Homilias JOÃO PAULO II 399

399 E pedirei a Cristo que neste Sinal - neste sinal grande e rico de todo o Congresso Eucarístico - se encontrem todos os frutos do meu serviço pastoral na vossa terra. Na Eucaristia que lá será celebrada então eu desejaria oferecer não apenas o contributo espiritual de todos os que participam do Congresso (e desejo que sejam o mais numerosos possível), mas também de todos aqueles que houver encontrado ao longo do meu peregrinar, de todo o Povo de Deus que está na vossa terra.

Deste modo desejo responder ao convite para o Congresso Eucarístico; e a começar de hoje, aqui junto desta Cruz, eu peço a Cristo para me ajudar a servir-vos e a congregar todos em torno d’Ele, em torno de Cristo, que é o único Bom Pastor das nossas almas.

3. O intróito da Missa da festa da Santa Cruz diz: “Devemos achar nossa glória na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nele está nossa salvação, nossa vida e ressurreição. Por Ele fomos salvos e libertados”. Estas palavras, inspiradas na carta de São Paulo aos Gálatas, não é temerário supor que foram pronunciadas naquele longínquo dia 3 de maio de 1500 na Missa que Frei Henrique de Coimbra terá celebrado - com que intenso fervor! - sobre o chão de Porto Seguro, sobre o chão da terra apenas descoberta. As pinturas que procuram retratar aquele episódio, como o quadro famoso de Victor Meirelles, mostram uma grande cruz plantada na praia e venerada com aquelas palavras: “Devemos gloriar-nos na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”. E o nome dado à região descoberta lembrou por multo tempo aquela festa e aquela cruz: Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz.

Outra cruz foi plantada num outro 3 de maio, em 1957. Diante cela, com a celebração de uma Missa, começou de novo sob o signo da Cruz, o trabalho ciclópico da construção desta cidade singular.

A cruz de Porto Seguro e a cruz de Brasília, perenizadas ambas na cruz gigantesca que se ergue a poucos metros daqui, têm valor de símbolo. Elas proclamam que, multo mais do que no chão, a Cruz foi plantada na história deste País, no coração e na vida de seus habitantes. Elas nos dizem que no passado como no presente e no futuro do Brasil, a Cruz de Cristo tem uma profunda significação.

4. A Cruz é antes de tudo símbolo da Fé. Com a cruz de Frei Henrique de Coimbra, era sobretudo a fé católica que assinalava os primeiros momentos e se inseria profundamente na vida e nos destinos do país que estava nascendo. Pode-se dizer do Brasil - nas devidas proporções - o que o documento de Puebla afirma sobre todo o Continente latino-americano: sua cultura é radicalmente católica. Isto significa que, não obstante os obstáculos e os desafios que ela encontra, a fé católica, não apenas em sua formulação abstrata mas em sua concretização prática, nas normas que ela inspira e nas atividades que ela suscita, está na raiz da formação do Brasil, especialmente de sua cultura.

Pretender cancelar esta fé é esvaziar séculos de história no que ela tem de mais autêntico, é mutilar a mensagem do Evangelho, é condenar-se a desconhecer a razão profunda de determinados traços da personalidade religiosa dos Brasileiros.

Bem o compreenderam os primeiros evangelizadores - constelação de apóstolos, na qual refulge o Beato José de Anchieta -, quando procuraram propagar e aprofundar esta fé, quer entre os indígenas dispersos pelo imenso território, quer em melo aos colonizadores. Bem o compreenderam nos séculos seguintes, até os nossos dias, os missionários, catequistas e pastores preocupados em suscitar, defender e promover a fé. Bem o compreendem hoje quantos estão a serviço da Igreja - Bispos e sacerdotes, religiosos e leigos - pautando sua ação pastoral na consciência de que a missão da Igreja não se pode reduzir ao sócio-político, mas consiste em anunciar o que Deus revelou sobre Si mesmo e sobre o destino do homem. Consiste em propor Jesus Cristo e Sua Boa Nova de Salvação. Consiste em levar muitos homens a conhecer na fé e pela fé o Deus Único e verdadeiro, e Aquele a quem Ele enviou, Jesus Cristo (Cf. Jo
Jn 14,7-9 Jo Jn 14,13 Jn 17,3 1Jn 5,20).

