Homilias JOÃO PAULO II 95


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA PRAÇA DA VITÓRIA EM VARSÓVIA


Sábado, 2 de Julho de 1979




Dilectos Compatriotas!
Caríssimos Irmãos e Irmãs!
Participantes no Sacrifício Eucarístico que hoje se celebra
em Varsóvia, na Praça da Vitória!

1. Desejo cantar convosco um hino de louvor à Divina Providência que me permite estar aqui nas vestes de peregrino.

96 Sabemos que Paulo VI, recentemente falecido — primeiro Papa peregrino depois de tantos séculos —, desejou ardentemente pisar terra polaca ,(1) em particular Jasna Gora. Conservou esse desejo até ao fim da vida, e com ele desceu ao túmulo. E eis que sentimos que este desejo — tão forte e tão profundamente fundamentado, de tal modo que superou a duração de um pontificado — se realiza hoje e de forma dificilmente previsível. Agradeçamos, por isso, à Divina Providência ter dado a Paulo VI um desejo tão forte. Agradeçamos-Lhe o estilo de Papa-peregrino que ele inaugurou com o Concílio Vaticano II. De facto, quando toda a Igreja tomou renovada consciência de ser Povo de Deus, Povo que participa na missão de Cristo, Povo que, com essa missão, atravessa a história, Povo «peregrino», o Papa já não podia continuar a ser «prisioneiro do Vaticano». Devia tornar-se novamente o Pedro peregrino, como o primeiro que, de Jerusalém, atravessando Antioquia, chegara a Roma para aí dar testemunho de Cristo, selando-o com o próprio sangue.

É-me concedido hoje satisfazer, no meio de vós, dilectíssimos Filhos e Filhas da minha Pátria, este desejo do falecido Papa Paulo VI. Com efeito, quando — por imperscrutáveis desígnios da Divina Providência, depois da morte de Paulo VI e do breve pontificado, com duração apenas de algumas semanas, do meu dilecto Predecessor João Paulo II — fui chamado, com os votos dos Cardeais, da Cátedra de Santo Estanislau em Cracóvia à de São Pedro em Roma, apercebi-me imediatamente que era minha missão satisfazer esse desejo que Paulo VI não pudera realizar no Milénio do Baptismo da Polónia.

A minha peregrinação à Pátria, no ano em que a Igreja da Polónia celebra o nono centenário da morte de Santo Estanislau, não será um sinal particular da nossa peregrinação polaca através da história da Igreja, não apenas ao longo dos caminhos da nosso pátria, mas também ao longo dos da Europa e do mundo? Pondo de parte a minha pessoa, devo, no entanto, perguntar-me com todos vós qual o motivo por que, precisamente no ano de 1978 (depois de tantos séculos de uma tradição constante neste campo) foi chamado à Cátedra de São Pedro um filho da Nação polaca, da terra polaca. De Pedro, como dos outros Apóstolos, exigia Cristo que fossem suas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria,e até aos confins da terra (
Ac 1,8).Tendo como ponto de referência estas palavras de Cristo, não teremos nós o direito de pensar que a Polónia se tornou, nos nossos tempos, terra de um testemunho particularmente responsável? Que precisamente daqui — de Varsóvia e também de Gniezno, de Jasna Gora, de Cracóvia, de todo este itinerário histórico que percorri tantas vezes na minha vida, e que nestes dias me é dado percorrer de novo — é necessário anunciar Cristo com singular humildade, mas também com convicção? Que é preciso vir precisamente aqui, a esta terra, com este itinerário, para reler o testemunho da sua Cruz e da sua Ressurreição? Mas, se aceitamos tudo quanto neste momento ousei afirmar, quão grandes deveres e obrigações não nascem! Seremos disso capazes?

2. É-me dado hoje, na primeira etapa da minha peregrinação papal à Polónia, celebrar o Sacrifício Eucarístico em Varsóvia, na Praça da Vitória. A liturgia da tarde de sábado, vigília do Pentecostes, leva-nos ao Cenáculo de Jerusalém onde os Apóstolos — reunidos à volta de Maria, Mãe de Cristo — receberão, no dia seguinte, o Espírito Santo. Receberão o Espírito que Cristo, através da Cruz, lhes obteve, para que na força deste Espírito possam realizar o Seu mandato: Ide e ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo ,ensinando-as a observar tudo quanto vos ensinei (Mt 28,19-20). Com estas palavras, Cristo Senhor, antes de deixar o mundo, transmitiu aos Apóstolos a Sua última recomendação, o seu «mandato missionário». E acrescentou: Eis que eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo (Mt 28,20).

