Homilias JOÃO PAULO II 491


VISITA PASTORAL À PAROQUIA ROMANA DO SS. SALVADOR

E DOS SANTOS JOÃO BAPTISTA E JOÃO EVANGELISTA


Domingo, 9 de Novembro de 1980




492 1. Permiti, caros Irmãos e Irmãs, no domingo de hoje em que a Igreja celebra o presente aniversário da dedicação da Basílica Lateranense, que eu exprima, juntamente convosco, a mais profunda veneração ao nosso Deus e Senhor, que habita neste venerável templo.

Deus está dentro da sua Igreja!

Quando o templo foi levantado neste lugar — e aconteceu pela primeira vez na época do imperador Constantino — foi dedicado ao Deus único. Com efeito, edificam-se as igrejas para as dedicar a Deus, para as dar unicamente a Ele como sua particular propriedade e sua morada no meio de nós, que somos o seu Povo. E dos nossos antepassados na fé recebemos a certeza da verdade revelada que Deus quer habitar no meio de nós. Quer estar connosco. De que outra coisa senão disto, é testemunha a história dos Patriarcas e de Moisés?

Que outro testemunho dá sobretudo Cristo, Senhor e Salvador nosso, que, desde o início, de modo particular é Padroeiro da Igreja no Latrão?

2. Pois bem, há pouco ouvimos as Suas palavras pronunciadas diante dos habitantes de Jerusalém e dos peregrinos ali reunidos para visitar o templo de Salomão.

"Destruí este santuário e Eu em três dias o levantarei" (
Jn 2,19). Cristo subiu ao templo de Jerusalém juntamente com os outros e — como ouvimos — ele tinha expulsado todos os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas abancados. E, então, diante da reacção tão dura do Mestre de Nazaré, diante das palavras que Ele pronunciara nesta ocasião: "não façais da casa de Meu Pai casa de comércio", foi-Lhe apresentada a pergunta: "Que sinal nos apresentas para justificares o Teu proceder?" (Jn 2,18).

A resposta de Cristo suscitou um sentido de desconfiança: mas "foram precisos quarenta e seis anos para edificar este Santuário e Ele diz que pode reedificá-lo em três dias" (cf. Jo Jn 2,20).

Apenas os que estavam mais próximos de Cristo eram conscientes de que naquilo por Ele feito, se manifestara o seu "zelo" filial pela casa do Pai, zelo que O devorava (cf. Jo Jn 2,17). E esses — os seus discípulos — compreenderam depois, quando Cristo ressuscitou, que ao expulsar os comerciantes do templo de Jerusalém, Ele falava sobretudo "do santuário do Seu corpo" (Jn 2,21).

Assim, por isso, no dia em que celebramos a memória ocorrente da dedicação da Basílica do Latrão, que é mãe de todas as igrejas, desejamos exprimir a grande veneração por este ‘'tabernáculo de Deus entre nós" (cf. Apoc Ap 21,3), professando que ele simboliza o próprio Cristo crucificado e ressuscitado. Cristo — nossa Páscoa: pois que por Ele, n'Ele e com Ele temos acesso ao Pai no Espírito Santo; por Ele, n'Ele e com Ele Deus mesmo, no mistério imperscrutável da sua Vida Trinitária, avizinha-se de nós para estar connosco, para habitar no meio de nós.

3. Deste modo, eu, Bispo de Roma, desejo exprimir neste dia a minha veneração ao mistério deste templo ao qual estou ligado há dois anos, e desejo exprimir esta veneração juntamente convosco, que sois parte peculiar da Igreja de Roma. Sois, de facto, a paróquia lateranense. Caros Irmãos e Irmãs! É grande e verdadeiramente singular a vossa distinção! Ela impõe-vos o dever de, em primeiro lugar, compreenderdes de modo particularmente perspicaz e, em seguida, de viverdes com a necessária coerência o mistério do templo de Deus, que a hodierna liturgia realça tão magnificamente.

Ao saudar-vos, do modo mais cordial, por ocasião desta visita que hoje faço à vossa paróquia, desejo ao mesmo tempo cumprimentar com deferência é amor todos os que têm especial vínculo com este insigne templo devido às tarefas que desempenham na Igreja de Roma.

493 Saúdo, portanto, o Senhor Cardeal Vigário que, na sua qualidade de Arcipreste do Cabido da Basílica, tem nesta Igreja uma presença particularmente significativa e de estímulo. Saúdo, depois, o Vice-Gerente D. Canestri e D. Plínio Pascoli, a cujo zelo pastoral está confiada a zona da Diocese, à qual pertence esta Paróquia, e saúdo também os venerandos Cónegos do Cabido que, juntamente com os Cónegos Honorários, animam a vida litúrgica da Basílica, participando activamente nas celebrações aqui realizadas. Aproveito de bom grado a ocasião para lhes testemunhar o meu apreço, enquanto, ao agradecer a quantos prestam os seus serviços nas Sagradas Congregações, junto do Vicariato e nas outras formas de ministério, envio com prazer uma afectuosa saudação e cordiais bons votos àqueles que a doença impediu de estarem aqui connosco nesta alegre circunstância.

Dirijo, em seguida, uma saudação particularmente calorosa ao Pároco, Pe. Sérgio Vazzoler,que está a empenhar-se com generosa dedicação para fazer da Paróquia, reestruturada há quatro anos em conformidade com as directrizes conciliares, uma Comunidade viva, que circunde a grande Catedral, como os filhos rodeiam a Mãe, para que não permaneça isolada, sem uma vida pastoral.

