
Sacerdotalis caelibatus PT 46
46 Sim, Veneráveis e caríssimos Irmãos no sacerdócio, que amamos "com a ternura de Jesus Cristo" (Ph 1,8), o mundo em que hoje vivemos, perturbado por uma crise de crescimento e de transformação, justamente orgulhoso dos valores e das conquistas humanas, tem neste momento, necessidade urgente do testemunho de vidas consagradas aos mais altos e sagrados valores espirituais, para que não lhe falte a rara e incomparável luz das mais sublimes conquistas do espírito.
47 Nosso Senhor Jesus Cristo não temeu contar a um punhado de homens, que todos teríamos julgado insuficientes tanto em número como em qualidade, o encargo imenso da evangelização do mundo até então conhecido; e ordenou a essa "pequena grei" que não tivesse receio (cf. Lc Lc 12,32), porque alcançaria com Ele e por Ele, a vitória sobre o mundo (Jn 16,33) graças à constante assistência que lhe daria (Mt 28,20). Advertiu-nos também Jesus de que o Reino de Deus possui uma força íntima e secreta, que o faz crescer e chegar à messe sem que o homem saiba como (cf. Mc Mc 4,26-29). Essa messe do Reino de Deus é grande, e os operários ainda são poucos, como ao princípio; ou por outra, nunca chegaram a ser tão numerosos, que se pudessem dizer suficientes segundo os cálculos humanos. Mas o Senhor do Reino exige que se reze, para que o Dono da messe mande operários para o seu campo (Mt 9,37-38). Os planos e a prudência dos homens não podem sobrepor-se à misteriosa sabedoria daquele que, na história da salvação, desafiou a sabedoria e o poder do homem com a sua insensatez e fraqueza (1Co 1,20-31).
48 Nós fazemos apelo à coragem da fé, para exprimir a profunda convicção que a Igreja nutre de que uma resposta mais responsável e generosa à graça, uma confiança mais explicita e qualificada na sua força misteriosa e transformadora, um testemunho mais aberto e completo dado ao mistério de Cristo, nunca a farão errar na sua missão salvadora para com o mundo inteiro, sejam quais forem os cálculos humanos e as aparências exteriores. Não esqueçamos que tudo podemos naquele que é o único a dar força às almas (cf. Fl Ph 4,13) e incremento à sua Igreja (cf. 1Co 3,6-7).
49 Não se pode acreditar sem reservas que, abolido o celibato eclesiástico, as vocações sacerdotais cresceriam por isso mesmo e de forma considerável: a experiência contemporânea das Igrejas e das comunidades eclesiais que permitem o matrimônio aos seus ministros, parece depor em contrário. A rarefação das vocações sacerdotais deve ser procurada principalmente noutras causas: por exemplo, na perda ou na diminuição do sentido de Deus e do que é sacro nos indivíduos e nas famílias, e na perda da estima pela Igreja como instituição de salvação mediante a fé e os sacramentos. O problema tem portanto que ser estudado na sua verdadeira raiz.
50 A Igreja, como dizíamos acima (cf. n.10), não ignora que a escolha do celibato consagrado, implicando uma série de severas renúncias que atingem o íntimo do homem, traz também consigo graves dificuldades e problemas a que são particularmente sensíveis os homens de hoje. Poderia, de fato, parecer que o celibato nâo condiz com o solene reconhecimento dos valores humanos por parte da Igreja no recente Concílio Ecumênico. Mas, se refletirmos mais atentamente, veremos que o sacrifício do amor humano, tal como é vivido na família, feito pelo sacerdote por amor de Cristo, é na realidade homenagem singular prestada a esse amor. É fato universalmente reconhecido, que a criatura humana soube oferecer sempre a Deus o que é digno de quem dá e de quem recebe.
