Homilias JOÃO PAULO II 732
Legazpi, Filipinas
Sábado, 21 de Fevereiro de 1981
Caros irmãos e irmãs
1. As leituras da liturgia de hoje, ouvidas aqui, tendo como fundo o vosso esplêndido Mayon, assumem especial significado e viva clareza. O cone quase perfeito do Mayon acentua o veredicto de perfeição pronunciado por Deus em relação àquilo que criara.
733 Mas não é somente a beleza da criação que o Mayon recorda. A sua forma faz-nos pensar em mãos em atitude de agradecimento e de aceitação: agradecimento pelo dom da terra a todo o povo, e aceitação de produzir nela o esforço humano do trabalho.
Esperei com impaciência encontrar-me convosco, para trazer-vos esta dupla mensagem: a terra como dom de Deus a todos os homens, e o mistério maravilhoso do trabalho.
2. Porque justamente a vós, caros agricultores? Porque vós sois importantes e tendes lugar especial no plano de Deus para o mundo: vós forneceis o alimento para todos os vossos semelhantes. É tarefa que merece o reconhecimento da dignidade daqueles que nela estão empenhados. Tendes, pois, todo o direito de esperar do Papa, que é vosso pai e irmão e servo em Cristo, uma palavra de encorajamento e de esperança, de orientação e de apoio.
Mas eu desejava tão ardentemente encontrar-me convosco não apenas por este motivo, mas também para proclamar os valores importantes de que a vossa vida dá testemunho. O trabalho rural possui deveras riquezas humanas e religiosas preciosas: amor profundamente radicado da família e da paz, sentido religioso, apreço pela amizade, confiança e abertura para com Deus e devoção Santa Virgem Maria, de maneira particular, no vosso caso, sob o título de Nossa Senhora de Peñafrancia.
Não exaltais, por acaso, estes valores quando cantais:
Kung ang hanap mo ay ligaya sa (Se procuras a felicidade na vida,)
Sa libis ng nayon doou manirahan: (vai viver no campo:)
Taga-bukid nsan ay nsay gintong kalooban, (são camponeses mas têm coração de ouro,)
Kayamanan at dangal ng kabukiran. (tesouro e orgulho da fazenda)?
É um bem merecido tributo de reconhecimento que o Papa deseja exprimir-vos, porque a sociedade é-vos realmente devedora. Obrigado, caros agricultores, pela vossa preciosa contribuição para o bem-estar social dos homens; a sociedade deve-vos muito.
3. A vossa contribuição específica para a sociedade baseia-se na vossa profunda e viva consciência de que a terra é dom de Deus, dom que Ele entrega a todos os homens, que Ele deseja ver reunidos a formarem uma família e a tratarem-se como irmãos e irmãs (cf. Gaudium et Spes GS 24). Tal dom não é, porventura, sublinhado no primeiro capítulo do livro de Génesis? "Deus disse: 'Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento" (Gn 1,29). A terra pertence ao homem porque Deus confiou-a ao homem, e com o seu trabalho o homem submete-a e fá-la dar frutos (cf. Gén Gn 1,28).
734 Que se segue disto? Que não é vontade de Deus — não é segundo o Seu plano — que este dom seja usado de modo tal que os Seus benefícios sirvam para vantagem apenas de poucos, enquanto outros, a grande maioria, são deles excluídos. E quando esta maioria é efectivamente excluída da participação nos beneficies da terra e, portanto, condenada a um estado de inédia, de pobreza e de vida no limite da suficiência, e coisa torna-se extremamente grave.
Neste caso, de facto, a terra não está ao serviço da dignidade da pessoa humana — a pessoa humana chamada à plenitude de vida em Cristo Jesus! Mas é exactamente isto que vós sois e deveis sempre continuar a ser, aos vossos olhos e aos olhos dos outros, na teoria e na prática. Por conseguinte, deveis estar possibilitados de realizar as vossas capacidades humanas capacidade de "ser mais".
