Homilias JOÃO PAULO II 1452


SOLENIDADE DOS SANTOS PEDRO E PAULO


CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA E


IMPOSIÇÃO DO SAGRADO PÁLIO


Quinta-feira, 29 de Junho de 2000




1. "E vós, quem dizeis que Eu sou?" (Mt 16,15).

Jesus dirige aos discípulos esta pergunta acerca da sua identidade, enquanto se encontra com eles na alta Galileia. Muitas vezes acontecera que eram eles a dirigir interrogativos a Jesus; agora é Ele que os interpela. A sua pergunta é específica e espera uma resposta. Simão Pedro toma a palavra em nome de todos: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (Mt 16,16).

A resposta é extraordinariamente lúcida. Nela se reflecte de modo perfeito a fé da Igreja. Nela nos reflectimos também nós. De modo particular, reflecte-se nas palavras de Pedro o Bispo de Roma, por vontade divina seu indigno sucessor. E à volta dele e com ele, reflectis-vos nessas palavras, queridos Arcebispos Metropolitanos, aqui vindos de tantas partes do mundo para receber o Pálio na solenidade dos Santos Pedro e Paulo.

A cada um de vós dirijo a minha mais cordial saudação que, de bom grado, faço extensiva a quantos vos acompanharam a Roma e às vossas Comunidades, que nesta solene circunstância estão espiritualmente unidos a nós.

2. "Tu és o Cristo!". À confissão de Pedro Jesus replica: "És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas o Meu Pai que está nos céus" (Mt 16,17).

És feliz, Pedro! Feliz, porque esta verdade, que é central na fé da Igreja, não podia emergir na tua consciência de homem, senão por obra de Deus. "Ninguém disse Jesus conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11,27).

Reflictamos sobre esta página evangélica particularmente densa: o Verbo encarnado revelara o Pai aos seus discípulos; agora é o momento em que o próprio Pai lhes revela o seu Filho unigénito. Pedro acolhe a iluminação interior e proclama com coragem: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo"!

1453 Estas palavras nos lábios de Pedro provêm do profundo do mistério de Deus. Revelam a verdade íntima, a própria vida de Deus. E Pedro, sob a acção do Espírito divino, torna-se testemunha e confessor desta soberana verdade. A sua profissão de fé constitui assim a sólida base da fé da Igreja: "Sobre ti edificarei a minha Igreja" (Mt 16,18). Sobre a fé e a fidelidade de Pedro está edificada a Igreja de Cristo.

Disto estava bem consciente a primeira comunidade cristã que, como narram os Actos dos Apóstolos, quando Pedro esteve encerrado na prisão, se recolheu para elevar a Deus uma ardente oração por ele (cf. Act Ac 12,5). Ela foi ouvida, porque a presença de Pedro ainda era necessária à comunidade que dava os seus primeiros passos: o Senhor enviou o seu anjo para o libertar das mãos dos perseguidores (cf. ibid., 12, 7-11). Estava escrito nos desígnios de Deus que Pedro, depois de ter durante muito tempo confirmado na fé os seus irmãos, haveria de receber o martírio aqui em Roma, juntamente com Paulo, o Apóstolo das nações, também ele muitas vezes salvo da morte.

3. "O Senhor assistiu-me e deu-me forças a fim de que a palavra fosse anunciada por mim e os gentios a ouvissem" (2Tm 4,17). São palavras de Paulo ao fiel discípulo Timóteo: escutámo-las na segunda Leitura. Elas dão testemunho da obra nele realizada pelo Senhor, que o tinha escolhido como ministro do Evangelho, "alcançando-o" na via de Damasco (cf. Fl Ph 3,12).
Envolvido numa luz fulgurante, o Senhor se lhe havia apresentado dizendo: "Saulo, Saulo, por que Me persegues?" (Ac 9,4), enquanto uma força misteriosa o lançava por terra (cf. ibid., v. 5).

"Quem és Tu, Senhor?", perguntara Saulo. "Eu sou Jesus, a quem tu persegues!" (ibid.). Foi esta a resposta de Cristo. Saulo perseguia os sequazes de Jesus e Jesus fez-lhe tomar consciência de que era Ele mesmo a ser perseguido neles. Ele, Jesus de Nazaré, o Crucificado, que os cristãos afirmavam ter ressuscitado. Se, agora, Saulo experimentava a sua poderosa presença, era claro que Deus O tinha deveras ressuscitado dos mortos. Era precisamente Ele o Messias esperado por Israel, era Ele o Cristo vivo e presente na Igreja e no mundo!