51 A Igreja, por outro lado, não pode nem deve ignorar que a escolha do celibato é obra da graça, quando é feita com prudência humana e cristã e com responsabilidade. Mas a graça não destrói nem violenta a natureza: eleva-a e dá-lhe capacidade e vigor sobrenatural. Deus que criou e remiu o homem, sabe o que lhe pode pedir e dá-lhe tudo o que é necessário para poder fazer o que o Criador e Redentor lhe pede. Santo Agostinho, tendo experimentado ampla e dolorosamente em si mesmo a natureza humana, exclamava: "Dá o que ordenas e manda o que queres". (34)
52 O conhecimento sincero das dificuldades reais do celibato é muito útil, ou antes, é necessário ao sacerdote, para que ele se dê conta, com pleno conhecimento, daquilo que o celibato requer para ser autêntico e benéfico. Mas se queremos proceder com igual sinceridade, não se deve atribuir a estas dificuldades valor e peso maiores do que têm de fato no contexto humano e religioso, ou declará-las impossíveis de resolver.
53 Depois do que a ciência deu como certo, não é justo repetir ainda (cf. n.10) que o celibato vai contra a natureza, por se opor a legítimas exigências físicas, psicológicas e afetivas, cuja satisfação seria necessária para a completa realização e maturidade da pessoa humana. O homem, criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,67), não é somente carne, e o instinto sexual não é tudo nele. O homem é também e sobretudo inteligência, vontade, liberdade e, graças a estas faculdades, é e deve ter-se como superior ao universo: elas tornam-no senhor dos próprios apetites físicos, psicológicos e afetivos.
54 A verdadeira e profunda razão do celibato é, como já dissemos, a escolha duma relação pessoal mais íntima e completa com o mistério de Cristo e da Igreja, em prol da humanidade inteira. Nesta escolha há lugar, sem dúvida, para a expressão dos valores supremos e humanos no grau mais elevado.
55 A escolha do celibato não comporta ignorância, ou desprezo do instinto sexual ou da afetividade, o que teria conseqüências certamente prejudiciais para o equilíbrio físico e psicológico do sacerdote, mas exige lúcida compreensão, atento domínio de si mesmo e sapiente sublimação da própria psique, encarada num plano superior. Deste modo o celibato, elevando integralmente o homem, contribui efetivamente para a sua perfeição.
56 O desejo natural e legítimo de o homem amar uma mulher e o de constituir família são superados pelo celibato, mas não é verdade que o matrimônio e a família sejam a única via para a maturidade da pessoa humana. No coração do sacerdote não está extinto o amor. Bebida na mais pura fonte (cf. 1Jo 1Jn 4,8-16), exercida à imitação de Cristo e da Igreja, a caridade, como todo o autêntico amor, é exigente e concreta (cf: 1Jn 3,16-18), abre até ao infinito o horizonte do sacerdote, aprofunda e dilata-lhe o sentido de responsabilidade, índice de personalidade madura, desenvolve nele, como expressão de mais alta e ampla paternidade, a plenitude e delicadeza de sentimentos (35) que o enriquecem com superabundante medida.
57 Todo o Povo de Deus deve dar testemunho do mistério de Cristo e do seu reino, mas este testemunho não é unívoco para todos. Deixando aos filhos leigos casados, o dever do necessário testemunho da vida conjugal e familiar autêntica e plenamente cristã, a Igreja confia aos sacerdotes o testemunho de vida totalmente dedicada às mais novas e fascinantes realidades do reino de Deus.
Se ao sacerdote falta a experiência pessoal e direta da vida de matrimônio, não lhe faltará certamente, em virtude da formação, do ministério e da graça de estado, um conhecimento do coração humano, talvez ainda mais profundo, que lhe permitirá atingir esses problemas na sua fonte, e prestar valioso auxílio aos cônjuges e às famílias cristãs assistindo-as e aconselhando-as (cf. 1Cor 1Co 2,15). A presença, no lar cristão, do sacerdote que vive em plenitude o celibato, vincará a dimensão espiritual de todo o amor digno deste nome, e o sacrifício pessoal que ele faz merecerá para os féis, unidos pelos vínculos do matrimônio, a graça de uma autêntica união.