Tendes o direito de viver e de ser tratados conforme a vossa dignidade humana; ao mesmo tempo tendes igual dever de tratar os outros da mesma maneira. Devereis então ser capazes de extrair do vosso trabalho nas fazendas os meios necessários e suficientes para enfrentar as vossas responsabilidades familiares e sociais, de maneira humana e cristã válida.
4. No livro de Génesis vemos que "o Senhor levou o homem e colocou-o no jardim do Éden para o cultivar e, também para o guardar" (Gn 2,15). E na nossa leitura de hoje ouvimos a ordem de Deus: enchei e dominai a terra; e dominai sobre toda a criação (cf. Gén Gn 1,28). Que nos dizem estes textos? A linguagem clara da Bíblia diz-nos que é vontade do nosso Criador que o homem se relacione com a natureza como senhor e guardião inteligente e nobre, e não como desfrutador leviano. É isso que se entende quando nos é dito "dominar" e "cultivar" a terra: o principio que dita a linha de acção obrigatória para todos aqueles que são responsáveis pelo problema da terra e nele interessados: pessoas investidas de autoridade pública, técnicos, empresários e trabalhadores.
Relembrando o que disse noutra ocasião, mas adaptando-o a vós e ao vosso pais, gostaria de pedir-vos cultivásseis a terra dos vossos amados filipinos e a conservásseis. Zelai pelos bens da natureza; assegurai-vos que eles rendam mais em favor do homem, do homem de hoje e do homem de amanhã. No que diz respeito ao uso da terra como dom de Deus, é necessário haver grande preocupação pelas gerações futuras, pagar o preço da austeridade para não enfraquecer ou reduzir, e, pior ainda, tornar insuportáveis as condições de vida das futuras gerações. A justiça e a humanidade exigem isto (cf. Homilia em Recife, n. 7; 7 de Julho de 1980).
5. A nossa resposta ao dom de Deus é dada através do esforço e do trabalho do homem. Estes caracterizam a luta do homem no tempo e no espaço para dominar a natureza; são o assunto da minha mensagem especial para vós, meus caros trabalhadores, condutores dos triciclos e dos tractores.
Sinto alegria profunda ao encontrar trabalhadores como vós, porque me recordais aqueles anos da minha juventude em que também eu experimentava a grandeza e a severidade, as horas felizes e os momentos de ansiedade, os sucessos e as frustrações que são inerentes à condição do trabalhador. Agradeço-vos, pois, especialmente que me tenhais oferecido a ocasião de me encontrar convosco.
Reflictamos juntos sobre a dignidade do trabalho, sobre a nobreza do trabalho. Será que vos devo realmente falar sobre isto? Vós conheceis a dignidade e a nobreza do vosso trabalho, vós que trabalhais para viver, para melhorar a vossa vida, para prover ao sustento, à educação e ao bem-estar dos vossos filhos. O vosso trabalho é nobre porque é um serviço às vossas famílias e à comunidade ampliada que é a sociedade. O trabalho é um serviço no qual o mesmo homem cresce na medida em que se doa a si mesmo pelos outros.
6. Por este motivo, uma preocupação fundamental de todos indistintamente — dirigentes, sindicalistas e homens de negócio — deve ser esta: dar trabalho a todos. Mas há um motivo mais profundo pelo qual cada homem tem direito ao trabalho; é para poder cumprir inteiramente a sua vocação humana, ou seja, tornar-se em Cristo uns co-criador com Deus. O homem torna-se mais plenamente homem através do trabalho livremente assumido e realizado. O trabalho não é castigo, é honra. Tornou-se no entanto difícil e fatigante, em consequência do pecado: "Comerás o pão com o suor do teu rosto" (Gn 3,19), mas conserva sempre a sua exaltante dignidade.
Não nos iludamos. Fornecer trabalho ou emprego não é algo a ser assumido superficialmente, ou a considerar como aspecto secundário da ordens económica e do progresso. Deve ser elemento central nos objectivos da teoria e da prática económicas.
7. A justiça, porém, não requer apenas um emprego. A justiça exige ainda que aos trabalhadores seja pago um salário suficiente para manter as próprias famílias de maneira conforme à dignidade humana.
