Homilias JOÃO PAULO II 1666
JOÃO PAULO II
Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe
Quinta-feira, 1° de agosto de 2002
Queridos Irmãos e Irmãs
1. "Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu" (Mt 5,10). No Evangelho das Bem-Aventuranças, esta última convida a não desanimar perante as perseguições que a Igreja teve de enfrentar desde o princípio. No Sermão da Montanha, Jesus promete a felicidade autêntica àqueles que são pobres em espírito, que choram ou que são mansos; e também aos que procuram a justiça e a paz, que actuam com misericórdia ou que são puros de coração.
Diante do sofrimento humano que acompanha o caminho na fé, São Pedro exclama: "Alegrai-vos por participardes dos sofrimentos de Cristo, para que também vós vos alegreis e exulteis ao revelar-se a sua glória" (1P 4,13). Foi com esta convicção que João Baptista e Jacinto dos Anjos enfrentaram o martírio, permanecendo fiéis ao culto de Deus vivo e verdadeiro, e rejeitando os ídolos.
Enquanto padeciam os sofrimentos, foi-lhes proposto que renunciassem à fé católica e se salvassem, mas eles contestaram com coragem: "Dado que professámos o Baptismo, seguiremos sempre a religião verdadeira".Bonito exemplo do modo como nada se deve antepor, nem sequer a própria vida, ao compromisso baptismal, como fizeram os primeiros cristãos que, regenerados pelo próprio Baptismo, abandonaram todas as formas de idolatria (cf. Tertuliano, De baptismo, 12, 15).
1667 2. Saúdo com afecto os Senhores Cardeais e Bispos congregados nesta Basílica. Em particular, o Arcebispo de Oaxaca, D. Héctor González Martínez, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos, especialmente aqueles que vieram de Oaxaca, terra natal dos novos Beatos, onde a sua recordação ainda permanece muito viva.
A vossa terra é uma rica mistura de culturas. O Evangelho chegou aqui em 1529, com os Frades Dominicanos a usar as línguas nativas e os usos e costumes das comunidades locais. Entre os frutos desta sementeira cristã, realçam-se estes dois grandes mártires.
3. Na segunda leitura, São Pedro recordou-nos que, se alguém "sofre como cristão... glorifique a Deus por ter o nome de cristão" (1P 4,16). Derramando o seu sangue por Cristo, João Baptista e Jacinto dos Anjos são autênticos mártires da fé.
Como o Apóstolo Paulo, no seu interior, podiam interrogar-se:"Quem nos poderá separar do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada?" (Rm 8,35).
Estes dois cristãos indígenas, irrepreensíveis na sua vida pessoal e familiar, padeceram o martírio em virtude da sua fidelidade à fé católica, felizes por serem baptizados. Eles constituem um exemplo para os fiéis leigos, chamados a santificar-se nas circunstâncias ordinárias da vida.
4. Com esta Beatificação, a Igreja põe em relevo a sua missão de anunciar o Evangelho a todos os povos. Os novos Beatos, fruto de santidade da primeira Evangelização entre os índios zapotecas, animam os indígenas de hoje a apreciar as suas culturas e línguas e, sobretudo, a sua dignidade de filhos de Deus que os outros devem respeitar no contexto da Nação mexicana, pluralista na origem das suas populações e disposta a construir uma família comum na solidariedade e na justiça.
Os dois Beatos são um paradigma do modo como, sem mistificar os seus costumes ancestrais, é possível alcançar Deus, sem renunciar à própria cultura, mas deixando-se iluminar pela luz de Cristo, que renova o espírito religioso das melhores tradições dos povos.
5. "Sim, o Senhor foi grande connosco, e por isso estamos alegres" (Ps 126 [125], 3). Com estas palavras do salmista, o nosso coração enche-se de júbilo, porque Deus abençoou a Igreja que está em Oaxaca e o seu povo mexicano com dois dos seus filhos, que no dia de hoje são elevados à glória dos altares. Com um exemplar cumprimento das suas funções públicas, eles são um modelo para as pessoas que, nas pequenas aldeias ou nas grandes estruturas sociais, têm o dever de favorecer o bem comum com esmero e abnegação pessoal.
