Homilias JOÃO PAULO II 1759


HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DO CONSISTÓRIO ORDINÁRIO PÚBLICO

PARA A CRIAÇÃO DE TRINTA E UM CARDEAIS


Terça-feira, 21 de Outubro de 2003



Venerados e dilectos Irmãos

1760 1. O encontro de hoje constitui mais um momento de graça, nestes dias particularmente densos de acontecimentos eclesiais. Durante o presente Consistório, tenho a alegria de impor o barrete cardinalício a trinta beneméritos eclesiásticos, reservando "in pectore" o nome de outro. Alguns deles são meus íntimos colaboradores na Cúria Romana; outros desenvolvem o seu ministério em Igrejas venerandas de antiga tradição ou de recente fundação; outros ainda, puderam distinguir-se no estudo e na salvaguarda da doutrina católica e no diálogo ecuménico.

Dirijo a todos e a cada um a minha cordial saudação. De modo especial, saúdo D. Jean-Louis Tauran e agradeço-lhe as meditadas palavras que me dirigiu em nome de quantos, hoje, são incluídos no Colégio cardinalício. Saúdo também com afecto, os Senhores Cardeais, os venerados Patriarcas, os Bispos, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os fiéis do mundo inteiro, vindos para acompanhar quantos hoje são elevados à dignidade cardinalícia.

Hoje nesta Praça, como foi oportunamente salientado, resplandece a Igreja de Cristo, antiga e sempre nova, reunida à volta do Sucessor de Pedro.

2. Enriquecido de novos membros, enquanto reflecte ainda mais a multiplicidade de raças e de culturas que caracteriza o povo cristão, o Colégio cardinalício realça com nova evidência a unidade de cada porção do rebanho de Cristo à Cátedra do Bispo de Roma.

Vós, venerados Irmãos Cardeais, pelo "título" que vos é atribuído, pertenceis ao Clero desta Cidade, cujo Bispo é o Sucessor de Pedro. Deste modo, por um lado alargais, num certo sentido, a Comunidade eclesial que está em Roma, até aos extremos confins da Terra e, por outro, tornais presente nela a Igreja universal. Assim, exprime-se a própria natureza do Corpo místico de Cristo, Família de Deus que abraça povos e nações do mundo inteiro, unindo-os no vínculo da única fé e caridade. E Pedro é o fundamento visível desta comunhão. No desempenho do seu ministério, o Sucessor do Pescador da Galileia conta com a vossa fiel colaboração; pede-vos que o acompanheis com a oração, enquanto invoca o Espírito Santo a fim de que nunca esmoreça a comunhão entre todos aqueles que o Senhor "escolheu como vigários do seu Filho e constituiu pastores" (cf. Missal Romano, Prefácio dos Apóstolos, I).

3. O vermelho púrpura do hábito cardinalício evoca a cor do sangue e o heroísmo dos mártires. É o símbolo de um amor por Jesus e pela sua Igreja, que não conhece limites: amor até ao sacrifício da vida, "usque ad sanguinis effusionem".

Portanto, é grande o dom que vos foi concedido, e igualmente grande é a responsabilidade que ele comporta. Na sua primeira Carta, o Apóstolo Pedro lembra quais são as tarefas fundamentais de cada Pastor: "Cuidai do rebanho de Deus que vos foi confiado ele diz ... como modelos para o rebanho" (5, 2-3). É preciso pregar com a palavra e com o exemplo, como salienta oportunamente também a Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores gregis, que assinei na quinta-feira passada, na presença de muitos de vós. Se isto vale para cada Pastor, vale ainda mais para vós, queridos e venerados membros do Colégio cardinalício.

4. Na página evangélica há pouco proclamada Jesus indica, com o seu exemplo, o modo de cumprir essa missão. "Quem de vós quiser ser o primeiro Ele confessa aos seus discípulos deverá tornar-se o servo de todos" (
Mc 10,44). Contudo, somente depois da sua morte, os Apóstolos compreenderam o pleno significado destas palavras e, com a ajuda do Espírito, souberam aceitar até ao último a sua "lógica" exigente.

O Redentor continua a indicar este mesmo programa àqueles que Ele associa de maneira mais estreita ao sacramento da Ordem, à sua própria missão. Ele pede-lhes que se convertam à sua "lógica", que está em clara oposição à lógica do mundo: eles devem morrer para si mesmos, a fim de se fazerem servos humildes e abnegados dos irmãos, evitando toda a tentação de carreira e de lucro pessoal.