58 É certo: o sacerdote, pelo seu celibato, é homem solitário. Mas não é solidão vazia, porque está plena de Deus e da superabundante riqueza do seu reino. Além disso, ele preparou-se para esta solidão, que deve ser plenitude interior e exterior de caridade, escolheu-a conscientemente e não por orgulho de ser diferente dos outros, não para subtrair-se às responsabilidades comuns, não para estremar-se dos irmãos ou por desestima do mundo. Segregado do mundo, o sacerdote não está separado do Povo de Deus, porque foi constituído em favor dos homens (He 5,1), consagrado totalmente ao serviço da caridade (cf. lCor 14,4ss) e à obra para que o Senhor o chamou.(36)
59 Por vezes a solidão pesará dolorosamente sobre o sacerdote, mas nem por isso há de arrepender-se de tê-la generosamente escolhido. Também Cristo, nas horas mais trágicas da vida, ficou só, abandonado mesmo daqueles que tinha escolhido para testemunhas e companheiros e que Ele tinha amado até ao fim (Jn 13,1), mas declarou: "Eu não estou só, porque o Pai está comigo" (Jn 16,32). Quem escolheu ser todo de Cristo há de encontrar, antes de tudo, na intimidade com Ele e na sua graça, a força de ânimo necessária para dissipar a melancolia e para vencer os desânimos. Não lhe faltará a proteção da Virgem Mãe de Jesus e os maternos desvelos da Igreja a cujo serviço se consagrou. Poderá contar com a solicitude do seu pai em Cristo, o Bispo, com a fraternidade íntima dos irmãos no sacerdócio e com o conforto de todo o Povo de Deus. E se a hostilidade, a desconfiança, a indiferença dos homens lhe tornarem por vezes demasiado amarga a solidão, há de saber compartilhar com dramática evidência a mesma sorte de Cristo, como o apóstolo que não é maior do que Aquele que o enviou (cf. Jn 13,16 Jn 15,18), como o amigo que foi admitido aos segredos mais dolentes e mais gloriosos do divino Amigo que o escolheu para produzir, num viver aparentemente de morte, frutos misteriosos de vida (cf. Jo Jn 15,15-16 Jo Jn 15,20).
60 A reflexão sobre a beleza, importância e íntima conveniência da virgindade para os ministros de Cristo e da Igreja, impõe também àquele que exerce as funções de Mestre e de Pastor a obrigação de assegurar e promover a sua positiva observância, a partir do momento em que o candidato principia a preparar-se para acolher dom tão precioso.
De fato, as dificuldades e os problemas que tornam para alguns penosa, ou mesmo inteiramente impossível, a observância do celibato, derivam não raro duma formação sacerdotal que, em virtude das profundas mudanças destes últimos tempos, já não é de todo adequada a formar uma personalidade digna do "homem de Deus" (1Tm 6,11).
61 O Concílio Ecumênico Vaticano II indicou já, a este respeito, critérios e normas sapientíssimas, de harmonia com o progresso da psicologia e da pedagogia e mesmo com a mudança das condições dos homens e da sociedade contemporânea.(37) É vontade nossa publicar, o mais cedo possível, instruções adequadas onde este tema seja tratado com a necessária amplitude recorrendo para isso a peritos, a fim de podermos prestar um competente e oportuno auxílio aos que na Igreja têm o gravíssimo dever de preparar os futuros sacerdotes.
62 O sacerdócio é ministério instituído por Cristo para serviço do seu Corpo Místico que é a Igreja. A esta compete admitir os que julgar aptos, isto é, aqueles a quem Deus concedeu o carisma do celibato juntamente com os outros sinais de vocação eclesiástica (cf. n.15).
Em virtude deste carisma corroborado pela lei canônica, o homem é chamado a responder com decisão livre e entrega total, subordinando o próprio eu ao beneplácito divino que o chama. Em concreto a vocação divina manifesta-se num indivíduo determinado, dotado de estrutura pessoal própria que a graça não costuma violentar. Por isso, no candidato ao sacerdócio, há de cultivar-se o sentido da receptividade do dom divino, e da disponibilidade nas relações com Deus, dando essencial importância aos meios sobrenaturais.