João Baptista e Jacinto dos Anjos, esposos e pais de família de comportamento irrepreensível, como já nessa época foi reconhecido pelos seus compatriotas, recordam às famílias mexicanas de hoje a grandeza da sua vocação, o valor da fidelidade na caridade e o generoso acolhimento da vida.
Alegra-se, pois, a Igreja porque, através destes novos Beatos, recebeu demonstrações evidentes do amor de Deus para connosco (cf. Prefácio II dos Santos). Rejubila inclusivamente a comunidade cristã de Oaxaca e do México inteiro, porque o Todo-Poderoso fixou o seu olhar em dois dos seus filhos.
6. Perante o rosto meigo da Virgem de Guadalupe, que deu alento constante à fé dos seus filhos mexicanos, renovemos o compromisso evangelizador que distinguiu também João Baptista e Jacinto dos Anjos. Façamos participantes desta tarefa todas as comunidades cristãs, a fim de que proclamem com entusiasmo a sua fé e a transmitam na sua integridade às novas gerações. Anunciai o Evangelho, estreitando os vínculos de comunhão fraternal e dando testemunho da fé com uma vida exemplar no seio da família, do trabalho e dos relacionamentos sociais! Procurai o Reino de Deus e a sua justiça já aqui na terra, mediante uma solidariedade concreta e fraternal para com os mais desfavorecidos ou marginalizados (cf. Mt Mt 25,34-35)! Sede artífices de esperança para a sociedade inteira!
1668 À nossa Mãe celestial, queremos manifestar a alegria que nos arrebata, ao vermos ser elevados à glória dos altares dois dos seus filhos e, ao mesmo tempo, pedimos-lhe que abençoe, console e ajude, como sempre fez deste Santuário de Tepeyac, o querido povo mexicano e toda a América!
No fim da homilia, o Papa quis proferir ainda estas expressões:
Recordo-me de que, durante a minha primeira visita, em 1979, pude visitar Oaxaca. Alegro-me por hoje ter beatificado dois dos seus filhos. Graças a Deus!
Após a celebração, João Paulo II, ainda pronunciou estas palavras:
Senti aqui a vossa estima e voltar causou-me uma profunda alegria espiritual, de que dou graças a Deus e à sua Mãe Santíssima. Obrigado também a todos vós que preparastes a minha visita, atendendo a todos os pormenores. Obrigado aos que, com tanto carinho, me receberam nas ruas desta cidade, aos que vieram de longe, aos que escutaram e acolheram a mensagem que vos deixo, a vós que tanto rezais pelo meu ministério de Sucessor de São Pedro.
Ao preparar-me para deixar esta terra bendita, vem-me aos lábios a palavra da canção popular em língua espanhola: "Me voy, pero non me voy. Me voy, pero non me ausento, pues, aunque me voy, de corazón me quedo!" (Vou embora, mas não me vou. Vou embora, mas não me ausento, pois, ainda que vá embora, aqui fico com o meu coração).
E depois, acrescentou:
México, México, lindo México, que Deus te abençoe!
JOÃO PAULO II
Santuário da Misericórdia Divina, Lagiewniki
Sábado 17 de agosto de 2002
"Ó incompreensível e insondável
1669 Misericórdia de Deus,
Quem Te pode adorar
e exaltar de modo digno?
Ó máximo símbolo
de Deus Omnipotente,
Tu és a doce esperança
dos pecadores"
(Diário, 951, ed. it. 2001, pág. 341).
Caríssimos Irmãos e Irmãs
1. Repito hoje estas palavras, simples e sinceras, de Santa Faustina, para adorar juntamente com ela e com todos vós o mistério inconcebível e insondável da misericórdia de Deus. Como ela, queremos professar que não existe para o homem outra fonte de esperança, fora da misericórdia de Deus. Desejamos repetir com fé: Jesus, tenho confiança em Ti!
No nosso tempo, em que o homem se sente perdido face às numerosas manifestações do mal, temos particular necessidade deste anúncio que exprime a confiança no amor omnipotente de Deus. É preciso que a invocação da misericórdia de Deus surja do fundo dos corações repletos de sofrimento, de apreensão e de incerteza, mas que, ao mesmo tempo, procura uma fonte infalível de esperança. É por isso que hoje viemos aqui, ao Santuário de Lagiewniki, para redescobrir em Cristo o rosto do Pai: daquele que é "Pai da misericórdia e Deus de toda a consolação" (2Co 1,3). Com os olhos da alma desejamos fixar o olhar de Jesus misericordioso para encontrar na profundidade deste olhar o reflexo da sua vida, assim como a luz da graça que já recebemos tantas vezes, e que Deus nos destina todos os dias e para o último dia.
