OTIMISMO
CRISTÃO, HOJE
(diálogo de fé com um pessimista)
Francisco Faus
O DESABAFO DE UM PESSIMISTA AMARGURADO
“O REINO
DAS SOMBRAS DA MORTE”
– As sombras de Mordor já estão tomando conta de tudo!
– O quê?
– Será que o senhor é dos poucos que não leram O Senhor dos Anéis?
– Li, sim, por acaso, já faz algum tempo. Mas, escute, você quem é?
– Ninguém... Aliás, sou um
leitor.
– Ah! Já nos encontramos outras vezes... Desta vez, você é um leitor
jovem ou um leitor velho?
– Tenho trinta e dois anos.
– Jovem. Boa idade ainda para arranjar emprego... Mas o que é que você
queria dizer com essa história de “Mordor”?
– O que qualquer um que não seja cego pode enxergar no mundo atual.
Não vai dizer que esqueceu que Mordor é o domínio do Senhor das Trevas...
– Sei, sim. São as terras de Sauron, o “Senhor dos Anéis”, o rei do
ódio e da destruição...
– Pois então, basta abrir os olhos para perceber que as trevas de
Mordor estão cada vez mais espalhadas e densas, invadindo o mundo, a política,
a sociedade, a cultura, as escolas, as famílias... Onde antes havia luz, agora
há trevas.
– Você fala de “antes” como se tivesse vivido muito...
– Não é preciso ter vivido muito, basta conhecer um pouquinho de
história e ter um mínimo de sensibilidade. E gostaria de que percebesse que não
falo de impressões emotivas nem de interpretações subjetivas, mas daquilo que
todo o mundo vê e toca por toda a parte, todos os dias e a todas as horas. Para
ser mais explícito, vou tentar fazer-lhe um resumo das sombras de Mordor mais
patentes e o senhor vai-me dizer se é assim como digo ou não.
A
PRIMEIRA SOMBRA
Veja. Primeiro, o mundo está envolto em brumas cada vez mais densas de
falta de fé e de sentido transcendente da vida. Todos sabemos que se está
propagando – entre jovens e adultos e velhos, que pretendem ser cultos – a moda
do agnosticismo, do niilismo e do pseudo-misticismo deliqüescente do vale-tudo:
chame-o de New Age ou como quiser.
Cada qual fabrica ou escolhe a capricho a sua “filosofia de vida” ou a sua
“crença”, cada uma mais barata e vazia do que a outra; o importante é que não
custe nada, que não exija nem proíba nada; em todo o caso, que só exija os
direitos do prazer e da vaidade. Escolhe-se a “pseudo-verdade” interesseira
como se escolhe na loja um par de sapatos bem em conta, desde que correspondam
ao tamanho do pé; só que aqui o “pé” se chama ambição, egoísmo, vício, rejeição
do compromisso e da fidelidade..., numa autêntica maratona de mentiras que são
batizadas com o nome de autenticidade.
– Permite-me interromper? Desculpe, mas não me parece bom caminho
filosofar sobre o mundo atual como você faz, com tanta amargura e pessimismo;
quase diria que com ódio... Assim não iremos longe; quando muito, cairemos num
buraco negro de desesperança.
– Está bem. Vejo que prefere não me escutar. Então, conversa
encerrada.
– Não, meu amigo, desculpe de novo. Só estou manifestando um ponto de
vista diferente do seu, um ponto de vista que gostaria de expor e que de fato
vou expor depois mais amplamente, mas respeito as suas opiniões e não quero ser
grosseiro. Penso que devemos respeitar o pensamento de todos. Por favor,
continue.
A
SEGUNDA SOMBRA
– Muito bem. Passemos, então, à segunda nuvem; e, com isso, não estou
classificando as “sombras de Mordor” pela ordem de importância; é só um modo de
falar. É evidente que, no bojo dessas primeiras nuvens negras, viajam os raios
e trovões de um laicismo
anti-religioso – não apenas a-religioso –, raivoso e descarado; especialmente
hostil à Igreja Católica, que procura desprestigiar, caluniar, achincalhar com
qualquer pretexto: basta ler a imprensa, assistir a entrevistas e programas de
tv, e saber do que se diz em inúmeras aulas de colégios, cursinhos e faculdades.
Veja o que acontece, por exemplo, quando um católico tenta abrir a
boca sobre questões controvertidas – e vitais! – de atualidade, como as
questões sobre o direito à vida. Logo se procura costurar-lhe a boca com os
grampos de uma gritaria hipocritamente escandalizada. Chovem invectivas,
insultos, motejos, insinuações contra a Igreja, acusada de obscurantismo,
anticientificismo e outras imbecilidades. Bradam, como se fosse um dogma da
nova fé – uma fé de que eles são os sumos pontífices e grandes inquisidores –,
que não se deve misturar religião e moral com as leis, os projetos e as
decisões do governo, mesmo que, como acontece na quase totalidade dos casos, os
cristãos manifestem apenas opiniões
estritamente éticas, racionais e científicas, sem a menor pretensão de
impor dogmas de fé.
É assim que está surgindo, de forma acelerada, uma nova “democracia”
totalitária e ditatorial, que pretende espoliar milhões de cidadãos do direito
fundamental de opinar, elemento essencial da democracia; direito que ficaria
monopolizado nas mãos fanáticas dos materialistas-hedonistas, dos niilistas
nietzscheanos e dos fiéis devotos do credo veteromarxista, essas figuras que se
auto-atribuem, por decreto pessoal, a exclusiva do manejo dos cordeizinhos da
história.
– Rapaz, como você gosta de descer a lenha e provocar polêmica! Não
acho...
– Paramos, então.
– Não, não! Já lhe disse que pode continuar, livremente..., ainda que
lhe aviso que, como já o adverti, eu também falarei livremente mais adiante. Só
lhe pediria licença, neste momento, para fazer um inciso e dirigir-me aos
“outros” leitores, que eventualmente estejam folheando estas páginas.
– À vontade.
– (Ao pé do ouvido de vocês, que
me lêem, eu queria dizer que tudo o que vem a seguir, neste texto, não vai ser
tão irado e soturno. Esperem. O ar vai clarear daqui a poucas páginas...).
Pronto, já dei o recado aos outros leitores. Você estava dizendo?
A
TERCEIRA SOMBRA
– Ia falar da terceira nuvem, que, no fundo, é a que as mais das vezes
provoca os raios e trovões da anterior. Mais do que de uma nuvem, eu falaria
aqui de uma erupção viscosa de piche, que captura e arrasta em suas lavas –
lavas que, por sinal, rendem lucros enormes – tudo o que encontra pelo caminho,
mulheres e homens, adolescentes, jovens e velhos, e até crianças.
Refiro-me à enxurrada da pornografia e do sexo desnaturado; do
sexo-jogo meramente egoísta, mesmo no casamento; dos abusos, excessos e
aberrações da genitalidade de consumo. A família, cada vez mais dizimada,
apresenta os alicerces rachados, demolidos até mesmo pela picareta das leis; e
a imagem do ser humano, da dignidade dos filhos de Deus, fica reduzida a uma
poça suja, em que qualquer um chapinha, ou a um cuspe que se joga de lado.
Perdoe-me se cito, de modo atenuado e não textual, a ironia um tanto grosseira
de um filósofo moderno: “Ao longo da história, o ser humano foi adquirindo um
maior conhecimento de si mesmo. Durante milênios, pensava-se que fosse uma
unidade de corpo e alma, de matéria e espírito. Agora, nestes últimos tempos,
comprovou-se por fim que é uma unidade de sexo e porta-sexo. Tudo é sexo, o
resto é só suporte para sustentar o sexo”.
– Que exagero!
– Pode ser. Mas não se esqueça de duas coisas, sem a pretensão de lhe
dar lições. Por um lado, o sexo hedonista e sem entraves, como é patente, é
insaciável. Por isso, cada vez reivindica maiores “direitos”, maiores “campos”
de exercício e maiores “liberdades”, e acaba defendendo verdadeiras
monstruosidades, como se fossem normais; por exemplo, estão sendo produzidos na
surdina filmes em que se faz a apologia da pedofilia, algum deles promovido
pelos mesmos “intelectuais” que acusam padres de praticá-la. É natural que os
que vivem chafurdando no sexo pervertido odeiem uma Igreja que – embora não se
canse de mostrar amor e compreensão para com todos os que erram – se recusa,
pelo bem da humanidade, a considerar normal ou inocente o “sexo livre”, o
adultério sistemático, o homossexualismo proselitista, o aborto, o infanticídio
eugênico (já praticado em vários países do primeiro mundo), e, em geral, o
desprezo pela vida humana nascente ou terminal. Fazendo um leve esforço de
memória, lembre-se do Oscar concedido ao melhor filme estrangeiro de 2005: Mar adentro, que outra coisa não é senão
a defesa “linda” e sentimental do direito à eutanásia, a matar ou matar-se.
Acha que é simples acaso que este mergulho nos desvios sexuais vá
acompanhado, quase sempre, pela praga da droga e/ou pelo alcoolismo, que
desestruturam e arruínam milhares de seres humanos desde a adolescência? Acha
estranho que esses desvarios acabem, às vezes, como vem acontecendo cada vez
mais, na decisão fria e calculada de assassinar pai, mãe, irmãos..., no chamado
“aborto ascendente”? Já deve ter lido a respeito disso. O raciocínio subjacente
a esses crimes é o seguinte: Por que, se os pais eliminam tranqüilamente – com
o aplauso caloroso da mídia e de celebridades – seus filhos no ventre materno,
para gozar de mais liberdade, dinheiro e prazer na vida, os filhos não vão poder
eliminar os pais, quando estes lhes tolhem o acesso ao dinheiro, à liberdade e
aos prazeres da vida?
– Desculpe-me, mas você me faz sentir mal. Por mais católico que seja,
parece-me doente, de tão amargo. Será que se esqueceu da imensa quantidade de
gente boa que anda pelo mundo? É possível que você ignore que esta época de
sombras é também uma época de grandes luzes, que este mundo enviscado de pecado
é também um mundo em que se multiplicam iniciativas cristãs belíssimas e
eficazes, em que surgem novas vocações de dedicação total a Deus e ao próximo,
e há exemplos fantásticos de bondade, de abnegação, de santidade?
Justamente ao fazer o resumo da sua estadia no Brasil, em 2007, o Papa
comentou, muito bem-humorado, que no nosso país, surge quase que diariamente um
novo movimento apostólico, um novo caminho de entrega a Deus e de serviço ao
próximo, que arrasta a generosidade de muitos jovens. Você citou o Senhor dos Anéis, mas não se esqueça de
que Mordor acaba vencido, e de que o amor, o sacrifício abnegado, a fidelidade
e a bondade, encarnados em Frodo e Sam, afinal acabam triunfando... Seja
positivo!
– Espero que o senhor me convença disso, e, aliás, já vejo por onde
vão soprar os ventos quando tomar a palavra... Mas, enfim, uma vez que comecei,
deixe-me terminar.
– Eu não preciso “deixar”, meu amigo. Eu escuto. Você opina e eu vou
opinar depois. Não pretendo tapar a boca de ninguém.
A QUARTA
SOMBRA
– Então aí vai a última nuvem negra de Mordor, um
enorme exército de nazgûl, se é que
se lembra do que são os cavaleiros negros
ou espectros do Anel. É nuvem
ameaçadora. Está tingida de um vermelho que congela o coração. Porque é a nuvem
da violência. Todos bradam contra a violência, mas o que se faz para eliminar
as “lições” constantes de violência que, desde a infância, todos recebem dos
videogames, da televisão, da Internet, do cinema, dos livros, dos jornais? É
claro que também aqui quem está guiando as rédeas é o dinheiro! Violência dá
lucro, como o sexo, a droga, a indústria do aborto... Muito dinheiro, muito!
O dinheiro! Esse parece ser o “ídolo”, o único deus
soberano da maioria, neste mundo que explora, larga e tritura os mais pobres,
cada vez mais pobres; que despreza os desvalidos, abandona os doentes (veja as
“maravilhas” da saúde pública!), afunda legiões de gente honesta e competente
na angústia insuportável do desemprego, defende tartarugas fluviais e nega
trabalho a “homens humanos” de mais de quarenta anos; arquiteta atentados
brutais, com bandeiras de direita e de esquerda, de nacionalismo ou de
vingança; e, em contraste com a miséria absoluta de tantos, alimenta as mil e
uma formas de corrupção e enriquecimento ilícito em quase todos os setores
públicos e privados da sociedade...