5. Estimados e venerados Irmãos, só se vos fizerdes servos de todos podereis levar a cabo a vossa missão e ajudar o Sucessor de Pedro a ser, por sua vez, o "servo dos servos de Deus", como o meu santo predecesor Gregório Magno gostava de se definir.

Sem dúvida, trata-se de um ideal difícil de realizar, mas o Bom Pastor garante-nos o seu sustento. Além disso, podemos contar com a protecção de Maria, Mãe da Igreja, e dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, colunas e fundamento do povo cristão.

1761 Quanto a mim, renovo-vos a expressão da minha estima e acompanho-vos com uma lembrança constante na oração. Deus vos conceda consagrar inteiramente a vossa vida pelas almas, nas várias responsabilidades que Ele vos confiar.

Concedo-vos a todos a minha afectuosa Bênção.



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

COM OS NOVOS CARDEAIS


PARA A ENTREGA DO ANEL CARDINALÍCIO


Quarta-feira, 22 de outubro de 2003




1. "Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo!" (Mt 16,16).

Nestes vinte e cinco anos de Pontificado, quantas vezes repeti estas palavras! Pronunciei-as nas principais línguas do mundo e em numerosas regiões da Terra. Com efeito, o Sucessor de Pedro jamais pode esquecer-se do diálogo entretecido entre o Mestre e o Apóstolo: "Tu és Cristo...", "Tu és Pedro...".

Mas este "Tu" é precedido de um "vós": "E vós, quem dizeis que Eu sou?" (Mt 16,15). Esta interrogação de Jesus é dirigida ao grupo dos discípulos, e Simeão responde em nome de todos. O primeiro serviço que Pedro e os seus Sucessores prestam à comunidade dos crentes é precisamente este: professar a fé em "Cristo, Filho de Deus vivo".

2. "Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo!". No dia de hoje, renovamos a profissão de fé do Apóstolo Pedro nesta Basílica, que tem o seu nome. Nesta Basílica os Bispos de Roma, que se sucederam ao longo dos séculos, convocam os crentes da Urbe e do Orbe, para os confirmar na verdade e na unidade da fé. Mas ao mesmo tempo, como exprime oportunamente a adjacente Colunata de Bernini, esta Basílica abre os seus braços a toda a humanidade, como que para indicar que a Igreja é convidada a anunciar a Boa Notícia a todos os homens, sem excepção.

Unidade e abertura, comunhão e missão: este é o respiro da Igreja. Em particular, esta é a dúplice dimensão do ministério petrino: serviço de unidade e de missionariedade. O Bispo de Roma tem a alegria de compartilhar este serviço com os outros sucessores dos Apóstolos, reunidos à sua volta no único Colégio episcopal.

3. Segundo uma antiga tradição, neste serviço o Sucessor de Pedro vale-se de maneira particular da colaboração dos Cardeais. No seu Colégio reflecte-se a universalidade da Igreja, único Povo de Deus arraigado na multiplicidade das nações (cf. Lumen gentium, LG 13).

Caríssimos e venerados Irmãos Cardeais, nesta circunstância gostaria de vos exprimir o meu reconhecimento pela válida ajuda que me assegurais. De maneira especial, quereria saudar também os novos membros do Colégio Cardinalício. Venerados Irmãos, o anel, que daqui a pouco vos entregarei, é símbolo de renovado vínculo de unidade que vos une estreitamente à Igreja e ao Papa.

4. Voltamos a escutar, em conjunto, as palavras do Salmo, que acabaram de ressoar: "Rpeti comigo: o Senhor é grande / juntos exaltemos o seu Nome" (Ps 34 [33], 4).

1762 É um convite à alegria e ao louvor que, em círculos concêntricos, se alarga a vós, caríssimos Cardeais, Patriarcas, Bispo, sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos. Além disso, ele compromete-vos a todos vós, homens e mulheres de boa vontade, que olhai com simpatia para a Igreja de Cristo. Repito a todos e a cada um de vós: celebrai juntamente comigo o nome do Senhor, porque Ele é Pai, amor e misericórdia. Venerados Irmãos Cardeais, é deste Nome que nós fomos chamados a dar testemunho "usque ad sanguinis effusionem".