1670 2. Preparamo-nos para dedicar este novo templo à Misericórdia de Deus. Antes deste acto desejo agradecer de coração a todos os que contribuíram para a sua construção. Agradeço de modo especial ao Cardeal Franciszek Macharski, que muito se empenhou nesta iniciativa, manifestando a sua devoção à Misericórdia Divina. Abraço com afecto as Irmãs da Bem-Aventurada Virgem Maria da Misericórdia e agradeço-lhes a sua obra de difusão da mensagem deixada pela Irmã Santa Faustina. Saúdo os Cardeais e os Bispos da Polónia, guiados pelo Cardeal Primaz, assim como os Bispos provenientes de várias partes do mundo. Alegro-me com a presença dos sacerdotes diocesanos e religiosos e dos seminaristas.
Saúdo de coração todos os participantes nesta celebração e, de modo particular, os representantes da Fundação do Santuário da Misericórdia Divina que se encarregou da sua construção, e os responsáveis das várias empresas. Sei que, com generosidade, muitas das pessoas aqui presentes apoiaram materialmente esta construção. Peço a Deus que recompense a sua magnanimidade e o seu compromisso com a sua Bênção!
3. Irmãos e Irmãs! Enquanto dedicamos esta nova Igreja, podemos fazer a pergunta que preocupava o rei Salomão: "Mas, em verdade, habitará Deus sobre a terra? Se nem o céu, se nem os altíssimos céus vos podem conter, muito menos esta casa que edifiquei!" (1R 8,27). Sim, à primeira vista, relacionar determinados "espaços" com a presença de Deus poderia parecer inoportuno. Contudo, é preciso recordar que o tempo e o espaço pertencem totalmente a Deus.
Mesmo se o tempo e o mundo inteiro podem ser considerados o seu "templo", contudo existem tempos e lugares que Deus escolhe, para que, neles, os homens conheçam de maneira especial a sua presença e a sua graça. E o povo, estimulado pelo sentido da fé, vem a estes lugares, com a certeza de estar verdadeiramente diante de Deus que, está presente neles.
Vim a Lagiewniki com este mesmo espírito de fé, para dedicar este novo templo, com a convicção de que ele é um lugar especial escolhido por Deus para difundir a graça da sua misericórdia. Rezo para que esta igreja seja sempre um lugar de anúncio da mensagem sobre o amor misericordioso de Deus; um lugar de conversão e de penitência; um lugar de celebração da Eucaristia, fonte da misericórdia; um lugar de oração e de assídua impetração da misericórdia para nós e para o mundo. Rezo com as palavras de Salomão: "Senhor, meu Deus, atendei à oração e às súplicas do vosso servo; ouvi o clamor e a prece que hoje vos dirijo. Que os vossos olhos estejam dia e noite abertos sobre esse templo... Ouvi a súplica do vosso servo e do vosso povo de Israel, quando aqui orarem. Ouvi-os do alto da Vossa mansão no céu, ouvi-os e perdoai" (1R 8,28-30).
4. "Mas vai chegar a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja" (Jn 4,23). Quando lemos estas palavras do Senhor Jesus no Santuário da Misericórdia Divina, damo-nos conta, de maneira muito particular, de que não nos podemos apresentar aqui, a não ser em Espírito e verdade. É o Espírito Santo, Consolador e Espírito de Verdade, que nos conduz pelos caminhos da Misericórdia Divina. Ele, convencerá o mundo "do pecado, da justiça e do juízo" (Jn 16,8), ao mesmo tempo revela a plenitude da salvação em Cristo. Este convencer em relação ao pecado realiza-se numa dupla relação à Cruz de Cristo. Por um lado, o Espírito Santo permite-nos, mediante a Cruz de Cristo, reconhecer o pecado, qualquer pecado, na total dimensão do mal, que em si contém e esconde. Por outro lado, o Espírito Santo permite-nos, sempre mediante a Cruz de Cristo, ver o pecado à luz do mysterium pietatis, isto é, do amor misericordioso e indulgente de Deus (cf. Dominum et vivificantem, DEV 32).