– Ufa! Você deixa o coração e o estômago apertados
com a sua retórica, porque não pode negar que está “discursando”; até parece
comício. Será que você acha que está próximo o fim do mundo? Porque o vejo
profeta de desgraças e apocalíptico antes da hora.
– Será que é antes da hora? Quando se toca o fundo
do poço, e não é possível cair mais baixo, não parece absurdo pensar que o fim
está chegando.
– Eu fico, meu amigo, com as palavras de Jesus: “Não sabeis o dia nem a hora” (Mt 25,
13), e acho perda de tempo especular sobre a iminência do Juízo Final. Prefiro
confiar na Providência misericordiosa de Deus. Por outro lado, vejo que, do
próprio fundo do poço, brotam renovos cheios de vitalidade, tanta que os creio
capazes de enfrentar serenamente e com fruto todas as nuvens de Mordor...
– Sinto muito, mas não acredito mais nisso... Já me
fartei de ouvir palavras bonitas.
DEUS E
AS SOMBRAS
SÓ
PALAVRAS BONITAS?
– Pois eu confio nessas “palavras bonitas”, e mais:
tenho a certeza de que, em boa parte, todo esse mal depende de cada um de nós.
Não fiquemos só generalizando. Criticamos, lamentamos, mas somos uns tremendos
omissos. Choramos lágrimas turvas, por assim dizer, e deixamos de irrigar com
água limpa as boas sementes do mundo, que – como veremos – são muitas. Por
isso, gostaria de que todos aprendêssemos a cantar no coração, sentindo-a
sinceramente, a música esperançosa do Gonzaguinha:
Ah, meu Deus, eu sei que a vida devia
ser
bem melhor e será.
Mas isso não impede que eu repita:
É bonita, é bonita e é bonita!
Depende de você e de mim que a vida seja mais
bonita, e vou repetir-lhe isso mil vezes, se for preciso... Mas não quero
colocar o carro à frente dos bois...
– “É bonita!” Fazer poesia é fácil, mas, na minha
opinião, isso não passa do famoso “words,
words, words”!
– Então, que Deus o ajude. Você precisa sarar do
mal do pessimismo. Não consigo deixar de citar-lhe, por mais que não lhe
agradem, aquelas famosas palavras do general Mac Arthur dirigidas aos jovens
cadetes de West Point: “És tão jovem quanto a tua fé, tão velho quanto a tua
dúvida; tão jovem quanto a tua esperança, tão velho quanto o teu desencanto...
Se um dia o teu coração começar a ser mordido pelo pessimismo e roído pelo
cinismo, que Deus tenha misericórdia da tua alma de velho”.
– Muito obrigado pela descompostura. Acho que o
senhor não entendeu nada.
– Não se ofenda, nem eu me vou ofender. Mas já está
na hora de pararmos com essa pirotecnia verbal e refletir serenamente. Sabe? Eu
gostaria, se você não se importar, de falar-lhe com um pouco de calma, de expor
outra visão deste mundo que tanto o amargura..., sem pretender tapar o sol com
a peneira nem enfeitar os males com fantasias de carnaval.
– Fique à vontade e fale quanto quiser. Não sou eu
que vou amordaçá-lo...
– Muito obrigado..., ainda que não entenda isso da
mordaça. Acho que não estou sendo tão rude ou intransigente consigo, mas
deixemos para lá.
– Desculpe, não queria ofendê-lo. Garanto que sou
todo ouvidos.
– Pois bem. Veja. Ainda que pareça um paradoxo,
para iniciar a minha reflexão sobre os fortíssimos motivos que temos para ser
otimistas, não vou falar de flores nem vou pintar o mundo de azul. Vou começar
focalizando realidades bem sombrias, que certamente existem. E
desde já peço ajuda a Deus para que ambos possamos contemplá-las com os olhos
da fé, dessa virtude que proporciona o ajuste do nosso olhar com o de Deus: “É
como se contemplássemos tudo com o olho de Deus”, diz São Tomás de Aquino[1].
Estou convencido de que, da visão da fé, sempre salta a faísca luminosa do otimismo,
mesmo no seio da escuridão mais densa.
– Gostaria muito de ver. Afinal, eu tenho fé, e se
desabafo com tanta dor, trincando-me todo por dentro, é porque sou um católico
convicto que, como tantos outros, vem sofrendo demais...
– Pois, então, valerá a pena tentar.
COMO
DEUS VÊ AS SOMBRAS
– Eu estou convencido de que, para ponderar
corretamente os negrumes do mundo, que você tanto lamenta e eu também, é
necessário partir de uma certeza que a nossa fé nos garante: Deus ama este
mundo, onde há tantas coisas horríveis. Deus o ama até com loucura: “Tanto amou Deus o mundo – dizia Cristo
a Nicodemos – que lhe deu o seu Filho
único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3, 16). São Paulo chegará a afirmar que o ama em demasia, quase que
passando dos limites: Deus, que é rico em
misericórdia, pelo excessivo amor com que nos amou [...], deu-nos a vida por Cristo (Ef 2, 4-5).
– Desculpe, mas a respeito dessas afirmações eu
vejo uma contradição na Bíblia. Não faz muitos dias, eu que gosto de lê-la
diariamente, li e anotei vários trechos da primeira carta de São João, onde
parece dizer o contrário. Lembra-se? Não
ameis o mundo nem as coisas do mundo – diz –. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai (1 Jo 2, 15).
Como se entende isso? Cristo diz que o Pai ama o mundo e João diz que amar o
mundo e amar o Pai são coisas incompatíveis...
– Foi bom você mencionar esse texto, porque aí há
um equívoco que é preciso esclarecer. Na realidade, a palavra mundo, no Novo Testamento, é usada em
três sentidos diversos:
1. umas vezes, significa apenas, de modo
geral, o mundo criado por Deus – toda a obra da criação material e espiritual
–, e, neste sentido, o livro do Gênesis diz que, após ter criado o mundo, Deus viu tudo quanto tinha feito, e achou
que era muito bom (Gên 1, 31);
2. outras vezes, significa a humanidade
toda, a humanidade que caiu desde o princípio, que pecou, mas que Deus nunca
deixou de amar nem desistiu de salvar (Pois
Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja
salvo por Ele: Jo 3, 17), verdade consoladora que Cristo repete uma e outra
vez (“Eu não vim para condenar o mundo,
mas para salvá-lo”: Jo 12, 47);
3. finalmente, há outras ocasiões,
bastante freqüentes no Novo Testamento, em que a palavra mundo é usada para significar tudo aquilo que, nesta terra, se opõe
a Deus, ou seja, aquela grande parte deste mundo que está dominada pelo pecado. É neste sentido que São João fala, por
exemplo, de que o Filho de Deus estava no
mundo e o mundo foi feito per ele, e o mundo não o conheceu (cfr. Jo 1,
10). Dentro dessa perspectiva negativa, Jesus chama ao demônio príncipe deste mundo (Jo 14, 30); e
João, de maneira bem categórica, declara que tudo o que há no mundo é concupiscência da carne, concupiscência dos
olhos e soberba da vida (1 Jo 1, 16) e chega a dizer que o mundo todo jaz sob o poder do Maligno
(1 Jo 5, 19).
É disso, concretamente, que fala o Catecismo da Igreja Católica quando diz:
“As conseqüências do pecado original e de todos os pecados pessoais dos homens
conferem ao mundo, em seu conjunto, uma condição pecadora, que pode ser
designada com a expressão de São João: «O pecado do mundo» (Jo 1, 29). Com esta
expressão quer-se designar também a influência negativa que exercem sobre as
pessoas as situações comunitárias e as estruturas sociais que são fruto do
pecado dos homens” (n. 408).
O MUNDO
DO PECADO
– Quando você, amigo leitor, desabafava sobre as
sombras do mundo atual, apenas estava constatando que o mundo nesse terceiro
sentido, ou seja, o “mundo” moldado e dominado pelo pecado, infelizmente existe
e, por vezes, cresce tanto que quase parece ocupar tudo, tapando a visão do
resto. Daí o pessimismo. Só que essa constatação esquece um dado fundamental.
– Qual?
– O seguinte. Se um cristão quer julgar o mundo com
realismo, tem que ver toda a realidade, não só uma parte.
Concretamente, tem que ver que, neste mundo, ao lado da forte presença do
pecado, há a presença ainda mais forte e ativa do amor de Deus. Se só
levássemos em conta a presença do pecado, infelizmente evidente, teríamos uma
visão míope ou até cega. É preciso que nunca percamos de vista essas “duas”
realidades. Bento XVI, no discurso inaugural da Conferência dos Bispos da
América Latina e do Caribe, em Aparecida, no dia 13 de maio de 2007, dizia
palavras que deveríamos meditar:
“O que é a «realidade»? O que é o real? [...]. Quem
exclui Deus do seu horizonte falsifica o conceito de «realidade» e, em
conseqüência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas.
A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: Só quem reconhece Deus,
conhece a realidade e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano”[2].
– Tem toda a razão. Mas não é fácil ver a ação de
Deus nesse “mundo”, o terceiro da sua classificação, o mundo do pecado...
– Certo. Então vamos dar mais um passo. Penso que
nos servirá de ajuda refletir mais um pouco sobre o que ensina o Catecismo da Igreja Católica acerca da
presença do pecado e das suas conseqüências nefastas, ao mesmo tempo que fala –
por incrível que pareça – das conseqüências “maravilhosas” do pecado...
– Maravilhosas? Essa não!
– Espere e verá, e, se você é realmente cristão,
terá que concluir que “essa sim”. Escute o que diz o Catecismo. Depois de recordar que antes de mais nada é preciso
“reconhecer a ligação profunda do homem
com Deus, pois fora desta relação o mal do pecado não é desmascarado na sua
verdadeira identidade de recusa e de oposição a Deus...” (n. 386), passa a
tratar do pecado original e mostra as suas conseqüências na vida e na história
dos homens:
“A harmonia em que viviam, graças à justiça
original, ficou destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o
corpo ficou abalado; a união do homem e da mulher ficou sujeita a tensões; as
suas relações serão marcadas pela cupidez e pela dominação. A harmonia com a
Criação está rompida; a Criação visível tornou-se para o homem estranha e
hostil [...]. A partir do primeiro pecado, uma verdadeira «invasão» do pecado
inunda o mundo [...]. A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja não cessam de
lembrar a presença e a universalidade do
pecado na história do homem” (ns. 400 e 401).
– Diz muito bem o Catecismo. É uma fotografia da realidade. Impossível não vê-la.
Fala de “inundação” do pecado, e todos vemos que, mais do que uma inundação,
hoje é um verdadeiro tsunami... Onde
está então a “maravilha” de que o senhor falava?
– Está onde a Igreja ensina que está. Sabe o que
diz a liturgia da Vigília Pascal ao referir-se ao pecado original? Feliz culpa, que mereceu ter tal e tão
grande Redentor! – venturosa culpa, que fez com que Jesus viesse a nós! E o
que diz São Paulo? Onde foi abundante o
pecado, foi superabundante a graça trazida pela Redenção. É como se
dissesse: “Que fantástico! Graças ao pecado, recebemos a maravilha do amor e da
graça de Cristo, mil vezes superior ao pecado” (cfr. Rom 5, 20). É um paradoxo,
mas é assim.
Essas considerações, como é óbvio, nada têm de levianas.
O Catecismo fala com plena
consciência do mal do pecado, dessa triste realidade que é o único verdadeiro
mal do mundo. Mas, se o faz, é para depois poder falar mais alto e com maior
força do benefício imenso da Redenção. Mal acaba de expor a doutrina sobre o
pecado original, explica que, logo depois da queda dos primeiros pais, “Deus
chama o homem e anuncia-lhe de modo misterioso a vitória sobre o mal e o
soerguimento da queda”, e reforça essa afirmação esperançosa citando palavras
de São Leão Magno (século V) tão otimistas como as de São Paulo acima citadas:
“A graça inefável de Cristo deu-nos bens melhores do que aqueles que a inveja
do Demônio nos havia subtraído”; e, a seguir, transcreve palavras de São Tomás
de Aquino cheias da mesma perspectiva otimista: “Deus permite que os males
aconteçam para tirar deles um bem maior” (ns. 410 e 412).