Unicamente com a sua razão, Paulo teria podido compreender tudo aquilo que um tal evento comportava? Certamente, não! De facto, fazia parte dos desígnios misteriosos de Deus. Será o Pai a dar a Paulo a graça de conhecer o mistério da redenção, operada em Cristo. Será Deus a permitir-lhe entender a estupenda realidade da Igreja, que vive por Cristo, com Cristo e em Cristo. E ele, que se tornou partícipe desta verdade, não cessará de a proclamar incansavelmente até aos extremos confins da terra.

De Damasco Paulo iniciará o seu itinerário apostólico, que o levará a defender o Evangelho em tantas partes do mundo então conhecido. O seu impulso missionário contribuirá assim para a realização do mandato de Cristo aos Apóstolos: "Ide, pois, ensinai todas as nações... " (Mt 28,19).

4. Caríssimos Irmãos no Episcopado vindos para receber o Pálio, a vossa presença põe em eloquente ressalto a dimensão universal da Igreja, que derivou do mandato do Senhor: "Ide... ensinai todas as nações" (Mt 28,19).

Com efeito, provindes de quinze Países de quatro continentes, e fostes chamados pelo Senhor a ser Pastores de Igrejas Metropolitanas. A imposição do Pálio ressalta bem o particular vínculo de comunhão, que vos une à Sé de Pedro e manifesta a índole católica da Igreja.

Todas as vezes que vestirdes estes Pálios, recordai, Irmãos caríssimos, que como Pastores somos chamados a salvaguardar a pureza do Evangelho e a unidade da Igreja de Cristo, fundada sobre a "rocha" da fé de Pedro. A isto nos chama o Senhor; esta é a nossa irrenunciável missão de guias previdentes do rebanho que o Senhor nos confiou.

5. A plena unidade da Igreja! Sinto ressoar em mim a recomendação de Cristo. Trata-se duma recomendação mais do que nunca urgente neste início de novo milénio. Por isto oramos e trabalhamos sem jamais nos cansarmos de esperar.

1454 Com estes sentimentos, abraço e saúdo com afecto a delegação do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, vinda para celebrar connosco a memória litúrgica de Pedro e de Paulo. Obrigado, venerados Irmãos, pela vossa presença e pela vossa cordial participação nesta solene Celebração litúrgica. Deus nos conceda chegarmos quanto antes à plena unidade de todos os crentes em Cristo.

Obtenham-nos este dom os Apóstolos Pedro e Paulo, que a Igreja de Roma recorda neste dia, no qual se faz memória do seu martírio e, por isso, do seu nascimento para a vida em Deus. Por causa do Evangelho eles aceitaram sofrer e morrer e se tornaram partícipes da ressurreição do Senhor. A sua fé, confirmada pelo martírio, é a mesma fé de Maria, a Mãe dos crentes, dos Apóstolos, dos Santos e Santas de todos os séculos.

Hoje a Igreja proclama de novo a sua fé. É a nossa fé, a imutável fé da Igreja em Jesus, único Salvador do mundo; em Cristo, o Filho de Deus vivo, morto e ressuscitado por nós e para a humanidade inteira.





MISSA AOS FIÉIS DA


PEREGRINAÇÃO NACIONAL JUBILAR DA POLÓNIA


Quinta-feira, 6 de julho de 2000




1. "Aclamai o Senhor, toda a terra" (Sl 66/67, 1). Esta invocação ressoa daqui, deste lugar, da porta aberta do ano do Grande Jubileu. E a ela respondem não só as pessoas individualmente, mas também inteiros povos e nações. De várias partes da Europa e do mundo chegam as peregrinações nacionais, para prestarem glória e honra a Deus, aqui no coração da Igreja. Hoje, Roma acolhe a peregrinação da Polónia.