Desta forma, "convencer em relação ao pecado" torna-se ao mesmo tempo um convencer que o pecado pode ser perdoado e o homem pode novamente corresponder à dignidade do filho predilecto de Deus. De facto, a Cruz, "é o modo mais profundo de a divindade se debruçar sobre a profundidade (...). A Cruz é como que um toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem" (Dives in misericordia DM 8). Esta verdade será sempre recordada pela pedra angular deste Santuário, tirada do monte do Calvário, de certa forma debaixo da Cruz, sobre a qual Jesus Cristo venceu o pecado e a morte.
Estou firmemente convicto de que este novo templo permanecerá sempre um lugar onde as pessoas se apresentarão diante de Deus em Espírito e verdade. Virão com a confiança que assiste todos aqueles que humildemente abrem o coração à acção misericordiosa de Deus, àquele amor que nem sequer o maior pecado pode destruir. Aqui, no fogo do amor divino, os corações arderão bradando à conversão, e quem procura a conversão ou a esperança encontrará alívio.
5. "Pai eterno, ofereço-Te o Corpo e o Sangue, a Alma e a divindade do teu dilectíssimo Filho e nosso Senhor Jesus Cristo, pelos nossos pecados e pelos pecados de todo o mundo; pela Sua dolorosa Paixão, tem piedade de nós e de todo o mundo" (Diário, 476, ed. it., pág. 193). De nós e do mundo inteiro... Quanta necessidade da misericórdia de Deus tem hoje o mundo! Em todos os continentes, do profundo do sofrimento humano, parece que se eleva a invocação da misericórdia. Onde predominam o ódio e a sede de vingança, onde a guerra causa o sofrimento e a morte dos inocentes, é necessária a graça da misericórdia para aplacar as mentes e os corações, e para fazer reinar a paz. Onde falta o respeito pela vida e pela dignidade do homem, é necessário o amor misericordioso de Deus, a cuja luz se manifesta o indescritível valor de cada ser humano. É necessária a misericórdia para fazer com que toda a injustiça no mundo encontre o seu fim no esplendor da verdade.
Por isso hoje, neste Santuário, desejo confiar solenemente o mundo à Misericórdia Divina. Faço-o com o desejo ardente de que a mensagem do amor misericordioso de Deus, aqui proclamado por intermédio de Santa Faustina, chegue a todos os habitantes da terra e cumule os seus corações de esperança. Esta mensagem se difunda deste lugar em toda a nossa Pátria e no mundo. Oxalá se realize a firme promessa do Senhor Jesus: deve elevar-se deste lugar "a centelha que preparará o mundo para a sua última vinda" (cf. Diário, 1732, ed. it., pág. 568). É preciso acender esta centelha da graça de Deus. É necessário transmitir ao mundo este fogo da misericórdia. Na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz, e o homem a felicidade!
Confio-vos esta tarefa a vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, à Igreja que se encontra em Cracóvia e na Polónia, e a todos os devotos da Misericórdia Divina, que aqui vierem da Polónia e do mundo inteiro. Sede testemunhas da misericórdia!
1671 6. Deus, Pai misericordioso
que revelaste o Teu amor
no Teu Filho Jesus Cristo
e o derramaste sobre nós
no Espírito Santo, Consolador
confiamos-te hoje o destino
do mundo e de cada homem.
Inclina-te sobre nós, pecadores
cura a nossa debilidade
vence o mal
faz com que todos
1672 os habitantes da terra
conheçam a tua misericórdia
para que em Ti, Deus Uno e Trino
encontrem sempre a esperança.
Pai eterno
pela dolorosa Paixão e Ressurreição
do teu Filho
tem misericórdia de nós
e do mundo inteiro.
Amen!
No final da Santa Missa, antes de conceder a Bênção apostólica, o Santo Padre pronunciou ainda as seguintes palavras de agradecimento:
1673 No final desta solene liturgia desejo dizer que muitas das minhas recordações pessoais se relacionam com este lugar. Eu vinha aqui sobretudo durante a ocupação nazista, quando trabalhava no estabelecimento Solvay, situado perto daqui. Ainda hoje me recordo do caminho que leva de Borek Falecki a Debniki, que eu todos os dias percorria para ir trabalhar nos diversos horários, com os sapatos de madeira nos pés. Eram assim os sapatos naquela época. Como era possivel imaginar que aquele homem com os socos, um dia teria consagrado a basilica da Misericórdia Divina, em Lagiewniki de Cracóvia.
