Homilias JOÃO PAULO II 1498
JOÃO PAULO II
1499 Domingo, 5 de novembro de 2000
1. «Escuta, Israel!» (Dt 6,3 Dt 6,4).
Foi assim, de forma solene e simultaneamente amável que a palavra de Deus nos fez, há pouco, o convite para «escutar»... escutar «hoje», «agora». E convidou a fazê-lo, não singular nem privadamente, mas em conjunto: «Escuta, Israel».
Nesta manhã, um tal apelo é feito de modo particular a vós, Governantes, Parlamentares, Políticos, Administradores, reunidos em Roma para celebrar o vosso Jubileu. A todos saúdo cordialmente, com menção especial dos Chefes de Estado aqui presentes.
Por meio da celebração litúrgica, actualiza-se, aqui e agora, o evento da Aliança com Deus. Que resposta espera Deus de nós? A indicação que acabamos de receber do texto bíblico proclamado é decisiva: antes de mais nada, é preciso colocar-se à escuta. Não uma escuta passiva e apática. Os Israelitas compreenderam, justamente, que Deus esperava deles uma resposta activa e responsável. Por isso, prometeram a Moisés: «Tu contar-nos-ás tudo o que te tiver dito o Senhor, nosso Deus, e nós, ouvindo-O, obedeceremos» (Dt 5,24).
Ao assumirem este compromisso, eles sabiam que estavam a tratar com um Deus de quem podiam fiar-se. Deus amava o seu povo e queria a sua felicidade. Em troca, Ele pedia amor. No «Shemá Israel», que ouvimos na primeira Leitura, ao lado do requisito da fé no único Deus aparece o mandamento fundamental, que é o do amor a Ele: «Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças» (Dt 6,5).
2. A relação do homem com Deus não é uma relação de medo, de escravidão ou opressão; pelo contrário, é uma relação de doacção serena, que nasce duma livre opção ditada pelo amor. O amor que Deus espera do seu povo é resposta ao amor fiel e carinhoso que Ele, antecipando-Se, lhes manifestou através das sucessivas etapas da história da salvação.
Por isso mesmo, os Mandamentos, mais do que um código legal e um regulamento jurídico, foram vistos pelo Povo eleito como um evento de graça, como um sinal da sua pertença privilegiada ao Senhor. É significativo que Israel nunca fale da Lei como um fardo ou uma imposição, mas como um dom e um favor: «Felizes somos nós, ó Israel, porque nos foi revelado o que agrada a Deus» (Ba 4,4).
O povo sabe que o Decálogo é um compromisso vinculativo, mas sabe também que é a condição para possuir a vida: Vê - diz o Senhor -, coloco diante de ti a vida e a morte, isto é, o bem e o mal; ordeno-te que observes os meus mandamentos, para teres a vida (cf. Dt Dt 30,15-16 Dt Dt 30,19). Pela sua Lei, Deus não pretende coarctar a liberdade do homem, mas antes libertá-lo de tudo o que pode comprometer a sua autêntica dignidade e plena realização.
2. Detive-me, ilustres Governantes, Parlamentares e Políticos, a reflectir sobre o sentido e o valor da Lei divina, porque é um assunto que vos diz intimamente respeito. Não é, porventura, a vossa canseira diária elaborar leis justas e fazê-las aceitar e aplicar? Fazeis isto, convencidos de prestar um importante serviço ao homem, à sociedade, à própria liberdade... e justamente. De facto, a lei humana, quando é justa, nunca é contra a liberdade, mas ao serviço dela. Tinha-o já intuído aquele sábio pagão que sentenciara: «Legum servi sumus, ut liberi esse possimus», «somos servos das leis, para podermos ser livres» (Cícero, De legibus, II, 13).
Mas, a liberdade, a que alude Cícero, situa-se principalmente ao nível das relações externas entre cidadãos. Como tal, corre o risco de ficar reduzida a um côngruo equilíbrio dos interesses de cada um, ou mesmo dos egoísmos contrapostos. Mas, a liberdade, de que fala a palavra de Deus, afunda as próprias raízes no coração do homem, um coração que Deus pode libertar do egoísmo, tornando-o capaz de se abrir ao amor desinteressado.
1500 Não é por acaso que, na página do Evangelho há pouco ouvida, Jesus, respondendo ao escriba que lhe pergunta qual é o primeiro de todos os mandamentos, cita o «Shemá»: «Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e de todas as tuas forças » (Mc 12,30). Ressalta o termo «todo»: o amor de Deus não pode deixar de ser «totalizante». Mas, só Deus é capaz de purificar o coração humano do egoísmo e «libertá-lo» para a plena capacidade de amar.
Um homem, com o coração assim «bonificado», pode abrir-se ao irmão e tomar cuidado dele com a mesma solicitude com que trata de si mesmo. Por isso Jesus acrescenta: «O segundo [mandamento] é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Mc 12,31). Quem ama a Deus com todo o coração e O reconhece como «único Deus» e, por conseguinte, Pai de todos, não pode deixar de ver irmãos em quantos encontra no seu caminho.