5. Símbolo da fé, a cruz é também o símbolo do sofrimento que leva à glória, da paixão que conduz à ressurreição. “Per crucem ad lucem” - pela cruz chegar à luz: este ditado profundamente evangélico nos diz que, vivida na sua verdadeira significação, a cruz do cristão é sempre uma cruz pascal. Neste sentido, cada vez que celebramos, como quisemos fazê-lo hoje, o mistério da cruz, cresce em nós, à luz da fé, a certeza de que o tempo do sacrifício e da renúncia pode bem ser princípio de tempos novos de realização e de plenitude. Isto vale para as pessoas. Vale também para as coletividades. Pode valer para todo um povo, para um País.

Diante da cruz, duas atitudes revelam-se possíveis, ambas perigosas. A primeira consiste em procurar na cruz o que nela é oprimente e penoso a ponto de deleitar-se na dor e no sofrimento como se estes tivessem valor em si mesmos. A segunda atitude é a de quem, talvez por reação à precedente, recusa a cruz e sucumbe à mística do hedonismo ou da glória, do prazer ou do poder.

Um grande autor espiritual, Fulton Sheen, falava, a este propósito, daqueles que aderem a uma cruz sem Cristo, em oposição aos que parecem querer um Cristo sem cruz. Ora, o cristão sabe que o Redentor do homem é um Cristo na cruz e portento só é redentora a cruz com Cristo!

400 6. Assim sendo, a cruz se torna também símbolo de esperança. De instrumento de castigo ela se fez imagem de vida nova, de um mundo novo.

Penso em tudo isto ao contemplar a grande cruz que se ergue no centro geográfico desta jovem cidade, por sua vez centro político do País. Ela se alça ali, marca de uma nova etapa na história do Brasil, ponte presente entre o futuro e o passado da vossa Pátria e da vossa sociedade, toda a história, ligada ao sinal da Cruz. Ligada ao mistério da Cruz de Cristo.

Este sinal e este mistério cantados nos corações dos homens neste País, tornaram-se vida de suas almas, sinal de salvação.

Neste sinal manifestou-se, uma vez para sempre, o amor de Deus Pai que “amou tanto o mundo que deu seu Filho único para que quem nele crê não morra, mas tenha a vida eterna” (
Jn 3,16).

Neste sinal manifestou-se a unidade permanente do Filho de Deus com os filhos dos homens, com os filhos desta terra, pois desejou tornar-se um deles, igual a eles em tudo, menos no pecado (Cf. Hb He 4,15), para fazer-nos iguais a Ele.

No sinal da Cruz Jesus Cristo, Filho Unigênito, nos deu a força de tornar-nos filhos de Deus.

Neste sinal o Espírito que procede do Pai e do Filho - o Espírito Santo - prenunciado por Cristo como Paráclito e Hóspede de nossas almas, que visita os corações dos homens e age na história da humanidade tornou-se o sopro que passou e continuamente passa pela terra brasileira.

Com este sinal - o sinal da Cruz - são marcados há quase cinco séculos inteiras gerações dos filhos e filhas desta terra. Os pais transmitem este sinal de fé aos filhos, os avós aos netos...

7. E hoje, no início de minha peregrinação ao coração do Povo de Deus em terra brasileira, desejo, com o mesmo sinal da Cruz, marcar junto convosco minha fronte, meus lábios, meu peito.
E como Sucessor de Pedro, Bispo de Roma e Pastor da Igreja, desejo abençoar com este sinal a vós todos aqui reunidos e a todo o Brasil.

O Brasil antigo e novo. Vosso ontem, hoje e amanhã.

401 E desejo dizer-vos que a Cruz é o sinal da esperança para o homem de todos os tempos. Nela Deus revelou ao homem qual é a dignidade que ele traz em si, depois que foi assinalado com a missão de Seu Filho.

Por isso, olhai para a Cruz! Nela sois chamados a uma só esperança da vossa vocação (Cf. Ef
Ep 4,4).