As minhas cordiais boas-vindas dirigem-se a todos vós. Saúdo o Senhor Cardeal Primaz, os Senhores Cardeais de Cracóvia e Vratislávia, os Arcebispos, os Bispos, os sacerdotes, as religiosas e os fiéis de inúmeras paróquias e comunidades. Saúdo os representantes das Autoridades do Estado e das regiões territoriais tendo à frente o Senhor Presidente, o Senhor Primeiro-Ministro, os Presidentes do Parlamento e do Senado. Que a abundância das graças jubilares se torne a parte de todos os peregrinos aqui presentes! Obtenham-na também as vossas famílias e os vossos entes queridos na Pátria e no mundo.

2. "Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje, e será sempre o mesmo!" (He 13,8). A Ele queremos ligar o nosso futuro. Só Ele é a Porta e somente Ele tem palavras de vida eterna. Este é o sentido mais profundo do Grande Jubileu: este é o tempo do retorno às raízes da fé e contemporaneamente da entrada no futuro, através da Porta que é Cristo. De facto, n'Ele, no Filho de Deus encarnado, realiza-se o eterno mistério da eleição do homem por parte de Deus o mistério que hoje o Apóstolo Paulo manifesta aos nossos olhos, enquanto escreve: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo: Ele nos abençoou com todas as bênçãos espirituais, no céu, em Cristo. Ele nos escolheu em Cristo antes de criar o mundo para que sejamos santos e sem defeito diante d'Ele" (Ep 1,3-4). Seguindo o pensamento do Apóstolo, conhecemos o que é este eterno plano de Deus em relação ao homem, que por Ele foi criado à sua imagem e semelhança.

Ao criá-lo deste modo, desde o início Deus tornou o homem semelhante ao seu Filho e uniu-o a Ele. Se neste Ano jubilar recordamos de modo particular o nascimento do Filho de Deus ocorrido há dois mil anos, mediante este evento, o maior na história da humanidade, encontramo-nos no limiar do mistério que abrange cada um e todos: o Filho de Deus fez-se Homem, a fim de que, n'Ele e por Ele, nos tornássemos filhos adoptivos de Deus. De facto, quando "chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho. Ele nasceu de uma mulher, submetido à Lei para resgatar aqueles que estavam submetidos à Lei, a fim de que fôssemos adoptados como filhos". São palavras de São Paulo, contidas na Carta aos Gálatas (4, 4-5). Se hoje fazemos a peregrinação à Porta Santa do Grande Jubileu, fazemo-la antes de tudo para reconhecer a grande graça da filiação adoptiva de Deus que, mediante o nascimento de Cristo, se tornou parte do homem.

Como escreve São Paulo recebemos esta graça de Deus para sermos "santos e sem defeito diante d'Ele" (Ep 1,4) e "o louvor da Sua glória" (Ibid., v. 12). Não se pode alcançar a santidade, não é possível existir para a glória de Deus senão por meio de Cristo, com Cristo e em Cristo. N'Ele, "por meio do sangue de Cristo, é que fomos libertos e n'Ele as nossas faltas foram perdoadas, conforme a riqueza da Sua graça" (Ep 1,7). Por isso, neste Ano jubilar a Igreja conduz-nos de modo particular ao longo do caminho da penitência e da reconciliação, a fim de que com confiança nos aproximemos de Cristo e bebamos nas inexauríveis fontes da sua misericórdia. "Ele perdoa todas as nossas culpas, cura todas as nossas enfermidades, salva do abismo a nossa vida, coroa-nos de graça e de misericórdia" (cf. Sl Ps 102 [103], 3-4). Se hoje a Igreja nos chama à antiga prática da indulgência e a ela nos exorta, fá-lo precisamente porque o tempo do Jubileu é particularmente propício, para que o homem abra o seu coração à acção desta graça que brota do Coração aberto do Redentor.

São Paulo escreve: Cristo "é a garantia da nossa herança, enquanto esperamos a completa libertação do povo que Deus adquiriu para o louvor da Sua glória" (Ep 1,14). Como então não aproveitar a graça deste tempo que nos aproxima de Cristo e nos permite participar, de maneira mais plena, na herança que Deus preparou para nós na Sua glória?