Saúdo ainda os Religiosos e as Religiosas dos Institutos presentes no âmbito da Paróquia, com um pensamento especial de reconhecimento para aqueles que, de modo directo, se dedicam às várias formas de serviço indispensável para uma ordenada vida litúrgica e pastoral.

A minha saudação, finalmente, dirige-se aos leigos que compõem o conjunto coral Polifónico, louvavelmente empenhado na animação das celebrações dominicais, aos jovens que estão a preparar-se para o importantíssimo ministério da catequese, àqueles que asseguram o serviço do altar nas funções sagradas, e aos membros do Conselho Pastoral, que auxiliam o Pároco com generosa disponibilidade no trabalho apostólico.

4. Que vos direi, caros fiéis da paróquia de São João de Latrão? Permiti-me seguir São Paulo e propor-vos uma sua palavra tirada da liturgia de hoje: "Vós sois cultura de Deus, sois edifício de Deus" (
1Co 3,9).

Duas comparações, cada uma das quais fala de modo tão expressivo de cada um de vós, e ao mesmo tempo de toda a vossa comunidade.

Sois "a cultura de Deus", que deve a sua boa colheita sobretudo à água do Baptismo. Aqui, junto da Basílica, encontra-se uma fonte baptismal muito antiga. E aqui, da água da fonte baptismal lateranense muitos de vós nasceram para a vida divina na graça de filhos adoptivos, vindo a fazer parte desta comunidade paroquial. Com que louvor, hoje o salmo responsorial exalta as "correntes do rio" que "alegram a cidade de Deus" (Ps 45 [46], 5)! E o profeta Ezequiel evoca a imagem das árvores que crescem à beira da torrente e devido a isto produzem frutos. Eis as suas palavras: "Ao longo da corrente, em cada uma das margens, crescerá toda a sorte de árvores frutíferas, cuja folhagem não murchará e as quais jamais deixarão de dar fruto: Todos os meses produzirão frutos novos, porque estas águas vêm do Santuário. Os seus frutos servirão de alimento e as suas folhas de remédio" (Ez 47,12).

Assim também vós, caros Irmãos e Irmãs, crescei em virtude da graça do Baptismo e produzi os frutos das boas obras, frutos que devem durar para a vida eterna, se permanecerdes fiéis a esta graça do Baptismo.

Há depois outra comparação: vós sois "o edifício de Deus". Esta imagem exprime a mesma verdade sobre o nosso orgânico ligame com Cristo, como "fundamento" de toda a vida espiritual: "Porque ninguém pode pôr outro fundamento diferente do que foi posto, isto é, Jesus Cristo" (1Co 3,11).

Assim escreve o apóstolo Paulo na 1ª Carta aos Coríntios, e depois faz aos destinatários da sua carta — e também a nós! — a seguinte pergunta: "Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós"? (1Co 3,16). E acrescenta ainda (são palavras fortes, num certo sentido também severas e ameaçadoras): "Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá" (1Co 3,17). Concluindo em seguida: "Porque o templo de Deus, que sois vós, é santo" (1Co 3,17).

5. Eis a medida com que vos convém medir a vossa vida cristã: cada um de vós individualmente e todos juntos no contexto desta comunidade paroquial.

494 É uma medida que deve estimular o sentido de responsabilidade de cada um, induzindo-o a assumir generosamente os compromissos que derivam da sua inserção, mediante o Baptismo, no Corpo místico de Cristo. O fazer parte, além disso, desta Paróquia, não grande mas singularmente significativa, enquanto constitui para vós todos um título particular de honra, consolida também para cada um a justificação de especiais deveres. A vossa vida cristã desenvolve-se à sombra da Catedral do Papa, na qual se reúnem fiéis de todas as partes do mundo, para confirmar a sua adesão à Cátedra de Pedro e renovar, no contíguo Baptistério, o compromisso das suas promessas baptismais.

Como não lembrar o apelo que surge de um semelhante habitual contacto e do consequente inevitável confronto? Vós podeis receber muito dos testemunhos de fé intensa e de fervorosa devoção, que aqui trazem peregrinos de regiões às vezes muito longínquas, consentindo-vos fazer quotidianamente a experiência directa da dimensão católica da Igreja. Compete a vós oferecer-lhes um acolhimento que os coloque à vontade e os faça sentirem-se, aqui, no centro da catolicidade, como "na sua casa". Compete a vós dar-lhes o exemplo de uma viva Comunidade cristã, harmoniosamente caracterizada pela caridade e aberta para toda a iniciativa nobre e generosa, uma Comunidade dinamicamente voltada para os outros no desejo de que todos participem da alegria que vem de ter encontrado o amor de Cristo. Compete sobretudo a vós demonstrar-vos, em todos os aspectos do vosso comportamento, dignos herdeiros daqueles Romanos, pelos quais São Paulo agradecia a Deus, "porque a fama da sua fé se tinha espalhado por todo o mundo" (cf. Rom
Rm 1,8).

6. Terminando esta meditação, dirijamos mais uma vez o olhar da nossa fé para este maravilhoso templo, que hoje celebra o aniversário da sua dedicação.