735 Requer, além disso, que as condições de trabalho sejam o mais dignas possível e que a previdência social seja aperfeiçoada de maneira que permita a todos, sob a base de maior solidariedade, afrontar riscos, situações difíceis e ónus sociais; que os salários sejam regulados nas suas diversas formas complementares; e que os trabalhadores tenham real e justa participação na riqueza que ajudam a produzir nas empresas, nas profissões e na economia nacional, Podeis estar certos de que o vosso Papa está convosco no que diz respeito a esta e semelhantes exigências, porque aqui está em jogo o homem.
Existem ainda muitas outras reflexões que gostaria de fazer juntamente convosco, caros irmãos e irmãs. Mas devemos prosseguir o Santo Sacrifício da Missa. No entanto, ainda uma vez permiti-me fazer um apelo: não vos esqueçais nunca da grande dignidade que vós, como seres humanos e como cristãos, deveis imprimir ao vosso trabalho, ainda que seja o mais humilde, ainda que seja o mais insignificante. Não permitais que o trabalho vos degrade, mas antes procurai viver totalmente a vossa verdadeira dignidade, segundo a palavra de Deus e o ensinamento da Igreja. Sim, do ponto de vista da fé, o trabalho corresponde à vontade de Deus Criador. Faz parte do plano de Deus para o homens e para a realização da pessoa humana; com o trabalho é dado ao homem uma participação no trabalho de Deus, que é a Criação. E do ponto de vista da fé, o trabalho é imensamente enobrecido por Jesus Cristo, o Redentor do homem.
Com o seu trabalho de carpinteiro em Nazaré e com os seus muitos outros trabalhos, Ele santificou todo o trabalho humano, conferindo deste modo aos trabalhadores especial solidariedade com Ele mesmo e dando-lhes uma participação no Seu trabalho redentor destinado a elevar a humanidade, a transformar a sociedade e a guiar o mundo, para louvor do Seu Pai que está nos céus. Tudo isto sublinha também a necessidade de que o trabalho seja bem feito e sublinha ainda a obrigação de os trabalhadores executarem as suas tarefas com consciência e segundo as exigências da justiça e do amor.
Amados irmãos e amadas irmãs em Cristo: O Papa convida-vos a rezar com ele e com a Igreja universal, para que todos os agricultores e trabalhadores do mundo vivam a sua dignidade, realizem a sua função dignamente e contribuam para a construção do Reino de Deus, para a glória da Santíssima Trindade. E continue Nossa Senhora de Peñafrancia e amar-vos, consolar-vos e proteger-vos, a vós, vossas famílias e ao vosso País. Assim seja.
Burnham Park, Baguio City, Filipinas
22 de Fevereiro de 1981
Caros irmãos e irmãs em Cristo
1. É para mim uma alegria celebrar convosco a Sagrada Eucaristia, vir a vós entre as vossas belas montanhas, para ser alimentado pela Palavra de Deus e pelo Pão da Vida e unir-me a vós para dar glória e louvor, honra e graças à Santíssima Trindade.
A liturgia da Palavra fala hoje da especial dignidade conferida a todos aqueles que "são de Cristo" (1Co 3,23). Somos convidados a meditar o profundo mistério que nos diz respeito em relação ao baptismo; o mistério de como, mediante a água e o Espírito Santo, nos tornamos habitação de Deus. "Vós sois templos de Deus — escreve São Paulo — o Espírito de Deus habita em vós" (1Co 3,16). Do facto, este é um mistério de fé. Pois, enquanto permanecemos membros de um particular povo e nação, herdeiros de uma única cultura e descendência, ao mesmo tempo, pela infinita misericórdia de Deus, tornamo-nos "concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, com Cristo por pedra angular. N'Ele qualquer construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo no Senhor" (Ep 2,19-21).