Se, porventura, chegassem o medo e o desânimo, que nos seja de alívio a promessa consoladora do Mestre divino: "Neste mundo tereis aflições, mas tende coragem: Eu venci o mundo" (
Jn 16,33).

Jesus anunciou, prévia e claramente, que a perseguição dos Apóstolos e dos seus sucessores não seria um facto extraordinário (cf. Mt Mt 10,16-18). Foi o que no-lo recordou inclusivamente a primeira Leitura, apresentando o aprisionamento e a milagrosa libertação de Pedro.

5. O Livro dos Actos salienta o facto de que, enquanto Pedro estava na prisão, "a oração fervorosa da Igreja subia continuamente até Deus, intercendo em favor dele" (Ac 12,5). Que grande coragem infunde o sustentáculo da pração unânime do povo cristão! Eu mesmo pude experimentar o conforto que disto promana.

Caríssimos, esta é a nossa força. E constitui também um dos motivos pelos quais desejei que o vigésimo quinto ano do meu Pontificado fosse dedicado ao santo Rosário: para ressaltar o primado da oração, de maneira especial na prece contemplativa, recitada em união espiritual com Maria, Mãe da Igreja.

A presença de Maria desejada, invocada e acolhida ajuda-nos a viver também esta celebração como um momento em que a Igreja se renova no encontro com Cristo e na força do Espírito Santo.

Estreitemo-nos a Cristo, Pedra viva! Foi o que nos disse Pedro, na segunda Leitura (cf. 1P 2,4-9). Recomecemos a partir dele, de Cristo, para anunciar a cada um os prodígios do seu amor. Sem temer e sem hesitar, porque é Ele que nos garante: "Tende confiança, Eu venci o mundo!".
Sim, Senhor, nós confiamos em Ti e continuamos o nosso caminho juntamente contigo, ao serviço da Igreja e da humanidade!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A SANTA MISSA

PARA O INÍCIO DO ANO ACADÉMICO


DAS UNIVERSIDADES ECLESIÁSTICAS ROMANAS


Sexta-feira, 24 de Outubro de 2003



1. "Que o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo ilumine os olhos do nosso coração, para que possamos compreender os sinais dos novos tempos" (Aclamação ao Evangelho; cf. Ef Ep 1,17 Lc 21,29-31). A liturgia de hoje convida-nos a pedir a Deus que ilumine os nossos corações com a luz da sua graça. A luz e a sabedoria do coração! Eis a estrada-mestra pela qual podemos chegar à descoberta da verdade. Eis um bem precioso que devemos pedir para todos os filhos da Igreja, para que saibam afrontar com coragem os desafios do nosso tempo.

A invocação da luz para o nosso coração adquire um significado muito particular nesta nossa assembleia litúrgica. Nesta tarde, de facto, está reunida ao redor ao altar a Comunidade das Universidades eclesiásticas romanas, no início do Ano académico. Abre-se diante de vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, um novo ano de estudo e de pesquisa, que dedicareis com cuidado ao aprofundamento da teologia e das outras disciplinas para vos preparardes para assumir amanhã tarefas e responsabilidades pastorais ao serviço do povo cristão. Acompanhai o esforço do estudo com a oração, a meditação e a constante busca da vontade do Senhor. Assim, podereis compreender mais facilmente "os sinais dos novos tempos". O grande Doutor Santo Agostinho expressava esta mesma exigência com uma fórmula de rara eficácia: "Orent ut intelligant" rezem, para poder compreender (De Doctrina Christiana III, 56: PL 34, 89).

1763 2. Com estes sentimentos, estou feliz em dirigir as minhas cordiais boas-vindas a todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, que tomais parte nesta solene celebração. Saudo de modo particular o Senhor Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica. Com ele, saúdo os Grão-Chanceleres, os Reitores das Universidades, os membros do Corpo Académico e os Reitores dos Seminários e dos Colégios.

Dirijo um pensamento afectuoso a cada um de vós, caríssimos jovens que estais realizando os vossos estudos na Urbe, com uma palavra de especial encorajamento a todos os que estão iniciando neste ano o seu percurso universitário. Sede conscientes de quão grande é o dom que recebestes, isto é, de poder cumprir a vossa formação cultural, humana e espiritual nesta cidade e na Diocese de Roma, que tem o privilégio de guardar os sepulcros dos Apóstolos Pedro e Paulo, "colunas" da Igreja. Isto vos dá a oportunidade de aprofundar e perceber mais de perto o alcance universal da missão da Igreja e de vos sintonizar mais perfeitamente com o seu magistério.