E acompanhem o nosso encontro na comunidade da paróquia lateranense estas solenes e alegres palavras da liturgia hodierna: "escolhi e consagrei este templo para que o Meu nome resida nele para sempre" (2 Par 7, 16). Aleluia.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA EM COLÓNIA



Campo Desportivo Butzweillwer Hof

Sábado, 15 de Novembro de 1980




1. "O reino dos céus é semelhante a uma rede..." (Mt 13,47). Permiti-me, venerado Bispo da antiga e venerada Igreja de Colónia, venerados irmãos Cardeais e Bispos, permiti-me, vós todos, caros irmãos e irmãs, que eu procure esclarecer nesta celebração eucarística a importância do nosso encontro extraordinário de hoje com a ajuda desta parábola, das palavras de Cristo, que explicou repetidamente o Reino de Deus por meio de parábolas. Servindo-se delas, Ele anunciou a presença deste Reino no mundo.

Também nós devemos encontrar-nos nesta dimensão. Esta é, em certa medida, a premissa essencial da visita hodierna do Sucessor do Apóstolo Pedro, na Sé episcopal de Roma, à vossa Igreja na Alemanha, a vós aqui em Colónia, que representais a Igreja de Deus, como ela se formou, através de muitos séculos e gerações, à volta da romana "Colonia Agrippinensis". Símbolo eminente desta Igreja tem sido até hoje a vossa esplêndida Catedral, cuja importância espiritual se renovou em vós devido ao jubileu deste ano: ele vos fala bem alto do Reino de Deus entre nós. Nós que formamos agora a Igreja de Cristo na terra, nesta parte do território alemão, devemos encontrar-nos na dimensão da unidade do reino de Deus: Cristo veio para anunciar este Reino e para o difundir nesta terra, em todo o lugar da terra, nos homens e entre os homens.

Este reino de Deus está no meio de nós (cf. Lc Lc 17,21), assim como esteve em todas as gerações dos vossos pais e antepassados. Como eles, porém, ainda agora pedimos no "Pai-Nosso" cada dia: "Venha a nós o Vosso reino". Estas palavras testemunham que o reino de Deus está ainda diante de nós, que nós lhe vamos ao encontro e por meio dele estamos a avançar através dos caminhos confusos, até mesmo algumas vezes falsos, da nossa existência terrena. Nós testemunhamos com estas palavras que o reino de Deus se vai continuando a realizar e se aproxima, ainda que nós o percamos tantas vezes de vista e deixemos de ver as suas características determinadas pelo Evangelho. Parece muitas vezes que a única e exclusiva dimensão da nossa existência é "este mundo": o "reino deste mundo" com as suas características visíveis, o seu fascinador progresso na ciência e na técnica, na cultura e na economia..., fascinador e muitas vezes até preocupante. Se nós porém cada dia, ou pelo menos de quando em quando, nos ajoelhamos para rezar, pronunciamos, no meio das circunstâncias da vida, sempre as mesmas palavras: "Venha a nós o Vosso reino".

Caros irmãos e irmãs! Estas horas, nas quais nós nos encontramos aqui, e o tempo que eu, graças ao vosso convite e à vossa hospitalidade, posso passar no meio de vós, é o tempo do reino de Deus: do reino que já "está aqui", e daquele que ainda "vem". Por isso, devemos nós interpretar todo o essencial, que se refere à presente visita, com o auxílio da parábola, que nós ouvimos no Evangelho de hoje: "O reino de Deus é semelhante...".

2. A que é semelhante?

495 Segundo as palavras de Jesus como no-las transmitiram os quatro Evangelistas, este reino é explicado com diversas parábolas e semelhanças. A semelhança de hoje é uma das muitas. Parece-nos ligada muito estreitamente com aquele trabalho que faziam os Apóstolos de Cristo, entre eles também Pedro, como muitos dos seus ouvintes na praia do lago de Genesaré. Cristo diz: o reino do céu é semelhante "a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de peixes" (Mt 13,47). Estas simples palavras mudam completamente a fisionomia do mundo: a fisionomia do nosso mundo humano, como nós a representamos com a experiência e a ciência. A experiência e a ciência não podem ultrapassar aqueles confins do "mundo" e da existência humana nele, que estão necessariamente ligados com as palavras do Génesis: "és pó e em pó te hás-de tornar" (Gn 3,19). Pelo contrário, a comparação de Cristo fala da transposição do homem para outro mundo, para outra dimensão da sua existência. O reino dos céus é propriamente esta nova dimensão, que se abre sabre o "mar do tempo" e é simultaneamente a "rede", que trabalha neste mar para o destino do homem e de todos os homens em Deus.

A parábola de hoje convida-nos a reconhecer o reino dos céus como a realização definitiva daquela justiça, que o homem deseja com uma saudade insuprimível, como o Senhor lha pôs no coração, daquela justiça que o próprio Jesus realizou e anunciou, daquela justiça, enfim, que selou Cristo com o seu próprio sangue na cruz.

No reino dos céus, no reino "da justiça, do amor e da paz" (prefácio da festa de Cristo Rei), também o homem se encontrará perfeito. Porque o homem é o ser que brota da profundidade de Deus e em si mesmo esconde tal profundidade, que só Deus pode satisfazer. Ele, o homem, é, em todo o seu ser, cópia de Deus e é semelhante a Ele.

