Pastores dabo vobis PT 79


79 Num certo sentido, é precisamente cada sacerdote individualmente, o primeiro responsável na Igreja pela formação permanente: na realidade, sobre cada padre recai o dever, radicado no sacramento da Ordem, de ser fiel ao dom de Deus e ao dinamismo de conversão quotidiana que vem desse mesmo dom. Os regulamentos ou as normas da autoridade eclesiástica, ou mesmo o exemplo dos outros sacerdotes, não bastam para tornar apetecível a formação permanente, se cada um não estiver pessoalmente convencido da sua necessidade e determinado a valorizar-lhe as ocasiões, os tempos, as formas. A formação permanente mantém a "juventude" do espírito, que ninguém pode impor de fora, mas que cada um deve encontrar continuamente dentro de si mesmo. Só quem conserva sempre vivo o desejo de aprender e de crescer possui esta "juventude".

Fundamental é a responsabilidade do Bispo e, com ele, do presbitério.A daquele funda-se sobre o facto de os presbíteros receberem através dele o sacerdócio e partilharem com ele a solicitude pastoral pelo Povo de Deus. Ele é responsável por aquela formação permanente destinada a fazer com que todos os seus sacerdotes sejam generosamente fiéis ao dom e ao ministério recebido, tal como o Povo de Deus o quer e tem o "direito" de ter. Esta responsabilidade leva o Bispo, em comunhão com o presbitério, a delinear um projecto e a estabelecer uma programação capaz de configurar a formação permanente não como algo de episódico mas como uma proposta sistemática de conteúdos, que se desenrola por etapas e se reveste de modalidades precisas. Ele assumirá a sua responsabilidade não só assegurando ao seu presbitério lugares e momentos de formação permanente, mas também estando presente em pessoa e participando de modo convicto e cordial. Por vezes será oportuno, ou até necessário, que os bispos de várias dioceses vizinhas ou de uma região eclesiástica se ponham de acordo e unam as suas forças para poder oferecer iniciativas mais qualificadas e verdadeiramente estimulantes para a formação permanente, tais como Cursos de actualização bíblica, teológica e pastoral, Semanas de estudos, Ciclos de conferências, momentos de reflexão e de análise sobre o itinerário pastoral do presbitério e da comunidade eclesial.

O Bispo, para dar cumprimento a esta sua responsabilidade, solicite também o contributo das Faculdades e dos Institutos teológicos e pastorais, dos Seminários, dos organismos ou federações que reúnem pessoas - sacerdotes, religiosos e fiéis leigos - empenhadas na formação presbiteral.

No âmbito da Igreja particular, um lugar significativo é reservado às famílias: a elas, de facto, na sua dimensão de "igrejas domésticas", faz referência concreta a vida das comunidades eclesiais animadas e guiadas pelos sacerdotes. É de realçar particularmente o papel da família de origem. Esta, em união e comunhão de desígnios, pode oferecer à missão do filho um contributo específico importante. Cumprindo o plano providencial que a quis berço do gérmen vocacional e indispensável ajuda para o seu desenvolvimento, a família do sacerdote, no mais absoluto respeito por este filho que escolheu doar-se a Deus e ao próximo, deve permanecer sempre como uma fiel e encorajante testemunha da sua missão, acompanhando-a e partilhando-a com dedicação e respeito.


Momentos, formas e meios da formação permanente

80 Se cada momento pode ser um "tempo favorável" (cf. 2Co 6,2), no qual o Espírito Santo directamente conduz o sacerdote a um crescimento na oração, no estudo e na consciência das próprias responsabilidades pastorais, há, todavia, momentos "previlegiados", mesmo se mais comunitários e pré-estabelecidos.

São de recordar aqui, antes de mais, os encontros do Bispo com o seu presbitério, sejam eles litúrgicos (em particular a concelebração da Missa Crismal de Quinta-feira Santa), pastorais ou culturais, em ordem a um confronto sobre a actividade pastoral ou ao estudo de determinados problemas teológicos.

Estão, depois, os encontros de espiritualidade sacerdotal, tais como os retiros, os dias de recolecção e de espiritualidade, etc. Constituem ocasião para um crescimento espiritual e pastoral, para uma oração mais prolongada e calma, para um regresso às raízes do seu ser padre, para reencontrar vigor de motivações para a fidelidade e o impulso pastoral.

Importantes são também os encontros de estudo e de reflexão comum: impedem o empobrecimento cultural e a fixação em posições cómodas mesmo no campo pastoral, fruto de preguiça mental; asseguram uma síntese mais madura entre os diversos elementos da vida espiritual, cultural e apostólica; abrem a mente e o coração aos novos desafios da história e aos novos apelos que o Espírito Santo dirige à Igreja.



81 Múltiplas são as ajudas e os meios de que a formação permanente se pode servir para se tornar cada vez mais uma preciosa experiência vital para o clero. De entre eles, recordamos as diferentesformas de vida comum entre os sacerdotes, sempre presentes, ainda que em modalidades e intensidades diferentes, na história da Igreja: "Hoje não se pode deixar de recomendá-las, sobretudo entre aqueles que vivem ou estão empenhados pastoralmente no mesmo lugar. Além de favorecer a vida e a acção pastoral, esta vida comum do clero oferece a todos, presbíteros e leigos, um exemplo luminoso de caridade e de unidade" (230).