3. Amar o próximo como a si mesmo. Estou certo que esta frase encontra um eco favorável no mais íntimo de vós, amados Governantes, Parlamentares, Políticos e Administradores. Ela coloca hoje a cada um de vós, por ocasião do vosso Jubileu, uma questão central: Como é possível cumprir este mandamento no vosso delicado e exigente serviço ao Estado e aos cidadãos? A resposta é clara: vivendo o compromisso político como um serviço. Perspectiva gloriosa, mas exigente! Com efeito, não pode reduzir-se a uma genérica afirmação de princípios ou à declaração de boas intenções. O serviço político requer um empenho concreto e diário, que exige uma grande competência no cumprimento do próprio dever e uma moralidade a toda a prova na gestão magnânima e transparente do poder.
Por outro lado, a coerência pessoal do político necessita de exprimir-se também numa concepção correcta da vida social e política, que é chamado a servir. Sob este aspecto, um político cristão não pode deixar de fazer constantemente referência aos princípios que a doutrina social da Igreja desenvolveu ao longo do tempo. Tais princípios, como se sabe, não constituem uma «ideologia» nem um «programa político», mas oferecem as linhas fundamentais para uma compreensão do homem e da sociedade à luz da lei ética universal presente no coração de cada homem e aprofundada pela revelação evangélica (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 41). Compete a vós, caríssimos Irmãos e Irmãs empenhados na política, serdes os seus intérpretes convictos e diligentes.
É certo que, na aplicação destes princípios à complexa realidade política, será frequentemente inevitável encontrar âmbitos, problemas e circunstâncias que podem legitimamente dar lugar a avaliações concretas diversas. Mas, em caso algum, se pode justificar um pragmatismo que leve, mesmo nos valores essenciais e basilares da vida social, a reduzir a política a mera mediação de interesses ou, pior ainda, a uma questão demagógica ou de cálculos eleitorais. Se é verdade que o direito não pode nem deve cobrir todo o âmbito da lei moral, há que recordar também que aquele não pode «ir» contra esta.
4. Isto assume um relevo particular nesta fase de intensas transformações, que vê surgir uma nova dimensão da política. O declínio das ideologias é acompanhado por uma crise dos Partidos, o que impele a entender de outro modo a representação política e o papel das instituições. É preciso descobrir novamente o sentido da participação, envolvendo mais os cidadãos na busca dos caminhos adequados que permitam avançar para uma realização cada vez mais satisfatória do bem comum.
Neste empenho, o cristão terá cuidado em não ceder à tentação da contraposição violenta, fonte frequente de grandes sofrimentos para a comunidade. O diálogo permanece o instrumento insubstituível para todo o confronto construtivo, tanto no âmbito dos Estados como nas relações internacionais. E quem poderia assumir esta «canseira» do diálogo melhor do que o político cristão, que cada dia deve confrontar-se com aquilo que Cristo qualificou como «o primeiro» dos mandamentos, isto é, o mandamento do amor?
5. Ilustres Governantes, Parlamentares, Políticos, Administradores, numerosas e exigentes são as obrigações que, ao início do novo século e do novo milénio, esperam os responsáveis da vida pública. Foi precisamente a pensar nisto que, no contexto do Grande Jubileu, quis - como sabeis - oferecer-vos o apoio dum especial Patrono: o santo mártir Tomás Moro.
A sua figura é verdadeiramente exemplar para todo o que é chamado a servir o homem e a sociedade no âmbito civil e político. O testemunho eloquente dado por ele é muito actual num momento histórico que apresenta desafios cruciais para a consciência de quem tem responsabilidades directas na gestão da vida pública. Como estadista, ele coloca-se sempre ao serviço da pessoa, especialmente quando débil e pobre; as honras e as riquezas não o fascinaram, guiado como era por um elevado sentido da equidade. Sobretudo, ele nunca desceu a compromissos com a própria consciência, preferindo o sacrifício supremo a desobedecer à sua voz. Invocai-o, segui-o, imitai-o! A sua intercessão não deixará de obter-vos, mesmo nas situações mais árduas, fortaleza, bom humor, paciência e perseverança.
São os votos que queremos corroborar com a força do Sacrifício Eucarístico, no qual uma vez mais Cristo Se torna alimento e guia da nossa vida. O Senhor vos conceda ser políticos segundo o seu Coração, émulos de São Tomás Moro, que foi testemunha corajosa de Cristo e servidor integérrimo do Estado.
Sexta-feira, 10 de Novembro de 2000
1501 "Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a vida pelas ovelhas" (Jn 10,11).
1. Em 2001, a Igreja Arménia celebrará o XVII centenário do Baptismo da Arménia por obra do ministério de São Gregório, o Iluminador. À imagem do Bom Pastor, São Gregório deu a própria vida pelas ovelhas. Pela sua fé em Cristo, ele transcorreu por ordem do rei Tiridates muitos anos prisioneiro num poço obscuro. Somente depois desses cruéis sofrimentos Gregório foi afinal libertado, para dar publicamente testemunho da própria vocação baptismal em toda a sua plenitude e proclamar o Evangelho aos homens e às mulheres do seu tempo.