3. "Eu não faço o bem que quero, mas o mal que não quero" (
Rm 7,19). Na primeira leitura, tirada da Carta aos Romanos (cf. Rm Rm 7,18-25), São Paulo, numa cena de cores fortes e dramáticas, evidencia a incapacidade que o ser humano tem de fazer o bem e evitar o mal. Existe, porém, uma saída: a vitória sobre o mal vem-nos da bondade de Deus misericordioso, manifestada plenamente em Cristo. E, quase num ímpeto de alegria, o Apóstolo exclama: "Sejam dadas graças a Deus por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rm 7,25).

Como Paulo, a Igreja não cessa de anunciar esta grande "boa notícia", que é para todos: Cristo morto e ressuscitado venceu o mal e libertou-nos do pecado. Ele é a nossa salvação.
Este anúncio salvífico ressoa incessantemente também em nosso tempo e constitui o coração da missão da Comunidade eclesial. O homem procura hoje, como no passado respostas que satisfaçam as perguntas sobre o significado da sua vida e da sua morte. Durante o período de formação teológica, queridos jovens, vós preparais-vos para serdes capazes de dar as respostas da fé de modo adequado à linguagem e à mentalidade do nosso tempo. Tudo, portanto, seja orientado para uma missão tão nobre: anunciar Cristo e a força libertadora do seu Evangelho.

4. "Sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu, como é que não sabeis reconhecer o tempo presente?" (Lc 12,56). Também com estas palavras Jesus exorta-nos a confrontarmo-nos com as realidades da nossa época. Se, por um lado, o vosso coração jamais se deve separar da contemplação do mistério de Deus, por outro, é preciso que mantenhais o olhar voltado para os acontecimentos do mundo e da história. O Concílio Vaticano II dizia, em relação a isto, que é dever permanente da Igreja "perscrutar os sinais dos tempos e de os interpretar à luz do Evangelho, de tal sorte que possa responder, de um modo adequado a cada geração, às eternas interrogações dos homens sobre o sentido da vida presente e futura e sobre as suas relações recíprocas" (Gaudium et spes, GS 4).

Seja este o espírito com o qual vos dedicais ao estudo durante estes anos da vossa formação teológica e pastoral.

Que a Virgem Maria, Sede da Sabedoria, vele sobre o vosso trabalho quotidiano nas Universidades Pontifícias Romanas. Ela, a primeira evangelizadora, vos acompanhe e conceda que vos prepareis para ser autênticos apóstolos do Evangelho de Cristo.

Amém!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA SOLENE CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

PARA A BEATIFICAÇÃO DE CINCO SERVOS DE DEUS


Domingo, 9 de Novembro de 2003




1. "Santo é o templo de Deus, que sois vós" (1Co 3,27). Ouvimos novamente estas palavras do apóstolo Paulo na hodierna solene liturgia da Festividade da Dedicação da Basílica Lateranense, Catedral de Roma, Mãe de todas as Igrejas.

1764 Todos os lugares reservados ao culto divino são sinais daquele templo espiritual, que é a Igreja, composta de pedras vivas, isto é, dos fiéis, unidos numa única fé, pela participação nos sacramentos e pelo vínculo da caridade. Pedras preciosas desse templo espiritual são particularmente os Santos.

A santidade, fruto da obra incessante do Espírito de Deus, resplandece nos novos Beatos: João Nepomuceno Zegrí y Moreno, presbítero; Valentino Paquay, presbítero; Luís Maria Monti, religioso; Bonifácia Rodríguez Castro, virgem; Rosália Rendu, virgem.

2. A visão do santuário, que o profeta Ezequiel nos apresenta na liturgia de hoje, descreve uma torrente que emana do templo levando vida, vigor e esperança: "porque aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre" (
Ez 47,9). Esta imagem expressa a infinita bondade de Deus e seu desígnio de salvação, transbordando os muros do recinto sagrado para ser bênção para toda a terra.