63 É também necessário que se atenda com toda a diligência ao estado biológico e psicológico do candidato, para poder guiá-lo e orientá-lo para o ideal do sacerdócio. A formação bem adequada há, portanto, de coordenar harmonicamente o plano da graça e o da natureza naquele em quem se reconhecem com clareza qualidades reais e verdadeira aptidão. A presença das qualidades há de reconhecer-se com o mais escrupuloso cuidado, mal se delineiem os sinais da vocação, sem bastar um juízo apressado e superficial. Recorra-se mesmo à assistência e ao auxílio dum médico ou psicólogo competente. Nem se deverá omitir uma séria investigação anamnéstica para se apurar a idoneidade do candidato, também na importantíssima linha dos fatores hereditários.
64 Os candidatos que se encontrem física, psicológica ou moralmente inaptos, devem ser logo dissuadidos de seguir a carreira do sacerdócio. Saibam os educadores que isto é para eles gravíssimo dever. Não se abandonem a falazes esperanças e a perigosas ilusões, e não permitam de modo algum que o candidato as nutra, com resultados nocivos para ele e para a Igreja. Uma vida tão inteira e amavelmente dedicada, no interior e no exterior, como a do sacerdote celibatário, exclui, de fato, candidatos com insuficiente equilíbrio psicofisico e moral. Não se deve pretender que a graça supra o que falta à natureza.
65 Uma vez verificada a idoneidade do candidato e depois de admitido a percorrer o itinerário que o há de levar à meta do sacerdócio, deverá cuidar-se do progressivo desenvolvimento da sua personalidade, com a educação física, intelectual e moral, no que respeita à regulação e ao domínio pessoal dos instintos, dos sentimentos e das paixões.
66 Esta personalidade será comprovada pela firmeza de ânimo com que aceita a disciplina pessoal e comunitária que é a exigida pela vida sacerdotal. Tal disciplina, cuja falta ou insuficiência é de deplorar, pois expõe a graves riscos, não deve ser suportada só como imposição exterior, mas por assim dizer, deve ser interiorizada, inserida no complexo da vida espiritual como seu componente indispensável.
67 A arte do educador deverá estimular os jovens a cultivar a virtude sumamente evangélica da sinceridade (cf. Mt Mt 5,37) e da espontaneidade, favorecendo toda a boa iniciativa pessoal, para que o próprio candidato aprenda a conhecer-se e a medir as forças, a assumir conscientemente as próprias responsabilidades, e a adestrar-se no domínio de si mesmo que é de suma importância na educação sacerdotal.
68 O exercício da autoridade, cujo princípio deve em todo o caso manter-se firme, há de inspirar-se numa sapiente moderação e em sentimentos pastorais, e há de exercer-se como num colóquio e num treino gradual, que permita ao educador compreensão cada vez mais profunda da psicologia do jovem e dê a toda a obra educativa caráter eminentemente positivo e persuasivo.
69 A formação integral do candidato ao sacerdócio deve ter em vista uma escolha livre, calma, e convicta das graves obrigações que este há de vir a assumir responsavelmente, diante de Deus e da Igreja.
O ardor e a generosidade são qualidades admiráveis da juventude e, esclarecidas e amparadas, merecem-lhe, com a bênção do Senhor, a admiração e confiança da Igreja e de todos os homens. Mas, para que o entusiasmo não seja superficial e oco, não se lhes há de esconder nenhuma das verdadeiras dificuldades pessoais e sociais com que terão de enfrentar-se em virtude da sua escolha. E, juntamente com as dificuldades será justo que se ponha em relevo, com não menor verdade e clareza, a sublimidade desta escolha, a qual, se por um lado provoca na pessoa humana certo vazio físico e psíquico, por outro dá-lhe plenitude interior capaz de sublimá-la desde o íntimo da alma.