3. Jesus fundou a Sua Igreja sobre os doze Apóstolos, vários dos quais eram pescadores. Assim a imagem da rede compreendia-se imediatamente. Jesus quis fazer deles pescadores de homens. Também a Igreja é uma rede, unida ao Espírito Santo, estreitada pela missão apostólica; eficiente para a unidade na Fé, na Vida e no Amor.

Penso nesta altura na rede largamente estendida da Igreja universal. Ao mesmo tempo está-me diante dos olhos cada Igreja particular na vossa terra, especialmente a grande Igreja de Colónia e as dioceses mais vizinhas. E finalmente está diante dos meus olhos a mais pequena destas igrejas, a "igrejinha", a igreja doméstica, que o recentíssimo Sínodo dos Bispos em Roma recordou com tanta atenção no tema sobre "as tarefas da família cristã".

A família: igreja doméstica, inconfundível e insubstituível comunidade de pessoas, de que fala São Paulo na segunda leitura de hoje. Nisto tem ele diante dos olhos naturalmente a família cristã do seu tempo; mas o que diz devemos igualmente aplicá-lo aos problemas das famílias do nosso tempo: o que diz aos maridos, o que diz às mulheres, aos filhos e aos pais. E, por fim, o que ele diz a nós todas: "Revesti-vos, pois, (...) de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão e longanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente... Mas, acima de tudo, revesti-vos da caridade que é o vínculo da perfeição. Resida nos vossos corações a paz de Cristo, para a qual fostes chamados, a fim de formar um só corpo. Sede agradecidos" (Col 3,12-15). Que enorme lição de espiritualidade matrimonial e familiar!

4. Todavia nós não podemos fechar os olhos nem diante da outra face; os Padres sinodais em Roma ocuparam-se muito seriamente também disto: compreendo as dificuldades, a que hoje está exposto o alto ideal da inteligência cristã da família e da vida de família. A sociedade industrial moderna mudou fundamentalmente as condições de vida para o matrimónio e a família. O matrimónio e a família primeiramente não eram só comunidades de vida, mas também comunidades de produção e de economia. Foram rechaçados de muitas funções públicas. O clima público não é sempre favorável quanto ao matrimónio e à família. Estes porém mostram-se, na nossa civilização de massa, como lugar de refúgio na busca de protecção e de felicidade. O matrimónio e a família são mais importantes que nunca: células vivas para a renovação da sociedade e nascentes de força, pelas quais a vida se torna mais humana. Posso utilizar a imagem da rede, que dá sustentáculo e unidade, e ergue das correntes profundas.

Não deixemos que esta rede se rompa. O Estado e a sociedade preparam-lhe a decadência, se não promoverem o matrimónio e a família mais eficazmente e não os protegerem mais e os colocarem em pé de igualdade com as outras comunidades não matrimoniais de vida. Todos os homens de boa vontade, particularmente nós cristãos, somos chamados a redescobrir, a dignidade e o valor do matrimónio e da família, e a vivê-los diante dos homens de maneira convincente. A Igreja oferece para isto, da luz da fé, o seu conselho e o seu serviço espiritual.

5. O matrimónio e a família estão profundamente unidos com a dignidade pessoal do homem. Não derivam só do instinto e da paixão, nem apenas do sentimento; derivam, primeiro que tudo, de uma decisão da vontade livre, de um amor pessoal, em virtude dos quais os esposos se tornam não unicamente uma só carne, mas também um coração e uma alma. A comunhão física e sexual é alguma coisa de grande e de belo. Mas ela só é digna do homem se integrada numa união pessoal, reconhecida pela comunidade civil e eclesiástica. A plena comunhão sexual entre o homem e a mulher só tem, por isso, o seu lugar legítimo no âmbito do exclusivo e definitivo vínculo pessoal de fidelidade no matrimónio. A indissolubilidade da fidelidade conjugal, que hoje para muitos deixou de ser compreensível, é igualmente expressão da incondicionada dignidade do homem. Não se pode viver só para prova, não se pode morrer só para prova. Não se pode amar só para prova, aceitar um homem só para prova e por algum tempo.

6. Assim o matrimónio é orientado para a duração, para o futuro. Olha para além dos seus confins. O matrimónio é o único lugar apto para a geração e a educação dos filhos. Por isso, o amor matrimonial é orientado por sua essência também para a fecundidade. Neste encargo de transmitir a vida, os cônjuges são colaboradores com o amor de Deus Criador. Sei que também nisto são grandes as dificuldades na sociedade de hoje. Sobrecargas sobretudo para a mulher, habitações limitadas, problemas económicos e sanitários, muitas vezes até declarado desfavorecimento das famílias prolíficas constituem obstáculo para maior fertilidade. Faço apelo a todos os responsáveis, a todas as forças da sociedade: fazei tudo para prestar auxílio. Faço apelo, primeiro que tudo, à vossa consciência e à vossa responsabilidade pessoal, caros irmãos e irmãs. Na vossa consciência deveis, na presença de Deus, tomar a decisão sobre o número dos vossos filhos.

Como cônjuges sois chamados a uma paternidade responsável. Isto significa porém tal planificação da família que respeite as normas éticas e os critérios éticos, conforme foi também sublinhado pelo último Sínodo dos Bispos. Insistindo muito, desejo hoje trazer-vos à memória neste contexto isto apenas: matar a vida não nascida não é meio legítimo da planificação da família. Repito o que disse a 31 de Maio deste ano aos trabalhadores na periferia parisiense de Saint-Denis: "O primeiro direito do homem é o direito à vida. Devemos defender este direito e este valor. Sem isso, ficaria abalada toda a lógica da fé no homem, todo o programa de um progresso verdadeiramente humano, e tudo cairia por terra". Na realidade trata-se disto: servir a vida.