Foi bem que a minha peregrinação à Polónia, na ocorrência do IX centenário do martírio de Santo Estanislau, coincidisse com o período do Pentecostes e com a solenidade da Santíssima Trindade. Posso, deste modo, satisfazendo o desejo póstumo de Paulo VI, viver uma vez mais o Milénio do Baptismo da terra polaca e inscrever o jubileu de Santo Estanislau deste ano neste Milénio, no qual teve início a história da Nação e da Igreja. As solenidades do Pentecostes e da Santíssima Trindade aproximam-se precisamente deste início. Nos Apóstolos, que recebem o Espírito Santo no dia do Pentecostes, estão já presentes, de algum modo espiritualmente, todos os seus sucessores, todos os Bispos, mesmo aqueles a quem competia, desde há mil anos, anunciar o Evangelho na terra polaca. Mesmo este Estanislau de Szczepanów, que, há nove séculos, pagou com o sangue a sua missão na cátedra de Cracóvia.

E nestes Apóstolos — e à volta deles — se reuniram, no dia do Pentecostes, não apenas os representantes dos povos e das línguas enumerados pelo livro dos Actos dos Apóstolos. Já então se reuniam à sua volta diversos povos e nações que, mediante a luz do Evangelho e a força do Espírito Santo, haviam de entrar na Igreja em diversas épocas e em diversos séculos. O dia do Pentecostes é o dia do nascimento da fé e da Igreja, também na nossa terra polaca. È o início do anúncio de grandes coisas do Senhor, também na nossa língua polaca. É o início do cristianismo também na vida da nossa nação: na sua história, na sua cultura e nas suas provações.

3/a. Foi a Igreja que trouxe à Polónia Cristo, isto é, a chave para a compreensão da grande e fundamental realidade que é o homem . Sem Cristo não se pode, de facto, compreender o homem em toda a sua profundidade. Ou, melhor, o homem não é capaz de se compreender a si mesmo, em toda a sua profundidade, sem Cristo. Não pode compreender nem quem é, nem qual é a sua verdadeira vocação, e o seu destino final. Não pode compreender nada disto sem Cristo.

Não se pode, por isso, excluir Cristo da história do homem em qualquer parte do globo, e em qualquer longitude ou latitude geográfica. A exclusão de Cristo da história do homem é um acto contra o homem. Sem Ele não é possível compreender a história da Polónia, e sobretudo a história dos homens que passaram ou passam por esta terra. A história dos homens. A história da Nação é sobretudo história dos homens. E a história de cada homem desenrola-se em Jesus Cristo. Torna-se n'Ele a história da salvação.

A história da Nação merece uma adequada avaliação segundo o contributo que trouxe ao desenvolvimento do homem e da sua humanidade: à inteligência, ao coração, à consciência. È esta a mais profunda corrente de cultura. É este o seu mais sólido esteio. A sua medula, a sua força. Não é possível compreender e avaliar, sem Cristo, o contributo da nação polaca para adesenvolvimento do homem e da sua humanidade no passado, e o seu contributo também nos dias de hoje; «assim cresceu este velho carvalho, e nenhum vento o derrubou, porque é Cristo a sua raíz» ( Piotr Skarga, Kazania sejmowe IV, Biblioteca Narodowa, I, 70, p. 92). É preciso caminhar sobre as pegadas do que (ou, melhor, de quem) foi Cristo, ao longo das gerações, para os filhos e as filhas desta terra. E não apenas para aqueles que n'Ele acreditaram abertamente e O professaram com a Fé da Igreja, mas também para os que estavam aparentemente afastados, fora da Igreja. Para os que duvidavam ou se opunham.