70 Os jovens deverão convencer-se de que não podem percorrer o difícil caminho do aspirante ao sacerdócio, sem uma ascese particular e própria, superior à que se pede aos demais fiéis. Será ascese severa, mas não sufocante, exercício assíduo e meditado daquelas virtudes que fazem do homem um sacerdote: abnegação de si mesmo no mais alto grau - condição essencial para o seguimento de Cristo (Mt 16,24 Jn 12,25) -; humildade e obediência como expressão de verdade interior e de liberdade ordenada; prudência e justiça, fortaleza e temperança, virtudes sem as quais não pode existir vida religiosa verdadeira e profunda; sentido de responsabilidade, de fidelidade e de lealdade no assumir das próprias obrigações; desprendimento e espírito de pobreza, que dão tom e vigor à liberdade evangélica; castidade conquistada com perseverança e de harmonia com todas as outras virtudes naturais e sobrenaturais; contato sereno e seguro com o mundo a cujo serviço o candidato se irá dedicar por Cristo e o seu reino.
Assim, o aspirante ao sacerdócio adquirirá com o auxílio da divina graça personalidade equilibrada, forte e madura, síntese de elementos naturais e adquiridos, harmonia de todas as faculdades à luz da fé e da íntima união com Cristo que o escolheu para Si e para o ministério da salvação do mundo.
71 Contudo, para se chegar a maior certeza da idoneidade do jovem para o sacerdócio e se poderem obter sucessivas provas de que atingiu a maturidade humana e sobrenatural, tendo em conta o fato de que "é mais difícil comportar-se bem na vida de apostolado por causa dos perigos externos", (38) será útil que a obrigação do celibato seja posta à prova, durante certos períodos de tirocínio, antes de se tornar estável e definitiva com o Presbiterado.(39)
72 Uma vez obtida a certeza moral de que a maturidade do candidato oferece garantias suficientes, poderá este assumir a grave e doce obrigação da castidade, como doação total de si mesmo ao Senhor e à Igreja.
Deste modo, a obrigação do celibato, que a Igreja vincula objetivamente à sagrada ordenação, é assumida de modo pessoal pelo próprio candidato, sob o influxo da graça divina e com plena consciência e liberdade. E óbvio que não hão de faltar os conselhos sábios e prudentes de provados mestres do espírito, para se tornar mais consciente esta grande e livre opção, mas nunca para impô-la. E nesse momento solene, que decidirá para sempre de toda a sua vida, o candidato sentirá, não o peso duma imposição externa, mas a alegria íntima duma escolha feita por amor de Cristo.
73 Não creia o sacerdote que a ordenação tudo tornará fácil e o livrará definitivamente de qualquer tentação ou perigo. A castidade não se adquire de uma vez para sempre, mas é resultado de laboriosa conquista e de reafirmação cotidiana. O mundo de hoje deu grande relevo ao valor positivo do amor nas relações entre os sexos, mas multiplicou também as dificuldades e os riscos nesta matéria. Importa, por isso, que o sacerdote, para salvaguardar com todo o cuidado o bem da castidade e para reforçar-lhe o significado sublime, reflita lúcida e serenamente sobre a sua condição de homem exposto ao combate espiritual contra as seduções da carne que lhe vêm de si mesmo e do mundo, e isto com a intenção incessantemente renovada de aperfeiçoar sempre mais a sua irrevogável oferta, que o obriga a uma fidelidade plena, sincera e real.
74 O sacerdote de Cristo encontrará nova força e nova alegria à medida que for aprofundando, na meditação e na oração de cada dia, os motivos da sua entrega e a convicção de que escolheu a melhor parte. Há de, por isso, implorar com humildade e perseverança, a graça da fidelidade, que nunca é recusada a quem a pede com coração sincero e, ao mesmo tempo, recorre aos meios naturais e sobrenaturais de que dispõe. E sobretudo, não há de descuidar aquelas normas ascéticas, que estão garantidas pela experiência da Igreja e que não são menos necessárias nas circunstâncias atuais do que o foram noutros tempos.(40)
75 Antes de mais nada, procure o sacerdote cultivar, com todo o amor que a divina graça lhe inspira, a intimidade com Cristo, tirando todo o proveito desse inexaurível e beatificante mistério. Procure igualmente adquirir conhecimento sempre mais profundo do mistério da Igreja, pois fora deste contexto o seu estado de vida correria o risco de parecer-lhe inconsistente e incôngruo.