Olhai para a Cruz! Ela é o sinal do novo princípio que o homem, sempre e em toda parte, encontra em Deus.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL



AOS JOVENS DE BELO HORIZONTE


Belo Horizonte, 1° de Julho de 1980


Queridos jovens e meus amigos!

1. Vocês não se surpreenderão que o Papa comece esta homilia com uma confissão. Eu já havia lido muitas vezes que vosso País tem a metade da sua população com menos de 25 anos de idade. Contemplando desde minha chegada a Brasília, por toda parte por onde passei, uma infinidade de rostos jovens; passando, ao chegar a esta cidade, por entre multidões de gente jovem; vendo a vocês jovens tão numerosos ao redor deste Altar, confesso que entendi melhor, a partir desta visão concreta, aquilo que eu aprendera de modo abstrato. Creio que entendi melhor também porque os Bispos de Puebla falam de opção preferencial - não exclusiva, por certo, mas prioritária - pelos jovens.

Esta opção significa que a Igreja assume o compromisso de anunciar sem cessar aos jovens uma mensagem de libertação plena. É a mensagem de Salvação que ela ouve da boca do próprio Salvador e deve transmitir com total fidelidade.

2. Nesta Missa que tenho a alegria de celebrar no meio de vocês e por intenção de vocês, esta mensagem aparece com seu conteúdo essencial nas leituras que escutámos.

“Cumpri o dever, praticai a justiça”, exorta-nos o Profeta Isaías, com uma força que não se esgotou, à distância de 2.500 anos (Is 56,1).

E acrescenta: importa acima de tudo “permanecer firmes na Aliança” que Deus selou com o homem. É um convite à coerência e à fidelidade, convite que toca de muito perto os jovens.

Na carta de Paulo aos cristãos de Corinto, uma palavra rija e convincente como costuma ser a do grande Apóstolo: se alguém quiser construir sua vida, não há outro alicerce a colocar senão o que já foi colocado: Cristo Jesus (cf. 1Cor 1Co 3,10). Ele sabia bem o que dizia, este Paulo. Adolescente, ele havia perseguido a sua Igreja. Mas houve na estrada de Damasco, um belo dia, aquele encontro inesperado com o mesmo Jesus. E é o testemunho da própria vida que o fez dizer: Não há outro fundamento possível. É urgente colocar Jesus como alicerce da existência.

402 E, no Evangelho de São Mateus, a página que ninguém relê sem emoção. “Quem é que os outros dizem que eu sou?”, pergunta Jesus aos Apóstolos. E depois que eles transmitem uma série de opiniões, a pergunta de fundo: “Mas, para vocês, quem sou eu?”. Nós todos conhecemos este momento, no qual já não basta falar de Jesus repetindo o que outros disseram, é forçoso dizer o que você pensa, já não basta recitar uma opinião, é preciso der um testemunho, sentir-se comprometido pelo testemunho dado e depois ir até os extremos das exigências desse compromisso. Os melhores amigos, seguidores, apóstolos de Cristo foram sempre aqueles que perceberam um dia dentro de si, a pergunta definitiva, incontornável, diante da qual todas as outras se tornam secundarias e derivativas: “Para você, quem sou eu?”. A vida, o destino, a história presente e futura de um jovem, depende da resposta nítida e sincera, sem retórica nem subterfúgios, que ele puder der a esta pergunta. Ela já transformou a vida de muitos jovens.

3. E’ destas mensagens oferecidas pela Palavra de Deus que eu quisera tirar a singela mensagem, que lhes deixo neste encontro, que me permite sentir a seriedade com que vocês encaram sua existência.

A riqueza maior deste Pais, imensamente rico, são vocês. O futuro real deste País do futuro se encerra no presente de vocês. Por isso este País, e com ele a Igreja, olham para vocês com um olhar de expectativa e de esperança.

Abertos para as dimensões sociais do homem, vocês não escondem sua vontade de transformar radicalmente as estruturas que se lhes apresentam injustas na sociedade. Vocês dizem, com razão, que é impossível ser feliz, vendo uma multidão de irmãos carentes das mínimas oportunidades de uma existência inumana. Vocês dizem, também, que é indecente que alguns esbanjem o que falsa à mesa dos demais. Vocês estão resolvidos a construir uma sociedade justa, livre e próspera, onde todos e cada um possam gozar dos benefícios do progresso.