João Nepomuceno Zegrí y Moreno

João Nepomuceno Zegrí y Moreno, sacerdote íntegro, de profunda piedade eucarística, entendeu muito bem como o anúncio do Evangelho deve converter-se numa realidade dinâmica, capaz de transformar a vida do apóstolo. Sendo pároco, propôs-se "ser a providência visível de todos aqueles que, gemendo na orfandade bebem o cálice da amargura e se alimentam com o pão da tribulação" (19 de Junho de 1859).

Com esse propósito desenvolveu a sua espiritualidade redentora nascida da intimidade com Cristo e orientada para a caridade com os mais necessitados. Inspirou-se na devoção a Nossa Senhora das Mercês, Mãe do Redentor, para a fundação das Irmãs Mercedárias da Caridade, com o fim de tornar sempre presente o amor de Deus onde houvesse "uma só dor para curar, uma só desgraça para consolar, uma só esperança para derramar nos corações". Hoje, seguindo as pegadas do seu Fundador, este Instituto vive consagrado ao testemunho e promoção da caridade redentora.

Valentino Paquay

3. O Padre Valentino Paquay é, sem dúvida, um discípulo de Cristo e um padre segundo o coração de Deus. Apóstolo da misericórdia, ele passava longas horas no confessionário, com o dom particular de conduzir novamente os pecadores ao caminho recto, recordando aos homens a grandeza do perdão divino. Colocando no centro da sua vida de sacerdote a celebração do Mistério eucarístico, ele convidava os fiéis a aproximarem-se com frequência da comunhão do Pão da Vida.

Como tantos santos, o Padre Valentin colocou todos os jovens sob a protecção de Nossa Senhora, invocada na igreja da sua infância, em Tongres, como Causa da nossa Alegria. Seguindo o seu exemplo, faço votos por que possais servir os vossos irmãos, para lhes dar a alegria de reencontrar Cristo em verdade!

Luís Maria Monti

4. "E eis que saía água da sua parte subterrânea... por aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre" (Ez 47,1 Ez 47,9). A imagem da água, que tudo faz viver, ilumina muito bem a existência do Beato Luís Maria Monti, inteiramente dedicado a curar as feridas do corpo e da alma dos doentes e dos órfãos. Amava chamá-los "pobrezinhos de Cristo", e servia-os animado por uma fé viva, sustentada por uma intensa e constante oração. Para a sua dedicação evangélica, inspirou-se constantemente no exemplo da Virgem Santa e confiou a Congregação por ele fundada sob a égide de Maria Imaculada.

1765 Como é actual a mensagem deste novo Beato! Para os seus filhos espirituais e para todos os crentes, ele é um exemplo de fidelidade à chamada de Deus e de anúncio do Evangelho da caridade; um modelo de solidariedade para com os necessitados e de terna confiança para com a Virgem Imaculada.

Bonifácia Rodríguez de Castro

5. As palavras de Jesus no Evangelho proclamado hoje: "Não façais da Casa de meu Pai um mercado" (
Jn 2,16), interpelam a sociedade actual, tentada às vezes a converter tudo em mercadoria e lucro, deixando de lado os valores e a dignidade que não têm um preço. Sendo a pessoa imagem e morada de Deus, faz falta uma purificação que a defenda, seja qual for a sua condição social ou a sua actividade profissional.

A isto se consagrou inteiramente a beata Bonifácia Rodríguez de Castro, que, sendo ela mesma trabalhadora, percebeu os riscos desta condição social na sua época. Na vida simples e oculta da Sagrada Família de Nazaré, encontrou um modelo de espiritualidade do trabalho, que dignifica a pessoa e faz de qualquer actividade, mesmo que seja humilde, uma oferta a Deus e um meio de santificação.

Este é o espírito que quis difundir nas mulheres trabalhadoras, primeiro com a Associação Josefina e depois com a fundação das Servas de São José, que continuam a sua obra no mundo com simplicidade, alegria e abnegação.

Rosália Rendu

6. Numa época perturbada por conflitos sociais, Rosália Rendu fez-se alegremente a serva dos mais pobres, para restituir a cada um a sua dignidade, mediante as ajudas materiais, a educação e o ensino do mistério cristão, estimulando Frederico Ozanam a colocar-se ao serviço dos pobres.
A sua caridade era criativa. Onde encontrava ela forças para realizar tantas coisas? Na sua intensa vida de oração e na recitação incessante do rosário, que levava sempre consigo. O seu segredo era simples: verdadeiramente filha de Vicente de Paulo, como outra Irmã do seu tempo, Santa Catarina Labouré, via em todos os homens o rosto de Cristo. Demos graças pelo testemunho da caridade que a família vicentina não cessa de dar ao mundo!