A “vitória sobre o mal” fica mais impressionante se
tivermos diante dos olhos a magnitude e perversidade do mal, que Deus supera
com o “bem maior” que dele tira.
É com essa visão que o Papa João Paulo II, no seu
último livro Memória e identidade[3],
refletia sobre os três grandes tsunamis do século XX, que ele designava
por ideologias do mal. Falava por experiência própria, pois tinha
sofrido pessoalmente a opressão asfixiante de duas dessas ideologias
materialistas e anticristãs que tiranizaram a sua Polônia natal: o nazismo e o
comunismo. Vale a pena deter-nos nessas “sombras de Mordor”. Já lhe dizia antes
que iríamos refletir sobre as sombras – sem atenuá-las nem pintá-las de azul –
para depois contemplar melhor a luz.
TRÊS
IDEOLOGIAS DO MAL
O
nazismo e o marxismo
No discurso de Natal dirigido à Cúria Romana em 22
de dezembro de 2005, o Papa Bento XVI fazia uma referência ao livro Memória e identidade e dizia: “Tanto no
início como no final do mencionado livro, o Papa [João Paulo II] mostra-se
profundamente sensibilizado pelo espetáculo do poder do mal que, no século
recém-terminado, nos foi concedido experimentar de modo dramático. Diz
textualmente: «Não foi um mal de pequenas dimensões... Foi um mal de proporções
gigantescas, um mal que se valeu das estruturas estatais para realizar uma obra
nefasta, um mal edificado como sistema»”.
Cada uma dessas ideologias pretendia oferecer uma cosmovisão: uma interpretação global,
totalitária, científica e definitiva da verdade sobre o mundo, o homem, a
história, a política, a sociedade... Por outras palavras, atribuíam-se a si
mesmas as características de uma autêntica “religião atéia”, e foram vividas e
impostas como “crenças” dogmáticas intocáveis, como cultos obrigatórios de
adoração à tirania totalitária, negadora de Deus, a quem viam como um
concorrente que era preciso apagar das consciências e da vida social. Por isso,
ambas as ideologias perseguiram ferrenhamente a religião.
As duas juntas levaram ao martírio muito mais
cristãos – sem contar a brutalidade inominável do “holocausto” dos judeus – que
todas as perseguições sofridas por eles ao longo de vinte séculos. E disto
pouco se fala hoje nas aulas universitárias, nos cursinhos e colégios...
– Gostei de ouvir! Confesso que estou farto de
escutar e ler ataques contra a Igreja, mesmo em colégios e universidades
“católicos”, de suportar o cacarejo incessante e monótono de “Inquisição,
Inquisição, Inquisição!...”, e de não ouvir nem ler nem meia palavra sobre as
atrocidades cometidas contra os cristãos e fiéis de outras religiões por
Stalin, Mao Tsé Tung, Pol Pot e quejandos... Pelo contrário, alguns desses
ditadores, manchados de alto a baixo de sangue ideológico, são ainda
apresentados como porta-bandeiras da “salvação” da América Latina e do mundo.
Que Inquisição?
– Já que fez esse desabafo, vou aproveitar a dica.
Você sabe como costumo retrucar aos que me questionam sobre a Inquisição? Como
os mineiros, respondendo com outra pergunta: “De que Inquisição está falando?”
– E quando me olham com o espanto característico dos sabichões, explico-lhes:
“Eu não defendo nem defenderei nunca a Inquisição. Mas é imoral e cínico esquecer
que não foi, nem de longe, a única nem a pior «inquisição» da história. Foram
muitas as inquisições dedicadas a julgar cidadãos e condená-los à morte pelo
«crime» de defenderem idéias ou ideologias julgadas intoleráveis, perigosas e
daninhas para os «dogmas» do Estado, para a paz e a unidade da nação”.
Mesmo no campo religioso, cristão, naqueles séculos
em que a unidade de religião era considerada uma questão de estado e elemento
indispensável para a segurança dos reinos, os países protestantes tiveram
também as suas inquisições, muitas vezes bem mais ativas que as dos reinos
católicos. É fato conhecido, por exemplo, que Calvino também acendeu as suas
fogueiras em Genebra; na Inglaterra,
Henrique VIII e, depois, a rainha Elisabeth, em nome do anglicanismo, fizeram
correr barris de sangue de católicos, desde Sir Thomas More – São Tomás More –,
antigo chanceler do Reino e um dos “três homens mais cultos da Europa”, até
monges e monjas contemplativos, como os cartuxos, pacífica e silenciosamente
recolhidos em seus mosteiros. E nunca ouviu falar do massacre dos
“anabaptistas” (julgados hereges por Lutero) que, liderados por Münzer, se
uniram à revolta dos camponeses alemães contra os príncipes de tendência
luterana e acabaram sendo vencidos? Conta-se que, num só dia, foram degolados
vinte mil deles, com a aprovação de Lutero, que exortava os príncipes
germânicos: “Exterminai, decapitai!”...?[4]
– O senhor está lavando a minha alma...
– Espere, que daqui a pouco talvez tenhamos de
queimá-la um pouco... Mas, já que estamos nessa, eu queria completar brevemente
o quadro inquisitorial. Quando foram comemorados os duzentos anos da Revolução
francesa, saíram à luz vários estudos históricos, quase todos de especialistas
franceses, muito completos, sobre aquela época. À distancia de dois séculos, já
não se fizeram idealizações românticas, mas apresentaram-se documentos, dados e
números. É de estarrecer a enorme quantidade de cabeças inocentes de católicos
que os tribunais revolucionários, em nome da liberté, fraternité et egalité, deceparam na França liberal.
Tribunais sectários, anticristãos, usando de juízos-relâmpago inquisitoriais,
sumaríssimos, eliminavam em poucas horas quem tinha fé católica e fidelidade à
Igreja. É paradigmático o julgamento infame e a decapitação na guilhotina das
carmelitas do mosteiro de Compiègne, que chegaram juntas ao suplício, cantando
o Veni, Creator Spiritus. É um
episódio que deu pé a duas obras literárias admiráveis: A última ao cadafalso, de Gertrud von Le Fort[5],
e os Diálogos das carmelitas, de Georges Bernanos[6].
Em resumo, a verdade é que as inquisições
ideológicas de diversas cores, sobretudo as inquisições
laicas (não-religiosas, é
importantíssimo frisá-lo!) do “liberalismo”, do nazismo e do comunismo, fizeram
muitíssimo mais vítimas, em nome dos seus intocáveis “dogmas de fé laica”, que
a tão cacarejada inquisição dos reinos católicos...
– Isso é que me revolta! Quase sempre são os
“liberais anticlericais” – herdeiros diretos da Ilustração e da Revolução
francesa –, os marxistas – planta arcaica que custa a murchar –, e os
defensores das manipulações genéticas, das experiências com embriões e fetos
humanos, do aborto eugênico, da eutanásia, etc. – herdeiros diretos, nisso, dos
experimentos de vida e morte com seres humanos nos campos de concentração
nazistas –, os que grasnam com mais arrogância contra a inquisição das nações
católicas, quando eles têm a casa infinitamente mais suja de sangue
inquisitorial que qualquer “inquisição católica”... Mas eles são os inocentes,
os “científicos”, os avançados, os liberais, os juízes dos demais, eles...
– Pare, pare, pare! Você está-se exaltando. Não se
lembra de que o diabo é o pai da mentira?
É lógico que os sem-Deus mintam. Além disso, não nos esqueçamos do que Jesus
predisse sobre o ódio que o “mundo” (esse “mundo” impregnado de mal de que
estávamos falando) dedicaria aos seus discípulos: Se o mundo vos odeia – dizia Cristo –, sabei que me odiou a mim antes que a vós. Se fôsseis do mundo, o
mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo
vos escolhi, por isso o mundo vos odeia [...]. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir a vós (Jo 15,
18-20).
– Está bem. Mas o senhor só falou de duas
ideologias do mal. Qual é a terceira?
A terceira ideologia do mal
– Já me referi a ela um pouco, de passagem; e você,
aliás, também falou bem claramente dela no início do nosso diálogo. É aquela
ideologia materialista e hedonista – hoje predominante – que tem o mesmo
dogmatismo e a mesma intransigência que as duas anteriores, ainda que, mais do
que uma ideologia completa e estruturada, seja um puzzle sincretista de idéias hedonistas, de agnosticismo, de
relativismo, de niilismo, de libertinagem requintada..., embrulhado tudo no
papel colorido do “direito de fazer o que você bem entender”, pois para isso é
que existe a liberdade...
Como as outras duas ideologias, é ferozmente –
diria, febrilmente – anti-cristã, e sobretudo anti-católica. Se quer dar-lhe um
nome, vamos chamá-la de laicismo, uma
“filosofia” que reúne tudo o que acabo de enumerar e mais várias pitadas de
condimentos materialistas. O seu credo tem uma única certeza: “Não terás outros
deuses fora do teu eu e da tua liberdade absoluta”. Como você já dizia, no
início da nossa conversa, esse novo dogma da fé atéia ou agnóstica domina cada
vez mais o mundo, as esferas do poder, as relações internacionais, a cultura, e
quer atropelar tudo.
– É verdade. Por favor, continue.
– João Paulo II, numa audiência de 24.01.2005,
dizia que é “uma ideologia que leva gradualmente, de forma mais ou menos
consciente, à restrição da liberdade religiosa até promover um desprezo ou
ignorância de tudo o que seja religioso, relegando a fé à esfera do privado e
opondo-se à sua expressão pública”.
Para o laicismo, a democracia só pode existir se
todos reconhecerem que não há nem verdades nem valores absolutos, que tudo é
relativo, é apenas opinião pessoal. Consiste, como você já sabe, em elevar à
categoria de princípios intocáveis o relativismo:
não há verdades, só há opiniões; e o subjetivismo:
cada qual tem a “sua” moral, a “sua” religião, os “seus” valores, que valem
tanto quanto os dos outros...; basta que ele “sinta” assim.
Alguém professa uma religião? Acredita em verdades
e em valores morais baseados na lei divina – a começar pela lei natural, que é
a “verdade” racionalmente cognoscível sobre a natureza – e na Palavra de Deus?
Esse, então, é um perigo para a democracia! Irão obrigá-lo, à força de pressões
da mídia, dos organismos políticos e até da lei, a trancar a sua fé, os seus
valores, as suas convicções no porão oculto da sua consciência e no recinto
fechado do seu templo. Se ousar expô-los em público, ou, pior ainda,
defendê-los como valores éticos válidos para a vida social, terá que ser banido
como um perigoso inimigo da liberdade e da democracia.
Com toda a razão, comentava o cardeal Ratzinger, em
2004:
“O laicismo não é mais aquele elemento de
neutralidade, que abre espaços de liberdade para todos. Começa a transformar-se
numa ideologia, que se impõe por meio da política e não concede espaço público
à visão católica e cristã”[7].
No mesmo ano, em diálogo com o professor
universitário e Presidente do Senado italiano Marcello Pera, um agnóstico
aberto aos valores éticos, Ratzinger acrescentava:
“Ultimamente tenho notado, com maior freqüência,
que o relativismo – à medida que se vai tornando a forma de pensamento
comumente aceita – tende à intolerância, transformando-se num novo dogmatismo.
A political correctness (o politicamente correto), com a sua
pressão onipresente, quereria erguer o reino de um único modo de pensar e de falar. [...] Seria assim, desse único
modo, que todos deveriam pensar e falar, se quisessem estar à altura do
presente. Enquanto a fidelidade aos valores tradicionais e aos conhecimentos
(racionais) que os sustentam é tachada de intolerância, o padrão relativista
torna-se obrigatório”[8].
É natural que, após a sua eleição como Papa, faça
questão de alertar uma e outra vez sobre o perigo da “ditadura do relativismo”.
– É espantoso. Imagino que o senhor saiba que, nos
Estados Unidos, já é proverbial dizer que a única coisa que, hoje, não é
politicamente incorreta é agredir e caluniar a Igreja Católica, o Papa e os
sacerdotes católicos, as obras católicas... E isso, não esporadicamente, mas
por meio de campanhas mundiais sistemáticas, perfeitamente organizadas. Mas ai
de quem discordar das abortistas, das feministas radicais, dos defensores do
casamento gay e das experiências com embriões humanos...! Todos podem opinar,
menos os católicos, reduzidos à condição de infra-cidadãos “malháveis”
(desculpe o neologismo).