4. Eu vivi na minha juventude estas mesmas convicções. Eu as proclamai, jovem estudante, pela voz da literatura e pela voz da arte. Deus quis que elas recebessem sua têmpera ao fogo de uma guerra cuja atrocidade não poupou o meu lar. Vi conculcadas de muitas maneiras essas convicções. Temi por elas vendo-as expostas à tempestade. Um dia decidi confrontá-las com Jesus Cristo: pensei que era o único a revelar-me o verdadeiro conteúdo e valor delas e de protegê-las contra não sei que inevitáveis desgastes.

Tudo isso, essa tremenda e valiosa experiência, me ensinou que a justiça social só é verdadeira se baseada nos direitos do indivíduo. E que esses direitos só serão realmente reconhecidos se for reconhecida a dimensão transcendente do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, chamado a ser Seu filho e irmão dos outros homens, e destinado a uma vida eterna. Negar esta transcendência é reduzir o homem a instrumento de domínio, cuja sorte está sujeita ao egoísmo e ambição de outros homens, ou à onipotência do Estado totalitário, erigido em valor supremo.

No próprio movimento interior que me levou à descoberta de Jesus Cristo e me arrastou irresistivelmente a Ele, percebi algo que bem mais tarde o Concílio Vaticano II exprimiu claramente. Percebi que “o Evangelho de Cristo enuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus, e rejeita toda a escravidão, derivada, em última análise, do pecado; respeita integralmente a dignidade da consciência e a sua decisão livre; adverte incansavelmente que todos os talentos humanos devem ser desenvolvidos, para o serviço de Deus e o bem dos homens; e, finalmente, recomenda todos à caridade de todos. Isto corresponde à lei fundamental da proposta cristã” (Gaudium et Spes
GS 41).

5. Aprendi que um jovem cristão deixa de ser jovem, e há multo não é cristão, quando se deixa seduzir por doutrinas ou ideologias que pregam o ódio e a violência. Pois não se constrói uma sociedade justa sobre a injustiça. Não se constrói uma sociedade que mereça o título de inumana, desrespeitando e, pior ainda, destruindo a liberdade inumana, negando aos indivíduos as liberdades mais fundamentais.

Partilhando como sacerdote, bispo e cardeal, a vida de inúmeros jovens na Universidade, nos grupos juvenis, nas excursões de montanhas, nos círculos de reflexão e oração, aprendi que um jovem começa perigosamente a envelhecer, quando se deixa enganar pelo princípio, fácil e cômodo, de que “o fim justifica os meios”, quando passa a acreditar que a única esperança para melhorar a sociedade está em promover a luta e o ódio entre grupos sociais, na utopia de uma sociedade sem classes, que se revela bem cedo a criação de novas classes. Convenci-me de que só o amor aproxima o que é diferente e realiza a união na diversidade. As palavras de Cristo: “Eu vos dou um novo mandamento, que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”(Jn 13,34), apareceram-me então, para além de sua inigualável profundidade teológica, como germe e princípio da única transformação bastante radicai para ser apreciada por um jovem. Germe e princípio da única revolução que não trai o homem. Só o amor verdadeiro constrói.

6. Se o jovem que eu fui, chamado a viver a juventude em um momento crucial da história, polé dizer algo aos jovens que vocês são, penso que lhes diria: Não se deixem instrumentalizar!

Procurem estar bem conscientes do que vocês pretendem e do que fazem. Mas vejo que isso mesmo lhes disseram os Bispos da América Latina, reunidos em Puebla no ano passado: “Formar-se-á no jovem o sentido crítico frente aos contravalores culturais que as diversas ideologias (Documento de Puebla, n. 1197), tentam transmitir-lhe”, especialmente as ideologias de caráter materialista, para que não sejam por elas manipulados. E o Concílio Vaticano II: “preciso construir incessantemente a ordem social, tendo por base a verdade construída na justiça e animada pelo amor, e encontrar na liberdade um equilíbrio sempre mais humano”(Gaudium et Spes GS 26).

403 Um grande predecessor meu, o Papa Pio XII, adotou como lema: “Construir a paz na justiça”. Penso que é um lema e sobretudo um compromisso digno de vocês, jovens brasileiros!