496 7. Caros irmãos e irmãs! Sobre a indispensável plataforma e sobre o pressuposto do que fica dito, queremos dirigir-nos ao mais profundo mistério do matrimónio e da família. O matrimónio, sob o ponto de vista da nossa fé, é Sacramento de Jesus Cristo. O amor e a fidelidade conjugal são abraçados e sustentados pelo amor e pela fidelidade de Deus em Jesus Cristo. A força da Sua cruz e da Sua ressurreição sustenta e santifica os cônjuges cristãos.

Como fez notar o recente Sínodo dos Bispos na sua mensagem às famílias cristãs do mundo de hoje, a família cristã é chamada particularmente a colaborar no plano salvífico de Deus, pois ajuda os seus membros "a tornarem-se protagonistas da história da salvação e ao mesmo tempo sinais vivos do projecto que Deus tem sobre o mundo" (1. c., n. 8).

Como "Igreja em miniatura" sacramentalmente fundada, ou Igreja doméstica, matrimónio e família devem ser escola da fé e lugar da oração comum. Atribuo precisamente à oração na família grande significado. Dá força para se vencerem múltiplos problemas e dificuldades. No matrimónio e na família devem crescer e chegar à maturidade as atitudes fundamentais humanas e cristãs, sem as quais a Igreja e a sociedade não podem subsistir. Aqui está o primeiro lugar para o apostolado cristão dos leigos e do sacerdócio comum de todos os baptizados. Tais matrimónios e famílias, impregnados de espírito cristão, são também os verdadeiros seminários, quer dizer, os viveiros para vocações espirituais ao estado sacerdotal e religioso.

Caros cônjuges e pais, caras famílias! Por ocasião do hodierno encontro eucarístico, que vos poderei desejar com maior cordialidade do que isto: que vós todos e cada família sejais essa "Igreja doméstica", Igreja em miniatura? Que se realize em vós a parábola do reino de Deus. Que experimenteis a presença do reino de Deus, na medida em que sois vós mesmos a "rede" viva, que une, sustenta e dá refúgio — para vós mesmos e para muitos à vossa roda.

Este é o meu desejo de bênção, que vos expresso como vosso hóspede e peregrino, e como servo da vossa salvação.

8. E agora permiti-me que, no fim desta reflexão fundamental sobre o reino de Deus e a família cristã, me dirija também a Santo Alberto Magno, cuja festa do sétimo centenário me trouxe à vossa cidade. De facto, está aqui o túmulo deste célebre filho da vossa terra, que nasceu em Lauingen, e na sua longa vida foi ao mesmo tempo grande cientista, filho espiritual de São Domingos e mestre de São Tomás de Aquino. Foi um dos maiores homens de inteligência do século XIII. Como nenhum outro, reuniu na "rede" que une ao mesmo tempo fé e razão, sabedoria de Deus e ciência do mundo. Pelo menos em espírito, visito eu também a sua cidade onde nasceu, Lauingen, enquanto hoje aqui, em Colónia, junto do seu túmulo me detenho a meditar juntamente convosco as palavras com que a hodierna liturgia o celebra: "Se for a vontade do Senhor / enchê-lo-á do espírito de inteligência; / então ele derramará, como chuva, as palavras da sabedoria, / e louvará o Senhor na sua oração. / O Senhor orientará os seus conselhos e ensinamentos / e meditará nos mistérios de Deus. / Ensinará ele próprio a doutrina que aprendeu, / e porá a sua glória na lei da aliança com o Senhor. / Muitos homens louvarão a sua sabedoria, / que jamais ficará no esquecimento. / A sua recordação não desaparecerá, / e o seu nome será repetido de geração em geração. / As nações proclamarão a sua sabedoria, j a assembleia publicará o seu louvor. / (
Si 39,8-15).

A estas palavras do sábio Jesus Sirach nada há para acrescentar. Mas também não se deve deixar nada. De facto, descrevem perfeitamente a figura daquele homem, de que a sua pátria e a vossa cidade com razão se honram; alegra mesmo a Igreja inteira. Alberto o Grande, doutor universal — Alberto o Grande, de doutrina muito vasta: verdadeiro "Discípulo do reino de Deus". Se nós hoje reflectimos juntos sobre a vocação da família cristã para a construção do reino de Deus sobre a terra, as palavras da parábola de Cristo devem-nos dar também o mais profundo significado deste Santo, que hoje nós recordamos solenemente. Cristo, com efeito, diz: "Todo o escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira coisas novas e velhas do seu tesouro" (Mt 13,52).

Com tal pai de família parece-se também Santo Alberto. O seu exemplo e a sua intercessão me acompanhem, enquanto eu, na minha peregrinação através do vosso país, tento como pescador de homens, abraçar mais apertadamente a rede e lançá-la de novo, para que venha o reino de Deus.