– E muitos se deixam malhar como carneiros! Seja como
for, acho lógico que, perante esses atentados cada vez mais abertos e
agressivos contra a liberdade civil dos católicos, a Santa Sé tenha saído em
defesa da liberdade religiosa e política dos seus fiéis, com vários documentos,
entre eles a Nota doutrinal sobre algumas
questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida
política, da Congregação para a Doutrina da Fé, de 24. 11. 2002, onde se
lê:
“Nas sociedades democráticas, todas as propostas
são discutidas e avaliadas livremente. Aquele que, em nome do respeito à
consciência individual, visse no dever moral dos cristãos de serem coerentes
com a própria consciência um motivo para desqualificá-los politicamente,
negando a sua legitimidade de agir em política de acordo com as próprias convicções
relativas ao bem comum, cairia numa espécie de intolerante laicismo” (n. 6)[9].
Creio que, por ora, isto é suficiente. Mas já está
na hora de darmos mais um passo rumo a uma visão otimista do mundo atual, a
despeito de todas as nuvens negras de Mordor. Vamos sair ao ar livre e ao sol,
mas prepare o seu coração, pois chegou o momento de “queimar” o seu
pessimismo...
– Já vejo que chuva grossa vai cair, o ferro em
brasa vem para cima de mim...
O SOL
BRILHA SOBRE AS NUVENS
TANTO
AMOU DEUS O MUNDO
– Várias vezes lhe disse que íamos fazer umas
reflexões que poderiam arder um pouco na sua alma de pessimista. Vamos começar
agora, e peço a Deus que estas “queimaduras”, sempre afetuosas, sejam chama e
calor que o encham de saúde espiritual e de alegria.
– Saúde? Acha que estou doente?
– Julgue você mesmo. Não me parece saudável um modo
de pensar que não coincida com o pensamento de Deus...
– Que quer dizer com isso?
– Quero dizer uma coisa muito simples. O seu
pessimismo – compreensível, de resto – leva-o a contemplar este “mundo”
invadido pelo pecado com repugnância, ira e desânimo. E nós já vimos que Deus,
pelo contrário, contempla este mesmo “mundo”, precisamente porque está
enlameado, com tanta misericórdia, com tanto amor, que acha que vale a pena dar
o seu sangue – o sangue de Cristo, o Filho de Deus – para lavá-lo e plantar bem
no coração dele as bandeiras do amor e da esperança.
– Sim. Isso é o que mais dói. Cristo já veio, fez a
coisa mais espantosa que podia fazer, dar a vida por todos os homens; e, em
troca, hoje querem condená-lo de novo, estão querendo expulsá-lo,
“neutralizá-lo”.
– É verdade. O “mundo” faz o possível para condenar
de novo Cristo e expulsá-lo da vida dos homens e mulheres. Já o recordávamos ao
mencionar o “ódio do mundo” anunciado por Jesus. Ele sabia disso perfeitamente.
Mas também é verdade que nada disso toldou nem o amor nem a alegria com que
quis dar livremente a sua vida pela salvação “deste mundo”.
Talvez penetremos melhor no seu coração, se nos
lembrarmos da sua despedida, na Última Ceia, cuja crônica de visu foi feita por São João, reclinado à mesa junto dEle.
Naquele momento de intimidade e despedida, Jesus anunciou claramente aos
Apóstolos a sua paixão e morte iminente. Tinha plena consciência de que chegara a sua hora de passar deste mundo ao
Pai (Jo 13, 1), e de que morreria no meio dos tormentos e desprezos mais
atrozes, acabando como um detrito humano, um fracassado. Como é que Ele via
essa sua morte? Desejando-a, mesmo que lhe custasse suores de sangue (cfr. Lc
12, 50 e Jo 10, 17-18), desejando-a porque ela era o cume do seu amor: Como o Pai me ama, assim também eu vos amo [...]. Ninguém tem maior amor que aquele que dá a
sua vida pelos seus amigos (Jo 15, 9. 13).
É fundamental perceber que, a esse seu “fracasso”
(o fato de morrer destroçado pelos inimigos), Ele o chama a sua glória e a sua vitória: Agora é glorificado
o Filho do homem (Jo 13, 31); Coragem!
Eu venci o mundo (Jo 16, 33). Há, em tudo isso, um belíssimo mistério, em
que vale a pena penetrar.
– Não posso negar que há aí algo de muito
sugestivo...
O AMOR DADO AO MUNDO
– Espero não complicar as coisas se, para captar o
cerne desse mistério, agora acrescento que a maior alegria de Jesus, perante a
sua Paixão e após a Ressurreição, foi ver que chegara enfim a hora em que, como
fruto do seu Sacrifício redentor, poderia entregar-nos o dom do Espírito Santo.
Compreendo que isto parece não ter muita conexão com o que estávamos dizendo...
– Parece... Pelo menos eu não capto a conexão.
– Permita-me, então, prosseguir mais um pouco.
Volto à Última Ceia, tal como a recorda São João. Enquanto o Senhor se
despedia, antes de padecer, dando aos Apóstolos as últimas instruções – o seu
“testamento” –, foi fazendo numerosos incisos para falar, uma e outra vez, do
Espírito Santo. Era algo que não lhe saía do coração. Não vou citar todos esses
incisos. Só dois deles, que me parecem mais esclarecedores. O primeiro: Agora vou para aquele que me enviou, e
nenhum de vós pergunta: para onde vais? Mas porque vos falei assim, a tristeza
encheu o vosso coração. Entretanto, digo-vos a verdade: convém a vós que eu vá!
Porque, se não for, o Paráclito [o Espírito Santo] não virá a vós; mas se for, eu vo-lo enviarei (Jo 16, 5-7). E o
segundo: Eu rogarei ao Pai, e ele vos
dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco. É o Espírito da
Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o
conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós (Jo 14, 16-17).
– Bonito! Mas continuo sem achar a conexão...
– A conexão vamos vê-la logo, com a ajuda de Deus.
Você sabe quem é o Espírito Santo?
– A terceira pessoa da Santíssima Trindade.
– Perfeitamente. Então talvez saiba que, no seio da
Trindade, desse mistério inefável, inexprimível, deslumbrante da intimidade de
Deus, o Espírito Santo é o Amor, o amor indescritível entre o Pai e o Filho.
Não é um simples sentimento de amor, nem apenas um vínculo de relação amorosa,
mas o Amor em Pessoa, o amor substancial de Deus que, por sua vez, é Deus, uma Pessoa divina! Um Amor que é Deus! Você percebe?
– Acho que começo a entender.
– Sim! Cristo salva o mundo, prostrado pela
inundação do pecado, que é a escória do “egoísmo”, com dois atos de perfeito
amor, de perfeito anti-egoísmo, de amor
até ao extremo (cfr. Jo 13, 1).
Primeiro, oferece-se em sacrifício para expiar os
nossos pecados, ou seja, envolve o abismo maligno do pecado num imenso abismo
de amor – a sua entrega na Cruz –, num amor infinitamente superior a todas as
abominações do pecado. Neste sentido, o Apocalipse começa dizendo que Jesus Cristo
é aquele que nos ama, que nos lavou dos
nossos pecados no seu sangue (Apoc 1, 5)[10].
Segundo. Cristo, ao alcançar-nos na Cruz a remissão
dos pecados, abriu as portas para que pudéssemos receber na nossa alma redimida
o dom do Espírito Santo, o próprio Amor divino com o qual Deus nos abraça, nos
inflama em suas chamas divinas, nos transforma em filhos “muito amados” (cfr.
Ef 5, 1), unidos ao Filho, em “outros Cristos”, e nos infunde a capacidade
sobre-humana de amá-lo e de nos amarmos mutuamente tal como Jesus amou; e de
fazê-lo de um modo que vai muito além das nossas capacidades humanas, pois nos
foi infundida a potência do próprio Amor divino, do Espírito Santo (cfr. Gál 4,
4-7; Rom 5, 5).
O amor de Deus – dirá São Paulo – foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.
Precisamente por isso, ele pôde acrescentar que a nossa esperança não engana (Rom 5, 5). Sim,
somos amados com loucura, salvos, resgatados, pelo Amor todo-poderoso. Por mais
que as trevas o escondam, no mundo está presente o Amor. Aí está a razão do
nosso otimismo, precisamente porque esse Amor misericordioso veio ao mundo para
ficar. Jamais se apagará, jamais nos abandonará, sempre estará oferecido a quem
quiser abrir-lhe a alma. Dele todos, se quisermos, poderemos viver, e com a sua
força poderemos mudar a nossa vida e mudar o mundo.
A
VITÓRIA QUE VENCE O MUNDO
– Você, meu bom amigo pessimista (a caminho de
virar otimista), perceberá melhor agora por que o Papa Bento XVI, perfeito
conhecedor do mundo atual e de seus tsunamis,
começou publicando uma encíclica otimista sobre o Amor de Deus (Deus caritas est), e acaba de publicar a
segunda encíclica, otimista também, sobre a esperança (Spe salvi). Ele sabe, pela força da fé, o que acabamos de comentar:
que Jesus trouxe ao mundo, definitivamente, o Amor, a única coisa que salva e
que pode dar sentido à vida e à história.
“Não é a ciência que redime o homem – lemos na
encíclica Spe salvi –. O homem é
redimido pelo amor [...]. O ser humano necessita de amor incondicionado [...].
Se existe esse amor absoluto com a sua certeza absoluta, então – e somente
então – o homem está «redimido», independentemente do que lhe possa acontecer
[...]. A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as
desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora, «até o
fim», «até a plena consumação» (cfr. Jo 13, 1 e 19, 30)”[11].
No contexto desse parágrafo da encíclica, que citei
só parcialmente, o Papa inclui uma belíssima mensagem de otimismo que São Paulo
dirige aos romanos: Se Deus é por nós,
quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas por todos
nós o entregou, como não nos dará com ele todas as coisas? Mensagem que
conclui com um cântico jubiloso: Quem nos
separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A
nudez? O perigo? A espada? [...].
Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores [literalmente: hypernikómen, “super-vencemos”] pela virtude daquele que nos amou (Rom
8, 31-32. 35-37). Acima de tudo, há a certeza da vitória!
Está vendo como se corta o nó górdio do paradoxo,
do mistério de que acima falávamos? Cristo transforma a sua humilhação e o seu
fracasso na Cruz em amor que nada pode deter, em uma invencível “inundação de
amor”. Cristo fez do próprio mal do mundo, do pecado, dos crimes, dos horrores
dos homens, o “motivo” que o levou a encarnar-se e a morrer por nós. Como fruto
do seu sacrifício, deu-nos o Espírito Santo. Vê como Jesus, dos males que a
você o desanimam, tirou o impulso para dar ao mundo os maiores bens?
– Desculpe. Meditar, como acaba de fazer, sobre a
bondade e misericórdia de Deus é cativante. Mas acho que, vendo o panorama do
mundo atual, Jesus continua a chorar, como chorou sobre Jerusalém no início da
sua “semana santa”... Aquelas palavras tão conhecidas: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te
são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos, como a galinha reúne
os seus pintinhos debaixo de suas asas..., e tu não quiseste! (Mt 23, 37).
– Sim, Jesus chorou e sofreu pensando na rejeição
daquele povo que amava e na de tantos outros homens e mulheres ao longo dos
tempos, talvez especialmente dos tempos atuais. Mas nada disso abalou a sua
decisão de amar até o fim. Por isso
temos, podemos ter, e sempre poderemos ter esperança. Por isso somos e sempre
seremos otimistas.
– Será que tanto otimismo não é utopia?
REALIDADE
OU UTOPIA?
– Acho que a melhor resposta a essa tentação de
ceticismo no-la vai dar o Papa Bento XVI. Na parte final da encíclica Deus é amor (Deus caritas est), fala de
que “os cristãos continuam a crer, não obstante todas as incompreensões e
confusões do mundo circunstante, «na bondade de Deus e no seu amor pelos
homens» (Tit 3, 4). Apesar de estarem imersos, como os outros seres humanos, na
complexidade dramática das vicissitudes da história, permanecem inabaláveis na
certeza de que Deus é Pai e nos ama, ainda que o seu silêncio seja
incompreensível para nós”[12].