3/b. Se é justo compreender a história da nação através do homem, de cada homem desta nação, não se pode, do mesmo modo, compreender esse homem fora desta comunidade que é a nação. É natural que não seja ela a única comunidade. É, todavia, uma comunidade particular, talvez a mais intimamente ligada à família, a mais importante para a história espiritual do homem. Por isso, sem Cristo não é possível compreender a história da Nação polaca — desta grande e milenária comunidade — que tão profundamente decide de mim e de cada um de nós. Se esquecermos esta chave para a compreensão da nossa Nação, expomo-nos a um equívoco substancial. Deixaremos de compreender-nos a nós mesmos. Sem Cristo é impossível compreender esta Nação com um passado tão brilhante e, ao mesmo tempo, tão terrivelmente difícil. Não é possível compreender esta Cidade, Varsóvia, capital da Polónia, que em 1944 se decidiu a uma batalha sem igual contra o agressor, a uma batalha em que foi abandonada pelas potências aliadas (2), a uma batalha que a sepultou sob os seus próprios escombros — se não se recordar que debaixo dessas ruínas estava também Cristo Salvador com a sua cruz, a que se encontra defronte à Igreja de Krakowskie Przedmiescie. É impossível compreender a história da Polónia desde Estanislau em Skalka , a Maximiliano Kolbe em Oswiecim , se não se lhes aplicar também o único e fundamental critério que leva o nome de Jesus Cristo.

O Milénio do Baptismo da Polónia, de que Santo Estanislau é o primeiro fruto amadurecido — o milénio de Cristo no nosso passado e no nosso presente —, é o motivo principal da minha peregrinação, da minha oração de acção de graças com todos vós, caríssimos compatriotas, a quem Jesus Cristo não cessa de ensinar a grande causa do homem, com todos vós para quem Jesus Cristo não deixa de ser um livro sempre aberto sobre o homem, sobre a sua dignidade, sobre os seus direitos, e, ao mesmo tempo, um livro de ciência sobre a dignidade e sobre os direitos da Nação.

97 Hoje mesmo, nesta Praça da Vitória, na capital da Polónia, peço, com todos vós, através da grande oração eucarística, que Cristo não deixe de ser para nós o livro aberto da vida para o futuro. Para o nosso futuro polaco.

4. Encontramo-nos diante do Túmulo do Soldado Desconhecido. Na história da Polónia — antiga e contemporânea — tem este túmulo um fundamento e uma razão de ser particulares. Em quantos lugares da terra nativa caiu esse soldado!. Em quantos lugares da Europa e do mundo gritou ele com a sua morte que não pode existir uma Europa justa sem a independência da Polónia, assinalada na carta geográfica! Em quantos campos de batalha testemunhou esse soldado os direitos do homem, profundamente gravados nos invioláveis direitos do povo, caindo pela «nossa e vossa liberdade»; «Onde estão, ó Polónia, os caros Túmulos? Onde estão! Melhor que todos o sabes tu e o sabe Deus no céu» (Artur Oppman, Pacierz za zmarlych).

A história da Polónia escrita através do Túmulo de um Soldado Desconhecido!

Quero ajoelhar-me junto deste túmulo para venerar cada semente que, caindo à terra e nela morrendo, dá algum fruto. Será esta a semente do sangue do soldado, derramado no campo de batalha, ou o sacrifício do martírio nos campos de concentração ou nos cárceres. Será a semente do duro trabalho quotidiano, com o suor do rosto, no campo, na oficina, nas minas, nas fundições e nas fábricas. Será a semente de amor dos pais que não recusam dar vida a um novo homem, assumindo toda a tarefa educativa. Será esta a semente do trabalho criativo nas universidades, nos institutos superiores, nas bibliotecas, nos laboratórios da cultura nacional. Será a semente da oração, do serviço aos doentes, aos que sofrem, aos abandonados: «tudo isto que constitui a Polónia».

Tudo isto nas mãos da Mãe de Deus — aos pés da cruz no Calvário, e no Cenáculo do Pentecostes!

Tudo isto: a história da Pátria plasmada por um milénio de sucessivas gerações — incluindo a presente e as futuras — por cada filho ou filha seus, mesmo que anónimos e desconhecidos, como o Soldado, em frente de cujo túmulo nos encontramos agora ...

Tudo isto: também a história dos povos que viveram connosco e entre nós, como aqueles que, às centenas de milhares, morreram dentro dos muros do «gheto» da Varsóvia.

Tudo isto eu abraço com o pensamento e com o coração nesta Eucaristia, e o incluo neste único santíssimo Sacrifício de Cristo, na Praça da Vitória.

E brado, eu, filho da terra polaca, e ao mesmo tempo eu, João Paulo II, Papa, brado do mais fundo deste Milénio, brado na vigília do Pentecostes:

Desça o Teu Espírito!
Desça o Teu Espírito!
98 E renove a face da terra.
Desta Terra!

Amen.