2. Desejei de modo particular esta ocasião de estar com as populações das "Províncias Montanhosas", de me encontrar convosco, membros das tribos de Isneg, Kalinga, Bontoc, Ifugao, Kankany e Ibaloy. Vós, populações nativas desta bela região ao norte de Luzon, como igualmente outras tribos filipinas, apresentais rica diversidade de culturas a vós transmitidas pelos vossos pais e antepassados, e que remontam a tempos anteriores através de inúmeras gerações. Tende sempre profunda estima a esses tesouros culturais que a divina providência vos concedeu em herança. Possam, além disso, esses tesouros, que constituem a vossa herança, ser sempre respeitados pelos outros; que a vossa terra, as vossas boas tradições de família e as vossas estruturas sociais possam ser protegidas, conservadas e enriquecidas!
Meus irmãos e irmãs em Cristo, vós descobristes como o Evangelho não põe em perigo a sobrevivência das vossas culturas, nem destrói as vossas genuínas tradições. Tudo o que é verdadeiramente humano, tudo o que contribui para o bem-estar e o aperfeiçoamento da pessoa humana, consolidado pelo Evangelho e intensificado pela fé em Cristo. Não poderia ser diversamente, pois Cristo é o modelo e a origem da nova humanidade, o "primogénito de toda a criatura" (Col 1,15). Dado que estais a enfrentar os problemas de hoje conexos com o crescimento social e económico do vosso País, asseguro-vos que a Igreja está convosco ao querer que seja defendido o carácter típico da vossa cultura e oxalá participeis nas decisões que envolvem a vossa vida e a dos vossos filhos.Com efeito, a Igreja nunca se dissocia dos problemas temporais dos próprios membros. Ela permanece junto do pobre e daquele que sofre; quer a justiça e a paz; interessa-se pelas concretas necessidades do fiel. Em tudo isto, porém, a Igreja não esquece nunca a prioridade da sua missão espiritual, recordando-se de que o seu fim último é o de guiar todos os homens e mulheres à eterna salvação em Cristo.
736 3. Permiti-me também falar-vos da actividade missionária da Igreja, e reflectir sobre os frutuosos resultados por ela conseguidos aqui, no vosso País. Ao ver esta vasta multidão, não posso deixar de recordar os generosos missionários, homens e mulheres, que deixaram a sua terra natal a fim de anunciar o Evangelho no vosso meio. Eles aceitaram muitos sacrifícios pessoais e suportaram grandes sofrimentos para realizar esse trabalho, para vos trazer o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. E os seus esforços não foram em vão! Quando a mensagem de Cristo vos foi anunciada, "aceitaste-a — como diz São Paulo — não como palavra de homens, mas como Palavra de Deus, a qual opera eficazmente em vós, que crestes" (1Th 2,13). Alegro-me convosco deste maravilhoso trabalho da graça! Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo e da Sua Igreja agradeço aos missionários a sua fé e os seus contínuos esforços e perseverante trabalho.
É animador ver a vitalidade da Igreja nas Filipinas: ver, par exemplo, a participação activa realizada pelos leigos; o contributo dado pelos catequistas, pelos assistentes sociais e por tantos outros; e o papel indispensável das famílias cristãs, cada uma a seu modo, ao fazer progredir o Reino de Deus. Há além disso a fundação de numerosas escolas e universidades católicas, de instituições de saúde ou correspondentes a outras necessidades, e a fundação de Seminários como se pode ver aqui em Baguio City. Tudo isto está a testemunhar quanto a Palavra de Deus tem frutificado e qual é a profundidade da vossa fé no Senhor. Alegro-me especialmente porque muitos filipinos responderam a Cristo que os chamava a servir a Igreja como sacerdotes e religiosos, não na pátria, mas também em outros Países. E claro que a actividade missionária da Igreja produziu, na vossa terra, abundantes frutos.