Alegro-me com a construção deste bonito templo dedicado à Misericórdia Divina. Confio ao cuidado do Cardeal Macharski, a toda a Arquidiocese de Cracóvia e às Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia a existência material e sobretudo espiritual deste santuário. Oxalá esta colaboração na obra da difusão do culto de Jesus misericordioso dê frutos abençoados nos corações dos fiéis na Polónia e em todo o mundo.
Deus misericordioso abençoe abundantemente todos os peregrinos que vêm e vierem aqui no futuro.
JOÃO PAULO II
Parque de Blonie, Cracóvia
Domingo 18 de agosto de 2002
"O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei a vós" (Jn 15,12).
Caríssimos Irmãos e Irmãs
1. As palavras do Senhor Jesus, que acabámos de escutar, inserem-se de maneira especial no tema da assembleia litúrgica do dia de hoje, na esplanada de Blonie, em Cracóvia: "Deus, rico em misericórdia". Este lema resume, de certa forma, toda a verdade sobre o amor de Deus, que redimiu a humanidade. "Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, estando nós mortos pelos nossos delitos, deu-nos a vida juntamente com Jesus Cristo" (Ep 2,4-5). A plenitude deste amor revelou-se no sacrifício da Cruz. Com efeito: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos" (Jn 15,13). Esta é a primeira medida do amor de Deus! Esta é a medida da misericórdia de Deus!
Quando estamos conscientes desta verdade, damo-nos conta de que o convite de Jesus Cristo a amarmos os outros, como Ele nos amou a nós, propõe-nos a todos esta mesma medida. De certa maneira, sentimo-nos impelidos a oferecer a vida no dia-a-dia, manifestando a nossa misericórdia para com os irmãos, valendo-nos do dom do amor misericordioso de Deus. Damo-nos conta de que Deus, concedendo-nos a misericórdia, espera que sejamos testemunhas da misericórdia no mundo contemporâneo.
2. O convite a dar testemunho da misericórdia ressoa com singular eloquência aqui, na amada Cracóvia, dominada pelo Santuário da Misericórdia Divina de Lagiewniki e pelo novo templo, que ontem tive a alegria de consagrar. Aqui, este convite ressoa de modo familiar, porque se refere à tradição secular desta Cidade, cuja característica peculiar foi sempre a disponibilidade para ajudar os necessitados. Não nos podemos esquecer de que, desta tradição, fazem parte numerosos Santos e Beatos - sacerdotes, pessoas consagradas e leigos - que dedicaram a sua vida às obras de misericórdia. A partir do Bispo D. Estanislau, da Rainha Edviges, de João de Kety e de Pedro Skarga, até Frei Alberto, Ângela Salawa e ao Cardeal Sapieha, as gerações dos fiéis desta Cidade, ao longo dos séculos, transmitiram a herança da misericórdia. Hoje, esta herança foi entregue nas nossas mãos e não deve cair no esquecimento.
Agradeço ao Senhor Cardeal Franciszek Macharski que, com as suas palavras de saudação, quis recordar-nos esta tradição. Estou reconhecido pelo convite para visitar a minha Cracóvia e pela hospitalidade que me quisestes oferecer. Saúdo todos os presentes, a começar pelos Cardeais e Bispos, assim como as pessoas que participam nesta Eucaristia através da rádio e da televisao.
1674 Saúdo a Polónia inteira! Percorro espiritualmente o itinerário luminoso, com que Santa Faustina Kowalska se preparou para receber a mensagem da misericórdia - de Varsóvia, através de Plock e Vilnius, até Cracóvia - recordando também quantos, ao longo deste percurso, cooperaram com a Apóstola da Misericórdia Divina. Desejo saudar os nossos hóspedes. Dirijo uma saudação ao Senhor Presidente da República Polaca, ao Senhor Primeiro-Ministro e também aos representantes das Autoridades estatais e territoriais.