E acrescenta, com palavras que convém meditar:
“A fé mostra-nos o Deus que entregou o seu Filho
por nós e, assim, gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo verdade:
Deus é amor! Desse modo, Ele transforma a nossa impaciência e as nossas dúvidas
em esperança segura de que Deus tem o mundo nas suas mãos e que, não obstante
todas as trevas, Ele vence [...]. A fé que toma consciência do amor de Deus
revelado no coração trespassado de Jesus na cruz, suscita, por sua vez, o amor.
Aquele amor divino é a luz – fundamentalmente, a única – que ilumina
incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir. O amor
é possível, e nós somos capazes de o praticar porque criados à imagem de Deus.
Viver o amor e, desse modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo: tal é o
convite que vos queria deixar com a presente encíclica”[13].
Utopia? As utopias são divagações sonhadoras, ou
teimosos apriorismos ideológicos, divorciados da realidade. Cristo é
“realista”. Nunca prometeu um triunfo geral e avassalador. Ninguém melhor do
que Ele conhece o caráter sagrado da liberdade que Ele próprio nos outorgou.
Podemos dizer-lhe “sim” e podemos dizer-lhe “não”. Ele nada quer impor-nos,
apenas propor-nos: Eis que estou à porta
do teu coração e bato. Se alguém escutar a minha voz e me abrir a porta,
entrarei e cearei com ele... (Apoc 3, 20). A liberdade de dizer “não”
sempre estará na mão de todos os homens. Mas também estará a liberdade de dizer
“sim” e de mudar o mundo, lavando-o num tsunami
de Verdade e de Amor.
“A vida – escreve ainda Bento XVI[14]
– não é um simples produto das leis e dos acasos da matéria”. Não estamos em um
mundo cego, à deriva. “Em tudo e, contemporaneamente, acima de tudo – prossegue
–, há uma Vontade pessoal, há um Espírito que em Jesus se revelou como Amor”.
Deus não deixará que o mundo se transforme num pião desvairado, mesmo que às
vezes chegue à beira disso. Deus está presente e age: Meu Pai continua
agindo até agora – diz Jesus – e eu ajo também (Jo 5, 17). E isso
não é utopia, é uma verdade prodigiosa.
A
PEQUENA SEMENTE
Quer mais um alicerce para o otimismo cristão? Leia
o Novo Testamento, do começo ao fim, e comprovará que, se, por um lado, é
verdade que nem Cristo nem os Apóstolos jamais nos prometeram um paraíso na
terra, por outro, também é verdade que nunca falaram de uma devastação moral
absoluta, que apagasse a esperança, nem sequer ao anunciar as piores crises de
fé da humanidade e a vinda de muitos anticristos (cfr. 2 Tes 2, 3-4; 1 Jo 2,
18; 1 Tim 4, 1-2, etc.).
Jesus não prediz aos seus discípulos nem sucessos
retumbantes nem derrotas catastróficas. O que Ele faz é propor-lhes
reiteradamente um mistério de esperança, que nunca deveríamos esquecer: O Reino
de Deus – que com Ele veio ao mundo – é
como o grão de mostarda que, quando é semeado, é a menor de todas as sementes;
mas, depois de semeado, cresce, torna-se maior que todas as hortaliças e
estende de tal modo os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua
sombra (Mc 4, 31-32). É uma imagem do que a presença de Cristo, do que a
graça do Espírito Santo faz, na alma e no mundo, se somos fiéis.
Esta comparação, esta parábola, complementa-se com
a do trigo e o joio. O Reino dos céus é
semelhante a um homem – Jesus – que
tinha semeado boa semente em seu campo (o mundo). Aconteceu, porém, que, na
calada da noite, o Inimigo (o demônio e os seus seguidores) espalhou joio, erva
daninha, no meio do trigo. Ambos cresceram, e o dono do campo viu o joio
crescer de mistura com o trigo, aumentando, ameaçando acabar com ele. Mas só na
época da colheita – no dia do Juízo – é que o joio será separado do trigo. Os
que fazem o mal serão lançados fora, e os justos, no Reino do Pai, resplandecerão
como o sol (cfr. Mt 13, 24-30.36-43).
Você vê nessa parábola uma perspectiva otimista ou
pessimista?
– Mais ou menos. Muito otimista é que não parece...
– Pois João Paulo II discorda de você: “Na
realidade – diz ele –, a parábola pode ser tomada como chave de leitura para
toda a história do homem. Com diverso sentido nas várias épocas, o «trigo»
cresce juntamente com o «joio» e, vice-versa, o «joio» com o «trigo». A
história da humanidade é o palco da coexistência do bem com o mal. Isto
significa que, se o mal existe ao lado do bem, também o bem persevera ao lado do mal, e cresce”[15].
A boa semente sempre cresce, porque sempre há boa
terra, almas generosas e fiéis. É alentadora essa promessa de que o grão de
mostarda, o grão de trigo, existirá até o fim do mundo e sempre, de um modo ou
de outro, crescerá, umas vezes de maneira oculta para nós; outras, de forma
palpável, exuberante. Num e noutro caso, é nosso dever perseverar, colaborar,
corresponder à graça divina, para que a semente arraigue e se desenvolva,
mantendo a fé mesmo que, durante longo tempo, não esteja aparentemente a
crescer.
Vamos agora dar ainda um novo passo na nossa
reflexão, perguntando-nos: Essa pequena semente, o que é? Cristo disse, na
parábola do semeador, que é a palavra de Deus (cfr. Lc 8, 11). Mas isso não
esgota o seu significado. Há uma comparação audaz, utilizada por São João, que
me parece enormemente sugestiva. Ele diz que o próprio Espírito Santo é a semente de Deus, que reside em nós, os
cristãos unidos a Deus pela graça (cfr. 1 Jo 3, 9). Acho isto fabuloso. Essa semente é Deus! É o seu Amor! É o
Espírito Santo. E é próprio do Espírito Santo “produzir” – se é que se pode
falar assim – almas santas. A partir delas, a partir dos santos – que nunca
faltaram nem faltarão na história da Igreja –, é que a semente continuará a ser
espalhada sem cessar pelo mundo e sempre dará fruto.
UMA
COMPARAÇÃO E UM EPISÓDIO
Como ilustração do que acabo de dizer, gostaria de
comentar brevemente uma comparação e um episódio histórico.
Primeiro, a “comparação”, sempre insuficiente –
como é lógico – quando se trata e expressar realidades divinas. Não sei se você
assistiu a um documentário excelente sobre o deserto da Namíbia, na África.
Creio que, na versão brasileira, se chamava, com um toque de humorismo, Os bichos também são gente boa.
Mostrava a desolação espantosa desse deserto, na
época da seca. Quem não conhecesse a realidade diria que era como um Saara
irrecuperável. No entanto – como acontece de modo análogo no nosso sertão
nordestino –, quando chegava a época das chuvas torrenciais, o deserto
acordava, estremecia, pulsava, transformava-se num jardim exuberante de vida
vegetal e animal: árvores frondosas, carregadas de frutos; arbustos; capim à
farta; bandos de elefantes, búfalos, gnus, macacos..., lagos atulhados de
peixes e povoados por aves inúmeras...
Pensando nisso, acho que você tinha uma visão
saariana do mundo atual, mas não se esqueça de que, mesmo no pior momento, a semente de Deus, ainda que não se
perceba e pareça ter morrido, está neste nosso mundo atrapalhado, e mantém nele
a sua fecundidade divina. Quando a chuva da graça cai em almas “generosas e
boas” (cfr. Lc 8, 18), pode despontar no mundo um vergel divino.
Quanto ao “episódio”, vou contar-lhe um fato, ao
mesmo tempo trágico e luminoso, ocorrido em 1996 na Argélia. Pode achar a
história mais detalhada num texto do pe. Fernando Pascual, incluído no web-site
catholic.net.
Trata-se do martírio de sete monges trapistas
franceses, que se encontravam num mosteiro nas montanhas da zona do Atlas, em
Tibhirine, perto da cidade de Medea. O mosteiro tinha recebido o nome de Nossa
Senhora do Atlas. Dedicavam-se à oração e prestavam serviços humildes aos
muçulmanos mais necessitados da região.
Em 26 de março de 1996, sete monges desse mosteiro
foram seqüestrados por um comando radical de terroristas islâmicos. Após
diversas vicissitudes, no dia 21 de maio desse mesmo ano os sete monges – entre
eles, o abade – foram degolados. Só em 30 de maio é que os seus restos mortais
foram achados perto de Medea.
Entre dezembro de 1993 e janeiro de 1994, o abade
do mosteiro, padre Christian de Chergé, prevendo esses trágicos eventos, havia
escrito um testamento espiritual, testemunhando nele o seu amor a Cristo e, por
Ele, a todos os muçulmanos da zona. Reproduzo uns poucos parágrafos:
“Se algum dia me acontecesse ser vítima do
terrorismo, eu quereria que a minha comunidade, a minha Igreja, a minha
família, se lembrassem de que a minha vida estava entregue a Deus e a este
país. Peço-lhes que rezem por mim.
“Como posso ser digno dessa oferenda? Eu desejaria,
ao chegar esse momento da morte, ter um instante de lucidez tal, que me
permitisse pedir o perdão de Deus e o dos meus irmãos os homens, e perdoar eu,
ao mesmo tempo, de todo o coração, aos que me tiverem ferido.
“Se Deus o permitir, espero poder mergulhar o meu
olhar no olhar do Pai, e contemplar assim, juntamente com Ele, os seus filhos
do Islã tal como Ele os vê; que os possa ver iluminados pela glória de Cristo,
fruto da sua Paixão, inundados pelo dom do Espírito... Por essa minha vida
perdida, totalmente minha e totalmente deles, dou graças a Deus”.
Finalmente, dirigindo-se ao seu futuro assassino,
escrevia: “E a ti também, meu amigo do último instante, que não sabias o que
estavas fazendo, também a ti dirijo esta ação de graças..., e peço a Deus que
nos seja concedido reencontrar-nos no Céu, como «bons ladrões» felizes no
Paraíso, se assim Deus, Pai nosso, teu e meu, o quiser. Amém! Im Jallah!”.
Esse monge, você acha que um dia verá esse sonho
realizar-se? Parece muito difícil, não é?
– Parece mesmo.
– Pois eu ousaria dizer que Deus faz coisas
incríveis com a sua graça, sobretudo em resposta às orações dos que crêem nEle
e o amam de verdade. Penso que esses monges, ignorados de todos e perdidos nos
confins desérticos da Argélia, encarnam o mistério do grão de mostarda; e
especialmente encarnam o mistério daquele grão de trigo de que falava Jesus
pouco antes da sua Paixão: Se o grão de
trigo, caindo na terra, morrer – morrer por amor –, produzirá muito fruto (cfr. Jo 12, 24). A força do amor cristão e
os seus frutos impressionantes não podem ser pesados por nenhuma balança
humana.
Mas justamente essa história nos leva a dar mais outro
passo nas nossas reflexões.
DOIS
RIOS CRISTALINOS DE VIDA
UMA
METÁFORA LUMINOSA
São muitas as imagens que a Bíblia utiliza para
falar do Espírito Santo. Todas aproximativas, pois não há metáfora humana que
possa exprimir o Amor que há no seio da Trindade. Juntas, porém, permitem
vislumbrar a sua insondável riqueza.
Vimos há pouco a imagem da semente, que, se não me engano, só João utiliza. O próprio Espírito
Santo veio, no dia de Pentecostes, sob a figura das línguas de fogo que pousaram sobre Maria, os Apóstolos e as santas
mulheres (At 2, 3), simbolizando a luz e o fogo de Deus. Jesus refere-se ao
Espírito Santo com as imagens do vento,
que sopra onde quer (Jo 3, 8), do Consolador ou Defensor (Jo 14, 16, etc.)
e, sobretudo, da fonte ou rio de águas vivas que tudo vivifica (Jo
4, 14 e 7, 38-39).