A vida de São Gregório foi presságio do caminho da Igreja arménia nos séculos. Quanto ela foi posta, com frequência, no obscuro antro da perseguição, da violência e do esquecimento! Quantas vezes os seus filhos, na obscuridade da prisão, fizeram ecoar as palavras do profeta Miqueias:
"Eu, porém, esperarei no Senhor, porei a minha esperança no Deus da minha salvação, o meu Deus me ouvirá. Não te alegres, inimiga minha, a meu respeito: se caí hei-de tornar a levantar-me; se estou sentada nas trevas, o Senhor será a minha luz" (7, 7-8). E isto não só no longínquo passado, pois também o século XX foi um dos mais tormentosos na história da Igreja Arménia, que sofreu toda a espécie de terríveis adversidades. Agora, graças a Deus, há claros sinais de uma nova primavera.
2. Na celebração deste dia, é-me grato restituir a Vossa Santidade uma relíquia de São Gregório, o Iluminador, que esteve conservada no Convento de São Gregório Arménio em Nápoles, e ali foi venerada durante muitos séculos. Ela será posta na nova Catedral agora em construção em Ierevan, como símbolo de esperança e da missão da Igreja na Arménia, depois de tantos anos de opressão e de silêncio. No coração de uma cidade em rápido desenvolvimento um lugar, no qual louvar a Deus, escutar a Sagrada Escritura e celebrar a Eucaristia, será um factor essencial de evangelização. Oro para que o Espírito Santo cumule aquele lugar sagrado da sua presença amorosa, da sua luz gloriosa e da sua graça santificante. Faço votos por que a nova Catedral possa adornar com ainda maior beleza a Esposa de Cristo na Arménia, onde o Povo de Deus viveu durante séculos à sombra do Monte Ararat. Pela intercessão da Mãe de Deus e de São Gregório, o Iluminador, possam os fiéis arménios receber da sua Catedral nova coragem e nova confiança. E possam os peregrinos provenientes de todas as partes experimentar ali o poder da luz de Deus, que promana daquele lugar santo, ao prosseguirem a sua peregrinação de fé.
3. Na Catedral de Ierevan, como em todas as outras, haverá o Altar da Eucaristia e a Cátedra do Patriarca. A Cátedra e o Altar falam da comunhão que já existe entre nós. Como declarou o Concílio Vaticano II: "Também é conhecido de todos com quanto amor os cristãos orientais realizam as cerimónias litúrgicas, principalmente a celebração eucarística, fonte da vida da Igreja e penhor da glória futura, pela qual os fiéis unidos ao Bispo, têm acesso a Deus Pai mediante o Filho, o Verbo encarnado, morto e glorificado, na efusão do Espírito Santo". Os Padres conciliares afirmaram, além disso, que as Igrejas Orientais, "embora separadas, têm verdadeiros sacramentos, e principalmente, em virtude da sucessão apostólica, o sacerdócio e a Eucaristia, ainda se unem muito intimamente connosco" (Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, UR 15).
Ao longo da história houve muitos contactos entre a Igreja Católica e a Igreja Apostólica Arménia, assim como se verificaram várias tentativas para restabelecer a plena comunhão. Agora devemos orar e trabalhar com muito fervor para que possa quanto antes chegar o dia em que as nossas Sedes e os Bispos estejam em plena comunhão mais uma vez, de maneira que possamos celebrar juntos, no mesmo Altar, a Eucaristia, supremo sinal e fonte da unidade em Cristo. Até ao alvorecer desse dia, cada uma das nossas celebrações eucarísticas sofrerá pela ausência do irmão que ainda não está ali.
4. Querido e venerável Irmão em Cristo, São Paulo fala-nos nas expressões que escutámos dos Actos dos Apóstolos: "Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho, pois o Espírito Santo vos constituiu como guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus, que Ele adquiriu para Si com o sangue do Seu próprio Filho" (20, 28). Grande é a nossa responsabilidade. Cristo confiou ao nosso cuidado pastoral aquilo que Ele tem de mais precioso sobre a terra: "a Igreja que Ele adquiriu com o seu sangue".
Oro ao Senhor, por intercessão de São Gregório, o Iluminador, para que efunda as suas abundantes bênçãos sobre Vossa Santidade, sobre os Irmãos no Episcopado, e sobre todos os Pastores da Igreja Apostólica Arménia. O Espírito a inspire e a guie no seu ministério pastoral para com o povo arménio, tanto na terra natal como no mundo inteiro. À sua oração confio o meu ministério de Bispo de Roma: possa eu ser capaz de exercer este ministério cada vez mais como "um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros" (Carta Enc. Ut unum sint, UUS 95), de maneira que todos finalmente possam ser um (cf. Jo Jn 17,21).
5. Permita-me concluir com a ardente oração que fiz à Mãe de Deus, há treze anos, durante o Ano Mariano e que brota também hoje do meu coração.