Abraço de todo o coração os meus compatriotas e, de maneira particular, os meus conterrâneos atingidos pelo sofrimento e pela enfermidade, quantos saão provados por numerosas dificuldades, os desempregados, os desabrigados, as pessoas de terceira idade, os indivíduos que vivem na solidão, as famílias com prole numerosa. Asseguro-lhes a todos que estou espiritualmente próximo deles e os acompanho de maneira constante, através da oração. Saúdo do íntimo do coração também os peregrinos que aqui vieram dos vários países da Europa e do mundo inteiro. Dirijo uma saudação especial ao Presidente da República da Lituância e ao Presidente da República da Eslováquia, hoje aqui presentes.
3. Desde o início da sua existência, apelando para o mistério da Cruz e da Ressurreição, a Igreja anuncia a misericórdia de Deus, penhor de esperança e fonte de salvação do homem. Todavia, parece que hoje em dia ela é particularmente chamada a anunciar esta mensagem ao mundo inteiro. E nao pode descuidar esta missão, se é Deus que a chama com o testemunho de Santa Faustina.
E para isto, Deus escolheu os nossos tempos. Talvez porque, apesar das conquistas inquestionáveis, o século XX caracterizou-se de maneira particular pelo "mistério da iniquidade". Foi com esta herança de bem, mas também de mal, que entrámos no novo milénio.
Diante da humanidade, abrem-se novas perspectivas de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, de perigos até agora inéditos. Com frequência, o homem vive como se Deus não existisse, e chega a pôr-se a si mesmo no lugar de Deus. Assim, arroga para si próprio o direito do Criador, de interferir no mistério da vida humana. E, mediante manipulações genéticas, quer decidir a vida do homem e determinar o limite da morte. Rejeitando as leis divinas e os princípios morais, ele atenta abertamente contra a família. De várias maneiras, procura fazer calar a voz de Deus no coração dos homens; e quer fazer de Deus o "grande ausente" na cultura e na consciencia dos povos. O "mistério da iniquidade" continua a caracterizar a realidade do mundo.
Experimentando este mistério, o homem vive o medo do futuro, do vazio, do sofrimento e do aniquilamento. Talvez seja precisamente por este motivo que, mediante o testemunho de uma Religiosa humilde, é como se Jesus Cristo tivesse entrado nos nossos tempos para indicar claramente a fonte de alívio e de esperança, que se encontra na misericórdia de Deus.
É necessário fazer ressoar a mensagem do amor misericordioso com um vigor renovado. O mundo precisa deste amor. Chegou a hora de fazer a mensagem de Jesus Cristo atingir todos os homens: de maneira especial aqueles, cuja humanidade e dignidade parecem perder-se no mysterium iniquitatis. Chegou o momento de a mensagem da Misericórdia Divina derramar a esperança nos corações, tornando-se a centelha de uma nova civilização: a civilização do amor.
4. A Igreja deseja anunciar esta mensagem incansavelmente, não apenas com palavras ardentes, mas com uma solícita prática da misericórdia. É por este motivo que indica maravilhosos exemplos de pessoas que, em nome do amor de Deus e do homem, "foram e deram muito fruto". Hoje unem-se a elas quatro novos Beatos. Várias são as épocas em que eles viveram e diversas são as suas vicissitudes pessoais. Porém, todos eles estão unidos por aquela especial caracerística de santidade, que é a consagração à causa da misericórdia.
O Beato Sigismundo Félix Felinski, ex-Arcebispo de Varsóvia, numa difícil época caracterizada pela falta de liberdade nacional, exortava a perseverar no serviço generoso aos pobres, a fundar instituições educativas e estruturas caritativas. Ele mesmo fundou um orfanato e uma escola, e fez chegar à capital as Religiosas da Bem-Aventurada Virgem Maria da Misericórdia, apoiando a obra por elas mesmas começada. Depois do termo da insurreição de 1863, orientado por sentimentos de misericórdia para com os irmãos, ele defendeu abertamente os perseguidos. O preço que teve de pagar por esta fidelidade foi a deportação para a periferia da Rússia, onde passou vinte anos.
Mas também ali continuou a recordar-se das pessoas pobres e perdidas, manifestando-lhes um grande amor, paciência e compreensão. Dele desejou escrever-se que, "durante o seu exílio, oprimido de todas as partes, na pobreza da oração, permaneceu sempre e unicamente aos pés da Cruz, recomendando-se à Misericórdia Divina".