4. Meus irmãos e irmãs, agradecido pela maneira como respondestes de todo o coração ao Evangelho, desde quando ele foi pela primeira vez anunciado no meio de vós, e estimulado pelo mandato missionário que nos foi dado por Cristo, quero exprimir-vos o meu especial desejo: que os filipinos se tornem os principais missionários da Igreja na Ásia. Para tanto, quereria fazer minhas as palavras a vós dirigidas por Paulo VI quando da sua visita pastoral nas Filipinas: "Neste momento não se pode deixar de pensar na importância do chamamento das populações filipinas; esta terra tem, de facto, vocação especial para ser uma cidade situada sobre um monte ou a lâmpada posta no alto (cf. Mt Mt 5,14-15) a dar testemunho luminoso, entre as antigas e nobres culturas da Ásia. Tanto no piano individual como ao nível de Nação, deveis manifestar com o exemplo da vossa vida, a luz de Cristo" (29 de Novembro de 1970).
Entre todos os vossos vizinhos nesta parte do mundo, vós, cidadãos das Filipinas, ocupais um lugar privilegiado. Só o vosso País é em maioria cristão; representais mais de metade de todos os católicos da Ásia. Ao considerar isto, pergunto-vos: não foi talvez o Senhor da história que vos destinou a ter una papel preeminente no esforço missionário da Igreja nesta região? Não foi Ele que vos preparou para dar vivo testemunho entre as antigas e nobres culturas da Ásia? As últimas palavras pronunciadas por Jesus aos discípulos não assumem para vós especial importância neste momento: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura" (Mt 16,15)?
Este é o meu sincero desejo e a minha fervorosa oração: que vós, meus irmãos e irmãs das Filipinas, possais ocupar o lugar que vos compete na vanguarda do esforço missionário da Igreja, especialmente aqui, na Ásia. Por isso, exprimo o meu profundo apreço pela recente fundação da Sociedade Missionária das Filipinas; do mesmo modo louvo a obra de evangelização da Rádio Veritas. Que Deus abençoe copiosamente estas iniciativas! E cada um de vós — que vos tornastes templo de Deus mediante o baptismo — possa contribuir para a proclamação do Evangelho, na maneira que lhe é possível.
Proclamai, com a palavra e com as acções, que Jesus Cristo é "o caminho, a verdade e a, vida" (Jn 14,6), que Jesus Cristo é o Senhor!
Agaña, 23 de Fevereiro de 1981
Queridos irmãos e irmãs
1. "Um só é o mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que Se deu em resgate por todos..." (1Tm 2,5-6). Nestas palavras da segunda leitura, é expresso clara e vigorosamente o motivo desta nossa reunião. Deus, nosso amado Pai, demonstrou o seu abundante amor por nós, seus filhos, permitindo que o seu próprio Filho fosse o nosso resgate, determinando-o como único mediador da nova e eterna aliança. Sentado à direita do Pai, Cristo exerce uma missão de salvação universal missão que se estende a toda a humanidade,
2. Assim, foi confiada à Igreja, como Corpo de Cristo, a missão de proclamar o Evangelho que tem dimensões universais. Porque na misteriosa providência de Deus, ela foi chamada a participar no trabalho de salvação de modo que o desejo do Salvador de "que todos os homens se salvem" (1Tm 2,4), possa ser realizado em todo o mundo.
Por vezes este trabalho parece ser opressivo, mas assim a Igreja compreende que a palavra colocada nos seus lábios é a chave para a compreensão do significado da nossa existência terrena. E portanto uma alegria incomparável enche os corações do clero, dos religiosos e dos leigos quando se ouve o mandato do Divino Mestre outra vez no nosso tempo: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura" (Mc 16,15).
737 Sim, sob a orientação do Espírito Santo, sempre presente para consolar e inspirar, a Igreja proclama, antes de tudo à comunidade cristã e depois a toda a humanidade, a maravilhosa notícia de que Jesus é a nossa Paz, Jesus é a nossa Esperança, Jesus é o Caminho para a vida eterna.
3. A evangelização é a essência da actividade da Igreja no mundo.Nisto consiste a sua vocação, aqui tem início o seu trabalho, aqui está o seu grande desafio. O meu predecessor Paulo VI explicava este ponto de modo muito eloquente na sua Exortação Apostólica sobre a Evangelização: "A Igreja fica no mundo, quando o Senhor da glória volta para o Pai. Ela fica aí como um sinal, a um tempo opaco e luminoso, de uma nova presença de Jesus, sacramento da sua partida e da sua permanência. Ela prolonga-o e continua-a. Ora, é exactamente toda a sua missão e a sua condição de evangelizadora, antes de mais nada, que ela é chamada a continuar" (Evangelii Nuntiandi EN 15).