Outra ajuda pode ser dada pelas associações sacerdotais, em particular pelos institutos seculares sacerdotais, que apresentam como nota específica a diocesaneidade, por força da qual os sacerdotes se unem mais estreitamente ao Bispo, e constituem "um estado de consagração no qual os sacerdotes, mediante votos ou outros laços sagrados, são chamados a incarnar na vida os conselhos evangélicos" (231).Todas as formas de "fraternidade sacerdotal" aprovadas pela Igreja são úteis tanto para a vida espiritual como para a vida apostólica e pastoral.

Também a prática da direcção espiritual contribui muito para favorecer a formação permanente dos sacerdotes. É um meio clássico, que nada perdeu do seu precioso valor, não só para assegurar a formação espiritual mas ainda para promover e sustentar uma contínua fidelidade e generosidade no exercício do ministério sacerdotal. Como então escrevia o futuro Papa Paulo VI, "a direcção espiritual tem uma função belíssima e pode dizer-se indispensável para a educação moral e espiritual da juventude que queira interpretar e seguir com absoluta lealdade a vocação da própria vida, seja ela qual for, e conserva sempre uma importância benéfica para todas as idades da vida, quando à luz e à caridade de um conselho piedoso e prudente se pede a comprovação da própria rectidão e o conforto para o cumprimento generoso dos próprios deveres. É meio pedagógico muito delicado, mas de grandíssimo valor; é arte pedagógica e psicológica de grande responsabilidade para quem a exercita; é exercício espiritual de humildade e de confiança para quem a recebe" (232).

(230) Sínodo dos Bispos, VIII Assem. Ger. Ord., A Formação dos sacerdotes nas circunstâncias actuais, « Instrumentum laboris », 60; cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Decr. sobre o Ministério pastoral dos Bispos na Igreja Christus dominus,
CD 30; Decr. sobre o Ministério e a Vida dos sacerdotes Presbyrorum ordinis , PO 8; CIC cán. CIC 550, 2.
(231) Propositio 37.
(232) J. B.Montini, Carta pastoral Sobre o sentido moral, 1961.


CONCLUSÃO

82 "Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração" (Jr 3,15).

Ainda hoje esta promessa de Deus está viva e operante na Igreja: esta sente-se, em todos os tempos, feliz destinatária destas palavras proféticas; vê a sua realização quotidiana em tantas partes da terra, melhor, em tantos corações humanos, sobretudo de jovens. E deseja que, frente às graves e urgentes necessidades próprias e do mundo, às portas do terceiro milénio, esta divina promessa se cumpra de um modo novo, mais amplo, intenso, eficaz: como uma extraordinária efusão do Espírito do Pentecostes.

A promessa do Senhor suscita no coração da Igreja a oração, a súplica ardente e confiante no amor do Pai de que, tal como mandou Jesus o Bom Pastor, os Apóstolos, os seus sucessores e uma multidão inumerável de presbíteros, assim continue a manifestar aos homens de hoje a sua fidelidade e a sua bondade.

E a Igreja está pronta a responder a esta graça. Sente que o dom de Deus exige uma resposta coral e generosa: todo o Povo de Deus deve incansavelmente rezar e trabalhar pelas vocações sacerdotais; os candidatos ao sacerdócio devem preparar-se com grande seriedade para acolher e viver o dom divino, conscientes de que a Igreja e o mundo têm absoluta necessidade deles; devem enamorar-se de Cristo Bom Pastor, modelar sobre o Seu o coração deles, estar prontos para a ir pelas estradas do mundo como sua imagem para proclamar a todos Cristo Caminho, Verdade e Vida.

Um apelo particular dirijo às famílias: que os pais, e especialmente as mães, sejam generosos em dar ao Senhor os seus filhos, chamados ao sacerdócio, e colaborem com alegria no seu itinerário vocacional, conscientes de que, deste modo, tornam maior e mais profunda a sua fecundidade cristã e eclesial e podem experimentar, em certa medida, a bem-aventurança de Maria, a Virgem Mãe: "Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre" (Lc 1,42).

E aos jovens de hoje digo: sede mais dóceis à voz do Espírito, deixai ressoar no profundo do coração as grandes esperanças da Igreja e da humanidade, não tenhais medo de abrir o vosso espírito ao chamamento de Cristo, senti sobre vós o olhar amoroso de Jesus e respondei com entusiasmo à proposta de um seguimento radical.

A Igreja corresponde à graça mediante o compromisso que os sacerdotes assumem de realizar aquela formação requerida pela dignidade e pela responsabilidade que lhes foram conferidas, através do sacramento da Ordem. Todos eles são chamados a conscienzializarem-se da singular urgência da sua formação na hora presente: a nova evangelização tem necessidade de evangelizadores novos, e estes são os presbíteros que se esforçam por viver o seu sacerdócio como caminho específico para a santidade.