"Santa Mãe de Deus... volvei o vosso olhar para a terra da Arménia, para as suas montanhas, onde viveram multidões imensas de monges santos e sábios, para as suas igrejas, rochas que surgem da rocha, penetradas pelo raio da Trindade; para as suas cruzes de pedra, recordação do vosso Filho, cuja paixão continua na dos mártires; para os vossos filhos e as vossas filhas no mundo... Inspirai os desejos e as esperanças dos jovens, para que permaneçam orgulhosos da sua origem. Fazei com que, por onde quer que caminhem, eles escutem o seu coração arménio, porque, afinal, para ele sempre haverá uma oração dirigida ao seu Senhor e uma pulsação de abandono a Vós, que os cobris com o vosso manto de protecção. Ó Virgem dulcíssima, ó Mãe de Cristo e Mãe nossa, Maria!" (Homilia durante a Divina Liturgia em rito arménio, 21 de Novembro de 1987; cf. L'Osservatore Romano, ed. port. de 29/11/1997, pág. 3).
Amém!
NA
1502 Domingo, 12 de Novembro de 2000
1. "O Senhor mantém a sua fidelidade para sempre" (Ps 146 [145], 6).
Caríssimos Irmãos e Irmãs, é precisamente para decantar esta fidelidade do Senhor, que acabou de ser evocada pelo Salmo responsorial, que hoje vos encontrais aqui para o vosso Jubileu.
Rejubilo-me por este vosso bonito testemunho, há pouco interpretado e expresso por D. Fernando Charrier, a quem agradeço de coração. Dirijo uma deferente saudação inclusive às personalidades que quiseram manifestar a sua adesão, em representação de vários Estados e sobretudo das Organizações e dos Organismos das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.
Depois, o meu pensamento dirige-se aos representantes e membros da "Coldiretti" e das outras Organizações de agricultores aqui presentes, assim como aos membros das Federações de panificadores, das Cooperativas agrícolo-alimentares e da União Florestal da Itália. Dilectos Irmãos e Irmãs, a vossa presença tão numerosa faz-nos sentir vivamente a unidade da família humana e a dimensão universal da nossa oração, oferecida ao único Deus, Criador do universo e fiel ao homem.
2. A fidelidade de Deus! Para vós, homens do mundo agrícola, esta é uma experiência quotidiana, constantemente reiterada na observação da natureza. Conheceis a linguagem dos torrões e das sementes, da relva e das árvores, dos frutos e das flores. Nas paisagens mais diversificadas, das asperezas das montanhas às planícies irrigadas, debaixo dos céus mais variegados, esta linguagem tem o seu fascínio, que vos é muito familiar. Nesta linguagem, divisais a fidelidade de Deus às palavras que Ele mesmo pronunciou no terceiro dia da criação: "A terra produza relva, ervas que produzam semente, e árvores que dêem frutos" (Gn 1,11). No movimento da natureza, sereno e silencioso mas rico de vida, continua a palpitar a delícia originária do Criador: "E Deus viu que era bom!" (Ibid., v. 12).
Sim, o Senhor é fiel para sempre. E vós, peritos nesta linguagem de fidelidade, linguagem antiga e sempre nova, sois naturalmente os homens do "obrigado". O vosso prolongado contacto com a maravilha dos produtos da terra faz com que compreendais que estes são um dom inexaurível da Providência divina. Por isso a vossa jornada anual é, por excelência, o "dia do agradecimento". De resto, neste ano ela adquire um valor espiritual mais elevado, inserindo-se no Jubileu que celebra os dois mil anos do nascimento de Cristo. Viestes aqui para dar graças pelos frutos da terra mas, em primeiro lugar, para reconhecer n'Ele o Criador e também o fruto mais belo desta nossa terra, "fruto" do seio de Maria, o Salvador da humanidade e, num certo sentido, do próprio "cosmos". Com efeito, como diz São Paulo, a criação "tem gemido e sofrido dores de parto" e nutre a esperança de ser liberta "da escravidão da corrupção" (Rm 8,22 Rm 8,21).
3. Caríssimos homens e mulheres que trabalhais na agricultura, o "gemido" da terra leva-nos com o pensamento ao vosso trabalho, tão importante e contudo não desprovido de dificuldades e transtornos. No trecho que escutámos, tirado do Livro dos Reis, recorda-se uma típica situação de sofrimento devido à seca. Provado pela fome e pela sede, o profeta Elias é o protagonista e ao mesmo tempo o beneficiador de um milagre da generosidade. Cabe a uma pobre viúva socorrê-lo, dividindo com ele o último punhado de farinha e as últimas gotas do seu óleo; a sua generosidade abre o coração de Deus, a tal ponto que o profeta pode anunciar: "A farinha do receptáculo não se esgotará e o cântaro do óleo não se esvaziará, enquanto o Senhor não fizer chover sobre a terra".