3. Certa vez, em Nazaré, Cristo disse de Si, como escutámos no Evangelho de hoje: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos, e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor... Hoje cumpriu-se esta passagem das Escrituras que acabais de ouvir" (Lc 4,18-19 Lc 4,21). Este "hoje" perdura incessantemente até ao dia em que o Filho de Deus retornar sobre a terra. Depois da sua morte e ressurreição este "hoje" permanece na Igreja, na qual está presente Cristo, até ao fim do mundo. Este "hoje" cumpre-se em cada um de nós, que mediante o baptismo fomos inseridos em Cristo.

1455 É preciso que no ano do grande Jubileu nos demos conta desta verdadede modo particular. É necessário que nos recordemos de que este "hoje" de Cristo deve continuar nos séculos futuros, até à sua segunda vinda. Esta consciência deve determinar o programa de vida da Igreja e da vida de cada um de nós no novo milénio.

Nos últimos anos estavam unidas a este programa cada uma das Dioceses durante os sínodos pastorais locais e toda a Igreja na Polónia no Sínodo plenário, procurando definir quais eram os desafios que o presente e o futuro apresentavam aos crentes, e de que modo era preciso ir ao encontro deles. Ao pedirem a luz do Espírito Santo, os pastores e os fiéis realizavam um exame dos fenómenos presentes actualmente na Igreja na Polónia, procuravam discernir as tarefas, diante das quais se encontra a nossa geração na perspectiva do novo milénio e traçavam os percursos, ao longo dos quais a Igreja deve entrar no novo século. Tudo isto foi posto em comum por escrito, como programa de evangelização para o terceiro milénio. A porta aberta do grande Jubileu recorda de modo particular a todos nós e à inteira Igreja na Polónia, que este programa não pode permanecer letra morta, mas deve ser acolhido por todos e posto em prática com dedicação e perseverança.

Ele refere-se a numerosos sectores da vida da Igreja. Hoje, contudo, ao pôr-me a escutar o Evangelho que acabámos de ouvir, quero fazer notar as duas dimensões da actividade pastoral do clero e do apostolado dos leigos do nosso país. Eis, Cristo diz: "O Espírito do Senhor está sobre mim e enviou-me para anunciar a Boa Notícia aos pobres" (cf. Lc
Lc 4,18). A primeira tarefa, portanto, para a qual Ele foi enviado, era o anúncio do Evangelho. Essa foi a primeira tarefa dos Apóstolos: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Notícia a toda a humanidade" (Mc 16,15). Este chamamento é sempre actual e premente. Refere-se a todos os fiéis, clérigos e leigos. Todos nós somos chamados a testemunhar na vida de cada dia o Evangelho da salvação. É preciso que, entrando no novo milénio, respondamos a este chamamento com todo o fervor. Os pais sejam testemunhas do Evangelho em relação aos filhos e aos jovens! Os jovens levem a Boa Nova aos seus coetâneos, que muitas vezes perdem o sentido da vida, desorientados entre as propostas do mundo. Os pastores não se esqueçam de que o espírito missionário, a solicitude por todo o homem que procura Cristo e por quantos d'Ele se afastam, pertence à essência da sua missão pastoral. No mesmo espírito, peço a todos os fiéis da Polónia a oração segundo as intenções dos missionários e pelas vocações missionárias. Faço-o com maior agrado, porque hoje se celebra a memória litúrgica da Beata Maria Teresa Ledochowska, chamada "Mãe dos Africanos", padroeira da Cooperação Missionária da Igreja na Polónia, fundadora das Irmãs Claverianas, e cujo 25° aniversário de beatificação celebramos neste ano. A riqueza espiritual é grandiosa e as possibilidades da Igreja na Polónia são enormes. É necessário haurir deste tesouro, a fim de ajudar de maneira eficaz as Igrejas irmãs da África, da América, da Ásia e também da Europa. Peço a Deus que inspire, com o espírito deste particular apostolado, os numerosos corações dos sacerdotes e dos religiosos da nossa Pátria. A Igreja universal tem necessidade de servidores do Evangelho provenientes da Polónia.