7. Receio que muitos bons desejos de construir uma sociedade justa naufraguem na inautenticidade e se esvaziem como bolina de sabão por faltar-lhes o sustento de um sério empenho de austeridade e frugalidade. Em outras palavras, é indispensável saber vencer a tentação da chamada “sociedade de consumo”, da ambição de ter sempre mais, em vez de procurar ser sempre mais, da ambição de ter sempre mais, enquanto outros têm sempre menos. Penso que aqui na vida de cada jovem ganha sentido e força concretos e atuais a bem-aventurança à pobreza em espírito: no jovem rico para que aprenda que o seu supérfluo é quase sempre o que falsa a outros e para que não se retire triste (cf. Mt
Mt 19,22) quando perceber no fundo da consciência um apelo do Senhor a um desapego mais pleno; no jovem que vive a dura contingência da incerteza quanto ao dia de amanhã, talvez até na fome, para que buscando a legítima melhoria de condições para si e para os seus, seja atraído pela dignidade inumana mas não pela ambição, pela ganância, pelo fascínio do supérfluo.

Meus amigos, vocês são também responsáveis pela conservação dos verdadeiros valores que sempre honraram o povo brasileiro. Não se deixem levar pela exasperação de sexo, que abala a autenticidade do amor inumano e conduz á desagregação da família. “Não sabeis que vosso corpo é um templo e o Espírito Santo habita em vós?”, escrevia São Paulo no texto que escutámos.

Que as moças procurem encontrar o verdadeiro feminismo, a autêntica realização da mulher como pessoa inumana, como parte integrante da família, e como parte da sociedade, nume participação consciente, segundo as suas características.

8. Retomo, ao terminar, as palavras-chaves que recolhemos das leituras desta Missa:

- cumprir o dever e praticar a justiça;
- não construir sobre outro fundamento que não seja Jesus Cristo;
- ter uma resposta a der ao Senhor quando Ele pergunta: “para você, quem sou eu?”.

Esta é a mensagem sincera e confiante de um amigo. Meu desejo seria o de apertar as mãos de cada um de vocês e falar com cada um. Em todo o caso é a cada um que digo dizendo a todos: Jovens de Belo Horizonte e de todo o Brasil, o Papa quer multo bem a vocês! O Papa não os esquecerá nunca mais! O Papa leva daqui uma grande saudade de vocês!

Recebam, queridos amigos, a Bênção Apostólica que vou der ao final desta Missa, como um sinal da minha amizade e confiança em vocês e em todos os jovens deste país.

Antes de passar à Liturgia Eucarística, propriamente, só mais uma palavra: só o amor constrói, só o amor aproxima, só o amor fez a união dos homens na sua diversidade.

404 Há pouco estive na França, e lá, os jovens com quem me encontrei, num gesto espontâneo, me pediram para trazer a vocês algumas mensagens de amizade, o que fiz com multo prazer. Que este gesto de dar-se as mãos sirva como símbolo e estímulo para construir sempre mais a fraternidade humana, cristã e eclesial no mundo. Para onde vais? - Com vocês faço esta pergunta, com vocês, amados jovens, vou oferecer também tudo o que de nobre há nos corações de vocês, tudo o que de belo aqui vivemos juntos, pelo bom êxito do Congresso Eucarístico de Fortaleza, para o qual vou peregrinando, junto com a Igreja que está no Brasil. Para onde vais?

Amém.





VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL



NA SANTA MISSA PARA AS FAMÍLIAS


Rio de Janeiro, 1° de Julho de 1980




Meu irmão muito caro, Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro
e seus Bispos Auxiliares;
Queridos filhos habitantes desta Cidade maravilhosa;
Queridos filhos vindos de outros pontos do Brasil para este encontro!

1. Muitos dos que nesta hora participam desta Eucaristia estarão evocando na memória do coração outras Missas celebradas neste mesmo lugar, em julho de 1955. Realizava-se o 35° Congresso Eucarístico Internacional; e, sobre uma faixa de terra conquistada ao mar, mãos de artistas haviam elevado o altar-monumento, sobre o qual o Legado Pontifício abrira e encerrara o grande acontecimento. A voz de meu imortal Predecessor Pio XII aqui ressoou com uma mensagem de pai para um milhão de pessoas congregadas neste lugar.