4. A Igreja transmite ao mundo uma fé viva visto que, quando anuncia, ensina ou baptiza, Cristo se torna presente naquele acontecimento. Por conseguinte, o Evangelho que deve ser anunciado é sempre novo, tocando cada geração sucessiva com vigor e vitalidade e convidando cada pessoa a uma relação profundamente pessoal com Cristo. E esta qualidade dinâmica do Evangelho nunca tem fim, porque o crente é chamado a uma contínua conversão do espírito e do coração de modo a conformar-se mais fielmente ao espírito e ao coração de Cristo. Ao mesmo tempo, que tremendo privilégio é conferido àqueles que são chamados a serem arautos do Evangelho! Que extraordinária satisfação se descobre no comunicar Cristo aos outros!
5. Já falei, à minha chegada a Guam, da divida de gratidão para com aqueles que, com espírito evangelizador, se dedicaram com abnegação a comunicar a fé de Cristo. O vigoroso testemunho de um missionário, Padre Luís Diogo San Vitores, por exemplo, continua a inspirar-nos hoje. E quão maravilhosa foi a resposta daqueles que escutaram a palavra de Deus através da pregação do missionário! Com a celebração da primeira Missa aqui em 1521, as sementes da fé começaram a lançar raízes nos corações do povo Chamorro. Em 1668, o seu apreço pelo Evangelho foi manifestado pelo generoso dom do Chefe Quipuha que ofereceu a terra sobre a qual foi construída a primeira Catedral. E aquela mesma Catedral tornou-se o símbolo da dedicada perseverança da fé do povo, visto que foi necessário reconstruir a Igreja várias vezes, sendo por última nesta nossa época. Sim, a história da fé em Guam possui um notável primado no fiel testemunho dos homens e das mulheres que viveram o Evangelho em palavras e em factos durante mais de três séculos, até esta mesma assembleia litúrgica.
6. Mas não devemos contentar-nos com exaltar uma herança gloriosa do passado sem dirigir a nossa atenção para as exigências do momento presente. O nosso Credo não pode nunca ser considerado como propriedade preciosa só para ser admirada e depois guardada por segurança. Pelo contrário, devemos exprimir o nosso Amém naquilo que julgamos, pondo em prática a nossa fé na vida de todos os dias.
Por conseguinte, não devemos limitar as nossas considerações sobre a evangelização à simples difusão da fé nas várias áreas geográficas do mundo ou entre as diversas culturas. Devemos também atender a que o trabalho de evangelização atinja todos os aspectos da vida humana, modificando "os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que os apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação" (Evangelii Nuntiandi EN 19).
A este respeito desejo salientar o papel essencial que a família desempenha no trabalho da evangelização. A família, como nos ensinou o Concílio Vaticano II, é uma "íntima comunidade de vida e de amor" (Gaudium et Spes GS 48). Os cônjuges, ao modelar o seu amor conjugal segundo o exemplo de Cristo, cultivam no lar os valores cristãos de ternura, compaixão, paciência e compreensão; estes, por sua vez, dão origem a um estilo de vida que, de per si, comunica a mensagem do Evangelho. Estes valores são depois infundidos e fomentados nos filhos que nascem deste amor conjugal. Assim, a família torna-se a primeira escola de vida cristã, onde se alimenta o amor a Cristo, à sua Igreja e ao seu apelo à santidade.
Ao mesmo tempo, é na família que tem lugar o crescimento necessário das vocações para o sacerdócio e para a vida religiosa. Os pais deveriam estar atentos aos primeiros sinais destas vocações e rezar para que, com a graça de Deus, os seus filhos ou filhas perseverem neste chamamento. Que bênção maior poderia ter uma família do que ver os seus esforços de viver o Evangelho coroados de êxito, com o chamamento de um dos próprios filhos para um serviço de pregação e de ensino da Boa Nova, durante toda a sua vida!
