foram momentos que fizeram parte da vida de Jesus. Por isso vos convido a procurar que os vossos actos sejam semelhantes aos de Jesus Cristo.

2. Em particular, há três atitudes de ânimo entre as mais importantes da vida rural: em primeiro lugar, a gratidão. Recordemos as primeiras palavras de Jesus no Evangelho que acabámos de ouvir, palavras de gratidão ao Seu Divino Pai: "Pai, Senhor do Céu e da Terra, louvores Vos sejam dados". Sejam estes os vossos sentimentos. Todos os dias o agricultor é levado a recordar que depende de Deus. Do céu vêm a chuva, o vento e o esplendor do sol. Vêm, embora o agricultor os não faça vir nem os domine. O agricultor prepara o terreno, espalha a semente e trata das culturas. Mas é Deus quem as faz crescer. Só Ele é a fonte da vida. As próprias calamidades naturais, como o granizo e a seca, os ciclones ou as inundações, recordam ao homem dos campos a sua dependência de Deus. Foi decerto esta consciência que deu origem na América às primeiras peregrinações, até se estabelecer a festa que vós designais por "Thanksgiving" (Acção de graças). Depois de cada colheita, e talvez isto tenha acontecido aqui também este ano, o agricultor formula a sua oração fazendo próprias as palavras de Jesus quando disse: "Pai, Senhor do céu e da terra, eu vos louvo".

Em segundo lugar, a terra deve ser tratada com cuidado, para que dê frutos por muitas gerações. Vós, que viveis neste centro da América, conheceis os elementos desta terra: o solo tão rico de minerais, o clima favorável, as boas sementes, a água fresca e o ar saudável que vos rodeia. Vós sois os distribuidores de alguns dos maiores recursos que Deus dispensou ao mundo. Por isso, conservai bem esta terra, para que os filhos dos vossos filhos e as gerações que hão-de vir a possam herdar tão rica como vós a encontrastes. Mas lembrai-vos também de que a vossa vocação é a terra.

Sendo embora verdade que hoje a agricultura só pode dar meios de subsistência a quem a trabalha, a calma e a tranquilidade que reinam aqui serão sempre bens maiores do que os proporcionados por uma empresa que tenda ao lucro puro.

Através da agricultura colaborais com o Criador para sustentar a vida no mundo.

Em terceiro lugar, desejo falar-vos da generosidade, generosidade que nasce de Deus ter destinado a terra e tudo o que ela contém, para uso de todos os homens e povos, e, portanto, os bens criados devem chegar às mãos de todos, segundo critérios de equidade, à luz da justiça acompanhada pela caridade (Gaudium et Spes GS 69).

Vós, que sois agricultores, sois distribuidores de um dom que vem de Deus e deve ser comunicado a toda a humanidade. Vós sois capazes de proporcionar alimento a milhões de pessoas que não têm que comer, e assim podereis ajudar a libertar da fome o mundo.

Faço-vos a mesma pergunta formulada há cinco anos por Paulo VI: "Se a potência da natureza é imensa e se o poder de domínio do espírito humano sobre o universo parece ser quase ilimitado, que é que falta então, muitas vezes...? senão esta generosidade, esta inquietude, que é suscitada pela visão dos sofrimentos e das misérias dos pobres, esta profunda convicção de que toda a família sofre quando um dos seus membros se encontra na miséria? (Paulo VI, Mensagem à Conferência Mundial da Alimentação, 9; L'Oss. Rom Rom cit. ).

Recordais-vos de quando Jesus viu a multidão esfomeada, reunida na colina? Qual foi a sua resposta à necessidade? Não se limitou a exprimir compaixão. Ordenou aos seus discípulos: Dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14,16). Não se dirigirá com as mesmas palavras a nós hoje, a nós que vivemos no século XX, a nós que temos os meios necessários para dar de comer a quantos sofrem a fome no mundo?

Respondamos com generosidade a este mandamento de Deus, dividindo o fruto do nosso trabalho, repartindo com os outros as experiências que já adquirimos, fazendo-nos promotores de um desenvolvimento agrícola em toda a parte e defendendo o direito ao trabalho das populações rurais, para que todas as pessoas efectivamente mostrem o direito a um emprego útil.