Não posso deixar de relembrar, eu próprio, este 25° aniversário, feliz por poder fazê-lo convosco e no meio de vós, no momento em que preparais o já iminente X Congresso Eucarístico Nacional de Fortaleza. Queira Deus que esses eventos recordados, vividos, esperados renovem a vossa ação de graças ao Senhor; e que saibais exprimi-la na ação de graças por definição e por excelência, que é a Eucaristia, em cuja devoção Ele vos faça crescer.

Um sacerdote - seja ele o Papa, um bispo ou um pároco do interior - ao celebrar a Eucaristia, um cristão ao participar da Missa e receber o Corpo e o Sangue de Cristo não podem deixar de abismar-se nas maravilhas deste Sacramento. São tantas as dimensões que nele se podem considerar: é o sacrifício de Cristo, que misteriosamente se renova; são o pão e o vinho transformados, transubstanciados no Corpo e Sangue do Senhor; é a Graça que se comunica por este alimento espiritual à alma do cristão... Quero, nesta ocasião, fixar-me em um aspecto não menos significativo: a Eucaristia é uma reunião de família, da grande família dos cristãos.

O Senhor Jesus quis instituir este grande sacramento por ocasião de um importante encontro familiar: a Ceia pascal e naquela ocasião sua família foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Por multo tempo, nos inícios da Igreja, era em casas de família que outras famílias se reuniam para a “fração do pão”. Cada altar será sempre uma mesa, em torno da qual se congrega mais ou menos numerosa uma família de irmãos. A Eucaristia ao mesmo tempo reúne esta família, manifesta-a aos olhos de todos, estreita os laços que unem aos outros os seus membros. Santo Agostinho pensava em tudo isto quando chamava a Eucaristia: “sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis" (Santo Agostinho, In Ioannis Evang., Tract XXVI, cap. 6, n. 13: PL 35, 1613).

405 Ao celebrar esta Eucaristia volto os olhos espiritualmente para todos os quadrantes deste imenso País, tento abraçar com um só olhar os 120 milhões de brasileiros e rezo pela imensa família constituída por todos os filhos desta Pátria e pelos que encontraram um novo lar.

3. Posso fazer-vos uma confidência? A primeira vez que me falaram do Brasil, quando eu sabia bem pouco deste País, não foi para cantar suas belezas naturais, que são maravilhosas, nem para exaltar as riquezas de seu solo e subsolo, que são inesgotáveis; nem para ressaltar os feitos deste ou daquele brasileiro notável. Quem me falava - e era um grande conhecedor do Brasil - me dizia apenas que esta era uma grande Nação, malgrado todos os seus eventuais problemas, porque aqui se encontram todas as raças, gente vinca de todos os horizontes do mundo, reunidas num só povo, sem preconceitos e sem discriminação ou segregação, nume clara fusão de espíritos e corações. “E’ uma família”, dizia, encantado, meu interlocutor.

Rezo para que não venha jamais a debilitar-se ou a perecer este espírito de família. Para que ele prevaleça sobre qualquer germe de discórdia ou divisão, sobre qualquer ameaça de ruptura ou separação. Rezo para que, havendo cada vez menos diferenças entre os brasileiros no que se refere ao progresso e ao bem-estar, às oportunidades diante dos bens da cultura e da civilização e às possibilidades de encontrar trabalho digno, ter saúde e instrução, educar os filhos, se torne sempre mais realidade a “grande família” de brasileiros de que falava aquele meu primeiro professor de Brasil. Rezo ainda para que a um mundo frequentemente dominado pelas contendas entre povos e raças, o Brasil possa der - sem ostentação - antes com a espontaneidade e a naturalidade que caracterizam a sua gente - uma lição essencial, a da verdadeira integração: de como podem viver como uma só família, dentro de um país-continente, pessoas vindas dos mais diversos recantos do mundo. E rezo, enfim, pelos membros desta “grande família”, que repousam sob este monumento e cujo sacrifício é um permanente apelo à união entre os povos.

