Homilias JOÃO PAULO II 522


SANTA MISSA PARA OS ESTUDANTES

DO V CURSO TEOLÓGICO INTERDIOCESANO


Capela Matilde

Segunda-feira, 8 de Dezembro de 1980




Veneráveis Irmãos no Episcopado
Filhos caríssimos

523 Tenho o prazer de dirigir-vos a minha palavra, enquanto celebramos a Liturgia da Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Jesus. Nesta solenidade, recordamos e celebramos Aquela que, desde as raízes da sua existência, esteve em completa disposição quanto ao plano divino de salvação, a ponto de se deixar totalmente invadir pela Graça para conseguir prestar ao mistério da Encarnação um serviço pleno e fecundo.

A primeira e a terceira Leitura da Missa, que acabámos de ouvir, propuseram-nos a clara contraposição entre a primeira Eva que, com a sua desobediência e ligeireza, perdeu a cidadania do paraíso terrestre, e a segunda Eva, a Virgem de Nazaré, que pelo contrário, com a generosa oferta de si mesma, permitiu ao Verbo Divino habitar entre os homens, para que pudessem receber dele graça sobre graça (cf. Jo
Jn 1,14 Jo Jn 1,16).

Por isso a proclamamos verdadeiramente bendita entre todas as mulheres (cf. Lc Lc 1,42), verdadeiramente "cheia de graça" (ib. 1, 28), porque verdadeiramente nela "grandes coisas fez o Omnipotente" (ib.1, 49). Sem este adorável e inexplicável beneplácito do Deus misericordioso, não se explicaria o mistério de Maria; mas precisamente Maria, como escrevi na recente Encíclica Dives in misericordia, "é aquela que mais a fundo conhece o mistério da misericórdia divina" (n. 9). Aliás, na segunda Leitura bíblica, ouvimos o Apóstolo Paulo recordar-nos que também nós baptizados fomos escolhidos por Deus em Cristo "antes da criação do mundo... segundo o beneplácito da Sua vontade... para louvor e glória da Sua graça" (Ep 1,4 Ep 1,6). Portanto hoje, quando celebramos a singularidade de Maria Santíssima, unimo-nos também a ela para cantarmos juntos, com alegria e humildade, a benevolência imerecida e a magnificência surpreendente d'Aquele, de quem Jesus mesmo disse: "Ninguém é bom, senão só Deus" (Mc 10,18).

Veneráveis Irmãos e Caríssimos Filhos. Sei que vós aqui reunidos representais quase por completo o Estudo Teológico interdiocesano de Fossano, que reúne os Estudantes de Teologia das cinco Dioceses da Província de Cúneo, no Piemonte. Estou informado da fundação dele, sucedida há oito anos, da sua sólida orientação e do seu óptimo funcionamento. Por isto, quero, diante dos Bispos das Dioceses de Alba, Cúneo, Fossano, Mondovi e Saluzzo, reconhecer a louvável iniciativa que tiveram, diante dos Responsáveis e dos Professores, a diligência e competência que mostram, e diante dos Estudantes a sua seriedade e o seu entusiasmo.

Animo-vos ardorosamente a que prossigais com empenho, percorrendo este caminho de mútua colaboração. E faço votos cordiais por que a instituição consiga reunir em si quanto de melhor pertence à tradição e à vida das respectivas Dioceses, e consiga tornar-se, por sua vez, centro precursor de cultura teológica e de actualização pastoral que venham a irradiar através de cada uma das Comunidades diocesanas. O importante é alimentar com abundância o constante amor à Palavra de Deus: quer a pessoal, encarnada em Jesus Cristo; quer a literária, depositada na Sagrada Escritura. Esta Palavra é necessário meditá-la e aprofundá-la cada vez mais, diria mesmo com paixão, segundo as várias perspectivas das disciplinas teológicas e depois — sobre este fundamento seguro, tornado parte de nós mesmos — procurar os melhores modos para a anunciar e testemunhar eficazmente aos homens do nosso tempo. Sede, para estes, ministros da Palavra (cf. Act Ac 6,4), e cultivai uma incessante atitude de oração, porque "a nossa capacidade vem de Deus" (2Co 3,5).