197 Os agricultores fornecem pão à humanidade inteira, mas só Cristo é o pão da vida. Só Ele pode satisfazer a mais profunda fome do mundo. Como diz Santo Agostinho, "os nossos corações estão inquietos até que repousem em Ti (Santo Agostinho, Confissões, 1). Enquanto nos recordamos da fome física de milhões de irmãos e irmãs nossos de todos os continentes, recordemos nesta Acção Eucarística que a pior fome é aquela que reside no mais profundo da alma humana. A todos quantos sentem esta fome Jesus diz: Vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei (Mt 11,28).

Irmãos e Irmãs em Cristo: ouçamos estas palavras com todo o nosso coração; elas são dirigidas a cada um de nós. A quantos trabalham na terra, a quantos recebem benefícios do trabalho deles, a cada homem e mulher diz Jesus: "Vem a mim... e eu te aliviarei".

Mesmo que a fome física do mundo fosse saciada, mesmo se todos os que têm fome conseguissem ser alimentados, quer através do seu próprio trabalho quer mediante a generosidade dos outros, a fome mais profunda do homem existiria ainda.

Relemos na carta de São Paulo aos Gálatas: O que importa é o homem ter sido criado de novo (Ga 6,15). Só Cristo pode criar de novo e esta nova criação não tem o seu início senão na Sua Cruz e Ressurreição. Só em Cristo é restaurada toda a criação segundo a sua ordem. Por isso eu digo que venhais todos a Cristo. Ele é o pão da vida. Vinde a Cristo e nunca mais tereis fome. Trazei convosco a Cristo os produtos das vossas mãos, os frutos da terra. Sobre este altar esses dons serão transformados ria Eucaristia do Senhor.

Trazei convosco o vosso esforço para que frutifique a terra, o vosso trabalho e as vossas canseiras. Sobre este altar, em virtude da vida, da morte e Ressurreição de Cristo, toda a actividade humana será santificada, nobilitada e tornada preciosa.

Trazei convosco os pobres, os doentes, os marginalizados e os esfomeados; os que estão cansados e os que acham a vida pesada. Neste altar encontrarão alivio, e o jugo parecer-lhes-á fácil e o peso ligeiro.

E sobretudo trazei as vossas famílias e dedicai-as a Cristo, para que possam continuar a ser uma comunidade que trabalhe, viva e ame, onde a natureza seja respeitada, onde os pesos sejam divididos e onde Deus seja louvado com gratidão.












VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

SANTA MISSA PARA A COMUNIDADE POLACA RESIDENTE EM CHICAGO



Igreja dos Cinco Santos Mártires

Chicago, 5 de Outubro de 1979




Queridos irmãos e irmãs

Daqui a pouco ofereceremos a Deus o pão e o vinho. Aceitarei esses dons das vossas mãos, para os oferecer ao Pai Celeste. Fazemos assim em todas as Missas. Mas, apesar de o fazermos todas as vezes da mesma maneira, a oferta tem, de cada vez, um conteúdo diverso, ressoa com diferenças nos nossos lábios e revela segredos distintos do nosso coração. Hoje fala de modo muito especial.

198 Aceitando os vossos dons no ofertório e colocando-os sobre este altar, queria exprimir com eles todos os contributos que os filhos e as filhas da nossa primeira mãe-pátria, a Polónia, deram à história e à vida da sua segunda pátria aquém-oceano: todos os frutos das suas inteligências, corações e mãos; todas as conquistas dos indivíduos, das famílias e das comunidades. Mas também todos os desaires, sofrimentos e desilusões; toda a saudade das suas casas, quando atravessaram o oceano forçados pela sua grande pobreza; todo o preço do amor que tiveram de deixar, para procurar de novo aqui outros vínculos familiares, sociais e humanos.

Quero incluir neste Sacrifício Eucarístico toda a actividade pastoral da Igreja, todo o trabalho feito pelo clero e por este Seminário, que preparou sacerdotes durante muitos anos; o trabalho dos religiosos e especialmente das religiosas que, ficando na Polónia, acompanharam os seus compatriotas. E também as actividades das várias organizações que deram prova de força do espírito, de iniciativa e de habilidade e, sobretudo, de prontidão em servir uma boa causa, causa comum, apesar de o oceano dividir a nova pátria da antiga.