7. "Ele falava do templo do seu Corpo" (Jn 2,21). Estas palavras evocam o mistério da morte e ressurreição de Cristo. Todos os membros da Igreja se devem conformar com Jesus crucificado e ressuscitado.

Nesta tarefa comprometedora, Maria, Mãe de Cristo e nossa Mãe, seja o nosso sustento e guia. Intercedem por nós os novos Beatos, que hoje contemplamos na glória do céu. Seja concedido, também a nós encontrarmo-nos todos um dia no Paraíso, para experimentar juntos a alegria de uma vida que não tem fim. Amém!







NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


EM SUFRÁGIO PELOS CARDEAIS


E BISPOS FALECIDOS


Quinta-feira, 13 de Novembro de 2003




1766 1. Eu lhes dou a vida eterna (Jn 10,28)

Esta palavra de Cristo, preenche de luz e de esperança a celebração de hoje, durante a qual rezamos pelos Cardeais e Bispos falecidos durante o último ano.

A memória dos Cardeais que nos deixaram esteve particularmente presente e viva durante o recente Consistório. É-me grato neste momento, recordar os seus nomes: Hans Hermann Groër, Gerald Emmet Carter, Aurélio Sabattani, Francesco Colasuonno, Ignácio António Velasco García, Corrado Ursi e Maurice Michael Otunga. Com eles, recordo igualmente o Patriarca Raphaël I Bidawid.

2. Rezemos também pelos Bispos, que nos últimos meses Deus chamou a si deste mundo. É consolador pensar que todos estes veneráveis Irmãos, zelosos servos do Evangelho durante a sua existência terrena, estão agora nas "mãos" próvidas de Deus que os acolheu no abraço eterno do seu amor.

Na sua solicitude pastoral eles educaram os fiéis, com a pregação e com o exemplo, a tender para os valores verdadeiros e eternos, procurando tornar-se modelos do rebanho que lhes foi confiado (cf. 1P 5,2-3). Portando, estamos confiantes de que o Senhor se digne conceder a recompensa aos seus servos.

Que Maria Santíssima os acolha e que eles obtenham o repouso eterno no reino da luz e da paz do Ressuscitado. Amém.





DURANTE A MISSA PARA


OS ESTUDANTES DOS ATENEUS ROMANOS


Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2003



1. "Nada temas, eu venho em teu auxílio" (Is 41,13). A promessa de Deus, à qual o Profeta faz eco, encontrou plena actuação no nascimento de Jesus em Belém. N'Ele Deus fez-se um de nós! Eis por que não devemos temer. O tempo do Advento, que estamos a viver, exorta-nos à esperança.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, o encontro de hoje situa-se neste clima de expectativa confiante da vinda de Cristo. Saúdo todos vós com afecto. Saúdo em primeiro lugar a vós, ilustres reitores, professores e estudantes das Universidades romanas. Dirijo um pensamento especial ao Ministro para a Instrução, a Universidade e a Investigação, Letizia Moratti. Saúdo os Capelães das Universidades e as Delegações nacionais de pastoral universitária.

Agradeço ao Presidente da Conferência dos Reitores das Universidades Italianas e à representante dos estudantes, que quiseram fazer-se intérpretes dos sentimentos de todos.

2. "Transformarei... a terra árida em arroios de água" (Is 41,18). Esta é a grande promessa feita por Deus aos miseráveis e aos pobres que, como afirma o Profeta, "buscam água...", porque "a sua língua está ressequida pela sede" (Is 41,17). A sua sede remete para o anseio fervoroso de verdade, de justiça e de paz, presente no coração de cada homem.

1767 Com efeito, as aspirações humanas mais profundas encontram unicamente em Deus a resposta total. Por isso vos encorajo, caríssimos, a fazer com que o vosso percurso formativo seja incessantemente sustentado pela busca de Deus. Não vos detendes diante das dúvidas e das dificuldades. Deus, garante o Profeta, "toma-te pela mão" (Is 41,13), está ao vosso lado. A sua companhia confortadora fará com que sejais mais conscientes da missão que estais chamados a desempenhar no âmbito universitário.