Ele é um exemplo de ministério pastoral que hoje, de maneira especial, quero confiar aos meus Irmãos no Episcopado. Caríssimos, o Arcebispo Félix Felinski apoia os vossos esforços em ordem a elaborar e pôr em prática um programa pastoral da misericórdia. Que este programa constitua o vosso compromisso, em primeiro lugar na vida da Igreja e depois, como elemento necessário e oportuno, na vida social e política da Nação polaca, da Europa e do mundo inteiro.
1675 Impelido por este espírito de caridade social, o Arcebispo D. Félix Felinski comprometeu-se profundamente em benefício da salvaguarda da liberdade nacional. E isto é necessário também hoje, quando várias forças, com frequência orientadas por uma falsa ideologia de liberdade, procuram apropriar-se deste terreno. Quando uma ruidosa propaganda de liberalismo, de liberdade desprovida de verdade e de responsabilidade, se intensifica inclusivamente no interior do nosso País, os Pastores da Igreja nao podem deixar de anunciar a única e infalível filosofia da liberdade, que é a verdade da Cruz de Jesus Cristo. Esta filosofia de liberdade está estruturalmente ligada à história da nossa Nação.
5. O desejo de levar a misericórdia aos mais necessitados impeliu o Beato Joao Beyzym grande missionário jesuíta até ao longínquo Madagáscar onde, por amor de Jesus Cristo, consagrou a sua vida aos leprosos. Serviu dia e noite aqueles que vivem marginalizados, afastados da vida social.
Com as suas obras de misericórdia em favor das pessoas abandonadas e desprezadas, prestou um testemunho extraordinário. Testemunho este que ressoou primeiro em Cracóvia, depois na Polónia e, em seguida, no meio dos polacos que vivem na diáspora. Foram recolhidos fundos para construir um hospital dedicado à memória de Nossa Senhora de Czestochowa, que existe ainda hoje. Um dos promotores desta ajuda foi o santo Frei Alberto.
É-me grato saber que este espírito de solidariedade na misericórdia continua a viver na Igreja polaca; e demonstram-no as numerosas obras de assistência às comunidades atingidas por catástrofes naturais, em várias regiões do mundo inteiro, assim como as recentes iniciativas em ordem a alcançar a superproduçao de cereais, para depois os destinar às pessoas que sofrem de fome no Continente africano. Formulo votos a fim de que esta nobre ideia possa realizar-se.
A obra caritativa do Beato João Beyzym fazia parte da sua missão fundamental: levar o Evangelho àqueles que ainda não o conhecem. Este é o maior dom de misericórdia: levar os homens a Cristo e dar-lhes a possibilidade de conhecer e experimentar o seu Amor. Por isso, peço-vos: rezai a fim de que, na Igreja que peregrina na Polónia, nasçam mais vocações missionárias. Apoiai incessantemente os missionários com a ajuda e a oração.
6. O serviço à misericórdia caracterizou inclusivamente a vida do Beato João Balicki. Como sacerdote, ele sempre conservou o seu coração aberto aos necessitados. O seu ministério de misericórdia expressou-se não apenas na ajuda aos enfermos e aos pobres mas, com particular energia, mediante o ministério do confessionário, que ele exerceu com grandes paciência e humildade, sempre disponível a aproximar de novo o pecador arrependido, ao trono da graça divina.
Recordando-o, gostaria de dizer aos sacerdotes e seminaristas: Irmãos, peço-vos que não vos esqueçais de que, como dispensadores da Misericórdia Divina, tendes uma grande responsabilidade; lembrai-vos também de que o próprio Cristo vos conforta com a promessa transmitida através de Santa Faustina: "Diz aos meus saderdotes que os pecadores endurecidos hão-de enternecer-se diante das suas palavras, se eles lhes falarem da minha ilimitada Misericórdia e da compaixão que alimento por eles no meu Coração" (Diário, 1521, ed. it. de 2001, pág. 504).