Antes de prosseguir a celebração litúrgica, é vivo desejo do meu coração, no contexto da meditação hodierna sobre o matrimónio e a família, manifestar em nome de vós todos a minha comoção pelo rapto recentíssimo no vosso País, de uma menina de onze anos, Cornélia Becker. Partilhamos a apreensão dos pais pelo destino da filhinha. Mais uma vez sentimos com dor que sejam capazes de coisas destas a aberração humana e a falta de qualquer sentimento. Em nome da humanidade faço apelo consciência dos raptores: desisti do vosso insano proceder. Restitui a Cornelinha, que não tem culpas, aos seus pais, sem condições. Desejamos agora com a oração dirigir a Deus esta súplica, a Deus que tem acesso ao coração dos homens, sonde não chegam as nossas palavras. Rezemos com os pais aflitos, a fim de que revejam depressa com alegria a sua menina. Senhor Jesus Cristo, sois a verdade. Escutai a nossa súplica.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA EM OSNABRÜCK



Estádio Illos Höhe

Domingo, 16 de Novembro de 1980




Veneráveis Irmãos
497 Caros irmãos e irmãs no Senhor!

1. Quando o evangelista João, em base aos seus relacionamentos familiares com o Seu Mestre e ao profundo conhecimento do coração cheio de amor por Jesus, escreveu as palavras do Evangelho de hoje, a oração da despedida do Senhor, tinha diante de si as primeiras comunidades cristãs: só difícil e lentamente se tinham formado, primeiro na Palestina, em seguida após a primeira perseguição e fuga, em Antioquia e de lá, sob o impulso missionário de São Paulo também na Ásia Menor e na Grécia, e finalmente em Roma. Mas a consistência delas permanecia sempre um tanto pequena e exposta a perigos; estas comunidades viviam como minoria entre a enorme maioria dos pagãos dó império romano.

O evangelista quer confortar e corroborar estes cristãos escrevendo-lhes como Jesus Cristo rezou precisamente por eles: Jesus revelou-lhes o "Nome" de Deus; :manifestou-lhes a Sua "Glória"; neles deve permanecer o "Amor", que subsiste entre Deus Pai e o Filho; eles devem "ser perfeitos na unidade", como o é Jesus com o Pai. Palavras cheias de conforto e de íntimo fortalecimento para uma vida difícil na "dispersão", na "diáspora"!

Meus irmãos e irmãs! Hoje trago a todos vós este Evangelho, esta alegre mensagem, esta eficaz oração de Jesus: ela vale para vós, fiéis desta antiga e veneranda Diocese, que há pouco celebrou o 12° centenário da sua erecção; e vale para todos os católicos da diáspora na Alemanha do norte e na Escandinávia, aos quais de modo especial desejaria dirigir-me desta cidade de Osnabruque, sede da Diocese mais ao norte do País.

Saúdo com particular alegria os Bispos aqui presentes, desta Diocese e daquelas vizinhas, especialmente de Berlim e da Escandinávia, e também os sacerdotes e os fiéis das regiões e dos Países da diáspora. O Supremo Pastor da Igreja, que vive unida entre muitos povos, veio a vós para juntamente convosco agradecer a Deus a coragem da vossa fé e também para vos confirmar na fé, a fim de que continueis a ser testemunhas vivas da nossa redenção em Cristo.

2. A situação da fé dos católicos nesta vastíssima diáspora é muito diversificada e difícil. Isto, precisamente nas dioceses da Alemanha do norte, está ainda caracterizado de maneira decisiva pela singular situação histórica. No fim da guerra centenas de milhares de pessoas, entre as quais muitos católicos, tiveram que deixar a sua Pátria, emigrar e estabelecer a própria residência nos vastos territórios dessas dioceses, que antes tiveram população exclusivamente evangélica. Juntamente com a pequena bagagem, que constituía tudo quanto de material possuíam, levaram consigo, Como preciosa pertença, sobretudo a sua fé, muitas vezes simbolizada apenas no pequeno livro de orações da antiga Pátria. Muitos de vós, caros irmãos e irmãs na fé, ainda se recordam como então tiveram que procurar uma nova habitação, esforçar-se por estarem providos para as mais indispensáveis necessidades da vida, e como, ao mesmo tempo, tiveram que fundar centenas de novas comunidades católicas. Sob a guia de bispos e de sacerdotes zelosos, construístes novas igrejas e erigistes novos altares. Embora sofrendo de indigência e vivendo em grande preocupação por vossas famílias, vós também vos empenhastes logo na realização da vida eclesial, enfrentando vários sacrifícios. Revelastes assim ao mundo inteiro que permaneceis salvos na fé; nem vos deixastes abater pela cruz imposta; antes, pudestes até transformar o sofrimento em bênçãos e a discórdia em reconciliação. Nós devemos ser muito agradecidos a todos vós por este exemplo de constância na fé.

No olhar retrospectivo para o desenvolvimento da vida eclesial naqueles anos difíceis, recordamos igualmente, com gratidão, as muitas comunidades evangélicas deste País, as quais durante muito tempo colocaram as suas igrejas à disposição também dos católicos, facilitando aos pastores reunirem de novo o rebanho disperso.

3. Em verdade, esses tempos difíceis causaram dolorosas feridas; mas o Senhor cuidou e ajudou. Parece justo lembrar isto, precisamente hoje, porque o vosso País recorda com um "dia de luto nacional" os inumeráveis mortos da última guerra. Mas o mesmo Senhor Jesus Cristo, que vos assistiu ontem com o Seu apoio consolador, concederá também hoje e no futuro a força do Seu amor, para que permaneçais testemunhas críveis da Sua mensagem de libertação, no meio das provações do tempo presente.