Notas

(1) Os Bispos polacos tinham convidado Paulo VI a ir à Polónia em 1966, por ocasião das celebrações do Milenário, e o Papa fez todos os esforços por obter licença para a viagem junto das autoridades polacas. M. Gomulka recusou terminantemente e afirmou-o publicamente (cf. Doc. Cath. 1966, p. 891), Na alocução que pronunciou em 15 de Maio de 1966 por ocasião do Milenário da Polónia, Paulo VI exprimiu o «profundo desagrado» que lhe causou semelhante recusa. (Cf. Doc. Cath. 1966, p. 1066).

(2) Escreve o repórter de La Croix (15 de Junho): «[...] Era o Verão de 1944. Antecipando-se ao avanço vitorioso dos Russos, Varsóvia revolta-se contra as tropas de ocupação alemã. O Exército Vermelho, de armas em punho, do outro lado do Vístula, espera o esmagamento total da resistência polaca que, privando a Polónia da sua elite, prepararia o campo para outra espécie de invasão e de ocupação - a dos Russos. O Papa, descrevendo a traços largos a história de Varsóvia, soube lembrar às claras e bem a propósito que, nesse momento da sua história, a cidade tinha sido abandonada pelos seus grandes aliados [...]».

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



DURANTE A MISSA À JUVENTUDE


UNIVERSITÁRIA DE VARSÓVIA


Domingo, 3 de Junho de 1979


Meus Caríssimos!

1. Desejo ardentemente que o nosso encontro de hoje, caracterizado pela presença da Juventude Universitária, esteja à altura da grandeza do dia e da sua liturgia.

A Juventude Universitária de Varsóvia e das outras Universidades desta região central e metropolitana é a herdeira de tradições características, que através de gerações remontam até aos «escolares» medievais, ligados sobretudo à Universidade Jagelónica, a mais antiga da Polónia. Hoje, cada grande cidade da Polónia tem o seu Ateneu. E Varsóvia tem muitos. Juntam centenas de milhares de estudantes, que se formam em vários ramos da ciência e se preparam para profissões intelectuais e para cargos particularmente importantes na vida da Nação.

Desejo saudar a todos Vós aqui reunidos. Desejo ao mesmo tempo saudar, em Vós e através de Vós, todo o mundo universitário e académico polaco: todos os Institutos Superiores, os professores, os investigadores, os estudantes... Vejo em Vós em certo sentido, os meus colegas mais jovens, porque também eu devo à universidade polaca as bases da minha formação intelectual. Sistematicamente estive ligado aos bancos de trabalho universitário da Faculdade de Filosofia e de Teologia em Cracóvia e Lublin. A pastoral dos Universitários foi para mim objecto de predilecção particular. Desejo, pois, aproveitando esta ocasião, saudar também todos os que se dedicam a esta pastoral, os grupos de assistentes espirituais da Juventude Académica e a Comissão para a Pastoral Universitária do Episcopado polaco.

99 Medir o homem com a medida do coração

2. Encontramo-nos hoje na testa do Pentecostes. Diante dos olhos da nossa fé abre-se o cenáculo de Jerusalém, do qual saiu a Igreja e no qual a Igreja sempre permanece. Foi exactamente lá que nasceu a Igreja como comunidade viva de Povo de Deus, como comunidade consciente da própria missão na história do homem.

A Igreja reza neste dia: «Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor!» (Liturgia do Pentecostes); palavras tantas vezes repetidas, mas que hoje ressoam particularmente vibrantes.

Enchei os corações! Reflecti jovens, Amigos: qual «a medida do coração humano», se apenas Deus o pode encher mediante o Espírito Santo!

Por meio dos estudos universitários abre-se diante de Vós o mundo maravilhoso da ciência humana nos seus múltiplos ramos. A igual passo com esta ciência do mundo, desenvolve-se com certeza também o vosso autoconhecimento. Vós ter-vos-eis interrogado por certo já de há tempo: «quem sou eu»? Esta é a pergunta, diria, de mais interesse. A interrogação fundamental. Com que medida se há-de medir o homem? Medi-lo com a medida das forças físicas de que dispõe? Ou medi-lo com a medida dos sentidos, que lhe permitem o contacto com o mundo exterior? Ou me di-lo com a medida inteligência, o que se realiza através dos vários testes ou exames?