4. Esta Eucaristia, reunião de família, leva o meu pensamento agora às famílias brasileiras.

Os depoimentos mais autorizados sobre a América Latina - penso nos documentos de Medellín e de Puebla, penso nos relatórios que me chegam dos Bispos e Conferências Episcopais deste quase-continente, mas penso também em estudos sociológicos da maior seriedade - ensinaram-me que para vós, latino-americanos, a Família é uma realidade extraordinariamente importante. O lugar que a Família ocupou nos povos que se encontram na raiz de vossas Nações e a influência latino-americana que ela exerceu na formação de vossa cultura justificam de sobra essa importância. O Brasil, longe de se constituir uma excepção, ilustra de modo notável essa verificação: Não admira que aqui, com especial vigor, se manifeste o sentido de família e se confirmem as dimensões essenciais da realidade familiar: o respeito impregnado de amor e de ternura, a generosidade e o espírito de solidariedade, e o apreço por uma certa intimidade do lar, temperada por um desejo de abertura. Não quero furtar-me a sublinhar entre outras, duas dimensões fundamentais da família, especialmente relevantes entre vós: ela tem sido, no correr dos séculos, a grande transmissora de valores culturais, éticos, espirituais, de uma geração à outra; no plano religioso e cristão, muitas vezes, quando faltaram ou foram extremamente precários outros canais, ela foi o único, ou ao menos o principal canal pelo qual se comunicou a fé dos pais a filhos em várias gerações.

5. Isto posto, como fechar os olhos para as graves situações em que concretamente se encontram numerosíssimas famílias entre vós e para as sérias ameaças que pesam sobre a família em geral?

Algumas dessas ameaças são de ordem social e prendem-se às condições sub-humanas de habitação, higiene, saúde, educação em que se encontram milhões de famílias, no interior do País e em periferias das grandes cidades, por força do desemprego ou dos salários insuficientes. Outras são de ordem moral e referem-se á generalizada desagregação da Família, por desconhecimento, desestima ou desrespeito das normas humanas e cristãs relativas à família, nos vários estratos do população. Outras ainda são de ordem civil, ligadas à legislação referente à família. No mundo inteiro essa legislação é cada vez mais permissiva, portando menos encorajante para os que se esforçam por seguir os princípios de uma ética mais elevada em matéria de família. Queira Deus que assim não seja em vosso País e que, coerentes com os princípios cristãos que inspiram a vossa cultura, aqueles que têm a responsabilidade de elaborar e promulgar as leis o façam no respeito aos valores insubstituíveis de uma ética cristã, entre os quais avulsa o valor da vida inumana e o direito indeclinável dos pais a transmitir a vida. Outras ameaças, enfim, são de ordem religiosa e derivam de um escasso conhecimento das dimensões sacramentais do Matrimônio no plano de Deus.

6. As considerações que venho fazendo parecem-me evidenciar bastante a importância e a necessidade de uma inteligente, corajosa, perseverante Pastoral Familiar. Falando ao povo da cidade de Puebla, na homilia da inolvidável Missa que ali celebrei, recordei que nume numerosos Bispos latino-americanos não hesitam em reconhecer que a Igreja tem ainda multo a fazer neste campo. Por isso mesmo, abrindo a Conferência de Puebla, eu quis recomendar a Pastoral Familiar como importante prioridade em todos os vossos Países. O Documento de Puebla consagrou um importante capítulo à Família: Deus queira que a atenção a outros temas e afirmações, sem dúvida importantes mas não exclusivos, desse documento não signifique, por um erro do qual teríamos motivo de arrepender-nos no futuro, uma atenção menor à Pastoral da Família.

São muitos os campos e complexas as exigências desta Pastoral Familiar. Vossos Pastores estão conscientes disso. Muitos leigos empenhados em diversos, valiosos e meritórios movimentos familiares, se mostram atentos a esses campos e exigências. Não esperais certamente que o Papa os aborde aqui: não é o momento para fazê-lo. Como porém não recordar ao menos para citá-los, alguns pontos entre os mais importantes dessa Pastoral?