Enquanto estamos a escutar as palavras de Cristo: "O Espírito do Senhor enviou-me para anunciar a Boa Notícia aos pobres, para proclamar a libertação aos presos, e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor" (cf. Lc Lc 4,18-19), damo-nos conta de que o Jubileu, como período em que experimentamos de modo particular a misericórdia de Deus, nos conduz àqueles que têm necessidade da nossa misericórdia. O "hoje" da Igreja, vivido como um "hoje" no qual se cumpre a missão messiânica de Cristo, deve ser vivido como um "hoje" dos pobres, dos oprimidos, dos que estão sozinhos, dos doentes de todos aqueles que Cristo escolheu como destinatários particulares aos quais "proclamar um ano de graça do Senhor". Este "ano de graça" lhes seja proclamado, mediante obras de amor concreto, através do esforço por formar uma cultura de solidariedade e de colaboração. O fantasma da perda do trabalho, da casa, da saúde ou da possibilidade de se instruir não se ponha como uma sombra sobre a alegria de viver o Ano jubilar, que abre a perspectiva do novo milénio. É preciso que todos os responsáveis pela forma da vida social no nosso país façam todo o esforço, a fim de que a introdução das justas reformas económicas se realize com proveito para todos, em especial para os mais pobres. Peço-o de modo particular a todos os que baseiam o programa da própria actividade nos valores cristãos.

O dever de ir ao encontro das necessidades daqueles que sofreram injustiça por parte do destino, pesa contudo não só sobre os políticos, os empresários ou as organizações caritativas, mas sobre todos aqueles que podem de algum modo remediar a indigência do próximo. O Ano jubilar é uma ocasião particular para que todos os membros da comunidade da Igreja eclesiásticos e leigos "empreendam obras de misericórdia em favor dos irmãos. Ao indicar os programas pastorais no país, na diocese ou na paróquia, é preciso retornar constantemente à ideia da opção preferencial pelos pobres e os necessitados. Pensando nas famílias numerosas, nos idosos, nos doentes e nos abandonados, peço-vos, caros Irmãos e Irmãs, e a todos os crentes da Polónia, juntamente com São Paulo: "O que vos sobra vai compensar a carência deles, a fim de que o supérfluo deles venha um dia compensar a vossa carência. Assim haverá igualdade, como está escrito na Escritura: "A quem recolhia muito, nada lhe sobrava; e a quem recolhia pouco, nada lhe faltava"" (2Co 8,14-15).

4. "Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje, e será sempre o mesmo!" (He 13,8). Esta verdade fala-nos com uma força particular, enquanto nos apresentamos no limiar da Porta do Grande Jubileu, para entrarmos no novo milénio com a fé, a esperança e a caridade, que recebemos juntamente com a graça do santo baptismo. "Passar por aquela porta significa confessar que Jesus Cristo é o Senhor, revigorando a fé n'Ele para viver a vida nova que nos deu" (Incarnationis mysterium, 8). Só Ele é a Porta que permite entrar na vida de comunhão com Deus: "É esta a porta do Senhor, por ela entram os justos" (Ps 117 [118], 20). Esta peregrinação nacional dos polacos, por ocasião do grande Jubileu, aproxime todos nós de Cristo Redentor. De Cristo, fonte da vida e da esperança para o terceiro milénio que tem início. "Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje, e será sempre o mesmo!".



JUBILEU NOS CÁRCERES


SANTA MISSA PRESIDIDA POR JOÃO PAULO II


ENTRE OS ENCARCERADOS DE "REGINA COELI"


Domingo, 9 de Julho de 2000


1. "Estive... na prisão..." (Mt 25,35-36): estas palavras de Cristo ressoam hoje para nós no trecho evangélico há pouco proclamado. Elas evocam diante dos olhos da nossa mente a imagem de Cristo efectivamente aprisionado. Parece-nos revê-l'O na noite da Quinta-Feira Santa no Getsémani: Ele, a inocência personificada, cercado como um malfeitor pelos guardas do Sinédrio, capturado e conduzido perante o tribunal de Anás e de Caifás. Seguem as longas horas da noite à espera do julgamento diante do tribunal romano de Pilatos. O julgamento tem lugar na parte da manhã da Sexta-Feira Santa, no pretório: Jesus está de pé diante do Procurador romano, que O interroga. Sobre a sua cabeça pende o pedido de condenação à morte mediante o suplício da cruz. Vemo-l'O depois ligado a uma estaca para a flagelação. Sucessivamente é coroado de espinhos...