A resposta de hoje, a resposta da liturgia do Pentecostes, indica duas medidas: é preciso medir o homem com a medida do «coração»... O coração na linguagem bíblica significa a interiorização espiritual do homem, significa em particular a consciência... É preciso portanto medir o homem com a medida da consciência, com a medida do espírito aberto a Deus. Só o Espírito Santo pode «encher» este coração, ou seja, conduzi-lo a realizar-se através do amor e da sabedoria.

3. Permiti portanto que este encontro convosco, hoje defronte do cenáculo da nossa história, história da Igreja e da Nação, seja sobretudo uma oração para obter os dons do Espírito Santo.

Como em tempos passados meu pai me pôs nas mãos um livrinho indicando-me a oração para receber os dons do Espírito Santo, assim eu hoje, a quem Vós chamais também «Pai» desejo pedir, com a juventude universitária de Varsóvia e dá Polónia: os dons da sabedoria, da inteligência, do conselho, da fortaleza, da ciência, da piedade — ou seja do sentido do valor sagrado da vida, da dignidade humana, da santidade da alma e do corpo humano — e por fim o dom do temor de Deus, de que o Salmista diz que é o início da sabedoria (Cfr.
Ps 111,10).

Recebei de mim esta oração que meu pai me ensinou e permanecei-lhe fiel. Assim ficareis no Cenáculo da Igreja, unidos à corrente mais profunda da sua história.

Cristo, a justa medida do homem

4. Muitíssimo dependerá da medida que cada um de vós escolher para a própria vida e para a própria humanidade. Ficai sabendo bem que há medidas diferentes. Sabei que muitos são os critérios da avaliação do homem, pela qual ele e qualificado já durante os estudos, depois no trabalho profissional, nos vários contactos pessoais, etc.

100 Tende a coragem de aceitar a medida que nos deu Cristo no Cenáculo do Pentecostes e também no cenáculo da nossa história. Tende a coragem de olhar para a vossa vida quer numa perspectiva a curto prazo quer a largo prazo, aceitando como verdade o que São Paulo escreveu na sua carta aos Romanos: Sabemos bem, de facto, que toda a criação geme e sofre até hoje nas dores do parto (Rm 8,22). Não somos porventura testemunhas desta dor? De facto, a própria criação espera com impaciência a revelação dos filhos de Deus! (Rm 8,19).

Ela espera não só que as Universidades e os vários Institutos Superiores preparem engenheiros, médicos, juristas, filólogos, historiadores, homens de letras, matemáticos e técnicos, mas espera a revelação dos filhos de Deus. Espera de Vós esta revelação, de Vós que no futuro sereis médicos, técnicos, juristas, professores...

Procurai compreender que o homem, criado por Deus à sua imagem e semelhança, é simultaneamente chamado em Cristo, a que nele se revele aquilo que lhe vem de Deus; a que em cada um de nós se revele nalguma medida o próprio Deus.

5. Reflecti nisto! Vou começar a percorrer a estrada da minha peregrinação através da Polónia, em direcção ao túmulo de São Wojciech (Santo Adalberto) em Gniezno, de Santo Estanislau em Cracóvia, e em direcção a Jasna Gora. Fm toda a parte pedirei com todo o coração ao Espírito Santo que vos conceda:

esse conhecimento,
essa consciência do valor e do sentido da vida,
esse futuro para Vós,
esse futuro para a Polónia.

Rezai também por mim, de modo a que o Espírito Santo venha em ajuda da minha fraqueza.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



JUNTO DA CATEDRAL DE GNIEZNO


Domingo, 3 de Junho de 1979




Eminentíssimo e dilectíssimo Primaz da Polónia
101 Caros Irmãos Arcebispos e Bispos Polacos

1. Saúdo em vós todo o Povo de Deus que vive na minha terra natal. Famílias Religiosas! Leigos! Saúdo a Polónia baptizada há mais de mil anos. Saúdo a Polónia inserida nos mistérios da vida divina mediante os sacramentos do baptismo e do crisma. Saúdo a Igreja. Saúdo a Igreja na terra dos meus avós, na Sua comunhão e unidade jerárquica com o Sucessor de São Pedro. Saúdo a Igreja na Polónia que, desde os princípios, foi guiada pelos santos Bispos e Mártires Wojciech (Adalberto) e Estanislau, unidos à Rainha da Polónia Nossa Senhora de Jasna Gora (Claro Monte-Czestochowa). Ao chegar ao meio de vós como peregrino do grande Jubileu, saúdo vos a todos, Irmãos e Irmãs caríssimos, com o ósculo fraterno da paz.