7. A obra da misericórdia traçou o itinerário da vocação religiosa da Beata Sânzia Joana Szymkowiak, Irmã "Seráfica". Já da sua família, ela recebeu um amor ardoroso pelo Sagrado Coração de Jesus e, neste espírito, viveu repleta de caridade para com todos, de maneira especial para com os mais pobres e necessitados. Começou a ajudar os pobres, primeiro como membro do Grupo Mariano e da Associação da Misericórdia de Sao Vicente, para depois se dedicar, abraçando a vida religiosa, ao serviço do próximo com um amor ainda mais ardente. Aceitou os tempos duros da ocupação nazista, como uma ocasião para se consagrar completamente aos necessitados. Além disso, considerava a sua vocação religiosa como uma dádiva da Misericórdia Divina.
Saudando a Congregação da Bem-Aventurada Virgem Maria das Dores - as Irmãs "Seráficas" - dirijo-me a todas as religiosas e pessoas consagradas. A Beata Sânzia seja o vosso exemplo, a vossa padroeira. Tornai vosso o seu testamento espiritual, resumido numa frase simples: "Se nos dedicamos a Deus, é preciso que nos entreguemos a ponto de nos perdermos totalmente a nós mesmos".
8. Irmãos e Irmãs, contemplando as figuras destes Beatos, desejo recordar uma vez mais aquilo que escrevi na minha Encíclica sobre a Misericórdia Divina: "O homem alcança o amor misericordioso de Deus e a sua misericórdia, na medida em que ele próprio se transforma interiormente, segundo o espírito de amor para com o próximo" (Dives in misericordia DM 14). Oxalá consigamos, ao longo deste caminho, voltar a descobrir de maneira cada vez mais profunda, o mistério da Misericórdia Divina, e vive-lo quotidiamente!
Diante das modernas formas de pobreza que, como é do meu conhecimento, não faltam no nosso País, hoje em dia é necessária - como desejei definir na minha Carta Novo millennio ineunte - uma "fantasia da caridade", segundo o espírito de solidariedade para com o próximo, de tal maneira que o socorro prestado constitua um testemunho de "partilha fraterna" (cf. n. 50). Que não falte esta "fantasia" aos habitantes de Cracóvia e de toda a nossa Pátria! Oxalá ela trace o programa pastoral da Igreja que está na Polónia. E possa a mensagem da misericórdia de Deus reflectir-se sempre nas obras de misericórdia do homem!
1676 Temos necessidade deste olhar de amor para nos darmos conta do irmão que se encontra ao nosso lado e que, com a perda do trabalho, da casa, da possibilidade de manter dignamente a sua própria família e de educar os seus filhos, experimenta um sentido de abandono, de confusão e de desconfiança. Temos necessidade da "fantasia da caridade" para podermos ajudar uma criança abandonada material e espiritualmente; para não voltarmos as costas ao jovem ou à jovem marginalizados no mundo, pelas várias dependências ou pelo crime; e a fim de podermos oferecer conselhos, consolação e apoio espirituais e morais a quem empreende uma luta interior contra o mal. Nunca nos falte a "fantasia", quando uma pessoa necessitada nos suplicar: "O pão nosso de cada dia nos dai hoje". Graças ao amor fraternal, jamais venha a faltar este pao. "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia" (Mt 5,7).
9. Durante a minha primeira peregrinação à Pátria, em 1979, aqui na esplanada de Blonie, pude afirmar que, "quando somos fortalecidos com o Espírito de Deus, somos também revigorados com a fé no homem - fortes na fé, na esperança e na caridade - que são indissolúveis - e estamos prontos para dar testemunho da causa do homem diante daquele que verdadeiramente tem a peito esta causa". E foi por isso que vos pedi: "Nunca desprezeis a Caridade, que é a coisa "mais importante", que se manifestou através da Cruz e sem a qual a vida humana não tem raízes nem sentido" (10 de Junho de 1979, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, II, PP 1521-1522).
Irmãos e Irmãs, hoje repito este mesmo convite: abri-vos à maior dádiva de Deus, ao seu amor que, mediante a Cruz de Cristo, se manifestou ao mundo como amor misericordioso. E hoje, que vivemos numa outra época, no alvorecer de um novo século e milénio, continuai a estar "prontos para dar testemunho da causa do homem". Hoje, com toda a força, peço aos filhos e às filhas da Igreja e a todos os homens de boa vontade, que jamais separem a "causa do homem" do amor de Deus. Ajudai o homem moderno a experimentar o amor misericordioso de Deus! No seu esplendor e ardor, Ele salve a sua humanidade!
Homilias JOÃO PAULO II 1666