Ecce homo "Eis o homem". Pilatos pronunciou aquelas palavras, contando talvez com uma reacção de humanidade da parte dos presentes. A resposta foi: "Crucifica-O, crucifica-O!" (Lc 23,21). E quando finalmente Lhe tiraram os laços das suas mãos, foi para as pregar na cruz.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs, diante de nós aqui reunidos apresenta-se Jesus Cristo o encarcerado. "Estive na prisão e fostes ter Comigo" (Mt 25,35-36). Ele pede para ser encontrado em vós, como em tantas outras pessoas tocadas pelas várias formas do sofrimento humano. "Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40). Estas palavras contêm, pode-se dizer, o "programa" do Jubileu nos Cárceres, que hoje celebramos. Elas convidam-nos a vivê-lo como empenho pela dignidade de todos, aquela dignidade que deriva do amor de Deus por toda a pessoa humana.

Agradeço a quantos quiseram participar neste evento jubilar. Dirijo uma deferente saudação às Autoridades presentes: o Senhor Ministro da Justiça, o Chefe do Departamento da Administração Penitenciária, o Director desta Circunscrição judicial, o Comandante da Divisão de Polícia, juntamente com os Agentes que colaboram com ele.

1456 Saúdo sobretudo cada um de vós, encarcerados, com afecto fraterno. Apresento-me a vós como testemunha do amor de Deus. Venho dizer-vos que Deus vos ama, e deseja que percorrais um caminho de reabilitação e de perdão, de verdade e de justiça. Quereria poder pôr-me à escuta da vicissitude pessoal de cada um. O que eu não posso fazer, podem-no os vossos Capelães, que estão ao lado de vós em nome de Cristo. A eles se dirigem a minha saudação cordial e o meu encorajamento. O meu pensamento estende-se também a todos aqueles que desempenham esta tarefa tão empenhativa em todos os cárceres da Itália e do mundo. Sinto, além disso, o dever de exprimir o meu apreço aos Voluntários, que colaboram com os Capelães estando próximos de vós com iniciativas oportunas. Também com a ajuda deles, o cárcere pode adquirir um traço de humanidade e enriquecer-se com uma dimensão espiritual, que é importantíssima para a vossa vida. Proposta à livre aceitação de cada um, esta dimensão deve ser considerada um elemento qualificante para um projecto de pena de detenção mais conforme à dignidade humana.

3. Precisamente sobre esse projecto fala o trecho da primeira Leitura, na qual o profeta Isaías delineia o perfil do futuro Messias, com alguns traços significativos: "Ele não gritará, não levantará a voz, não clamará nas ruas. Não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça. Não desanimará, nem desfalecerá, até que tenha estabelecido a verdadeira justiça sobre a terra" (
Is 42,2-4). No centro deste Jubileu está Cristo, o encarcerado; ao mesmo tempo, está Cristo o legislador. É Ele que estabelece a Lei, a proclama e a consolida. Contudo, não o faz com prepotência, mas com mansidão e amor. Cura aquilo que está doente, fortalece quem está debilitado. Lá onde ainda arde uma ténue chama de bondade, Ele reaviva-a com o sopro do seu amor. Proclama com vigor a justiça, mas cuida das feridas com o bálsamo da misericórdia.

No texto de Isaías, outra série de imagens abre a perspectiva da vida, da alegria, da liberdade: o futuro Messias virá abrir os olhos aos cegos, fazer sair do cárcere os prisioneiros (cf. 42, 7). Imagino que sobretudo esta última palavra do profeta, caros Irmãos e Irmãs, encontre nos vossos corações um eco imediato, repleto de esperança.

4. De facto, é deveras imperioso acolher a mensagem da Palavra de Deus no seu significado integral. O "cárcere" do qual o Senhor vem libertar-nos é, em primeiro lugar, aquele em que o espírito se encontra acorrentado. A prisão do espírito é o pecado. Como não recordar, quanto a isto, aquela profunda palavra de Jesus: "Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que comete o pecado, é escravo do pecado" (Jn 8,34)? É esta a escravidão da qual Ele veio em primeiro lugar libertar-nos. De facto, Ele disse: "Se permanecerdes na Minha palavra, sereis verdadeiramente Meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á" (Jn 8,31).
As palavras de libertação do profeta Isaías, portanto, devem ser compreendidas à luz da inteira história da salvação, que tem o seu ápice em Cristo, o Redentor que assumiu sobre si o pecado do mundo (cf. Jo Jn 1,29). Deus tem a peito a libertação integral do homem. Uma libertação que não se refere apenas às condições físicas e exteriores, mas é antes de tudo libertação do coração.