E ficai sabendo que o Papa muito espera de vós, mas assegura-vos o seu afecto e a sua recordação diante do Senhor. Exactamente o Senhor Jesus, dentro de pouco, tornar-se-á uma vez mais presente no meio de nós para comunicar-nos a riqueza da sua comunhão salvífica. É Ele o nosso Salvador, a cujo serviço nos votámos. A Ele "honra, glória e louvor" (Ap 5,12). Amém!

SANTA MISSA POR OCASIÃO

DA FESTA DA IMACULADA CONCEIÇÃO

HOMILIA DE JOÃO PAULO II


8 de Dezembro de 1980




1. Salus populi romani

Com está saudação venho hoje, venerados e caros irmãos e irmãs, a esta Basílica Mariana de Roma. Venho aqui depois do acto solene de homenagem, prestada à Imaculada na Praça de Espanha, onde os romanos de há anos e de há gerações manifestam o seu amor e a sua veneração Àquela que o Anjo, no momento da Anunciação, saudou como «cheia de graça» (Lc 1,28). No texto grego do Evangelho de São Lucas, esta saudação soa: kecharitoméne, isto é, particularmente amada por Deus, toda penetrada pelo Seu amor, consolidada completamente nele: como se fosse toda por Ele formada, pelo Amor santíssimo de Deus.

E precisamente por isso: salus populi!/salus populi romani!

Este título consagra justamente a devoção mariana de Roma. Pode fazer-se remontar às origens mesmas desta Basílica, porque já o meu predecessor Sisto III no século V, na inscrição dedicatória, assim chama à Senhora: Virgo Maria... nostra salus. A invocação enriqueceu-se na alta Idade Média, favorecida pela procissão solene de 15 de Agosto, que unia a devoção à imagem do Salvador, conservada na Basílica Lateranense, com a de Nossa Senhora de Santa Maria Maior. Então o povo romano assim celebrava a Virgem durante a procissão:

524 «Virgem Maria, olha propícia para os teus filhos; ... / Augusta Maria, sê benigna às lágrimas de quem te suplica. / Mãe santa de Deus, olha para o povo romano...».

Apraz-me também recordar que a devoção a Nossa Senhora nesta Basílica teve, nos séculos medievais, carácter universal, porque unia aos Romanos os Religiosos gregos que viviam em Roma e a celebravam na própria língua. Além disso, esta Basílica foi escolhida por São Cirilo e São Metódio, vindos a Roma no século IX e acolhidos festivamente pelo Papa Adriano II e por todo o povo romano, para a celebração em língua eslava da liturgia, que eles tinham inaugurado para a evangelização dos povos eslavos. Os seus livros litúrgicos em língua eslava, aprovados pelo Papa, foram depositados no altar desta Basílica.

2. Quando dizemos salus populi, salus populi romani, estamos plenamente conscientes de que Maria, mais que todos, experimentou a salvação, a experimentou de modo particular e excepcional. Sendo Ela Mãe da nossa salvação, Mãe dos homens e do povo, Mãe de Roma, é isto em Cristo, por Cristo, por obra de Cristo:

Salus populi romani in suo Salvatore!

Assim também ensina o Concílio Vaticano II na Constituição «Lumen Gentium»: «E um só o nosso Mediador, segundo as palavras do Apóstolo: 'Porque há um só Deus, também há um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, verdadeiro homem, que se ofereceu em resgate por todos' (
1Tm 2,5-6). A função maternal de Maria para com os homens de nenhum modo obscureceu ou diminuiu esta mediação única de Cristo, antes mostra qual é a sua eficácia. Na verdade, todo o influxo salutar da Santíssima Virgem em favor dos homens não é imposto por nenhuma necessidade intrínseca mas sim por livre escolha. de Deus, e dimana da superabundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação, dela depende absolutamente e dela tira toda a .sua eficácia; e, longe de impedir, fomenta ainda mais o contacto imediato dos fiéis com Cristo» (Lumen Gentium LG 60).

3. Demonstra-o de modo particular a solenidade hodierna da Imaculada Conceição.

Este é o dia em que confessamos que Maria — escolhida, de modo particular e eternamente, por Deus no Seu amoroso desígnio de salvação — de modo excepcional foi remida por obra d'Aquele, a quem Ela, como Virgem Mãe devia transmitir a vida humana.