2. Celebramos novamente o dia do Pentecostes, e encontramo-nos espiritualmente no cenáculo de Jerusalém; e ao mesmo tempo encontramo-nos presentes aqui neste cenáculo do nosso milénio polaco, em que nos fala sempre com a mesma força a misteriosa data daquele Início, a partir do qual começamos a contar os anos da história da Polónia e os da Igreja, nela inserida. A história da Polónia sempre fiel. E no dia do Pentecostes, no cenáculo de Jerusalém, que se cumpre a promessa selada com o sangue do Redentor no Calvário: Recebei o Espírito Santo; a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados e a quem não os perdoardes não serão perdoados (
Jn 20,22 Jn 20,23). A Igreja nasce precisamente da força destas palavras. Nasce da força deste sopro. Preparada por toda a vida de Cristo, nasce definitivamente quando os Apóstolos recebem de Cristo o dom do Pentecostes — quando recebem d'Ele o Espírito Santo. A sua descida marca o início da Igreja, que através de todas as gerações deve introduzir a humanidade — os indivíduos e as nações — na unidade do Corpo Místico de Cristo. A descida do Espírito Santo significa o princípio e a continuidade deste mistério. A continuidade é, de facto, o constante regresso aos princípios.

Assim sentimos como, no cenáculo de Jerusalém, os Apóstolos cheios do Espírito Santo começaram a falar noutras línguas como o Espírito Ihes permitia exprimirem-se (Ac 2,4). As várias línguas tornaram-se as deles, tornaram-se as suas próprias línguas, graças à misteriosa acção do Espírito Santo que sopra onde quer (Jn 3,8) e renova a face da terra (Ps 103,30). E embora o Autor dos Actos não enumere entre as línguas, que naquele dia os Apóstolos começaram a falar, a nossa língua, havia de chegar um tempo em que os Sucessores dos Apóstolos começariam a falar também a língua dos nossos avós e a anunciar o Evangelho ao Povo que só nesta língua o podia compreender e aceitar.

3. Significativos são os nomes dos castelos dos Piastos, em que se verificou esta histórica translação do Espírito e ao mesmo tempo foi acesa a chama do Evangelho na terra dos nossos avós. A língua dos Apóstolos ressoou pela primeira vez - quase uma nova tradução-na nossa linguagem, a mesma que o povo residente nas margens do Warta e do Vístula compreendeu e nós compreendemos ainda hoje. De facto, os castelos a que estão ligados os princípios da fé na terra dos Polacos, nossos avós, são o de Poznan- onde desde os tempos mais antigos, isto é, dois anos depois do baptismo de Mieszko, residia o Bispo - e o de Gniezno - onde no ano 1000 se realizou o grande acto de carácter eclesiástico e estatal. Junto das relíquias de São Wojciech (Adalberto), se encontram os enviados do Papa Silvestre II de Roma com o Imperador romano Otão III e com o primeiro rei polaco (então ainda apenas príncipe) Boleslau Chrobry (Valoroso), filho e sucessor de Mieszko, para constituir a primeira metrópole polaca, colocando assim as bases da ordem jerárquica para toda a história da Polónia. A volta desta metrópole, encontramos, no ano 1000, as Sés episcopais de Cracóvia, Wroclaw e Kolobrzeg, ligadas numa única organização eclesiástica. Todas as vezes que vimos aqui, a este local, devemos ver o cenáculo do Pentecostes novamente aberto. Nele devemos escutar a linguagem dos avós em que principiou a ressoar o anúncio das grandes obras de Deus (Ac 2,11). E foi também aqui que a Igreja na Polónia entoou em 1966 o seu primeiro «Te Deum» de acção de graças pelo Milénio do baptismo. Nele tive a felicidade de participar como metropolita de Cracóvia. Permiti que hoje, como primeiro Papa de estirpe polaca, cante uma vez mais convosco este«Te Deum» do Milénio. Imperscrutáveis e admiráveis são os decretos do Senhor que traçam os caminhos que levam a este lugar, desde Silvestre II até João Paulo II!