Esta última imagem reaparece, de forma extremamente
poética, no final do livro do Apocalipse: Mostrou-me
então o anjo um rio de água viva, resplandecente como cristal, saindo do trono
de Deus e do Cordeiro (Ap 22, 1). Os
melhores comentaristas vêem aí uma referência à Trindade: o rio da água viva é a graça do Espírito
Santo; o trono de Deus é o trono de
Deus Pai, e o Cordeiro é Cristo.
É um modo de expressar a realidade de que o Pai e o
Filho, depois de realizada a obra da Redenção, não cessam de enviar ao mundo um
rio de graças juntamente com o Espírito Santo. Se, neste momento, eu tivesse
que dar uma aula de teologia, diria que essas águas vivas e cristalinas –
luminosas, resplandecentes como cristal –
nos chegam, sobretudo, através da ação do Espírito Santo nos Sacramentos
(Batismo, Crisma, Eucaristia, Confissão, etc.); também através da oração; e
ainda como um dom que Deus nos concede por qualquer boa ação praticada com amor
a Deus e ao próximo, por pequena que seja.
Agora, porém, com a perspectiva própria desta nossa
conversa, desejava falar-lhe de uma ação especialmente intensa do Espírito
Santo na história, uma ação que, ao longo dos séculos, atravessa as “trevas do
mundo”; uma dupla intervenção do Espírito Santo, que, por mais densas e
asfixiantes que essas trevas possam ser, vence
o mundo (cfr. 1 Jo 5, 4).
Dentro do símbolo do rio, vou dizer que o Espírito Santo, após o dia de Pentecostes, não
cessa de manter dois grandes rios de vida
e de luz, dois rios que nenhum acúmulo de crimes e pecados pode turvar nem
secar. São dois rios que atravessam as “sombras” da história sem que elas
consigam detê-los (cfr. Jo 1, 5). Embora muitas vezes essas sombras se lhes
oponham com furor e grande violência, eles continuam a avançar e fecundam de
Verdade e de Amor um mundo em que parecem ir-se apagando, cada vez mais, os
sinais da verdade e do amor.
Sim, meu bom amigo, ainda que as idéias, as
doutrinas, o ambiente, os costumes, os vícios, as modas..., rodopiem doidamente
e dancem de forma alucinada, arrastando homens e mulheres – especialmente os
jovens – numa roda-viva de confusão; ainda que, dentro da própria Igreja, possa
parecer, às vezes, que os chamados a trazer a luz tragam a noite e tentem
substituir os diamantes da fé pelas areias movediças dos seus desvarios, tenha
a certeza de que Deus nos dá e nos dará sempre – sempre! – a absoluta segurança
desses dois rios de luz, que são também os dois pilares inabaláveis onde
poderemos apoiar-nos com plena confiança na vida e na morte.
– E quais são esses dois rios?
– O primeiro é formado pelos santos, pela corrente ininterrupta dos santos que, ao longo de toda
a história, jamais faltaram na Igreja e que refletem com as suas vidas o “rosto
de Cristo”. Eles são como tochas acesas pelo Espírito Santo, que, pela sua
fidelidade, mantêm brilhando no mundo a “sinalização divina”. Resplandecem como o sol (Mt 13, 43), são
as luminárias no mundo (Fil 2, 15), e
demonstram que o amor é mais forte do que o mal.
Estou convencido de que hoje, mais ainda do que em
outras épocas, todas as pessoas de boa vontade – a começar pelos católicos –
precisam conhecer e imitar a vida dos santos, precisam ler muitas vidas de
santos, assistir a gravações visuais sobre vidas de santos: serão para todos
janelas abertas a panorâmicas desconhecidas, empolgantes, onde verão reverberar
a verdade e a bondade de Deus, que infelizmente desconhecem. Não duvide de que
a verdade cristã está com os santos, está na vida dos santos. No mais humilde
deles há mais verdade que nos livros de mil teólogos tíbios ou envaidecidos.
“Os santos – diz Bento XVI na encíclica Deus é amor[16]
– são os verdadeiros portadores de luz dentro da história, porque são homens e
mulheres de fé, esperança e caridade”. E, numa homilia pronunciada em 1994,
antes da sua eleição para o supremo pontificado, tendo como pano de fundo os
ataques à Igreja motivados pelas fraquezas humanas dos seus membros ao longo da
história, dizia:
“O admirável não é que nessa Igreja – que somos nós
– haja pecados. O admirável é que, apesar de tudo, a Palavra de Deus tenha
continuado presente nela através dos séculos, que os Sacramentos permaneçam
sempre os mesmos e se renovem uma e outra vez na sua força e frescor
incorruptíveis. O admirável é que desse vigor da Palavra de Deus, e apesar de
todo o bloqueio que lhe opomos, tenha nascido sempre de novo a renovação da
Igreja e do mundo, que em todas as gerações tenham surgido santos. Também hoje
os há; e, se não abrirmos os olhos apenas para a suspeita, mas também para o
bem, poderemos encontrá-los ao nosso redor”[17].
– E o segundo rio?
– O segundo rio é o Magistério autêntico da
Igreja, único farol da Verdade que guia com segurança o mundo para o porto de
Deus, um farol que nunca deixou nem deixará de iluminar a humanidade, e que
jamais se extinguirá.
– Sugestivo. Mas receio que, ao ouvi-lo falar da
Igreja, alguns encolham o nariz e comecem a desconfiar de tudo o que vem
dizendo...
– Se fosse assim, eu pediria que, até mesmo por
honestidade intelectual, suspendessem o juízo e, em vez de se deixarem levar
por “pré-conceitos” antes de saberem o que vou dizer, aguardassem, ouvissem e
só depois formassem o seu juízo.
Mas vamos começar com o rio cristalino da
santidade, contemplando o exemplo de três homens de Deus dos nossos dias: João
Paulo II, São Josemaria Escrivá e o cardeal vietnamita François Xavier Ngûyen
Van Thuân. Escolhi esses três nomes, entre muitos outros, por oferecerem o
testemunho de vidas que atravessaram vitoriosas o vale das sombras da morte, as “ideologias do mal” do nosso tempo.
“COMO
LUMINÁRIAS NO MUNDO”: OS SANTOS
JOÃO PAULO II: NÃO TENHAM MEDO!
À
sombra das ideologias do mal
Permita-me resumir e glosar aqui uns comentários
sobre a esperança e o otimismo exemplares de João Paulo II, publicados há quase
três anos, pouco depois de que Deus o chamasse a Si[18].
Desde que iniciou a sua preparação para o
sacerdócio, Karol Wojtyla foi colocado por Deus numas circunstâncias
dramáticas, em que só podia ser fiel à sua vocação “atravessando o vale das
sombras da morte”. A sua terra, a Polônia, esteve dominada durante boa parte do
século XX pelas duas “ideologias do mal” que mais acirradamente se propuseram
aniquilar o Cristianismo: o nazismo e o comunismo. A aventura heróica,
empolgante, que significou para o seminarista, o padre e o bispo Wojtyla a vida
no ambiente de guerra, de ditaduras cruéis e de perseguições desencadeadas por
essas duas ideologias está bem descrita nas boas biografias existentes[19].
O perigo nazista foi derrotado em 1945, mas a
sombra do marxismo totalitário e ateu cresceu e pairou opressivamente sobre a
Polônia dominada, e ameaçava o mundo inteiro até a sua decomposição e queda,
acontecida no final dos anos oitenta.
Contudo, quase vinte anos antes dessa falência do
“comunismo real”, outras sombras escuras estavam surgindo, densas e igualmente
agressivas contra Cristo e a sua Igreja, contra a fé e a moral cristãs: aquelas
sombras a que nos referíamos acima do materialismo hedonista e consumista do
Ocidente, cada vez mais alicerçado na ideologia laicista, que hoje – como já
comentamos – ataca a Igreja quase com a mesma ferocidade ideológica que o
nazismo e o marxismo-leninismo.
João Paulo II, no seu livro evocativo Memória e identidade, comenta que, ao
cessarem os campos de extermínio – os campos de concentração nazistas e os gulag comunistas da União Soviética e
seus satélites –, assistimos hoje ao
“extermínio legal de seres humanos concebidos e
ainda não nascidos; trata-se de mais um caso de extermínio decidido por
parlamentos eleitos democraticamente, apelando para o progresso civil das
sociedades e da humanidade inteira. E não faltam outras formas graves de
violação da Lei de Deus; penso, por exemplo, nas fortes pressões [...] para que
as uniões homossexuais sejam reconhecidas como uma forma alternativa de
família, à qual competiria também o direito de adoção. É lícito e mesmo forçoso
perguntar-se se aqui não está atuando mais uma ideologia do mal, talvez mais
astuciosa e encoberta, que tenta servir-se, contra o homem e contra a família,
até dos direitos humanos[20].
Esse quadro seria de molde a encolher o ânimo e
suscitar uma visão pessimista do futuro. Pois bem, é justamente sobre essas
sombras de fundo que resplandece mais, com fulgor de santidade, a esperança
alegre, serena e segura que animou, em todos os momentos, a alma e o trabalho
de João Paulo II, incansável até o dia da sua morte. Nunca nele se viu um gesto
de desalento, uma lamúria, um comentário negativo ou amargo, nem uma
desistência desanimada. Viu-se sempre, pelo contrário, um otimismo juvenil,
cheio de iniciativas, fundamentado numa fé igualmente jovem e inquebrantável.
Não tenhais medo: a misericórdia é mais forte
que o mal
Acho importante frisar que o otimismo desse grande
Papa não era coisa temperamental, nem uma “pose” bem-intencionada, adotada para
ajudar os fiéis a superar tempos difíceis. Era a manifestação da esperança
sobrenatural cristã, que vive apoiada em Deus. Essa esperança possuía raízes
profundamente fincadas na alma de João Paulo II.
Todos os que vivemos, de perto ou de longe, a
surpresa da sua eleição, guardamos a lembrança do dia 22 de outubro de 1978,
data do início solene do seu pontificado. Como nos dias da sua morte, uma
multidão apertava-se na Praça de São Pedro. O Papa começou a pronunciar a sua
homilia, no meio de um silêncio total. Pouco depois de iniciá-la, os fiéis
sentiram um estremecimento no coração, porque João Paulo II, esboçando um leve
sorriso, encarou o povo de frente e, com um ar jovial, seguro, tranqüilo,
lançou com voz clara e forte um apelo: – “Não tenhais medo! Abri as portas ou,
melhor, escancarai as portas a Cristo!”
Esse apelo, que conclamava os católicos e os homens
de boa vontade a olhar para o futuro com esperança, tornou-se para o Papa como
que o “refrão” do seu pontificado. Dezesseis anos mais tarde, em 1994, ele
mesmo glosava essas palavras numa entrevista concedida ao jornalista Vittorio
Messori, transcrita no livro Cruzando o
limiar da esperança[21]:
“Não tenhais
medo!, dizia Cristo aos Apóstolos (Lc 24, 36) e às mulheres (Mt 28, 10),
depois da Ressurreição [...]. Quando pronunciei essas palavras na Praça de São
Pedro, não me podia dar conta plenamente de quão longe elas acabariam levando a
mim e à Igreja inteira. Seu conteúdo provinha mais do Espírito Santo, prometido
pelo Senhor Jesus aos Apóstolos como Consolador, do que do homem que as
pronunciava. Todavia, com o passar dos anos, eu as recordei em várias
circunstâncias. Tratava-se de um convite para vencer o medo na atual situação
mundial [...]. Talvez precisemos mais do que nunca das palavras de Cristo
ressuscitado: «Não tenhais medo!» Precisa delas o homem [...], precisam delas
os povos e as nações do mundo inteiro. É necessário que, em sua consciência,
retome vigor a certeza de que existe Alguém que tem nas mãos a sorte deste
mundo que passa; Alguém que tem as chaves da morte e do além; Alguém que é o Alfa e o Ômega da história do ser humano. E esse Alguém é Amor, Amor feito
homem, Amor crucificado e ressuscitado. Amor continuamente presente entre os
homens. É Amor eucarístico. É fonte inesgotável de comunhão. Somente Ele é que
dá a plena garantia às palavras: «Não tenhais medo»”.