Dela falam também as hodiernas leituras da liturgia: São Paulo na carta aos Efésios escreve: «Bendito seja Deus e Pai de nosso senhor Jesus Cristo, que, lá dos céus, nos encheu com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. Foi assim que, n'Ele, nos escolheu, antes da criação do mundo, a fim de sermos, na caridade, santos e irrepreensíveis diante d'Ele» (Ep 1,3-4).

Estas palavras de modo particular e excepcional referem-se a Maria.Ela, de facto, mais que todos os homens — e mais do que os Anjos — «foi escolhida em Cristo antes da criação do mundo», porque de modo único e irrepetível foi escolhida para Cristo, foi a Ele destinada para ser Mãe.

Depois o Apóstolo, desenvolvendo a mesma ideia da sua carta aos Efésios, escreve: «...Destinou-nos (Deus) de antemão para sermos Seus filhos adoptivos mediante Jesus Cristo por benevolência de Sua vontade, para louvor da glória da Sua graça, com a qual nos favoreceu em Seu Filho predilecto» (Ep 1,5).

E também estas palavras — embora se refiram a todos os cristãos — referem-se a Maria de modo excepcional. Ela — precisamente Ela como Mãe — adquiriu no grau mais alto «a adopção divina»: escolhida para ser filha adoptiva no eterno Filho de Deus, precisamente porque Ele devia tornar-se, na economia divina da salvação, o seu verdadeiro Filho do homem: Ela — como muitas vezes cantamos — Amada Filha de Deus Pai!

525 4. E por fim escreve o Apóstolo: «Foi também n'Ele (isto é em Cristo) que nos tornámos herdeiros. E, conforme o desígnio de quem tudo realiza pela decisão da Sua vontade, nós fomos previamente destinados a ser, para louvor da Sua glória, aqueles que de antemão esperaram em Cristo» (Ep 1,11-12).

Ninguém — de modo mais pleno, mais absoluto e mais radical — «esperou» em Cristo, do que a Sua própria Mãe Maria.

E também ninguém mais que Ela «foi constituído herdeiro n 'Ele», em Cristo. Ninguém na história do mundo foi mais cristocêntrico e mais cristofórico do que Ela. E ninguém mais semelhante a Ele, não só com semelhança natural da Mãe com o Filho, mas com a semelhança do espírito e da santidade.

E como ninguém mais que Ela existia «em conformidade com o plano da vontade de Deus», ninguém mais que Ela neste mundo existia «para louvar da Sua glória» — porque ninguém existia em Cristo e mais que Ela vinha de Cristo, graças à qual Cristo nasceu na terra.

Eis o louvor da Imaculada, que a liturgia hodierna proclama com as palavras da Carta aos Efésios. E toda esta riqueza da teologia de Paulo pode encontrar-se encerrada também nestas duas palavras de Lucas: «Cheia de graça» (kecharitoméne).

5. A Imaculada Conceição é um particular mistério da fé — e é também uma particular solenidade. E a festa do Advento por excelência. Esta festa e também este mistério — faz-nos pensar no «início»do homem na terra, na inocência primitiva e depois na graça perdida e no pecado original.

Por isso hoje lemos primeiramente o trecho do Livro do Génesis, . que dá a imagem deste «início».

E quando, precisamente neste texto, lemos da mulher, que a sua estirpe «esmagará a cabeça da serpente» (cf. Gén Gn 3,15), vemos nesta mulher, com a tradição, Maria, apresentada precisamente como imaculada por obra do Filho de Deus, a quem devia Ela dar a natureza humana.

E nós não nos admiramos de que, no início da história do homem, entendida como história da salvação, seja inscrita também Maria, se — como lemos em São Paulo — antes da criação do mundo todo o cristão foi escolhido em Cristo e para Cristo: tanto mais vale isto para Ela!

6. A Imaculada é portanto obra particular, excepcional e única de Deus: «cheia de graça...».

Quando, no tempo estabelecido pela Santíssima Trindade, veio ter com Ela o Anjo e lhe disse «Não tenhas receio... hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo» (Lc 1,30-32) — só Ela, que era «cheia de graça», podia responder assim como então respondeu Maria: «Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38).