5. A esperança desta libertação foi-nos recordada pelo apóstolo Paulo na segunda Leitura ela atravessa a criação inteira: "Toda a criação tem gemido e sofrido as dores de parto, até ao presente" (Rm 8,22). O nosso pecado transtornou o desígnio de Deus, e não só a vida humana, mas a própria criação se ressente disso. Nos desastres ecológicos, esta dimensão cósmica dos efeitos do pecado é como que tocada com a mão. Não menos preocupantes são os danos provocados pelo pecado na psique humana, na própria biologia do homem. O pecado é devastador. Ele tira a paz ao coração e produz sofrimentos em cadeia nas relações humanas. Imagino quantas vezes, ao percorrerdes de novo as vossas histórias pessoais ou ao escutardes as dos vossos companheiros de cela, vos acontece constatar esta verdade.

É precisamente desta escravidão que o Espírito de Deus vem libertar-nos. Ele, que é o Dom por excelência que nos foi alcançado por Cristo, "vem em ajuda da nossa fraqueza... intercedendo por nós com gemidos inefáveis" (Rm 8,26). Se seguirmos as suas inspirações, Ele produz a nossa salvação integral, "a filiação adoptiva, a libertação do nosso corpo" (ibid., v. 23).

6. Portanto, é preciso que seja Ele, o Espírito de Jesus Cristo, a actuar nos vossos corações, caros Irmãos e Irmãs encarcerados. É necessário que o Espírito Santo penetre neste cárcere no qual nos encontramos e em todas as prisões do mundo. Cristo, o Filho de Deus, fez-se prisioneiro, deixou que Lhe ligassem as mãos e depois as pregassem na cruz, precisamente para que o seu Espírito pudesse atingir o coração de todo o homem. Também onde os homens estão fechados com os ferrolhos dos cárceres, segundo a lógica de uma embora necessária justiça humana, é preciso que sopre o Espírito de Cristo Redentor do mundo. A pena, de facto, não pode reduzir-se a uma simples dinâmica retributiva, nem sequer pode configurar-se como uma retorsão social ou uma espécie de vingança institucional. A pena e a prisão têm sentido se, enquanto afirmam as exigências da justiça e desencorajam o crime, servirem para a renovação do homem, oferecendo a quem errou uma possibilidade de reflectir e de mudar de vida, para se inserir a pleno título na sociedade.

Então, permiti-me que vos peça que tendais com todas as vossas forças para uma vida nova, no encontro com Cristo. Deste vosso caminho a inteira sociedade não poderá senão alegrar-se. As próprias pessoas às quais causastes sofrimento talvez sintam ter tido mais justiça ao olharem para a vossa mudança interior do que para a pena por vós expiada.

Desejo a cada um de vós que façais experiência do amor de Deus que liberta. Desça no meio de vós e entre os encarcerados de todo o mundo o Espírito de Jesus Cristo, que renova todas as coisas (cf. Ap Ap 21,5), e infunda confiança e esperança nos vossos corações.

Acompanhe-vos o olhar de Maria "Regina Caeli", a Rainha do Céu, a cuja ternura confio todos vós e as vossas famílias.

1457 Saudações depois da Missa


Agradeço ao Senhor Ministro, ao Director dos Cárceres e ao vosso representante as palavras que me dirigiram. Além disso, agradeço a todas as Autoridades presentes, exprimindo a cada um o sentido reconhecimento pela cordial recepção que me foi reservada.

Ao despedir-me de vós, queridos encarcerados, desejo renovar-vos a minha saudação, que faço extensiva aos vossos familiares. Bem sei que cada um de vós vive olhando para o dia em que, depois de expiar a pena, poderá readquirir a liberdade e retornar à própria família. Consciente disto, na Mensagem que enviei ao mundo inteiro por ocasião deste dia jubilar, seguindo a esteira dos meus Predecessores e no espírito do Ano Santo, invoquei para vós um sinal de clemência, através de uma "redução da pena". Pedi-o na profunda convicção de que essa opção constitui um gesto de sensibilidade para com a vossa condição, capaz de encorajar o empenho de aceitação do castigo e de suscitar o arrependimento pessoal. Nesta perspectiva, dirijo a cada um de vós os meus votos mais cordiais.