A piedade sacerdotal, alimentada na fonte puríssima da Palavra de Deus e da Santíssima Eucaristia, vivida no drama da Sagrada Liturgia, animada por terna e esclarecida devoção à Virgem, Mãe do Sumo e eterno Sacerdote e Rainha dos Apóstolos,(41) pô-lo-á em contato com as fontes da autêntica vida espiritual, único e solidíssimo fundamento em que há de assentar a observância da sagrada virgindade.
76 Com a graça e a paz no coração, poderá o sacerdote enfrentar com grandeza de ânimo as múltiplas obrigações da sua vida e do seu ministério. E se as cumprir, com fé e com zelo, encontrará nelas outras tantas ocasiões de demonstrar a sua total consagração a Cristo e ao seu Corpo místico para santificação de si mesmo e do próximo. A caridade de Cristo que o impele (cf. 2Co 5,14), ajudá-lo-á também, não a renunciar aos melhores sentimentos do seu íntimo, mas a sublimá-los e a aprofundá-los em espírito de consagração, à imitação de Cristo, Sumo Sacerdote, que participou intimamente da vida dos homens, os amou e por eles sofreu (cf. He 4,15); à semelhança do Apóstolo Paulo, que participava das angústias de todos (c 1Co 9,22 2Co 11,29) para irradiar no mundo a luz e a força "da Boa Nova da graça de Deus" (cf. At Ac 20,24).
77 Santamente cioso da sua integral doação ao Senhor, saiba o sacerdote defender-se contra aquelas inclinações do sentimento que põem em jogo uma afetividade não suficientemente iluminada e guiada pelo espírito, e procure nâo buscar justificações espirituais e apostólicas para o que, na realidade, sâo perigosas inclinações do coração.
78 Para viver do Espírito e conformar-se com Ele (cf. Ga 5,25), a vida sacerdotal exige intensidade espiritual genuína e segura, ascética interior e exterior verdadeiramente viril. Pois, quem pertence a Cristo por um título especial, crucificou nele e por ele a própria carne com as paixões e concupiscências (Ga 5,24), não tendo receio de enfrentar, por isso, duras e contínuas provas (cf. 1Co 9,26-27). Assim, poderá o ministro de Cristo manifestar melhor ao mundo os frutos do Espírito, que são: "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio" (Ga 5,22-23).
79 O gênero de vida, o ambiente e a atividade próprias do ministro de Deus, são também causas de incremento, proteção e defesa da castidade sacerdotal. Por isso, é necessário que se fomente ao máximo aquela "íntima fraternidade sacramental", (42) da qual gozam todos os sacerdotes em virtude da sagrada ordenação. Jesus, nosso Senhor, ensinou-nos a urgência do mandamento novo da caridade, e deu-nos dele exemplo admirável no mesmo momento em que instituía o sacramento da Eucaristia e do sacerdócio católico (cf. Jo Jn 13,243-35), e pediu ao Pai celeste, que o amor com que o Pai o tinha amado desde sempre, estivesse nos seus ministros e Ele neles (cf. Jn 17,26).
80 Há de ser, portanto, perfeita a comunhão de espírito entre os sacerdotes, e intenso o intercâmbio de orações, de serena amizade e de auxílios de toda a espécie. Nunca será demasiado recomendar aos sacerdotes a utilidade de certa vida comum entre eles, inteiramente orientada ao ministério propriamente espiritual; a prática de freqüentes encontros, com fraternas trocas de idéias, de conselhos e de experiências; a promoção de associações que favoreçam a santidade sacerdotal.