A cultura do mundo agrícola caracteriza-se desde sempre pelo sentido do risco que incumbe sobre as colheitas, em virtude das imprevisíveis adversidades atmosféricas. Mas hoje, às dificuldades tradicionais acrescentam-se com frequência ainda outras, devidas à negligência do homem. A actividade agrícola dos nossos tempos teve de assumir as consequências da industrialização e do desenvolvimento nem sempre ordenado das áreas urbanas, do fenómeno da poluição atmosférica e da degradação ecológica, das descargas de refugos tóxicos e do desflorestamento. Não obstante confie sempre na ajuda da Providência, o cristão não pode deixar de assumir iniciativas responsáveis para fazer com que se respeite e se promova o valor da terra. É necessário que o trabalho agrícola seja cada vez melhor organizado e sustentado por previdências sociais que o recompensem plenamente do cansaço que comporta e da utilidade verdadeiramente notável que o distingue. Se o mundo da técnica mais requintada não se reconcilia com a linguagem simples da natureza num equilíbrio salutar, a vida do homem correrá riscos sempre maiores, dos quais desde agora vemos sintomas preocupantes.
4. Portanto, caríssimos Irmãos e Irmãs, agradecei ao Senhor mas ao mesmo tempo sede orgulhosos da tarefa que a vossa actividade vos confia. Trabalhai de maneira a resistir às tentações da produtividade e do lucro que não têm em conta o respeito da natureza. Deus confiou a terra ao homem, "para que a cultive e a guarde" (cf. Gn Gn 2,15). Se o homem se esquecer deste princípio e se fizer, em vez de guardião, tirano da natureza, mais cedo ou mais tarde ela revoltar-se-á.
Mas compreendeis bem, caríssimos, que este princípio de ordem, que vale tanto para o trabalho agrícola como para qualquer outro sector da actividade humana, se arraiga no coração do homem. Então, precisamente o "coração" é o primeiro terreno a cultivar. E não é por acaso que quando Jesus quer explicar a obra da palavra de Deus, se serve, mediante a parábola do semeador, de um exemplo iluminador tirado do mundo agrícola. A palavra de Deus é uma semente destinada a produzir fruto abundante, mas infelizmente cai com frequência em terreno pouco adequado, onde os pedregulhos ou as ervas daninhas e os espinhos as múltiplas expressões do nosso pecado a impedem de radicar-se e desenvolver-se (cf. Mt Mt 13,3-23 par.). Por conseguinte, dirigindo-se precisamente a um agricultor, um Padre da Igreja admoesta: "Então, quando estás no campo e contemplas a tua herdade, considera que inclusive tu mesmo és campo de Cristo e presta atenção tanto a ti como ao teu campo. A mesma beleza que tu exiges que o teu lavrador ofereça ao teu campo, realiza-a também tu ao Senhor Deus no cultivo do teu coração..." (São Paulino de Nola, Carta 39, 3 ad Apro ed Amanda).
1503 É em virtude desta "cultivação do espírito" que hoje vos encontrais aqui para celebrar o Jubileu. Antes ainda do vosso compromisso profissional, apresentais ao Senhor o trabalho quotidiano da purificação do vosso coração: obra exigente, que jamais conseguiremos levar a cabo sozinhos. A nossa força é Cristo, de quem a Carta aos Hebreus há pouco nos recordou que "Ele se manifestou uma vez por todas no fim dos tempos, para abolir o pecado pelo sacrifício de si mesmo" (9, 26).
5. Este sacrifício, realizado no Gólgota uma vez para sempre, actualiza-se para nós cada vez que celebramos a Eucaristia. Nela Cristo torna-se presente com o seu Corpo e o seu Sangue, para se fazer nosso alimento.
Como deve ser significativo para vós, homens do mundo agrícola, contemplar no altar este milagre, que coroa e sublima as próprias maravilhas da natureza! Não é porventura um milagre diário o que se realiza quando uma semente se transforma em espiga, da qual amadurecem muitos grãos para serem moídos e depois se tornarem pão? Não é acaso um milagre da natureza o cacho de uvas suspenso nos ramos da videira? Já tudo isto traz consigo misteriosamente o sinal de Cristo, uma vez que "tudo isto foi feito por meio d'Ele e, de tudo o que existe, nada foi feito sem Ele" (Jn 1,3). Porém, ainda maior é o evento da graça, com que a Palavra e o Espírito de Deus transformam o pão e o vinho, "fruto da terra e do trabalho do homem", em Corpo e Sangue do Redentor. A graça jubilar que viestes implorar não é senão a superabundância da graça eucarística, força esta que nos subleva e nos purifica profundamente, inserindo-nos em Cristo.
6. Diante desta graça, a atitude a assumir é-nos sugerida pelo Evangelho com o exemplo da viúva pobre, que ao tesouro acrescenta apenas algumas moedas, mas na realidade dá mais porque não oferece do que lhe é supérfluo, mas dá "tudo o que possuía para viver" (Mc 12,44). Assim, esta mulher desconhecida coloca-se nas pegadas da viúva de Sarepta, que abrira a sua casa e oferecera a sua mesa a Elias. Ambas são sustentadas pela confiança no Senhor. Ambas haurem da fé a força de uma caridade heróica.
Elas convidam-nos a abrir de par em par a nossa celebração jubilar para os horizontes da caridade, olhando para todos os pobres e necessitados do mundo. Aquilo que fizermos ao mais pequenino destes, tê-lo-emos feito a Cristo (cf. Mt Mt 25,40).