Assim — conforme as palavras da segunda Leitura da hodierna celebração litúrgica, tirada da primeira Carta de Pedro, tendes até bons motivos para "rejubilar, se bem que sejam ainda necessárias, por algum tempo, diversas provações, para que a prova a que é submetida a vossa fé, muito mais preciosa que o ouro perecível, o qual se prova pelo fogo, seja digna de louvor, de glória e de honra quando Jesus Cristo se manifestar" (
1P 1,6-7). A prova da vossa fé: esta é a vossa hora! Uma fé íntima, amadurecida e consciente da própria responsabilidade: este pode ser o vosso dom à Igreja inteira! E assim podeis, vós mesmos, "obter como prémio da vossa fé, a vossa salvação" (v. 9), que será concedida "na manifestação de Jesus Cristo". "Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, crestes n'Ele" (v. 8). Mediante a Sua ressurreição dentre os mortos tendes "uma esperança viva para uma herança incorruptível, que não pode contaminar-se, e imarcescível; reservada nos céus para vós" (v. 3-4). É o próprio "poder de Deus a guardar-vos pela fé" (v. 5), se vós — podemos acrescentar — fizerdes quanto vos é possível para conservar viva e eficaz a vossa fé. A vossa situação de cristãos na diáspora constitui, por isso, um desafio singular.

Muito poucos dentre vós podem hoje manter-se na prática da própria fé, somente por um forte ambiente de crença. Devemos, portanto, decidir-nos conscientemente a querer ser cristãos praticantes, e a ter a coragem de nos distinguir, se necessário, do nosso ambiente. Pressuposto deste testemunho decisivo de vida cristã é perceber e compreender, da nossa parte, a fé como uma preciosa ocasião da vida, que transcende as interpretações e os costumes do ambiente. Devemos aproveitar toda a oportunidade para experimentar com a fé enriquece a nossa existência, causa em nós autêntica fidelidade na luta pela vida, corrobora a nossa esperança contra os ataques de toda a espécie de pessimismo e de desespero, nos estimula a evitarmos todo o extremismo e a comprometermo-nos com critério pela justiça e pela paz no mundo; ela pode, enfim, consolar-nos e amparar-nos no sofrimento. Tarefa e oportunidade da situação de diáspora é, por conseguinte, experimentar mais conscientemente como a fé ajuda a viver de maneira mais plena e profunda.

4. Ninguém pode ter fé só para si. O Senhor chamou os seus discípulos para uma comunhão, para serem Povo de Deus em peregrinação, para a Igreja, que age como um corpo com a sua força total. Onde muitos fiéis se reúnem para a profissão de fé, celebração, oração ou acção em comum, ali vem o Senhor ao encontro deles: "Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles" (Mt 18,20). Ao querer o Senhor, com estas palavras, referir-se precisamente a uma situação de diáspora, não fala nem de mil, nem de cem ou de dez, mas de "dois ou três". Já aqui o Senhor nos promete a Sua presença corroborante!

498 As vossas dioceses e comunidades paroquiais oferecem além disso múltiplas possibilidades de encontros, não.só com um ou dois crentes da mesma fé cristã, mas com todas as comunidades e grupos. Neste momento, como Pastor supremo da Igreja, desejaria agradecer cordialmente a todos os sacerdotes e aos seus colaboradores leigos que, não obstante as grandes dificuldades, se comprometem incansável e muito zelosamente por uma vida comunitária activa e eficiente. Ao mesmo tempo, convido todos os crentes a aproveitarem toda a ocasião que se apresente, para melhorar a sua fé e o seu futuro. Sede particularmente fiéis e constantes na participação na Santa Missa, domingo ou sábado à tarde.

E onde não é possível assistir à celebração eucarística dominical devido às grandes distâncias, tomai parta ao menos na liturgia da Palavra, com a eventual distribuição da Santa Comunhão! "Onde estivermos reunidos no nome do Senhor, ali Ele estará presente no meio de nós".

5. Mas desejaria sobretudo encorajar-vos a procurardes e aprofundardes, na fé sincera, o contacto com os vossos irmãos evangélicos. O movimento ecuménico dos últimos decénios fez-vos ver claramente quanto os cristãos evangélicos estão unidos a vós nas suas preocupações e alegrias, e quanto tendes em comum com eles, lá onde vós e eles viveis de maneira sincera e consequente à fé em Nosso Senhor Jesus Cristo. Agradeçamos, portanto, de todo o coração a Deus que as diversas comunidades eclesiais nas vossas regiões não se opõem e muito menos se fecham entre si com medo. Antes, fizestes já muitas vezes a feliz experiência de que a mútua compreensão e aceitação eram particularmente fáceis, quando ambas as partes conheciam bem a própria fé, a professavam com alegria e estimavam a comunhão concreta com os próprios irmãos de fé. Desejaria encorajar-vos a prosseguirdes neste caminho.

Vivei a vossa fé como católicos, reconhecidos a Deus e à vossa comunidade eclesial; dai, com toda a humildade e sem alguma autocomplacência, um testemunho acreditável dos valores íntimos da vossa fé, e encorajai também, de maneira oportuna e amável, os vossos irmãos evangélicos a testemunharem própria fé, a corroborarem e aprofundarem em Cristo as suas diversas formas de vida religiosa. Se todas as igrejas e comunidades crescerem verdadeiramente na plenitude do Senhor, com certeza o Seu Espírito indicar-nos-á o caminho para alcançarmos a plena unidade interna e externa da Igreja.