Não podemos esquecer que este cárcere tem o nome "Regina Coeli". E este nome suscita uma gratíssima esperança. A todos vós desejo esta esperança, que vem da "Regina Coeli". Obrigado!

Louvado seja Jesus Cristo!



CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

COM OS SACERDOTES DA DIOCESE DE AOSTA

Sábado, 22 de Julho de 2000



1. Caríssimos Sacerdotes da Diocese de Aosta, sinto particular alegria ao celebrar juntamente convosco esta Santa Missa, no termo da minha permanência entre as vossas montanhas. Saúdo todos vós com grande afecto e de modo especial o vosso Bispo, a quem agradeço de coração as inúmeras atenções que nestes dias reservou a mim e aos meus colaboradores.

Celebramos a festa de Santa Maria Madalena e a liturgia é hoje caracterizada por uma espécie de movimento, de "corrida" do coração e do espírito, animados pelo amor de Cristo. As palavras de São Paulo: "caritas Christi urget nos" (2Co 5,14), que escutaremos daqui a pouco na primeira leitura, podem e devem inspirar a vida de cada sacerdote, assim como distinguiram a de Maria Madalena.

Madalena seguiu até ao Calvário aquele que a curara. Esteve presente na crucifixão, morte e sepultura de Jesus. Juntamente com a Mãe santíssima e o discípulo amado, acolheu o seu último respiro e o silencioso testemunho do lado trespassado: compreendeu que naquela morte, naquele sacrifício estava a sua salvação. E o Ressuscitado, como nos narra o Evangelho de hoje, quis mostrar o seu corpo glorioso antes de tudo a ela, que chorou intensamente a sua morte. A ela quis confiar "o primeiro anúncio da alegria pascal" (Colecta), como que a recordar-nos que precisamente a quem, com fé e amor, fixa o olhar no mistério da paixão e morte do Senhor, se manifesta a luminosa glória da sua ressurreição.

2. Maria Madalena ensina-nos assim que as raízes da nossa vocação de apóstolos se aprofundam na experiência pessoal de Cristo. No encontro com Ele tem origem um novo modo de viver não mais para si mesmo, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós (cf. 2Co 5,15), abandonando o homem velho para se conformar de modo sempre mais pleno a Cristo, Homem novo.

Este ensinamento de vida destina-se com especial eloquência a nós, pastores da Igreja, chamados a guiar o Povo de Deus com a palavra, mas antes de tudo com o testemunho da vida. E portanto chamados a uma intimidade maior com Cristo, que nos escolheu como amigos: "vos autem dixi amicos" (Jn 15,15).

1458 Caríssimos Irmãos no sacerdócio, faço votos a cada um de vós por que mantenha sempre viva a própria comunhão com Cristo. O seu amor vos incentive no vosso apostolado, não só nas grandes ocasiões, mas sobretudo naquelas ordinárias, nas vicissitudes de cada dia. A íntima união com Deus, alimentada na Santa Missa, na Liturgia das Horas, na oração pessoal, move o sacerdote a exercer com fé e caridade o seu ministério pastoral. É precisamente nesta intimidade com Jesus que reside o segredo da sua missão.

Oremos, no decurso desta celebração eucarística, para que o Senhor nos torne ministros dignos da sua graça. Invoquemo-l'O, por intercessão de Santa Maria Madalena, a fim de que, através de vós, caríssimos sacerdotes, chegue aos residentes e aos veranistas desta Região o incessante anúncio da morte e ressurreição de Cristo. Deus, que enriqueceu de estupendas belezas naturais o Vale de Aosta, alimente com o seu Espírito a fé de quantos nele habitam. E a Virgem Santa vele maternalmente sobre vós e o serviço apostólico que sois chamados a prestar com constante generosidade, tornando-o rico de abundantes frutos de bem.




Homilias JOÃO PAULO II 1452