526 E Maria respondeu exactamente assim.
Hoje, nesta festa do Advento, louvamos por isso o Senhor.
E damos graças a Ele por isto.
Damos graças porque Maria é «cheia de graça»!
Damos graças pela sua Imaculada Conceição.



SANTA MISSA NA PARÓQUIA ROMANA DA NATIVIDADE

DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO NO BAIRRO ÁPIO-LATINO


Domingo, 14 de Dezembro de 1980




Caros Irmãos e Irmãs

1. Alegro-me de poder estar hoje na vossa paróquia. Na verdade, encontram-se muito perto de nós as festas do Natal do Senhor, e a vossa paróquia é precisamente dedicada à Natividade. É por isto que o período do Advento na vossa comunidade é vivido de modo especialmente profundo, e alegro-me que me seja dado participar hoje neste vosso modo de viver o Advento.

Desejo, primeiro que tudo, saudar cordialmente cada um de vós, começando pelo Senhor Cardeal Vigário que, por meu mandato, tem a responsabilidade do governo pastoral sobre Roma inteira. Com ele saúdo quer o Auxiliar, Dom Giulio Salimei, que precisamente nestes dias está a realizar uma cuidadosa visita pastoral no meio de vós, quer o vosso Pároco com os Sacerdotes do presbitério, que muito oportunamente puseram em prática o ideal de vida em comum, nas formas da coabitação e da partilha do trabalho. Se dirijo a eles, como aos Sacerdotes que estão a colaborar com eles, um merecido elogio por tal testemunho de comunhão, não posso todavia esquecer os Institutos Religiosos presentes e activos na paróquia, e do mesmo modo as várias Comunidades de apostolado laical organizado. Mas depois está a mais vasta Família dos fiéis: não já massa anónima, mas formação vital que, embora de origem relativamente recente, pôde utilizar desde o princípio o zelo exemplar de Mons. Luigi Rovigatti (a quem elevo agora um pensamento saudoso) e percorreu, em pouco mais de 40 anos, longo e positivo itinerário de fé, operando feliz síntese entre os elementos da tradição e os fermentos providenciais do Concílio.

Para vós todos, portanto, caros Irmãos e Filhos, vai agora a minha saudação que deseja ser, e é ao mesmo tempo, expressão de complacência e convite a novo progresso.

2. "És Tu Aquele que está para vir, ou devemos esperar outro?" (Mt 11,3).

527 No actual, terceiro domingo do Advento, a Igreja repete a pergunta, que foi feita a primeira vez a Cristo pelos discípulos de João Baptista: És Tu Aquele que está para vir?

Assim perguntaram os discípulos daquele que dedicou toda a sua missão a preparar a vinda do Messias, os discípulos daquele que "amou e preparou a vinda do Senhor" até à prisão e à morte. Ora nós sabemos que, ao fazerem os discípulos esta pergunta a Jesus, João Baptista se encontra já na prisão, da qual não poderá sair nunca.

E Jesus responde apelando para as Suas obras e as Suas palavras e, ao mesmo tempo, para a profecia messiânica de Isaias:

"Os cegos vêem, / os coxos andam, os leprosos são curados, / os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, / e a Boa Nova é anunciada aos pobres... / Ide contar a João o que estais a ouvir / e a ver" (
Mt 11,5 Mt 11,4).

No centro mesmo da liturgia do Advento encontramos, portanto, esta pergunta dirigida a Cristo e a Sua resposta messiânica.

Se bem que tal pergunta tenha sido feita uma só vez, todavia nós podemo-la fazer sempre de novo. Deve ser feita. E na realidade é feita.

O homem faz a pergunta a respeito de Cristo. Diversos homens, de diversas partes do mundo, de diversos países e continentes, de diversas culturas e civilizações, fazem a pergunta a respeito de Cristo. Neste mundo, em que tanto se fez e sempre se faz para rodear Cristo com a conjura do silêncio, para negar a Sua existência e a Sua missão, ou para as diminuir e deformar, volta sempre de novo a pergunta a respeito de Cristo. Volta, mesmo quando pode parecer que tenha sido já essencialmente posta fora de causa.