3. Muitos de vós participastes nestes dias no congresso, que dedicou a sua atenção ao processo de integração europeia. Também vós, que fazeis parte do mundo universitário, deveis oferecer o vosso contributo a este processo. Para a unidade da Europa assumem grande importância as estruturas sociais, políticas e económicas, mas não devem ser absolutamente descuidados os aspectos humanísticos e espirituais. É indispensável que a Europa de hoje salvaguarde o seu património de valores, e reconheça que foi sobretudo o cristianismo a força capaz de os promover, conciliar e consolidar.

4. O Natal constitui a ocasião privilegiada para realçar um dos valores cristãos mais sentidos. Com o nascimento de Jesus, na simplicidade e na pobreza de Belém, Deus deu de novo a dignidade à existência de cada ser humano; ofereceu a todos a possibilidade de participar na sua própria vida divina. Possa este dom incomensurável encontrar sempre corações prontos a recebê-lo!

Confio à intercessão materna de Maria estes meus votos e desejos. Que ela proteja cada um de vós, as vossas famílias e as comunidades académicas às quais pertenceis. Bom Advento e feliz Natal!







NA SOLENE LITURGIA EXEQUIAL,


EM SUFRÁGIO PELA ALMA


DO CARDEAL PAULOS TZADUA


16 de Dezembro de 2003






1. "Permanecei com os rins cingidos e com as lâmpadas acesas" (Lc 12,35).

O tempo de Advento serve de pano de fundo para esta celebração exequial, em que oferecemos o Sacrifício eucarístico pelo querido e venerado Irmão, Cardeal Paulos Tzadua, Arcebispo Emérito de Adis Abeba. O Senhor chamou-o para junto de si nestes dias, durante os quais são insistentes as exortações à vigilância, à expectativa e à esperança.

O Evangelista Lucas acaba de nos advertir: "Vós também estai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos esperais" (12, 40). O cristão deve estar sempre pronto para enfrentar a passagem da morte. Ele olha para o futuro tanto pessoal como universal na perspectiva da parusia, orientando tudo para estas realidades derradeiras e fundamentais. Com efeito, é grandioso o acontecimento que nos espera: o encontro "rosto a rosto" com Deus (cf. 1Co 13,12).

2. "Felizes os servos que o senhor encontra acordados quando chega" (Lc 12,37). Agrada-nos considerar este nosso Irmão, a quem damos o derradeiro adeus, como um dos "servos" de que fala o Evangelho e que o "senhor", ao voltar, encontrou acordados. Sacerdote e Bispo zeloso, ele despendeu a sua vida por Cristo e pela Igreja. Com uma escolha significativa, no seu brasão ele escreveu o seguinte lema: "Por Jesus Cristo". À imitação do seu Senhor, fez-se servo dos irmãos, colocando à sua disposição as melhores qualidades que tinha, assim como os vastos conhecimentos adquiridos mediante os estudos, especialmente no campo jurídico. Contudo, para além do compromisso pastoral, ele entregou-se sobretudo a si mesmo, dando sempre prova de santidade de vida e de anélito apostólico constante. Por isso, nos vários âmbitos em que foi chamado a desempenhar o ministério sacerdotal e episcopal, deixou uma recordação repleta de estima e de veneração.

3. Gostamos de pensar nele como num Pastor generoso e activo daquela porção eleita da Igreja que está na África. Ele fez-se porta-voz autorizado dela no seio do Sínodo dos Bispos, em que participou primeiro como Presidente da Conferência Episcopal da Etiópia e, em seguida, como Arcebispo de Adis Abeba e como Cardeal.

Este aspecto do seu ministério culminou na Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África, que teve lugar em Roma no ano de 1994, durante a qual, como terceiro Presidente Delegado, desempenhou um papel de grande relevo. O Povo de Deus é-lhe devedor de uma relevante solicitude pelos leigos, a cujas vocação, formação e missão se demonstrou sempre especificamente atento, em fidelidade aos ensinamentos do Concílio Ecuménico Vaticano II.

1768 4. "Pela sua grande misericórida, ressuscitando Jesus Cristo dentre os mortos, Ele [Deus] fez-nos renascer para uma esperança viva" (1P 1,3).