E como se pode esquecer que precisamente o âmbito do trabalho agrícola conhece situações que nos interpelam profundamente? Povos inteiros, que vivem sobretudo do trabalho agrícola nas regiões economicamente menos desenvolvidas, encontram-se em situações de indigência. Vastas regiões são devastadas pelas frequentes calamidades naturais. E por vezes a estas desgraças acrescentam-se as consequências das guerras que, além de provocarem vítimas, ceifam destruição, despovoam territórios férteis e até mesmo os abandonam semeados de engenhos bélicos e de substâncias nocivas.
7. O Jubileu nasceu em Israel como tempo de reconciliação e de redistribuição dos bens. Sem dúvida, acolher hoje esta mensagem não pode significar limitar-se a um pequeno óbolo. É necessário contribuir para uma cultura da solidariedade que, também a níveis da política e da economia, tanto nacionais como internacionais, faça promover iniciativas generosas e eficazes, em vantagem dos povos menos afortunados.
Hoje, na nossa oração queremos recordar-nos de todos estes irmãos, comprometendo-nos em traduzir de novo o nosso amor por eles em solidariedade operosa, a fim de que todos sem excepção possam gozar os frutos da "terra-mãe" e levar uma vida digna dos filhos de Deus.
Quarta-feira, 14 de Novembro de 2000
"Eu sei que o meu Redentor vive" (cf. Jó Jn 19,25).
1. As palavras do autor sagrado introduzem-nos no clima de fé desta celebração, que nos vê reunidos na comovida recordação dos Cardeais, Arcebispos e Bispos falecidos ao longo do ano que caminha para o seu termo. O nosso é um gesto de imperioso sufrágio e de solidariedade espiritual para com estes nossos irmãos, que fizeram do serviço ao Evangelho e à Igreja a medida da própria existência. Para eles, neste dia ressoa mais uma vez a consoladora promessa do Senhor: "Se alguém Me servir, Meu Pai há-de honrá-lo" (Jn 12,26). Quem se dedicou de maneira fiel à causa do Evangelho encontrará em Deus recompensa eterna. Na lógica de Cristo, o serviço à comunidade dos remidos torna-se assim motivo de glória e de vida sem fim. Quem, durante a peregrinação terrena, despendeu toda a energia pelo Reino de Deus, será acolhido por Ele, Aquele que vive, que venceu a morte e agora está sentado à direita do Pai.
1504 2. Enquanto unidos nos estreitamos à volta do Altar, sobre o qual se torna presente o Sacrifício que proclama a vitória da Vida sobre a morte, da graça sobre o pecado, do Paraíso sobre o inferno, o pensamento dirige-se com gratidão a Deus por nos ter dado estes irmãos, que Ele agora chamou a Si. Penso, em particular, nos Membros do Colégio Cardinalício, que morreram nos meses passados: os Cardeais Paolo Dezza, Ignatius Kung Pin-Mei, Antony Padiyara, Bernardino Echeverría Ruiz, John Joseph O'Connor, Vincentas Sladkevicius, Paul Zougrana, Augusto Vargas Alzamora, Vincenzo Fagiolo, Paul Gouyon, Egano Righi-Lambertini e Pietro Palazzini. A sua recordação, juntamente com a de todos os Arcebispos e Bispos defuntos, apresenta-seànossa memória: durante a sua existencia, eles anunciaram o Evangelho, edificaram a Igreja, distribuíram os dons da graça dos sacramentos; fizeram o bem. Agora, com coração reconhecido, confiamo-losàgenerosa recompensa do Senhor pelas obras boas e pelos exemplos positivos que nos deixaram. Confiamo-los, além disso,àsua infinita misericórdia, implorando-Lhe para eles a justificação de todo o resíduo de debilidade humana.
Estes nossos irmãos creram firmemente em Cristo e dessa fé fizeram o fundamento da sua inteira existência. A vida do homem não pode, por si mesma, chegar à visão beatífica, que é um dom reservado a quem crê. Eis por que o fiel proclama com confiança segura: "Eu sei que o meu Redentor vive" (cf. Jó Jn 12,27). Nós sabemos que, no fim, Cristo, nosso Salvador, virá acolher-nos e para sempre estaremos com Ele.
3. Caríssimos Irmãos e Irmãs! A nossa fé de cristãos está fundada na palavra de Cristo, que, no Evangelho há pouco proclamado, afirma: "Quem ouve a Minha palavra e acredita n'Aquele que Me enviou tem a vida eterna" (Jn 5,24). Esta palavra é de maneira incansável anunciada pela Igreja à humanidade, para que todos possam abrir-se à fé e ter como herança a bem-aventurança eterna.
Que importância assume, nesta perspectiva, a nossa peregrinação no mundo! É um tempo, mais ou menos longo, que nos é oferecido para conhecer Cristo e para crescer na comunhão com Ele. Quem crê no Filho de Deus encarnado viverá eternamente; quem O ama não deve temer dificuldades; não pode deter-se diante de nenhum obstáculo quem se apoia n'Ele. É Cristo o objectivo fundamental da sua existência. Crê, entrega-se e tem confiança n'Ele: entra assim no segredo do seu amor, que salva e cumula de alegria o coração.