81 Reflitam os sacerdotes na advertência feita pelo Concílio Vaticano II (43) sobre a sua participação comum no sacerdócio, para se sentirem vivamente responsáveis pelos colegas perturbados por dificuldades que vão expor a sérios perigos o dom divino que possuem. Mostrem entranhas de caridade ardente por eles, uma vez que têm mais necessidade de amor, de compreensão, de orações, de ajuda discreta mas eficaz, e têm justo motivo para contar com a caridade sem limites dos que são e devem ser os seus mais autênticos amigos.
82 Quereríamos finalmente, a título de complemento e de recordação deste nosso colóquio epistolar convosco, veneráveis Irmãos no Episcopado, Sacerdotes e ministros do altar, sugerir que cada um de vós tomasse a resolução de, todos os anos, no aniversário da respectiva ordenação, ou todos unidos em espírito na Quinta-feira Santa, nesse dia misterioso da instituição do sacerdócio, renovar a doação total e cheia de fé a Cristo Senhor, reavivar assim a consciência da própria eleição para o divino serviço, e repetir, com humildade e coragem, a promessa de indefectível fidelidade ao amor único e à castíssima oblação feita (cf. Rm 12,1).
83 Neste momento, o nosso coração volta-se com amor paterno, com ansiedade e grande mágoa para aqueles infelizes, mas sempre muito queridos e saudosos irmãos no sacerdócio, que, mantendo impresso na alma o caráter sagrado que lhes foi conferido na ordenação sacerdotal, foram ou são desgraçadamente infiéis às obrigações assumidas quando se consagraram ao serviço do Senhor.
A sua deplorável situação e as conseqüências particulares ou públicas que dela derivam, levam alguns a duvidar se não será precisamente o celibato responsável de algum modo por tais dramas e tais escândalos que afligem o Povo de Deus. Na realidade, a responsabilidade não recai sobre o próprio celibato, mas sobre o fato de se não terem avaliado a tempo de modo satisfatório e prudente as qualidades do candidato ao sacerdócio, ou ainda, sobre a maneira como os ministros sagrados vivem a sua consagração total.
84 Sendo muito sensível à triste sorte destes seus filhos, a Igreja julga necessário fazer todo o esforço para prevenir ou cicatrizar as chagas que estas defecções lhe trazem. Seguindo o exemplo de nossos imediatos antecessores de saudosa memória, também nós quisemos e determinamos que a investigação das causas que têm por objeto a ordenação sacerdotal fosse ampliada a outros motivos gravíssimos que não estão previstos na legislação canônica atual (cf. CIC, CIC 214), motivos que podem dar ocasião a dúvidas reais e fundadas sobre a plena liberdade e responsabilidade do candidato ao sacerdócio e sobre a sua idoneidade para o estado sacerdotal, de modo a libertarem-se todos aqueles que um processo judiciário cuidadoso demonstre não serem realmente aptos.
85 As dispensas que vêm a ser concedidas, numa percentagem verdadeiramente mínima em relação ao grande número de sacerdotes sãos e dignos, ao mesmo tempo que provêem com justiça à saúde espiritual dos indivíduos, demonstram também a solicitude da Igreja pela defesa do celibato e pela fidelidade integral de todos os seus ministros.
Ao fazer isto, a Igreja procede sempre com amargura no coração, especialmente nos casos particularmente dolorosos nos quais a recusa de levar dignamente o suave jugo de Cristo se deve a uma crise de fé ou a fraquezas morais, e é por isso, muitas vezes, responsável e escandalosa.
86 Oh, se estes sacerdotes soubessem quanta dor, quanta desonra, quanta perturbação causam à santa Igreja de Deus, se refletissem na solenidade e beleza dos compromissos assumidos, e nos perigos que enfrentarão nesta vida e na futura, seriam mais cautelosos e reflexivos ao tomar suas decisões, mais solícitos na oração e mais lógicos e corajosos em prevenir as causas do seu colapso espiritual e moral.