A promessa de Deus é a de assegurar à Igreja não quaisquer pastores, mas pastores "segundo o seu coração". O "coração" de Deus revelou-se-nos plenamente no Coração de Cristo Bom Pastor. E o Coração de Jesus continua hoje a ter compaixão das multidões e a dar-lhes o pão da verdade e o pão do amor e da vida (cf. Mc 6,30-44), e quer palpitar noutros corações - o dos sacerdotes: "Dai-lhes vós mesmos de comer" (Mc 6,37). As pessoas têm necessidade de sair do anonimato e do medo, precisa de ser conhecida e chamada pelo nome, de caminhar segura nas estradas da vida, de ser encontrada se se perder, de ser amada, de receber a salvação como supremo dom do amor de Deus: é isto, precisamente, o que faz Jesus, o Bom Pastor; Ele e os presbíteros com ELE.

E agora, no final desta Exortação, dirijo o olhar à multidão de aspirantes ao sacerdócio, de seminaristas e de sacerdotes que, em todas as partes do mundo, mesmo nas condições mais difíceis e por vezes dramáticas, e sempre no alegre esforço de fidelidade ao Senhor e de incansável serviço ao seu rebanho, oferecem quotidianamente a própria vida pelo crescimento da fé, da esperança e da caridade, nos corações e na história dos homens e das mulheres do nosso tempo.

Vós, caríssimos sacerdotes, fazei-lo porque o próprio Senhor, com a força do seu Espírito, vos chamou para levar, nos vasos de barro da vossa vida simples, o tesouro inestimável do seu amor de Bom Pastor.

Em comunhão com os Padres sinodais e em nome de todos os Bispos do mundo e da inteira comunidade eclesial exprimo-vos todo o reconhecimento que a vossa fidelidade e o vosso serviço merecem (233).

E enquanto desejo a todos vós a graça de renovardes cada dia o dom de Deus recebido pela imposição das mãos (cf. 2Tm 1,6), de sentirdes o conforto da profunda amizade que vos liga a Jesus e vos une uns aos outros, de experimentardes a alegria do crescimento do rebanho de Deus num amor sempre maior a Ele e a cada homem, de cultivardes a persuasão tranquilizadora de que Aquele que iniciou em vós esta boa obra a completará até ao dia de Cristo Jesus (cf. Fil Ph 1,6), com todos e cada um de vós me dirijo em oração a Maria, mãe e educadora do nosso sacerdócio.

Cada aspecto da formação sacerdotal pode ser referido a Maria como à pessoa humana que correspondeu, mais do que qualquer outra, à vocação de Deus, que se fez serva e discípula da Palavra até conceber no seu coração e na sua carne o Verbo feito homem para dá-Lo à humanidade, que foi chamada à educação do único e eterno Sacerdote que se fez dócil e submisso à sua autoridade materna. Com o seu exemplo e a sua intercessão, a Virgem Santíssima continua a estar atenta ao desenvolvimento das vocações e da vida sacerdotal na Igreja.

Por isso, nós sacerdotes somos chamados a crescer numa sólida e terna devoção à Virgem Maria, testemunhando-a pela imitação das suas virtudes e com a oração frequente.

Maria,
Mãe de Jesus Cristo e Mãe dos sacerdotes
recebei este preito que nós Vos tributamos
para celebrar a vossa maternidade
e contemplar junto de Vós o Sacerdócio
do vosso Filho e dos vossos filhos,
ó Santa Mãe de Deus.

Mãe de Cristo,
ao Messias Sacerdote destes o corpo de carne
para a unção do Espírito Santo
a salvação dos pobres e contritos de coração,
guardai no vosso Coração
e na Igreja os sacerdotes,
ó Mãe do Salvador.

Mãe da fé,
acompanhastes ao templo o Filho do Homem,
cumprimento das promessas feitas aos nossos Pais,
entregai ao Pai para Sua glória
os sacerdotes do Filho Vosso,
ó Arca da Aliança.

Mãe da Igreja,
entre os discípulos no Cenáculo,
suplicastes o Espírito
para o Povo novo e os seus Pastores,
alcançai para a ordem dos presbíteros
a plenitude dos dons,
ó Rainha dos Apóstolos.

Mãe de Jesus Cristo,
estivestes com Ele nos inícios
da Sua vida e da Sua missão,
Mestre O procurastes entre a multidão,
assististe-l'O levantado da terra,
consumado para o sacrifício único eterno,
e tivestes perto João, Vosso filho,
acolhei desde o princípio os chamados,
protegei o seu crescimento,
acompanhai na vida e no ministério
os Vossos filhos,
ó Mãe dos sacerdotes.

Amen!

Dado em Roma, junto de S. Pedro, a 25 de Março, Solenidade da Anunciação do Senhor, do ano 1992, décimo quarto do meu Pontificado.

JOÃO PAULO II


(233) Cf. Propositio 40.

Copyright © Libreria Editrice Vaticana






Pastores dabo vobis PT 79