Já fiz menção de tantas coisas e desejava que nenhuma ficasse omitida. Por isso peço a todos e a cada um de vós: completai a lista incompleta. Queria colocar sobre este altar uma oferta de tudo aquilo que vós — a Polónia americana — representastes desde os primeiros tempos, desde o tempo de Kosciuszko e Ruleski, para todas as gerações, e de tudo quanto representais hoje.

Quero oferecer a Deus este Santo Sacrifício como Bispo de Roma e como Papa que, ao mesmo tempo, é filho da mesma Nação de onde vós viestes.

Quero assim cumprir um dever especial: o dever do meu coração e o dever da história. Nossa Senhora de Jasna Góra esteja connosco como Mãe, durante este Santo Sacrifício e, com ela, os Santos Padroeiros do nosso País, cuja devoção trouxestes para esta terra.

Esta extraordinária oferta de pão e vinho, este Sacrifício Eucarístico único na história da Polónia americana una-vos a todos num grande amor e numa grande tarefa.

Oxalá este Sacrifício faça que Jesus continue a aumentar a vossa fé e a vossa esperança.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA NO GRANT PARK DE CHICAGO



Chicago, 5 de Outubro de 1979




Meus irmãos e irmãs em Jesus Cristo

1. As leituras da celebração de hoje colocam-nos perante o mistério profundo da nossa vocação de cristãos.

Antes de subir ao céu, Jesus reuniu os seus discípulos em volta de si e explicou-lhes mais uma vez o significado da sua missão salvadora, dizendo: Assim está escrito: Cristo deverá sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia. E em seu nome serão pregados a todos os povos a conversão e o perdão dos pecados (Lc 24,46-47). No momento em que se despediu dos seus Apóstolos, ordenou-lhes, e através deles a toda a Igreja e a cada um de nós, que levassem a mensagem da redenção a todas as nações. São Paulo exprime este pensamento com intensidade na sua segunda carta aos Coríntios: Ele confiou-nos o ministério da reconciliação. Nós somos embaixadores de Cristo, como se Deus exortasse por meio de nós (2Co 5,18-20).

199 Mais uma vez o Senhor nos introduz no mistério da humanidade, humanidade que precisa da salvação. E Deus quis que esta salvação da humanidade se realizasse mediante a humanidade de Cristo, que por nós morreu e ressuscitou (Cfr. 2Co 5,15), e que nos confiou a sua missão redentora. Sim, nós somos verdadeiramente "embaixadores de Cristo" e trabalhamos pela evangelização.

Na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, que escreveu por desejo da terceira Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, o meu predecessor na Cátedra de São Pedro, Paulo VI, convidou todo o povo de Deus a meditar no seu dever fundamental de evangelizar. Convidou cada um de nós a examinar-se sobre o modo como pode ser testemunha da mensagem da redenção, como pode comunicar aos outros a Boa Nova que recebe de Jesus através da Igreja.

2. Há algumas condições necessárias, se quisermos tomar parte na missão evangelizadora da Igreja. Esta tarde desejo referir-me em particular a uma destas condições. Quero falar da unidade da Igreja, da nossa unidade em Jesus Cristo. Permiti-me que repita o que Paulo VI dizia sobre esta unidade: "O testamento espiritual do Senhor diz-nos que a unidade entre os seus seguidores não é apenas prova de que nós somos seus, mas também que Ele é o enviado do Pai, critério de credibilidade dos cristãos e do próprio Cristo... Sim, a sorte da evangelização está certamente ligada ao testemunho de unidade dado pela Igreja" (Evangelii Nuntiandi EN 77).

Fui levado a escolher este aspecto particular da evangelização olhando para os milhares de homens e mulheres que hoje vejo reunidos à minha volta. Quando levanto o olhar, vejo em vós o Povo de Deus, unido a cantar os louvores do Senhor na celebração eucarística. E vejo também todo o povo da América, Nação formada por muitos povos: E pluribus unum.