7. Sobre todos os baptizados, pois, "a glória do Senhor levanta-se" (Is 60,1), estimulando todos os crentes a participarem desta luz em toda a parte e em todos os tempos.Esta luz do Evangelho não se pode apagar, ainda que as trevas cubram realmente os valores e as prioridades do mundo. Mas, mediante a perseverança e a oração, os crentes recebem a graça de reflectir a verdade que é Cristo, de modo que "a sua glória iluminará" (Is 60,2). Então, sejamos constantes na fé, conformando-nos segundo o exemplo daqueles eminentes evangelizadores que nos precederam. Não nos deixemos nunca desencorajar nem desesperar, porque Cristo está connosco para confirmar e revigorar todos os nossos esforços em defesa do Evangelho.
8. Aqui, nesta Eucaristia, celebramos a realidade profunda da universalidade da Igreja. Dando o seu Corpo e o seu Sangue para participarmos deles, Jesus predispõe-nos ao mesmo tempo a abrirmo-nos e a acolhermos todos os homens e mulheres como irmãos e irmãs. A nossa comunhão em Cristo, leva-nos pois a compartilhar com cada pessoa o maravilhoso mistério da vida de Cristo que nos foi dada. Ao recebermos o Pão da Vida, assumimos o desejo de Cristo de que "todos os homens se salvem' (1Tm 2,4).
Visto que uma vez mais nos aproximamos daquele santíssimo momento no qual o pão e o vinho se transformam no Corpo e no Sangue do nosso Salvador, renovemos o nosso propósito de levar a presença da sua palavra para as nossas casas e comunidades, para os nossos escritórios e lugares de trabalho, para onde quer que formos e em tudo o que fizermos. E, penetrados pelo calor do amor eucarístico de Cristo, procuremos modos mais eficazes para proclamar a mensagem daquele amor a todas as pessoas que encontrarmos.
738 Meus irmãos e minhas irmãs, deixai que a luz do Evangelho de Cristo resplandeça através das vossas palavras e acções. Elevai os vossos olhos para Jesus, chamando constantemente a atenção do mundo para ele. Alegrai-vos sempre com a certeza de que Jesus está com a sua Igreja; de que a sua oração será plenamente satisfeita; e de que ele faz novas todas as coisas. E portanto, com "corações palpitantes e dilatados" (cf. Is Is 60,5), cantemos o nosso louvor ao Pai pelo amor que derramou sobre nós em Jesus Cristo seu Filho, "que se deu em resgate por todos" (1Tm 2,6). Amém.
Terça-feira, 24 de Fevereiro de 1981
1. "Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou" (Jn 14,27). Estas são as palavras de Cristo aos Apóstolos e repetimos estas Suas palavras todos os dias na Missa antes da Comunhão.
Deste modo, Cristo mesmo diz cada dia estas palavras e diariamente compartilha connosco a Sua paz, assim como o faz com o Seu Corpo e o Seu Sangue sob as espécies Eucarísticas.
Todos os dias, portanto, recebemos de Cristo a Sua paz para a dar aos outros.
Isto já se realiza durante a liturgia, quando, às palavras "A paz esteja convosco", estendemos as nossas mãos às pessoas que estão junto de nós e exprimimo-lhes uma aproximação fraterna, o nosso desejo de paz e de amor.
Deste lugar, onde é celebrada a liturgia Eucarística, o sinal de paz difunde-se em ondas sucessivas ao povo, às famílias, aos vizinhos, às nações, e a toda a família humana.
Cristo nosso Senhor é o eterno doador de Paz, daquela paz que o mundo não pode oferecer porque o mundo não a conhece (cf. Jo Jn 14,27).
2. Amados irmãos e irmãs!
Venho a vós em nome de Cristo. Em nome de Cristo cheguei ontem a esta longínqua ilha, a esta grande cidade, capital da vossa nação e do Império, cidade que é também uma das Sedes da Igreja no Japão.