O homem pergunta: És Tu, Cristo, Aquele que esta para vir? És Tu Aquele que me explicará o sentido definitivo da minha humanidade? o sentido da minha existência? Serás Tu Aquele que me ajudará a dispor e construir a minha vida de homem, desde os fundamentos?

Assim perguntam os homens, e Cristo constantemente responde. Responde do mesmo modo que respondeu já aos discípulos de João Baptista. Esta pergunta, a respeito de Cristo, é a pergunta do Advento, e é preciso que nós a façamos no interior da nossa comunidade cristã. É a seguinte:

Quem é para mim Jesus Cristo?

Quem é Ele verdadeiramente para os meus pensamentos, para o meu coração e para o meu proceder? Eu, que sou cristão e creio n'Ele, de que maneira conheço ou procuro conhecer Aquele que confesso? Falo d'Ele aos outros? Dou testemunho d'Ele, pelo menos diante dos que estão mais próximos: na casa paterna, no ambiente do trabalho, da universidade ou da escola, em toda a minha vida e no meu comportamento? É exactamente esta a pergunta do Advento, e é preciso que, com base nela, nós nos façamos as aludidas e novas perguntas, porque aprofundam a nossa consciência cristã e assim nos preparam para a vinda do Senhor.

528 3. O Advento volta cada ano, e cada ano prolonga-se por quatro semanas, cedendo depois o lugar à alegria do Santo Natal.

Há, portanto, diversos adventos: há o advento da criança inocente e o advento da juventude irrequieta (muitas vezes crítica); há o advento dos noivos; há o advento dos esposos, dos pais, dos homens aplicados a múltiplas formas de trabalho e de responsabilidade frequentemente grave. Há, por fim, os adventos dos anciãos, doentes, e dos que sofrem ou estão abandonados. Há, este ano, o advento dos nossos compatriotas feridos pela calamidade do terremoto que ficaram sem casa.

Há os diversos adventos. Repetem-se cada ano e todos são orientados para uma direcção única. Todos nos preparam para a mesma realidade. Hoje, na segunda leitura litúrgica, ouvimos aquilo que escreve o apóstolo São Tiago: "Esperai com paciência a vinda do Senhor. Vede como o agricultor aguarda pacientemente o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas. Sede vós também pacientes, dai firmeza aos vossos corações, pois a vinda do Senhor está próxima". E acrescenta depois: "Olhai que o Juiz está em frente da porta" (5, 7-9).

Precisamente tal reflexo devem ter estes adventos nos nossos corações. Devem ser semelhantes à expectativa da colheita. O agricultor espera o fruto da terra por todo o ano ou por alguns meses. A messe da vida humana espera-se, pelo contrário, durante a vida inteira. E cada advento é importante. A messe da terra é recolhida quando está madura, para ser utilizada na satisfação das carências do homem. A messe da vida humana espera o momento em que aparecerá em toda a verdade, diante de Deus e de Cristo, que é juiz das nossas almas.

A vinda de Cristo, a vinda a Belém de Cristo, anuncia também este juízo. Diz ao homem para que fim lhe é dado atingir a maturidade no decurso de todos estes adventos, de que se compõe a sua vida na terra, e como ele deve atingir a maturação.

No Evangelho de hoje Cristo, diante das multidões reunidas, dá o seguinte juízo sobre João Baptista: "Em verdade vos digo: Entre os filhos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista. Mas o menor no Reino dos Céus é maior do que ele" (
Mt 11,11). Os meus votos estão em que nós, caros Irmãos e Irmãs, possamos ver o. momento em que ouviremos palavras semelhantes vindas do nosso - Redentor, como a verdade definitiva acerca da nossa vida.

4. Nesta mensagem do Advento, ligada com a liturgia do hodierno domingo, estou a meditar, juntamente convosco, caros paroquianos da comunidade dedicada à Natividade do Senhor.

É necessário, portanto, tê-la cada um como dirigida a si próprio e é preciso também que todos vós a acolhais na vossa comunidade.

A paróquia, de facto, existe, para que os homens baptizados na comunidade, isto é, ,completando-se e dando-se reciprocamente, se preparem para a vinda do Senhor.