A mesma esperança daquela primeira mensagem de João
Paulo II em 1978 animou a última mensagem, que tinha preparado para o domingo,
dia 3 de abril de 2005, e que não chegou a pronunciar, pois desde o dia
anterior já estava no céu. Mas essa derradeira mensagem não se perdeu. No
domingo previsto, que era a oitava da Páscoa, “Domingo da misericórdia divina”,
foi lida, em seu nome, à multidão congregada na praça de São Pedro:
“À humanidade – dizia –, que às vezes parece perdida
e dominada pelo poder do mal, do egoísmo e do medo, o Senhor ressuscitado
oferece a sua misericórdia como dom do seu amor que perdoa, reconcilia e reabre
o ânimo à esperança. É um amor que converte os corações e doa a paz. Quanta
necessidade tem o mundo de compreender e acolher a Divina Misericórdia! Senhor,
que com a vossa morte e ressurreição revelais o amor do Pai, nós acreditamos em
Vós e hoje vos repetimos com confiança: «Jesus, confio em Vós! Tende
misericórdia de nós e do mundo inteiro!»”.
A mensagem terminava convidando a “contemplar com
os olhos de Maria o imenso mistério desse amor misericordioso que brota do
coração de Cristo”.
O
Cordeiro é mais forte que o dragão
Desde o início do seu pontificado – e também antes,
por ocasião das exéquias do Papa falecido e do novo Conclave –, Bento XVI nos
tem ajudado a contemplar o exemplo da vida santa de João Paulo II,
especialmente o da sua esperança, do seu santo otimismo. Eu queria reproduzir
aqui apenas dois dos seus comentários.
O primeiro foi feito no discurso natalino à Cúria
romana pronunciado em 22 de dezembro de 2005, que antes mencionei. Nesse
discurso, o Papa cita o seguinte trecho do livro Memória e identidade de João Paulo II, referente ao “poder do mal”
no século que findou: “Não foi um mal de pequenas dimensões... Foi um mal de
proporções gigantescas, um mal que se valeu das estruturas estatais para
realizar uma obra nefasta, um mal edificado como sistema”.
E Bento XVI glosava:
“O mal é porventura invencível? É a última
verdadeira potência da história? Por causa da experiência do mal, para o Papa
Wojtyla a questão da redenção tornou-se a interrogação essencial e central da
sua vida e do seu pensar como cristão. Existe um limite contra o qual o poder
do mal se despedaça? Sim, existe, responde o Papa nesse seu livro, como também
na sua Encíclica sobre a redenção. O poder que põe um limite ao mal é a
misericórdia divina. À violência, à ostentação do mal, opõe-se na história a
misericórdia divina, como «o totalmente outro» de Deus, como o próprio poder de
Deus. O cordeiro é mais forte do que o dragão, poderíamos dizer com o
Apocalipse”.
O outro comentário é um trecho da homilia
pronunciada por Bento XVI no dia em que iniciou o seu pontificado, 24 de abril
de 2005:
“Neste momento, a minha recordação volta ao dia 22
de outubro de 1978, quando o Papa João Paulo II deu início ao seu ministério
aqui na Praça de São Pedro. Ainda, e continuamente, ressoam aos meus ouvidos as
suas palavras de então: «Não tenhais medo, abri de par em par as portas a Cristo!»
O Papa dirigia-se aos fortes, aos poderosos do mundo, os quais tinham medo de
que Cristo pudesse tirar algo ao seu poder, se o deixassem entrar e concedessem
liberdade à fé. Sim, Ele ter-lhes-ia certamente tirado algo: o domínio da
corrupção, da perturbação do direito, do arbítrio. Mas não teria tirado nada do
que pertence à liberdade do homem, à sua dignidade, à edificação de uma
sociedade justa”.
Como vê, leitor amigo, ambos, o Papa Wojtyla e o
Papa Ratzinger, tinham bem presentes, diante dos olhos, as sombras do “mundo”,
mas souberam encará-las com a força serena e invencível da esperança, do
otimismo cristão.
SÃO JOSEMARIA
ESCRIVÁ: AMAR O MUNDO APAIXONADAMENTE
Santos
no meio do mundo
– O segundo homem de Deus, cujo exemplo acho
importante recordar, é São Josemaria Escrivá, o fundador do Opus Dei, uma
luminária que brilha especialmente no meio das sombras do “mundo” moderno.
Chamado por Deus a proclamar no mundo a mensagem da
vocação universal de todos os batizados à santidade e ao apostolado, soube
olhar com otimismo, com luzes do Espírito Santo, este mundo envolto em sombras,
e ver nele exatamente o cenário da
santidade e do apostolado que Deus pede aos cristãos comuns, aos homens e
mulheres que vivem e trabalham nesta terra. A missão do Opus Dei, cuja fundação
Deus lhe confiou, é precisamente esta: proclamar, em todos os ambientes, esse
apelo positivo, empolgante, otimista, de que todos são chamados a ser santos,
sem sair do mundo, sem necessidade de abandonar o mundo; de que precisamente o
trabalho profissional e os deveres cotidianos do cristão podem ser meio e
ocasião de santidade e de apostolado.
Em 1930, dois anos após a fundação do Opus Dei,
escrevia:
“Viemos dizer, com a humildade de quem se sabe
pecador e pouca coisa – sou um homem
pecador (Lc 5, 1), dizemos com Pedro –, mas com a fé de quem se deixa guiar
pela mão de Deus, que a santidade não é coisa para privilegiados: que o Senhor
nos chama a todos, de todos espera Amor: de todos, estejam onde estiverem; de
todos, seja qual for o seu estado, a sua profissão ou ofício. Porque esta vida
corrente, cotidiana, sem relevo, pode ser meio de santidade: não é preciso
abandonar o mundo para procurar a Deus, se o Senhor não dá a uma alma a vocação
religiosa [para uma ordem ou congregação religiosa], uma vez que todos os
caminhos da terra podem ser ocasião de um encontro com Cristo”[22].
– Santos, neste mundo “inundado de pecado”. Sem
dúvida, é um ideal maravilhoso, mas, para muitos, que conhecem como é que é
mesmo o “mundo”, pode parecer quase impossível...
– Assim pensavam e diziam, nos anos de começo do
Opus Dei e depois, alguns católicos, inclusive alguns eclesiásticos, que
achavam impossível santificar-se neste “mundo” tão afastado de Deus. Por isso
chamavam “louco” a São Josemaria. É interessante que, quando esteve no Brasil,
um estudante paulista lhe perguntou como foi que o tinham chamado louco, e ele
respondeu:
“Faz muitos anos, diziam de mim: Está louco! Tinham
razão. Eu nunca disse que não estivesse louco. Estou louquinho perdido de amor de Deus. E desejo para você a mesma doença”. E acrescentava: “Parece-te
pouca loucura dizer que no meio da rua se pode e se deve ser santo? Que pode e
deve ser santo o homem que vende sorvetes num carrinho, e a empregada que passa
o dia na cozinha, e o diretor de uma empresa bancária, e o professor da
Universidade, e aquele que trabalha no campo, e aquele que carrega malas às
costas?... Todos chamados à santidade!”[23]
Otimismo:
pés no chão, alma em Deus
Será que isso é ingenuidade? Não, evidentemente,
porque não são ingênuas as obras da fé e do amor inspiradas por Deus. Sobretudo
quando essas obras suscitadas por Deus já produziram frutos maduros em muitos
milhares de almas. Mas, além disso, é bom lembrar que São Josemaria tinha uma
perspectiva tão afastada do pessimismo como daquele otimismo vazio e sonhador,
que paira acima da realidade sem se encontrar nunca com ela.
O otimismo de São Josemaria era de pés no chão e
cabeça e coração em Deus. Nunca se iludiu. Ao longo de toda a vida, conheceu a
dor e experimentou o veneno das presas peçonhentas do “mundo” fincando-se na
sua carne e na sua alma, fazendo-o sofrer – sem toldar-lhe jamais a alegria – e
abalando-lhe a saúde.
Os primeiros passos da obra que Deus lhe inspirou
foram dados numa Espanha em que o ambiente era agressivamente hostil para os
católicos, em que as ideologias do mal se digladiavam, em que a fidelidade à fé
era julgada um crime, em que o ódio à Igreja e à religião ia crescendo até
ganhar, com o eclodir da guerra civil de 1936-1939, proporções monstruosas.
Baste lembrar a estatística dos assassinatos perpetrados pelas próprias
autoridades, por agentes comunistas e pelas milícias anarco-sindicalistas:
foram martirizados cerca de 4.000 sacerdotes e 2.500 religiosos (membros de
ordens ou congregações religiosas), além de muitos outros milhares de fiéis
leigos, pelo simples fato de serem católicos. Só na diocese de Madrid, à qual
pertencia na altura São Josemaria, foram executados 334 padres seculares, e o
próprio pe. Escrivá teve que se ocultar, perseguido de morte, refugiando-se onde
podia, passando fome e sede; e, além disso, dilacerado pela dor de saber do
martírio de uma porção de colegas padres, que tinham sido grandes amigos seus[24].
– Não sabia que a perseguição tivesse sido tão
terrível.
– Foi mesmo. Várias centenas de mártires dessa
perseguição já foram beatificados ou canonizados.X] Mas eu mencionei esses
fatos históricos só para frisar que São Josemaria não tinha uma imagem do mundo
adocicada nem irreal. Conhecia-o, do mesmo modo que conheceu, até à morte, as
calúnias, as investidas do ódio e da mentira caindo injustamente sobre si e
sobre a obra por ele fundada; também as procedentes de irmãos na fé, “a
contradição dos bons”, como a chamava. A todos perdoou, sem resíduos de rancor,
desde o primeiro momento.
“Temos que compreender a todos – repetia
incansavelmente –, temos que conviver com todos, temos que desculpar a todos,
temos que perdoar a todos. Não diremos que o injusto é justo, que a ofensa a
Deus não é ofensa a Deus, que o mau é bom. No entanto, perante o mal, não
responderemos com outro mal, mas com a doutrina clara e com a ação boa:
afogando o mal em abundância de bem (cfr. Rom 12, 21). Assim Cristo reinará na
nossa alma e nas almas dos que nos rodeiam”[25].
Só indiretamente, falando na terceira pessoa, é que
deixava entrever o que sofreu por amor a Deus; por exemplo, nestes trechos de
uma homilia, em que dizia que, para os que querem trabalhar por Cristo, “é
possível que, já desde o princípio, se levantem grandes nuvens de pó e que, ao
mesmo tempo, os inimigos da nossa santificação empreguem uma técnica tão
veemente e tão bem orquestrada de terrorismo psicológico – de abuso de poder –,
que arrastem em sua absurda direção inclusive aqueles que durante muito tempo
mantinham outra conduta mais lógica e reta”. Surgem, então, “mentiras,
detrações, desonras, embustes, insultos, murmurações tortuosas [...], tratam de
uma maneira que vai da desconfiança à hostilidade, da suspeita ao ódio [...];
fazem uso de lugares comuns, fruto tendencioso e delituoso de uma propaganda
massiva e mentirosa”[26].
O
mundo é o campo de Deus
Pois bem, no meio dessas dificuldades, que nunca
faltaram ao fundador e aos seus filhos, São Josemaria seguiu o seu caminho –
fiel ao que Deus lhe pedia – sem hesitações, sem desânimo nem medo, sem pausas
nem recuos, convencido daquela verdade que São Paulo escreveu aos romanos, e
que ele pessoalmente meditou e fez meditar inúmeras vezes: Deus faz concorrer todas as coisas para o bem daqueles que o amam –
“omnia in bonum!” (Rom 8, 28).
Nunca o abandonou a firme convicção que deixou
estampada no n. 301 do seu livro Caminho:
“Um segredo. – Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de
santos. Deus quer um punhado de homens «seus» em cada atividade humana. –
Depois... «pax Christi in regno Christi» – A paz de Cristo no reino de Cristo”[27].
A serviço desse ideal, que era a sua vocação divina, dedicou a vida inteira,
sem se poupar.
Assim, quando Deus o chamou a si, em 26 de junho de
1975, o Opus Dei já estava estendido pelos cinco continentes e contava 60.000
membros de 80 nacionalidades, a serviço da Igreja. E a sua mensagem de
santidade e apostolado no meio do mundo, através da santificação do trabalho
profissional, continua a fecundar, como a semente da parábola evangélica, cada
vez mais pessoas e ambientes.
Esse foi o otimismo cristão de São Josemaria que,
como ele mesmo dizia, é conseqüência
necessária da fé[28].