Penso em tudo o que há a fazer no campo da preparação ao casamento, certamente no período que antecede a sua celebração mas porque não desde os anos de adolescência - na família, na Igreja, na escola - sob a forma de uma séria, ampla, profunda educação para o verdadeiro amor, algo muito mais exigente do que uma propalada educação sexual. Penso no esforço generoso e corajoso a fazer para criar na sociedade um ambiente propício à realização de um ideai familiar cristão, baseado nos valores de unidade, fidelidade, indissolubilidade, fecundidade responsável. Penso no atendimento a dar a casais que, por variadas razões e circunstâncias, passam por momentos de crise, que poderão superar se forem ajudados, mas talvez naufragarão se faltar essa ajuda. Penso na contribuição que os cristãos, especialmente os leigos, podem oferecer para suscitar uma política social sensível aos reclamos e aos valores familiares e para evitar uma legislação nociva à estabilidade e ao equilíbrio da família. Penso enfim no incomensurável valor de uma espiritualidade familiar, a aperfeiçoar constantemente, a promover, a difundir e não posso silenciar, aqui de novo, uma palavra de estímulo e encorajamento aos movimentos familiares que se dedicam a essa obra particularmente importante.

7 . Não faltam na vivência e no magistério da Igreja elementos validíssimos para uma lúcida, abrangente, intrépida atenção pastoral às famílias. Meus predecessores nos legaram valiosos documentos. Muitos pastores e teólogos nos ofereceram o fruto de sua experiência ou de suas reflexões. Proximamente o Sínodo dos Bispos, estudando “as funções da família cristã” no mundo contemporâneo, deixarão certamente pistas para a orientação, nesta matéria delicada. Nesta fonte - e não à margem ou longe cela, menos ainda em contraste com ela - deverá beber uma verdadeira Pastoral Familiar.

406 Inúmeras famílias, sobretudo casais cristãos, desejam é pedem critérios seguros que os ajudem a viver, mesmo entre dificuldades não comuns e com esforço às vezes heróico, seu ideai cristão em matéria de fidelidade, de fecundidade, de educação dos filhos. Ninguém tem o direito de trair esta expectativa ou decepcionar este reclamo, disfarçando por timidez, insegurança ou falso respeito os verdadeiros critérios ou oferecendo critérios duvidosos quando não abertamente desviados do ensinamento de Jesus Cristo transmitido pela Igreja.

8 . Irmãos e filhos caríssimos, ao termo desta reflexão, voltemos a atenção para os textos do Novo Testamento, que tivemos a alegria de escutar nesta Liturgia.

Um deles, o do Evangelho de São João, retoma o ensinamento de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum sobre o Pão da Vida: este pão, segundo assegura o Senhor, é sua própria carne que, feita alimento dos seus discípulos, lhes dá uma vida que começa aqui na terra e desabrocha na eternidade. A promessa feita em Cafarnaum se realiza plenamente na última Ceia e no mistério da Eucaristia. Este é o pão que se fez Corpo de Cristo para der a vida aos homens.

O desejo mais íntimo e mais vivo do Papa nesta hora seria o de poder por algum milagre, penetrar em cada lar do Brasil, ser hóspede de cada família brasileira. Partilhar a felicidade das famílias felizes e com elas render graças ao Senhor. Estar junto das famílias que choram, por algum sofrimento escondido ou visível, para der, se possível, algum conforto. Falar às famílias onde nada falsa, para convidá-las a distribuir o que lhes sobra e que pertence a quem não tem. Sentar-se à mesa das famílias pobres, onde o pão é escasso, para ajudá-las, não a tornar-se ricas no sentido em que o Evangelho condena a riqueza, mas a conquistar aquilo que é necessário para uma vida digna.

Se este é um desejo impossível, quero ao menos, tomando em minhas mãos daqui a pouco o Corpo de Jesus e Seu Sangue precioso, fazer um voto e uma oração: que esta Eucaristia celebrada neste templo sem fronteiras sob a cúpula deste céu do Rio de Janeiro, bem mais vasta e grandiosa do que a de Miguel Ângelo, se torne fonte de verdadeira vida para o povo brasileiro para que ele seja uma verdadeira família e para cada família brasileira para que seja célula formadora deste povo.



Homilias JOÃO PAULO II 399