Nesta altura, desejaria perguntar: como se realiza e como deveria realizar-se na comunidade tal preparação para a vinda do Senhor? A resposta poderia ser dupla: de um ponto de vista imediato, pode dizer-se que esta preparação se realiza seguindo "em sintonia" a acção pedagógica da Igreja no período presente, típico do Advento: isto é, aceitando o renovado convite à conversão e meditando o eterno mistério do Filho de Deus que, tendo encarnado no seio puríssimo de Maria, nasce em Belém. Mas, de um ponto de vista mais amplo, não há só o Advento deste ano, ou o Natal, para ser vivido em atitude de mais fervorosa fé; há também a quotidiana, constante, vinda de Cristo à nossa vida, graças a uma presença que se alimenta com a catequese e, sobretudo, com a participação litúrgico-sacramental.

Sei que na vossa paróquia é esta uma das linhas fundamentais da pastoral: há, na verdade, a catequese sistemática permanente segundo as diversas idades, e dedica-se especial cuidado à Sagrada Liturgia. Na realidade, a vida sacramental, quando iluminada por um paralelo e aprofundado anúncio de Cristo, é o caminho pronto para ir ao encontro d'Ele. É na oração e, primeiro que tudo, na participação na Santa Missa dominical que precisamente nos encontramos com Ele. Se bem reflectimos, esta participação é o renovamento, cada semana, da consciência da "vinda do Senhor". Se ela faltasse, tal consciência iria desperdiçar-se, enfraqueceria e depressa ficaria destruída. Por isso desejo dirigir a exortação do Concílio acerca do valor permanente do Domingo, como "festa primordial para ser inculcada na piedade dos fiéis", "para que se reúnam em assembleia para ouvir a Palavra de Deus e participar na Eucaristia" (cf. Const. Sacrosanctum Concilium SC 106).

529 Mas como bem sabemos — Cristo vem a nós também nas pessoas dos irmãos, especialmente dos mais pobres, dos marginalizados e dos afastados. Também a este respeito sei que a vossa Comunidade está empenhada segundo outra linha pastoral, que desenha uma opção precisa e corajosa. Sei, por exemplo, que são muitas as Associações e os grupos eclesiais que praticam o acolhimento evangélico como "sincera atenção a todos os males, tristezas e esperanças do homem de hoje" (cf. Relazione Pastorale, p. 2): sob a coordenação do Conselho Pastoral, essa solicitude floresce em numerosas obras" de assistência, de promoção e de caridade.

Por tudo o que fazeis em beneficio dos anciãos, dos jovens em dificuldades, dos doentes, das famílias necessitadas, como pelo interesse e ajuda que ofereceis à Missão de Matany no Uganda, desejo publicamente exprimir-vos o meu apreço e também o meu "obrigado".

5. E agora permiti-me que eu termine esta meditação sobre o Advento com as palavras sugeridas pelo profeta Isaías:

"Tomai fortes as mãos fatigadas / e robustos os joelhos vacilantes. Dizei aos corações perturbados: / 'Tende coragem. Não vos assusteis. Ai está o vosso Deus!... / Ele próprio vem salvar-vos'" (
Is 35,3-4).

Não falte nunca na vossa vida, caros paroquianos da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo, esta esperança que a sua vinda deposita no coração de cada homem e na qual salutarmente o confirma.



SANTA MISSA POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO


DA MORTE DE SIMÓN BOLÍVAR,


LIBERTADOR DA AMÉRICA DO SUL ESPANHOLA




17 de Dezembro de 1980




Caros Irmãos e Irmãs:

1. Nesta sugestiva moldura da Capela Sixtina reunimo-nos para a celebração da Eucaristia, numa data que tanto significa para vós aqui presentes, representantes dos diversos países latino-americanos e membros da Comunidade da América Latina residente em Roma.

Quisestes reunir-vos junto do altar, em volta do Sucessor de Pedro, na comemoração do 150° aniversário da morte de Simón Bolivar, como fizeram os vossos antepassados com o meu Predecessor, o Papa Pio XI, ao celebrar-se o centenário do mesmo acontecimento.