Que tesouro é a fé e como é urgente a tarefa de a anunciar a quantos ainda estão privados dela! É preciso que ao homem, sedento de verdade e de amor, chegue a palavra que explica, que conforta, que indica o caminho. A palavra que cura. Esta palavra é o Verbo eterno que saiu do seio do Pai para nos trazer a vida. É Cristo, nosso Redentor, que durante o Grande Jubileu constantemente contemplamos. Todos os que escutarem a sua palavra "viverão" (cf. Jo Jn 5,25). Bem-aventurados aqueles que a anunciam! Bem-aventurados aqueles que a servem, e sobre ela constróem a própria vida!
4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, a certeza de que Cristo é o nosso Salvador e que por nós morreu e ressuscitou, conforta-nos e sustenta-nos, enquanto prosseguimos a nossa peregrinação rumo à Pátria celeste. No transcorrer dos dias e das estações ressoa a palavra de Deus: "Cristo é o mesmo, ontem e hoje, e será sempre o mesmo" (He 13,8). Esta verdade acompanhou-nos ao longo de todo o ano jubilar marcando o ritmo do nosso caminhar solene e majestoso na esperança. É a fé da Igreja. É a nossa fé.
Queremos reafirmar esta fé, enquanto elevamos a nossa oração de sufrágio pelos Pastores que hoje comemoramos. É uma recordação entrelaçada de afecto e de gratidão, que se abre à confortadora consciência de que um dia nos encontraremos juntamente com eles, a fim de louvar para sempre o Senhor da misericórdia e da vida.
Enquanto confiamos ao Supremo Pastor estes nossos irmãos no sacerdócio, que Ele chamou a Si, renovemos a nossa adesão a Cristo, na esperança de que um dia seja dado também a nós ouvir a sua voz consoladora: Vem, servo bom e fiel, toma parte na glória do teu Senhor (cf. Mt Mt 25,21).
A Maria, Mãe da Esperança, confiamos estes seus filhos devotos, para que os introduza no Reino da bem-aventurança eterna.
Em Cristo, requiescant in pace! Amém.
Domingo, 19 de Novembro de 2000
1505 1. "Então verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória" (Mc 13,26).
Neste penúltimo domingo do tempo comum, a Liturgia fala-nos da segunda vinda de Cristo. O Senhor aparecerá sobre as nuvens, revestido de glória e de poder. É precisamente o Filho do homem, misericordioso e compassivo, que os discípulos conheceram no Seu itinerário terrestre. Quando chegar o momento da sua manifestação gloriosa, Ele virá completar definitivamente a história humana.
Através do simbolismo de assolamentos cosmológicos, o evangelista Marcos recorda que Deus pronunciará no Filho o seu juízo acerca das vicissitudes dos homens, pondo termo a um universo corrompido pela mentira e dilacerado pela violência e a injustiça.
2. Caríssimos militares e membros das Forças da Polícia, rapazes e moças, quem melhor do que vós pode dar testemunho acerca da violência e das forças desagregadoras do mal, presentes no mundo? Vós lutais todos os dias contra elas: com efeito, sois chamados a defender os frágeis, a tutelar os honestos e a favorecer a convivência pacífica dos povos. A cada um de vós cabe o papel de sentinela, que observa ao longe para esconjurar o perigo e promover a justiça e a paz em toda a parte.
Saúdo todos vós com afecto, estimados Irmãos e Irmãs, vindos a Roma de inúmeras regiões da terra para celebrar o vosso Jubileu especial. Sois os representantes de exércitos que se confrontaram ao longo da história. Hoje encontrais-vos junto do Túmulo do Apóstolo Pedro para celebrar Cristo, "nossa paz. De dois povos, Ele fez um só. Na sua carne, derrubou o muro da separação: o ódio" (Ep 2,14). A Ele, misteriosa e realmente presente na Eucaristia, viestes oferecer os vossos propósitos e o vosso quotidiano compromisso de construtores da paz.
A cada um de vós exprimo o mais íntimo apreço pela abnegação e o empenhamento generoso. Dirijo o meu pensamento com fraterna estima em primeiro lugar ao Mons. José Manuel Estepa Llaurens, que se fez intérprete dos vossos comuns sentimentos. Depois, a minha saudação estende-se aos dilectos Arcebispos e Bispos Ordinários Militares, que parabenizo pela dedicação com que se entregam ao vosso cuidado pastoral. Além deles, saúdo os Capelães Militares, que gererosamente compartilham os ideais e os afãs da vossa árdua actividade diária. O meu pensamento respeitoso dirige-se, outrossim, aos Oficiais das Forças Armadas, aos Responsáveis das Forças da Polícia e dos vários Organismos de segurança, assim como às Autoridades civis, que quiseram compartilhar a alegria e a graça desta solene celebração jubilar.