Em momentos de prova e de dor como este, o recurso à palavra de Deus é para os crentes uma fonte de alívio e de esperança. É o Apóstolo Pedro, na segunda Leitura, que nos recorda que Cristo venceu a morte com a ressurreição.

Celebrando o memorial da sua Páscoa, hoje nós invocamos o poder do Senhor para o venerado e querido Cardeal Paulos Tzadua. Para ele, servo fiel da Igreja, está reservada nos Céus "uma herança que não se corrompe" (1P 1,4); para ele está aberto o banquete da vida e da alegria (cf. Is Is 25,6).

Que ele seja recebido pela Virgem Maria, e por Ela acompanhado até ao Paraíso, a fim de gozar para sempre da bem-aventurança dos justos.

Amém!



MISSA DA MEIA NOITE


Natal, 24 de Dezembro de 2003

1. "Puer est natus nobis, Filius datus est nobis" (Is 9,5).


Nas palavras do profeta Isaías, proclamadas na primeira Leitura, encerra-se a verdade do Natal, que revivemos juntos nesta noite.

Nasce um Menino. Aparentemente, um dos tantos meninos do mundo. Nasce um Menino numa estalagem de Belém. Nasce, portanto, numa condição de extrema incomodidade: pobre entre os pobres.

Mas Aquele que nasce é "o Filho" por excelência: Filius datus est nobis. Este Menino é o Filho de Deus, co-substancial ao Pai. Anunciado pelos profetas, fez-se homem por obra do Espírito Santo no seio de uma Virgem, Maria.

Quando, dentro de pouco, no Credo cantaremos "...et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine et homo factus est", todos nos ajoelharemos. Meditaremos em silêncio o mistério que se realiza: "Et homo factus est!". O Filho de Deus vem a estar entre nós e nós o acolhemos de joelhos.

1769 2. "O Verbo se fez carne" (Jn 1,14). Nesta noite extraordinária o Verbo eterno, o "Príncipe da paz" (Is 9,5), nasce na fria e miserável gruta de Belém.

"Não temais, diz o anjo aos pastores, hoje vos nasceu na cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor» (Lc 2,11). Nós também, como os anónimos e ditosos pastores, nos apressamos por encontrar Aquele que mudou o curso da história.

Na mais ínfima pobreza do presépio contemplamos "um recém-nascido envolto em faixas e pôsto numa manjedoura" (Lc 2,12). Na criatura frágil e inerme, que chora entre os braços de Maria, «manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens» (Tt 2,11). Em silêncio nos detemos, e adoramos!

3. Ó Menino, que quiseste ter por berço uma manjedoura; ó Criador do universo, que Te despojaste da glória divina; ó nosso Redentor, que ofereceste teu corpo inerme como sacrifício para a salvação da humanidade!

O resplendor do teu nascimento ilumine a noite do mundo. O poder da tua mensagem de amor, destrua as orgulhosas insídias do maligno. O dom da tua vida nos faça compreender sempre mais quanto vale a vida de cada ser humano.

Ainda escorre demasiado sangue sobre a terra! Ainda conturbam a serena convivência das nações as excessivas violências e conflitos!

Vens trazer-nos a paz. És a nossa paz! Só Tu podes fazer de nós "um povo puro" que Te pertença para sempre, um povo «zeloso na prática do bem» (Tt 2,14).

4. Puer est natus nobis, Filius datus est nobis! Que mistério insondável esconde a humildade deste Menino! É quase como se quiséssemos tocá-lo e abraçá-lo.

Maria, que cuidas o teu Filho omnipotente, dai-nos os teus olhos a fim de contemplá-lo com fé; dai-nos o teu coração para adorá-lo com amor.

Na sua simplicidade, o Menino de Belém nos ensina a redescobrir o verdadeiro sentido da nossa existência; nos ensina a «viver neste mundo com toda sobriedade, justiça e piedade» (Tt 2,12).

5. Ó Noite Santa, tão esperada, que uniste para sempre Deus e o homem! Tu nos renovas a esperança. Tu nos enches de assombro extasiante. Tu nos garantes o triunfo do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte.

1770 Por isso, permanecemos recolhidos e rezamos.

No silêncio luminoso do teu Natal Tu, Emanuel, continuas a falar-nos. E nós estamos prontos a escutar-te. Amen!







Homilias JOÃO PAULO II 1759