4. Passados tantos séculos, abriu-se de novo o cenáculo de Jerusalém e a pasmarem já não foram só os povos da Mesopotamia e da Judeia, do Egipto e da Asia, ou os que vinham de Roma, mas os povos eslavos e os outros povos habitantes desta parte da Europa, que ouviram os Apóstolos de Jesus Cristo falar a própria língua deles e cantar nessa língua «as grandes obras de Deus». Quando, segundo a história, o primeiro soberano da Polónia quis introduzir aqui o Cristianismo e unir-se à Sé de São Pedro, dirigiu-se principalmente aos povos que tinham afinidades com o seu, e tomou como esposa Dobrawa, filha do príncipe checo Boleslau, que, sendo cristã, veio a ser madrinha do próprio marido e de todos os seus súbditos. Juntamente com ela vieram para a Polónia missionários, provenientes de várias nações da Europa – Irlanda, Itália e Alemanha – como o Santo Bispo e mártir Bruno de Querfurt. Na memória da Igreja, nas terras de Boleslau, ficou de modo especial São Wojciech (Adalberto), filho e pastor da vizinha nação checa. P, conhecida a sua história durante o período em que foi Bispo de Praga, são conhecidas as suas peregrinações a Roma, e sobretudo a sua estadia na corte de Gniezno, que devia prepará-lo para a sua última viagem missionária ao Norte. Nas vizinhanças do Mar Báltico este Bispo exilado, este incansável missionário, tornou-se aquela semente que, uma vez caída na terra, teve de morrer para dar muito fruto (Cfr. Jn 12,24). O testemunho do martírio, o testemunho do sangue, selou de modo especial o baptismo que há mil anos receberam os nossos avós. Os despojos martirizados do Apóstolo Wojciech (Adalberto) jazem nos alicerces do Cristianismo de toda a terra polaca.

5. Quando hoje, ao descer o Espírito Santo, no Ano do Senhor de 1979, tornamos a evocar aqueles momentos iniciais, não podemos deixar de ouvir – ao lado da língua dos nossos avós – também outras línguas eslavas vizinhas, por meio das quais principiou então a falar do cenáculo, largamente aberto sobre a história. Sobretudo, não pode deixar de ouvir estas línguas o primeiro Papa eslavo da história da Igreja. Talvez para isto precisamente, o tenha Cristo escolhido, talvez para isto o tenha conduzido o Espírito Santo: para que ele introduzisse na comunhão da Igreja a compreensão das palavras e das línguas que ainda ressoam como estrangeiras ao ouvido habituado aos sons românicos, germânicos, anglo-saxões e celtas. Não quer porventura Cristo que o Espírito Santo faça que a Igreja Mãe, no fim do segundo milénio do cristianismo, se incline com amorosa compreensão , com singular sensibilidade, para os sons daquela linguagem humana, que se entretecem entre si na raiz comum, na comum etimologia, que — apesar das conhecidas diferença s (até na ortografia) — soam como reciprocamente próximas e familiares entre si? Não quer porventura Cristo, não dispõe acaso o Espírito Santo que este Papa - que traz no seu animo profundamente impressa a história da própria nação desde os seus mesmos princípios, e também a história dos povos irmãos e limítrofes - manifeste e confirme, de modo especial, na nossa época a presença deles todos na Igreja e o seu contributo peculiar para a história da cristandade? Não é porventura desígnio providencial que ele desvele os desenvolvimentos que precisamente aqui, nesta parte da Europa, conheceu a rica arquitectura do templo do Espírito Santo?

Não quer porventura Cristo, não dispõe acaso o Espírito Santo que este Papa polaco, Papa eslavo, precisamente agora manifeste a unidade espiritual da Europa cristã que, embora devedora às duas grandes tradições do Oriente e do Ocidente, professa por meio de ambas uma só fé, um só baptismo, um só Deus, Pai de todos (Ep 4,5 Ep 4,6), Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo? Sim, Cristo quer, o Espírito Santo dispõe, que tudo quanto eu digo seja dito precisamente aqui, agora, em Gniezno, na terra dos Piastos, na Polónia, junto das relíquias de São Wojciech (Adalberto) e de Santo Estanislau, diante da imagem da Virgem Mãe de Deus, Nossa Senhora de Monte Claro e Mãe da Igreja. E' necessário que, por ocasião do Baptismo da Polónia, seja recordada a cristianização dos Eslavos: dos Croatas e dos Eslovenos, entre os quais trabalharam os missionários já pelo ano 650, levando em grande parte a termo a evangelização cerca do ano 800; dos Búlgaros, cujo príncipe Borys I recebeu o baptismo em 864 ou 865; dos Moravos e Eslovacos, junto dos quais chegaram os missionários antes de 850 , segui dos em 863 pelos Santos Cirilo e Metódio, que vieram à grande Morávia consolidar a fé das jovens comunidades; dos Checos, cujo príncipe Borivoi foi baptizado por São Metódio. No âmbito da irradiação evangelizadora de São Metódio e dos seus discípulos encontram-se também os Vislanos e os Eslavos habitantes da Sérvia. Urge ainda recordar o baptismo da Rússia em Kiev, em 988. E' necessário, por fim, recordar a cristianização dos Eslavos estabelecidos junto do Elba: Obotritos, Wieletos e Sérvios Lusanianos. A cristianização da Europa completou-se com o baptismo da Lituania nos anos de 1386 e 1387.