3. Nos primeiros dois séculos da vossa história nacional percorrestes longa caminhada, sempre à procura de um futuro melhor, de uma estabilidade segura e de um lar. Caminhastes "do mar a um esplêndido mar" para encontrardes a vossa identidade, para vos conhecerdes mutuamente ao longo do caminho e encontrardes o vosso lugar neste País imenso.

Os vossos antepassados chegaram de muitos e diversos países através dos oceanos, para se encontrarem aqui com povos de comunidades diversas, que se tinham estabelecido no País. O processo repetiu-se em todas as gerações: chegaram grupos novos, cada um com a sua história, e instalaram-se aqui, tornando-se parte de algo de novo. E o mesmo processo continua quando as famílias se deslocam do Sul para o Norte, do Oriente para o Ocidente. Chegam cada vez com o seu passado a uma nova cidade ou aldeia, para serem parte de uma nova comunidade. O modelo repete-se continuamente: E pluribus unum — muitos formam uma nova comunidade.

4. Sim, cada vez foi criado algo de novo. Trouxestes convosco uma cultura diferente e contribuístes para o conjunto com a vossa riqueza própria e distinta; tínheis experiências diferentes e puseste-las em comum completando-vos uns aos outros, para criar a indústria, a agricultura e o comércio; cada grupo trouxe consigo os seus próprios e distintos valores humanos e repartiu-os com os outros, para enriquecimento da vossa Nação. E pluribus unum: tornastes-vos uma identidade nova, um novo povo, cuja verdadeira natureza não pode ser adequadamente explicada com a simples sobreposição das várias comunidades.

Por isso, olhando para vós, eu vejo o povo que teceu em conjunto o seu destino e agora escreve uma história comum. Apesar das vossas diferenças, decidistes aceitar-vos uns aos outros, às vezes de maneira imperfeita, chegando ao ponto de uns submeterem os outros a vários tipos de discriminação; às vezes só depois de longo período de incompreensão e rejeição; mesmo se agora ides cultivando o sentido da compreensão, apreciando as diferenças recíprocas. Exprimindo gratidão pelas numerosas bênçãos recebidas, tomais-vos atentos aos deveres que tendes para com os menos favorecidos, entre vós e no resto do mundo: dever de participação, de amor e de serviço. Como povo, reconheceis Deus como a fonte das vossas múltiplas bênçãos, e abris-vos ao seu amor e à sua lei.

Esta é a América no seu ideal e na sua decisão: "uma nação submetida a Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos". Assim foi concebida a América; é isso o que ela é chamada a ser. E tudo isto agradecemos nós ao Senhor.

5. Mas há ainda outra realidade, que vejo quando penso em vós. É realidade também mais profunda e mais exigente, requisito da história comum e da união que construístes a partir da riqueza do vosso património étnico e cultural diverso, aquele património que agora quereis justamente conhecer e preservar. A história não se esgota no progresso material, na conquista tecnológica e nem sequer no desenvolvimento cultural. Estando aqui juntos, à volta do altar do sacrifício para partir o pão da Santa Eucaristia com o sucessor de Pedro, tornais-vos testemunhas desta realidade mais profunda: da vossa unidade como membros do povo de Deus.

Nós, apesar de sermos muitos, somos um só corpo em Cristo (Rm 12,5). Também a Igreja é composta de muitos membros e enriquecida pela diversidade daqueles que formam uma única comunidade de fé e de baptismo, o único Corpo de Cristo. O que nos congrega e faz de nós um só, é a nossa fé, una e apostólica. Nós somos todos um, porque aceitámos Jesus Cristo como o Filho de Deus, o Redentor da raça humana, o Mediador único entre Deus e o homem. Com o Sacramento do Baptismo fomos verdadeiramente incorporados em Cristo crucificado e glorificado e, mediante a acção do Espírito Santo, tornámo-nos membros vivos do seu único Corpo. Cristo deu-nos o admirável Sacramento da Eucaristia, com o qual se manifesta e continuamente se efectua e aperfeiçoa a unidade da Igreja.