3. A vossa experiência quotidiana leva-vos a enfrentar situações difíceis e às vezes dramáticas, que colocam em perigo a segurança humana. Porém, o Evangelho conforta-nos apresentando a figura vitoriosa de Cristo, juiz da história. Com a sua presença, Ele ilumina a escuridão e até mesmo o desespero do homem, oferecendo a quem n'Ele confia a consoladora certeza da Sua assistência constante.
No Evangelho há pouco proclamado escutámos uma referência significativa à figueira cujos ramos, com o brotar dos primeiros rebentos, anunciam o tempo primaveril já próximo. Com estas suas palavras, Jesus encoraja os Apóstolos a não se renderem perante as dificuldades e as incertezas do tempo presente. Exorta-os sobretudo a saber esperar e a preparar-se para O receber quando Ele vier. Hoje também vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, sois convidados pela Liturgia a saber perscrutar os "sinais dos tempos", em conformidade com uma expressão apreciada pelo meu venerado predecessor Papa João XXIII, recentemente proclamado Beato.
Por mais complexas e problemáticas que as situações sejam, não desanimeis. O germe da esperança jamais deve desfalecer no coração do homem. Pelo contrário, estai sempre atentos a captar e a encorajar qualquer sinal positivo de renovação pessoal e social. Estai prontos a favorecer com qualquer meio a impávida edificação da justiça e da paz.
4. A paz é um direito fundamental de cada homem e há-de ser promovido perenemente, tendo em conta o facto de que "na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça, e será assim até à vinda de Cristo" (Gaudium et spes, GS 78). Às vezes esta tarefa, como também a experiência recente demonstrou, comporta iniciativas concretas para desarmar o agressor. Aqui tenciono referir-me à chamada "ingerência humanitária" que, após o fracasso dos esforços da política e dos instrumentos de defesa não violentos, representa a extrema tentativa a que se deve recorrer para deter a mão do agressor injusto.
Caríssimos, obrigado pela vossa corajosa obra de pacificação em países devastados por guerras absurdas; obrigado pelo socorro que prestais, desprezando os perigos, em benefício de populações atingidas por calamidades naturais. Como são numerosas as missões humanitárias em que estais comprometidos nestes últimos anos! Desempenhando o vosso árduo dever, não raro estais expostos a perigos e a sacrifícios gravosos. Fazei com que cada uma das vossas intervenções evidencie sempre a vossa autêntica vocação de "instrumentos da segurança e liberdade dos povos" que "contribuam... para estabelecer a paz", segundo a feliz expressão do Concílio Vaticano II (Ibid., n. 79).
1506 Sede homens e mulheres de paz. E para o poder ser plenamente, acolhei no vosso coração Cristo, autor e garante da verdadeira paz. Ele tornar-vos-á capazes da fortaleza evangélica que faz vencer as fascinantes tentações da violência. Ajudar-vos-á a colocar a força ao serviço dos grandes valores da vida, da justiça, do perdão e da liberdade.
5. Aqui gostaria de prestar homenagem a muitos dos vossos amigos que pagaram com a vida a fidelidade à sua missão. Esquecendo-se de si mesmos, desprezando o perigo, prestaram à comunidade um serviço inestimável. E hoje, durante a celebração eucarística, confiamo-los ao Senhor com gratidão e admiração.
Mas onde foi que eles hauriram o vigor necessário para cumprir a sua tarefa até ao fim, se não na total adesão aos ideais professados? Muitos deles acreditaram em Cristo e a sua palavra iluminou a existência deles e deu um valor exemplar ao seu sacrifício. Eles fizeram do Evangelho o código dos seus comportamentos. Sirva-vos de encorajamento o modelo destes vossos colegas que, cumprindo fielmente o próprio dever, alcançaram os píncaros do heroísmo e por vezes da santidade.
Assim como eles, também vós olhais para Cristo que vos chama "à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade". Chama-vos a ser santos. E para poder realizar esta vossa vocação, segundo a conhecida expressão do Apóstolo Paulo, "vesti a armadura de Deus... Ficai, portanto, bem firmes, superando todas as provas: cingidos com o cinturão da verdade, vestidos com a couraça da justiça, os pés calçados com o zelo para propagar o evangelho da paz; tende sempre na mão o escudo da fé... Ponde o capacete da salvação e empunhai a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus" (Ep 6,13-17). Sobretudo, "rezai incessantemente" (Ibid., v. 18).
Sustente-vos e assista-vos na vossa não fácil actividade Maria, a virgo fidelis. O vosso coração jamais se confunda; pelo contrário, fique pronto, vigilante e solidamente ancorado na promessa de Jesus, que no Evangelho de hoje nos garantiu a sua ajuda e tutela: "O céu e a terra desaparecerão, mas as minhas palavras não desaparecerão" (Mc 13,31).
Invocando Cristo, continuai a desempenhar o vosso dever com generosidade. Inúmeras pessoas olham para vós e em vós confiam, na esperança de poderem gozar de uma existência na serenidade, na ordem e na paz.
Homilias JOÃO PAULO II 1498