O Papa João Paulo II -Eslavo, filho da Nação Polaca - sente como estão profundamente enterradas no solo da história as raízes de que ele próprio teve origem, sejam quantos forem os séculos que leva sobre si esta palavra do Espírito Santo que ele próprio anuncia, tanto da Colina Vaticana de São Pedro como aqui, em Gniezno, da colina de Lech, e em Cracóvia, do alto do Wawel.

Este Papa - testemunha de Cristo, amante da Cruz e da Ressurreição – vem hoje a este lugar para dar testemunho a Cristo, vivo na alma da própria Nação, a Cristo vivo nas almas das nações que há tempos O acolheram como o caminho, a verdade e a vida (Jn 14,6). Vem para falar, diante de toda a Igreja, à Europa e ao mundo, daquelas nações e populações muitas vezes esquecidas. Vem para bradar «em alta voz». Vem para indicar os caminhos que, de vários modos, reconduzem ao cenáculo do Pentecostes, à Cruz e à Ressurreição. Vem para abraçar a todos estes povos - ao mesmo tempo que a sua própria Nação - e para os apertar ao coração da Igreja, ao coração da Mãe da Igreja, em que põe ilimitada confiança.

6. Dentro em breve terminará aqui, em Gniezno, a visita do Sagrado ícone. A imagem de Nossa Senhora de Jasna Gora, a imagem da Mãe, exprime de modo singular a Sua presença no mistério de Cristo e no da Igreja que vive há tantos séculos em terra polaca. Esta Imagem, que há mais de vinte anos visita as Igrejas uma a uma, as Dioceses e as paróquias desta terra, terminará dentro em breve a sua visita a Gniezno sede antiga, dos Primazes, e passará a Jasna Gora para iniciar o seu peregrinar pela Diocese de Czestochowa. E' para mim grande alegria poder levar a termo esta etapa da minha peregrinação juntamente com Maria, e juntamente com Ela encontrar-me no decurso do grande itinerário histórico que muitas vezes percorreu, de Gniezno a Cracóvia, através de Jasna Gora , de São Wojciech (Adalberto) a Santo Estanislau, passando pela «Virgem Mãe de Deus, por Deus enchida de glória, Maria». Itinerário principal da nossa história espiritual que percorrem todos os Polacos, os do Oriente e os do Ocidente, como também os que se encontram fora da Pátria nas várias nações, nos vários continentes... Itinerário principal da nossa história espiritual e ao mesmo tempo um dos grandes itinerários da história espiritual de todos os Eslavos, e um dos principais itinerários da história da Europa. Nestes dias pela primeira vez irá como peregrino seguindo este itinerário o Papa, o Bispo de Roma, o Sucessor de Pedro, o primeiro entre aqueles que saíram do cenáculo do Pentecostes em Jerusalém, cantando: Senhor meu Deus, vós sois sumamente grande. Estais revestido de majestade e esplendor, envolvido em luz como num manto... Fizestes com sabedoria todas as coisas, a terra está cheia das vossas criaturas... Se enviais o Vosso Espírito renascem e renovais a face da terra (Ps 103,1-2 Ps 103,24 Ps 103,30). Assim cantará convosco: Seja eterna a glória do Senhor; alegre-se o Senhor nas suas obras... Seja eterna a glória do Senhor... Sejam-Lhe agradáveis as minhas palavras (Ps 103,31 Ps 103,34). Percorreremos juntos este caminho da nossa história, de Jasna Gora até Wawel, até Santo Estanislau. Iremos pensando no passado, mas com o animo voltado para o futuro... Não voltaremos ao passado. Iremos a caminho do futuro. Recebereis o Espírito Santo (Jn 20,22).



Homilias JOÃO PAULO II 95