Venho a vós como peregrino, seguindo o caminho da Boa Nova aqui anunciada há séculos e acolhida como a mensagem do amor de Deus pelos homens, como a mensagem de paz. "Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16). E é precisamente em nome daquele Cristo — o Filho do Deus eterno e ao mesmo tempo nosso Irmão e Filho de Maria de Nazaré — que estou aqui no meio de vós e digo: "A paz esteja convosco".
739 3. Digo-o a cada um de vós e a todos. A Paz é um bem precioso do coração humano. Deste modo, portanto, dirijo-me aos vossos corações e desejo a cada um de vós a paz do coração.
A paz da boa consciência.
Esta é aquela paz interior, o dom da graça e o fruto das boas obras, que enche as nossas vidas de alegria e felicidade. Por amor a esta paz desejo pedir convosco, para todos os irmãos e irmãs na vossa Igreja no Japão e em todas as suas ilhas: A paz do coração.
4. Quando no meio de vós e convosco celebro a Eucaristia de nosso Senhor Jesus Cristo, desejo que todos vós encontreis nela a paz com o nosso próximo.
Paz: fruto de justiça. Paz: fruto de amor. Como é facilmente violada esta paz!
Com muita frequência as pessoas separam-se, embora fisicamente vizinhas, até na própria família!
Oxalá Cristo nos conceda a capacidade de permanecer em paz com os outros! Realizem-se em nós as palavras do Seu Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os pacíficos" (Mt 5,9).
Talvez possamos aprender a construir a paz e a construir na paz a sociedade das nossas famílias, do nosso próximo, dos nossos lugares de trabalho, das nossas escolas, dos nossos escritórios e fábricas.
Cristo, o pacificador, dá aos povos desta terra a bênção de paz. Oxalá eles colaborem com ela, mediante a justiça e o amor em todas as circunstâncias da vida!
5. E assim, cheguei à terra que conheceu o grande horror da destruição durante a última guerra.
O nome da cidade japonesa de Hiroxima tornou-se símbolo das ameaças, para as quais toda a humanidade se volta, dado que não consegue vencer a terrível tentação de dominar os outros com meios de total destruição nuclear.
740 Aqui, onde a lembrança e os sinais da explosão da primeira guerra atómica são vivos e evidentes, as palavras de Cristo não podem deixar de assumir particular vigor: A paz esteja convosco!
Estas palavras devem tornar-se um grito de alerta. Devem reevocar todo o horror da última advertência. Devem ser um apelo, um categórico apelo a toda a colaboração possível dós povos para a paz no mundo.
À colaboração dos povos de todas as línguas, nações, raças e religiões; dos povos de todos os Estados e de todas as gerações. Cristo diz: "Dou-vos a minha paz".
Quanto ainda nos resta fazer a fim de que este dom da paz possa ser alcançado; não venha a ser destruído pela nossa covardia ou má vontade; se possa evitar que a humanidade reviva uma nova Hiroxima.
6. No centro da grande cidade, no Japão, todos os dias Cristo se dirige a nós e diz: A paz, esteja convosco! Ele di-lo ao povo humilde, afectuoso e gentil, aos filhos e às famílias da Sua terra que são sensíveis, de modo particularmente significativo, à beleza do mundo e à ordem que orienta a natureza.
O homem é chamado por Deus a rejubilar com esta beleza, a compartilhar esta ordem.
O coração humano deve pulsar tranquilamente ao ritmo de toda a criatura, através da qual o Criador lhe fala.
Mas o coração humano é inquieto... e não pode encontrar paz (como escreveu o grande Agostinho) enquanto não repousar em Deus.
7. Aos corações dos filhos e das filhas do Japão, desejo hoje repetir as palavras de Cristo sobre a paz, e, ao repeti-las na grande oração eucarística, exprimo esta esperança: que estes corações possam, mediante Cristo, encontrar paz em Deus! Aquela paz que o mundo não pode dar. Amém.
Homilias JOÃO PAULO II 732