Nesta singular circunstância, em que revive a recordação de uma figura a quem chamastes «prócere», uno-me com gosto a vós numa homenagem à vossa história humana e cristã, assim como aos vossos respectivos países, dos quais vem em peregrinação até ao Pai uma porção notável da Igreja de Deus. São os países nos quais despendeu a vida e as energias o Libertador, a quem instintivamente é associado o nome de José de San Martin — para não citar senão este —, sobretudo desde o histórico encontro de ambos em Guayaquil.

2. Não se trata de realizar aqui um acto académico em honra de uma pessoa insigne, mas de reflectir, partindo de um ponto de vista cristão — neste acto litúrgico de união com Deus e de comunhão com os irmãos — sobre algumas das lições para o futuro que a comemoração hodierna nos confia como legado, que ultrapassa os confins das nações de pura essência bolivariana.

530 3. Com efeito, a aspiração à unidade dentro da «Pátria grande» ou da Confederação americana - que foi o grande sonho do forjador da independência de boa parte das vossas nações - a qual devia respeitar as diversidades dos vários Estados, constitui chamada integradora que se dirige ao cristão, para este saber discerni-la com justos e serenos critérios.

Não pode negar-se, efectivamente, que — para o fortalecimento da paz, para mais eficaz e harmónico desenvolvimento económico, para maior enriquecimento cultural e espiritual, assim como para poder encontrar-se lugar de conveniente dignidade no concerto internacional — desempenha papel muito importante a capacidade de os diversos povos se associarem devidamente, movidos por um impulso de solidária complementaridade.

4. A Igreja não é indiferente a este problema, mas toma-o sobre si e, no que dela depende, favorece-o com a sua activa colaboração. Por isso, dizia eu mesmo não há muito ao Episcopado latino-americano que, «como o demonstra a história com eloquentes exemplos (a Igreja) foi na América Latina o mais vigoroso factor de unidade e de encontro entre os povos. Continuai pois a prestar todo o vosso contributo, dilectos pastores, para a causa da justiça, de uma bem entendida integração latino-americana, como esperançoso serviço prestado à unidade» (Rio de Janeiro, Discurso no 25° aniversário do CELAM, 8).

Partindo de uma visão da fraternidade universal dos homens sob a paternidade divina — fraternidade que de modo sublime se realiza na participação na mesma mesa eucarística —, e partindo do respeito dinâmico pela vocação integral do ser humano e pelas suas manifestações religiosas, sociais ou culturais, a Igreja está bem consciente do papel harmonizador que pode exercer numa sociedade, sobretudo onde — como é o vosso caso - uma maioria de cidadãos se encontra intimamente vinculada por laços comuns de fé, de língua e cultura.

Por este motivo, o Episcopado latino-americano, válida prova de unidade eclesial e mesmo social nas suas actuações colectivas, proclama no Documento de Puebla: «A Igreja... olha com satisfação para os impulsos da humanidade no sentido da integração e da comunhão universal. Em virtude da sua missão específica, sente-se enviada, não para destruir mas para ajudar as culturas a consolidarem-se no seu próprio ser e identidade, convocando os homens, de todas as raças e povos, a reunirem-se, pela fé, sujeitos a Cristo, no mesmo e único Povo de Deus» (Puebla, 425). É união que não fica portanto só no aspecto religioso, não pretende a simples uniformidade nem absorver as diversas culturas, e muito menos favorece o domínio de um povo ou de um sector social sobre os outros. Mas sem renunciar também à integração justa, nos quadros «de uma grande pátria latino-americana e de uma integração universal» (Puebla, 428).

Nesta linha de solidariedade integradora, são de apreciar e alentar os esforços exercidos pelas Organizações Internacionais da América Latina, que tratam de promover e dar eficaz concretização a essa corrente unificadora no continente latino-americano.

5. Outro dos pontos de reflexão, que a actual comemoração nos oferece, é o amor à liberdade que ela traz consigo. Aquele anelo de construir uma grande nação, «menos por extensão e riqueza do que por liberdade e glória» (Carta de Bolivar, Kingston, 6 de Setembro de 1815), é um repto perenemente válido para as nações e povos da América Latina.