Jesus mesmo rezou pela perfeita unidade dos seus: "Para que todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (
Jn 17,21). Acabamos de ouvir isto ainda agora no Evangelho. E mais uma vez Jesus reza com insistência ao Seu divino Pai: "Dei-lhes a glória que Tu Me deste para que sejam um como Nós somos Um. Eu neles e Tu em Mim, para que eles sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que Tu Me enviaste e os amaste como Me amaste a Mim" (Jn 17,22-23).

Esta oração pela unidade deve, precisamente por vontade de Cristo, vale também para todos aqueles cristãos que se sustêm e confirmam reciprocamente na fé: "Não rogo somente por estes reza ainda Jesus mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão-de crer em Mim" (v. 20). Podemos, então, esperar com confiança que todos os diálogos ecuménicos, todas as preces e acções comuns de cristãos de diferentes confissões, estejam já incluídos nesta afectuosa oração de Jesus: "Para que sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós". Desta unidade depende a credibilidade da mensagem da redenção pela morte e ressurreição de Cristo: "para que o mundo creia que Tu Me envias-te" (v. 21). O Senhor coloca na mesma súplica uma condição: "Dei-lhes a conhecer o Teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que Me amaste esteja neles e Eu esteja neles também" (v. 26). Rezaremos e agiremos de maneira verdadeiramente ecuménica "no nome de Jesus", só quando conservarmos o amor de Cristo entre nós e o colocarmos como base de todos os esforços por uma unidade mais profunda.

Tenho firme confiança de que esta oração do Filho de Deus, nosso Senhor e irmão, produzirá um dia o seu pleno fruto. Queremos pedir-Lhe que se realize quanto nos anunciou o profeta na primeira leitura de hoje:

"Assim diz o Senhor Deus: retirar-vos-ei dentre as nações, recolher-vos-ei de todos os países e vos restabelecerei em vossa terra. Eu vos aspergirerei com águas puras, que vos justificarão... Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo... Dentro de vós meterei o Meu espírito, fazendo com que obedeçais às Minhas leis e sigais e observeis os Meus preceitos... sereis o Meu povo e Eu serei o vosso Deus" (Ex 36,24-28).

6. Caros irmãos e irmãs! Vós viveis a vossa fé certamente em condições difíceis. Outras dioceses do vosso Pais, melhor situadas, estão porém unidas a vós com várias formas de solidariedade, sobretudo mediante a tão benemérita comprovada instituição da Obra de São Bonifácio. A ela associa-se a Obra de Santo Anscário, com a qual sustentais e assistis fraternalmente as dioceses da Escandinávia. No Reino de Deus nada perde quem sabe participar; pelo contrário, torna-se nesse caso verdadeiro discípulo de Cristo, que por nós se fez pobre, a fim de a todos enriquecer (cf. 2Co 8,29). A existência do cristão na diáspora deve ser amparada pela consciência de pertencer a uma grande comunidade de homens, ao Povo de Deus reunido de todos os povos desta terra. Também na "dispersão" estais juntamente com os vossos sacerdotes e Bispos, unidos de múltiplas formas à Igreja de todo o vosso País e à Igreja universal. Por isso, considero acontecimento muito feliz poder, como Bispo de Roma, estar no meio de vós, no segundo dia da minha visita na Alemanha, precisamente nesta sede episcopal ligada até ao extremo norte da Europa, e celebrar convosco a Santa Eucaristia.

A Eucaristia significa acção de graças da comunidade crente no Senhor "em comunhão com toda a Igreja", como rezamos na primeira prece eucarística da Missa. Queremos hoje, com todos os que acreditam em Deus, agradecer-Lhe todos os dons com os quais confirmou e consolidou a vossa fé e o vosso amor à Igreja também nas circunstâncias difíceis e nos tempos de duras provações. A própria celebração da Missa é fonte inexaurível de força para a vida religiosa e para o fortalecimento de todos os cristãos na fé. Ela conserva e nutre a viva comunhão com o seu Corpo místico, que é a Igreja.

De modo semelhante, quando na Santa comunhão nos é repartido o pão e oferecido o Seu corpo, vivemos e realizamos de maneira clara e perceptível a mais íntima unidade com o corpo de Cristo, a comunhão de todos os crentes. Tomais hoje, em alegre acção de graças, nova consciência desta profunda e íntima unidade de toda a Igreja para além de todos os confins e barreiras humanas! Conservai esta consciência como precioso tesouro nas vossas comunidades, junto dos vossos vizinhos e nas vossas famílias! De facto, como crentes, não sois nunca "poucos", nunca estais "sós", mas sempre unidos com "os muitos", que no vasto mundo seguem convosco a Cristo na fé e na esperança, e testemunham o seu amor redentor. Ele é a força da nossa fé e o fundamento da nossa confiança. Ele vos abençoe, abençoe todas as vossas famílias e guie a vossa peregrinação de católicos até à sua meta eterna, definitiva reunião de todos os crentes da dispersão deste mundo, na única pátria do seu Reino eterno. Amém.

Homilias JOÃO PAULO II 491