200 6. Um Senhor, uma fé, um Baptismo (Ep 4,5), assim estamos todos entreligados, como o Povo de Deus, o corpo de Cristo, numa unidade que transcende a diversidade da nossa origem, cultura, educação e personalidade, numa unidade que não exclui a rica diversidade dos ministérios e dos serviços. Com São Paulo proclamamos: Assim como em um só corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, apesar de sermos muitos, formamos um só corpo em Cristo, e todos somos membros uns dos outros (Rm 12,4-5).

Então se a Igreja, corpo uno de Cristo, deve ser o sinal necessariamente reconhecível da mensagem evangélica, todos os seus membros devem demonstrar, como dizia Paulo VI, aquela "harmonia e força de doutrina, de vida e de culto que caracterizou os primeiros dias da sua existência" (Paulo VI, Exortação apostólica sobre a Reconciliação na Igreja, 2), quando os cristãos eram assíduos no ouvir os ensinamentos dos Apóstolos, na união fraterna, na fracção do pão e nas orações (Ac 2,42).

A nossa união na fé deve ser completa, se não quisermos desistir de dar testemunho do Evangelho e de ser evangelizadores. Portanto nenhuma comunidade eclesial pode quebrar os seus laços com o tesouro da fé, como é proclamada pela missão de ensinar da Igreja, porque é a esta missão de ensinar da Igreja, a este Magisterium, que o depósito da fé foi especialmente confiado. Com Paulo VI afirmo esta grande verdade: "Mesmo traduzido em todas as linguagens, este conteúdo não deve ser nem desfalcado nem mutilado; mesmo se revestido dos símbolos próprios de cada um dos povos,... deve continuar a ser o conteúdo da fé católica, como o Magistério eclesial o recebeu e o transmite" (Evangelii Nuntiandi EN 65).

7. Finalmente e sobretudo, a missão de evangelizar, que é minha e é vossa, deve ser desempenhada mediante um testemunho constante e desinteressado oferecido à unidade do amor. O amor é a força que abre os corações à palavra de Jesus e à sua Redenção: o amor é o fundamento único das relações humanas que desejam respeitar em todos a dignidade de filhos de Deus, criados à sua imagem e salvos pela morte e ressurreição de Jesus; o amor é a única força activa que nos impele a pormos em comum, com os nossos irmãos e irmãs, tudo o que somos e tudo o que temos.

O amor é o estímulo poderoso que faz nascer o diálogo, no qual nos ouvimos uns aos outros e mutuamente aprendemos. O amor faz surgir, sobretudo, o diálogo da oração, na qual ouvimos a palavra de Deus, que está viva na Bíblia Sagrada e viva na vida da Igreja. Façamos que o amor construa as pontes entre as nossas margens diferentes e, por vezes, contrastantes. Façamos que o amor recíproco e o amor pela verdade sejam a resposta à polarização, quando se criarem facções, por causa de pontos de vista diferentes em coisas que digam respeito à fé ou às prioridades que hão-de conceder-se a acções práticas. Nunca ninguém na comunidade eclesial deveria sentir-se alienado ou não amado, mesmo quando surjam tensões no decurso de esforços comuns para fazer frutificar o Evangelho na nossa sociedade. A nossa unidade enquanto cristãos, enquanto católicos, deve ser sempre unidade de amor em Jesus Cristo nosso Senhor.

Dentro de poucos minutos celebraremos a nossa unidade, renovando o Sacrifício de Cristo. Cada um apresentará um dom diferente para ser oferecido em união com a oferta de Jesus: a dedicação ao aperfeiçoamento da sociedade; os esforços para consolar os que sofrem; o desejo de dar testemunho da justiça; o propósito de trabalhar pela paz e a fraternidade; a alegria de uma família unida, ou o sofrimento no corpo ou no espírito. Dons diferentes, sim, mas todos unidos no único grande dom do amor de Cristo pelo seu Pai e por nós, tudo unido na unidade de Cristo e do seu Sacrifício.

E agora, na força e no poder, na alegria e na paz desta unidade sagrada, comprometemo-nos mais uma vez como povo unido — a cumprir o mandamento de nosso Senhor Jesus Cristo: ide e ensinai o meu Evangelho a todas as Nações. Com a palavra e o exemplo dai testemunho do meu nome. E eis que estou sempre convosco, até ao fim do mundo.












Homilias JOÃO PAULO II 192