Apesar disso, superada a fase libertadora cujo auge esteve na independência, trata-se agora de ir construindo progressivamente espaços efectivos de autêntica liberdade. Liberdade em harmonia com a lei divina, num clima de solidariedade, de justiça generalizada, de respeito pelos direitos de cada comunidade política, de cada associação legítima e de cada sector ou família. E, como fundamento de tudo isto, dentro do respeito pelos direitos sagrados de cada pessoa e da sua explícita relação com Deus, em particular e em público.

A chamada a essa construção da liberdade deve encontrar eco eficaz — como insistentemente ensina a Igreja — na superação de sistemas económicos e ideologias que não estão ao serviço da dimensão completa do homem e até a sufocam injustamente: «Dado que nem em. tudo aquilo que os diversos sistemas, e também os homens em particular, consideram e propagam como liberdade está a verdadeira liberdade do homem, na mesma medida a Igreja, em virtude da sua missão divina, torna-se guardiã dessa liberdade, que é condição e base da verdadeira dignidade da pessoa humana» (Redemptor Hominis
RH 12 Cf. Discurso Inaugural da Conferência de Puebla, 28 de Janeiro de 1979, III, 2, 3).

Por isso é necessário ter em conta que esta liberdade pessoal e social não passará de mero sonho, se cada comunidade política não souber erigir-se - com as suas normas constitucionais e a sua observância prática — em defensora e promotora da dignidade de cada membro seu, ajudando-o a exercer as suas próprias faculdades começando por evitar toda a forma de justiça ou discriminação; realidades que, por desgraça, não pertencem só ao passado (cf. João Paulo II, Mensagem à Organização das Nações Unidas, 2 de Dezembro de 1978).

6. Neste quadro de reflexões, que obviamente não podem ser exaustivas mas são sugeridas pela ocasião do nosso encontro, não quero deixar de fazer alusão rápida à presença vizinha da Santa Sé naqueles delicados e transcendentais momentos da vossa história.

531 Quando, por exemplo, desde princípios do século passado, primeiro as guerras civis, depois a gesta da independência e as agitações que isso provoca, criam divisões na Igreja e originam o desmantelamento de sés episcopais, a Santa Sé provê, não sem dificuldades e de acordo com a delegação de Ignacio Tejadá, à designação de Bispos «proprietários» que atendam ao bem espiritual da grande Colômbia.

Aquela solicitude pelo bem moral dos vossos povos e pela promoção dos espíritos, que era eloquente prova de presença amigável e alentadora, mantém-se viva com renovada intensidade nos propósitos desta Sé Apostólica. Esta valoriza altamente a vossa condição de nações nobres e cristãs, e quer ajudá-las, com respeito das legítimas instituições e mantendo-se ela fiel às exigências da sua própria missão, para cada um dos seus filhos se realizar no seu duplo esplendor terreno e eterno. É este o significado mais profundo deste nosso encontro diante do altar do Senhor nesta data notável.

7. A Cristo, Príncipe da paz e esperança dos povos, como no-lo apresenta a liturgia neste período do Advento, confiamos estas aspirações durante o Sacrifício eucarístico que estamos a celebrar. Queira Ele conduzir o destino dos vossos países por caminhos de progresso, de concórdia e de rectidão moral.

À Santíssima Virgem Maria, a quem sob múltiplas invocações acodem confiados os fiéis da América Latina conscientes da poderosa intercessão de tão excelsa Mãe, reitero — em vosso favor, no das vossas nações e no dos vossos compatriotas — a mesma súplica que pronunciei quando peregrino em Tepeyac:

«Fazei que todos, governantes e súbditos, aprendam a viver em paz, sejam educados para a paz, façam quanto exigem a justiça e o respeito dos direitos de todo o homem, para que se consolide a paz... A vossa maternal presença, no mistério de Cristo e da Igreja, converta-se em fonte de alegria e de liberdade para cada um e para todos; fonte daquela liberdade por meio da qual 'Cristo nos tornou livres' (
Ga 5,1), e finalmente fonte daquela paz que o mundo não pode dar, pois só a dá Ele, Cristo» (Homilia na Basílica de Guadalupe, 27 de Janeiro de 1979, 5).

Assim seja.





Homilias JOÃO PAULO II 522