87 A Igreja volta-se com particular interesse para os casos dos sacerdotes ainda jovens que tinham iniciado com entusiasmo e com zelo a sua vida de ministros de Cristo. Não será talvez fácil que hoje, no meio da tensão dos deveres sacerdotais, tenham eles momentos de desconfiança, de dúvida, de paixâo, de loucura? É por isso que a Igreja deseja que se tentem, sobretudo nestes casos, todos os meios persuasivos, para levar o irmão vacilante à calma, à confiança, ao arrependimento, à perseverança, e só quando o caso não apresenta nenhuma solução possível, permite que o infeliz ministro seja demitido do ministério que lhe tinha sido confiado.
88 No caso em que ele demonstrasse ser irrecuperável para o sacerdócio, mas apresentasse ainda algumas boas e sérias disposições para viver cristãmente como leigo, a Sé Apostólica, estudadas todas as circunstâncias de acordo com o Ordinário ou o Superior Religioso, deixando ao amor vencer a dor, satisfaz algumas vezes os pedidos de dispensa, mas não sem acompanhá-la da imposição de obras de piedade e de reparação, a fim de que permaneça no filho, infeliz mas sempre caro, um sinal salutar da dor maternal da Igreja e uma lembrança mais viva da necessidade comum da divina misericórdia.
89 Tal disciplina, ao mesmo tempo severa e misericordiosa, inspirando-se sempre na justiça e na verdade, em suma prudência e reserva, contribuirá sem dúvida para confirmar os bons sacerdotes no propósito de vida intemerata e santa, e será aviso aos aspirantes ao sacerdócio, para que, sob a sábia direção dos educadores, avancem para o altar com plena consciência, com sumo desinteresse, com desejo ardente de corresponderem à graça divina e à vontade de Cristo e da Igreja.
90 Não queríamos, enfim, deixar de dar graças ao Senhor, com profunda alegria, ao reconhecermos que muitos daqueles que infelizmente foram infiéis por algum tempo às suas obrigações, reencontraram, com a graça do Sumo Sacerdote, o caminho justo e, para alegria de todos, voltaram a ser ministros exemplares, depois de terem recorrido com boa vontade comovedora a todos os meios idôneos e principalmente à intensa vida de oração, de humildade e de contínuos esforços sustentados pela freqüência do sacramento da penitência.
91 Os nossos caríssimos sacerdotes têm o direito e o dever de encontrar em vós, veneráveis irmãos no Episcopado, auxílio valiosíssimo e insubstituível para a observância mais fácil e mais feliz dos deveres assumidos. Fostes vós que os aceitastes e destinastes ao sacerdócio, vós quem lhes impusestes as mãos sobre as cabeças, convosco estão aparentados pela honra do sacerdócio e pela virtude do Sacramento da Ordem, representam-vos na comunidade dos fiéis, estão unidos a vós, com magnanimidade e confiança, tomando sobre si, na medida do seu grau, os vossos encargos e a vossa solicitude. (44) Escolhendo o celibato, eles seguiram o exemplo dos Prelados do Oriente e do Ocidente, em vigor desde a antiguidade. E este é novo motivo de comunhão entre o Bispo e o sacerdote, e deve ser fator propício para essa comunhão ser vivida mais intimamente.
92 A ternura de Jesus pelos seus apóstolos manifestou-se toda, com plena evidência, ao fazê-los ministros do seu Corpo real e místico (cf. Jn 13-17). Também vós, em quem "está presente no meio dos fiéis o Senhor Jesus Cristo, Pontífice Máximo", (45) conheceis o dever de dar o melhor do vosso coração e da vossa solicitude pastoral aos sacerdotes e aos que se preparam para sê-lo. (46) De nenhum outro modo podereis manifestar melhor esta vossa convicção do que por meio da responsabilidade consciente e da caridade sincera e insuperável com que haveis de orientar a educação dos futuros ministros do altar e ajudar com todos os meios os sacerdotes a manterem-se fiéis à vocação e ao cumprimento dos próprios deveres.
Sacerdotalis caelibatus PT 46