Estava convencido de que, por mais joio que exista, o mundo é o campo de Deus,
o campo que Deus ama e nos pede que amemos, e que nos confia para que, nele,
continuemos a obra de Cristo: Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova –
o Evangelho – a toda a criatura... Eis que estou convosco todos os dias, até o
fim dos tempos (Mc 16, 15 e Mt 28, 20).
Se você quiser apreciar uma bela amostra do calor
de otimismo cristão que ele difundiu e continua a difundir pelo mundo,
recomendo-lhe que leia e medite a homilia que pronunciou numa Missa no campus da Universidade de Navarra, em 8
de outubro de 1967, e que tem como título: “Amar o mundo apaixonadamente”.
– Gostaria imenso de conhecer essa homilia.
– O texto encontra-se no livro Questões atuais do Cristianismo[29],
e uma pequena amostra são os parágrafos que cito a seguir:
“Meus filhos: aí onde estão os nossos irmãos os
homens, aí onde estão as nossas aspirações, o nosso trabalho, os nossos amores
– aí está o lugar do nosso encontro cotidiano com Cristo. No meio das coisas
mais materiais da terra é que nós devemos santificar-nos, servindo a Deus e a
todos os homens.
“Tenho-o ensinado constantemente com palavras da
Escritura Santa: o mundo não é ruim, porque saiu das mãos de Deus, porque é
criatura dEle, porque Javé olhou para ele e viu que era bom (cfr. Gên, 1, 7 e
segs.). Nós, os homens, é que o fazemos ruim e feio, com os nossos pecados e as
nossas infidelidades. Não duvidem, meus filhos; qualquer modo de evasão das
honestas realidades diárias é para os homens e mulheres do mundo coisa oposta à
vontade de Deus.
“Pelo contrário, devem compreende agora – com uma
nova clareza – que Deus os chama a servi-Lo
em e a partir das tarefas civis,
materiais, seculares da vida humana. Deus nos espera cada dia: no laboratório,
na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na
fábrica, na oficina, no campo, no seio do lar e em todo o imenso panorama do
trabalho. Não esqueçamos nunca: há algo de
santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, algo que a cada um de
nós compete descobrir.
“Eu costumava dizer àqueles universitários e
àqueles operários que me procuravam lá pela década de 30, que tinham de saber materializar a vida espiritual. Queria
afastá-los, assim, da tentação, tão freqüente nessa época e agora, de levar uma
vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por
outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de
pequenas realidades terrenas.
“Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla,
não podemos ser como esquizofrênicos, se queremos ser cristãos. Há uma única
vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo –
santa e plena de Deus, desse Deus invisível, que nós encontraremos nas coisas
mais visíveis e materiais. Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos
encontrar o Senhor em nossa vida de todos os dias, ou não O encontraremos
nunca. Por isso, posso afirmar que nossa época precisa devolver à matéria e às
situações aparentemente mais vulgares seu nobre e original sentido: pondo-as ao
serviço do Reino de Deus, espiritualizando-as, fazendo delas meio e ocasião
para o nosso encontro contínuo com Jesus Cristo”.
– Fantástico! Quero ler essa homilia inteira!
– Vai gostar. Eu desejaria terminar este comentário
acrescentando trechos de umas palavras que João Paulo II pronunciou na homilia
da Missa da canonização de São Josemaria, em 6 de outubro de 2002, e no
discurso que dirigiu aos peregrinos após a Missa de ação de graças pela
canonização, concelebrada no dia seguinte. São palavras que resumem, não só o
significado da mensagem desse santo, como ainda a expectativa alegre e otimista
da Igreja a respeito dos frutos da vida e da obra dele, do “santo do
cotidiano”, como João Paulo II o qualificou:
“Elevar o mundo a Deus e transformá-lo a partir de
dentro: eis o ideal que o Santo Fundador lhes indica, queridos irmãos e irmãs
que hoje se alegram pela sua elevação à glória dos altares. Ele continua a
recordar-lhes a necessidade de não se deixarem atemorizar perante a cultura
materialista que ameaça dissolver a identidade mais genuína dos discípulos de
Cristo [...]. Seguindo os seus passos, difundam na sociedade, sem distinção de
raça, classe, cultura ou idade, a consciência de que todos somos chamados à
santidade.
“São Josemaria Escrivá estava profundamente
convencido de que a vida cristã implica uma missão e um apostolado, de que
estamos no mundo para redimi-lo com Cristo. Amou o mundo apaixonadamente, com
um “amor redentor”. Precisamente por essa razão, os seus ensinamentos ajudam
tantos fiéis comuns a descobrir o poder redentor da fé, a sua capacidade de
transformar a terra [...]. Este sacerdote santo ensinou que Cristo deve estar
no cume de todas as atividades humanas. A sua mensagem anima o cristão a atuar
nos lugares onde se forja o futuro da sociedade. Somente através da presença
ativa dos leigos em todas as profissões e nas mais avançadas fronteiras do
desenvolvimento é que se pode dar uma contribuição positiva para o
fortalecimento da harmonia entre a fé e a cultura, uma das grandes necessidades
da nossa época”[30].
CARDEAL VAN
THUÂN: A VITÓRIA DA ESPERANÇA
O
prisioneiro de Cristo
Na encíclica sobre a esperança (Spe salvi), Bento XVI menciona com
destaque o exemplo do cardeal vietnamita François Xavier Ngûyen Van Thuân:
“Sobre os seus treze anos de prisão – escreve –, nove dos quais em isolamento,
o inesquecível cardeal Nguyên Van Thuân deixou-nos um livro precioso: O caminho da esperança. Durante treze
anos de prisão, numa situação de desespero aparentemente total, a escuta de
Deus, o poder falar-lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança
que, depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os homens de todo o mundo
uma testemunha da esperança, daquela grande esperança que não declina, mesmo
nas noites de solidão”[31].
Conhece a história desse bispo perseguido, preso e
torturado pelo governo marxista-leninista do Vietnã?
– Ouvi falar, mas não conheço detalhes.
– Não é o momento de traçar uma biografia, mas de
meditar no seu exemplo, pois, neste mundo escuro, é uma luz que brilha nas
trevas. Baste, para isso, recordar que, sendo arcebispo coadjutor de Saigon,
quando os comunistas tomaram essa cidade, capital do país, foi preso pelas
novas autoridades. Era o dia da Assunção de Nossa Senhora, 15 de agosto de
1975. Essa prisão iria prolongar-se por treze anos, nove dos quais – como
lembra o Papa – numa cela minúscula, em completo isolamento.
A tortura a que foi submetido era de molde a
desmontar psiquicamente qualquer pessoa, a destruí-la moralmente. Ele mesmo a
descreveu como “uma tortura mental, no vazio absoluto, sem trabalho, caminhando
dentro da cela desde a manhã até às nove e meia da noite..., no limite da loucura”,
e revela alguns detalhes estarrecedores:
“Enquanto me encontro na prisão de Phú-Khánh, em
uma cela sem janela, com um calor asfixiante, sufocante, sinto a minha lucidez
diminuir pouco a pouco... Umas vezes, a luz continua acesa noite e dia; outras,
é sempre escuridão. Há tanta umidade que os fungos crescem sobre a minha cama.
Na escuridão vi um buraco na base da parede, para escorrer a água. Por isso
passei mais de cem dias agachado com o nariz colado àquele buraco para
respirar. Quando chove, sobe o nível da água; pequenos insetos, pequenas rãs,
minhocas e centopéias vêm do lado de fora. Deixo-os entrar, pois não tenho mais
forças para afastá-los. Escolher Deus!... Deus me quer aqui!”[32]
– Meu Deus! A que ponto chegam as ideologias do
mal!
– Está certo. Mas com maior razão podemos dizer: a
que ponto chegam a fé, a esperança, o amor e a força da graça divina! Porque,
do meio desses horrores, surgiu – amadurecido, grande! – um homem santo (seu
processo de canonização já está em andamento), portador da alegria e da
esperança de Deus para este mundo que, no dizer do cardeal Ratzinger,
“separando-se de Deus, é como um planeta fora do seu campo gravitacional,
vagando sem rumo pelo nada”[33].
Um
rochedo no mar tempestuoso
A Bíblia fala diversas vezes de Deus como do meu rochedo, e Jesus compara o homem de
fé àquele que construiu a sua casa sobre
rocha, de modo que quando caiu a
chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa,
ela não caiu, porque estava edificada sobre rocha (Mt 7, 24-25). Assim
fizeram os santos, e por isso desnortearam as tiranias do mundo, todos os
poderes do mal; na sua fraqueza e na aparente derrota, mostraram-se mais fortes
do que eles. Desse modo venceram o mundo
(cfr. Jo 16, 33)
Em 20 de setembro de 2002, João Paulo II celebrou
as exéquias do cardeal Van Thuân, recém-falecido em Roma. Na homilia, lembrava
que, durante o ano 2000, lhe pedira que preparasse as meditações para o retiro
da Cúria romana, a que o Papa assistiria, e ele escolheu como tema Testemunhas da esperança.
“Espera em
Deus! – dizia o Papa, nas exéquias –. Foi com esse convite a confiar no
Senhor que o estimado Purpurado deu início às meditações do retiro [...]. Ele
narrava que, precisamente no cárcere, tinha compreendido que o fundamento da
vida cristã consiste em «escolher unicamente a Deus», abandonando-se de maneira
integral nas suas mãos paternas.
“O seu segredo – explicava ainda o Papa – era uma
confiança indômita em Deus, alimentada pela oração e pelo sofrimento aceito com
amor. Na prisão, celebrava cada dia a Eucaristia com três gotas de vinho
[conseguido da família em conceito de «medicamento»] e uma gota de água na
palma da mão. Esse era o seu altar, a sua catedral. O Corpo de Cristo era o seu
«remédio». Por isso, narrava com emoção: «Todas as vezes eu tinha a
oportunidade de estender as minhas mãos e de me cravar na Cruz juntamente com
Jesus, de beber com Ele o cálice mais amargo. Em cada dia, recitando as
palavras da Consagração, confirmava com todo o meu coração e com toda a minha
alma um novo pacto, uma aliança eterna entre mim e Jesus, mediante o seu sangue
que se misturava ao meu». «Eram – afirmava D. Van Thuân – as mais belas Missas
da minha vida»”.
Ele mesmo escreveu, no livro que reúne as
meditações do seu retiro: “Em todos os tempos, e de modo especial em tempos de
perseguição, a Eucaristia foi o segredo da vida dos cristãos: o alimento das
testemunhas, o pão da esperança”.
A grandeza do amor vence o ódio
Nesse retiro pregado à Cúria romana, o cardeal Van
Thuân comentava a grandeza e a beleza do amor de Cristo: “O amor de Deus que
Jesus, ao dar-nos o Espírito Santo, semeou nos nossos corações é um amor
completamente gratuito. Ele – esse amor posto no nosso coração – ama sem
interesse, sem esperar nada em troca. Não ama somente porque é amado ou por
outros motivos, embora bons, como o de corresponder à amizade humana. Não fica
vendo se o outro é amigo ou hostil. É o primeiro a amar, toma a iniciativa”
(cfr. Rom 5, 8; 1 Jo 4, 19).
Esse amor é o que o arcebispo Van Thuân conseguiu
praticar heroicamente, com a graça de Deus, nos seus treze anos de cativeiro.
“Para fazer resplandecer o amor que vem de Deus – dizia –, devemos amar a
todos, sem excluir ninguém [...]. Todos! Não um «todos» ideal, a massa das
pessoas do mundo, mas um «todos» concreto”.
Num dos relatos do seu cativeiro, conta que,
colocado no isolamento e vigiado por dois guardas, não conseguia que nenhum
conversasse com ele. Só diziam “sim” ou “não”. Que devia fazer?
“É muito triste; quero ser gentil, cortês com eles,
mas é impossível, evitam falar comigo. Não tenho nada para lhes dar de
presente: sou prisioneiro, todas as roupas são marcadas com grandes letras «cai-tao», isto é, «campo de reeducação».
Que devo fazer?
“Uma noite, veio-me um pensamento: «François, tu és
ainda muito rico. Tens o amor de Cristo no teu coração. Ama-os como Jesus te
ama». No dia seguinte, comecei a amá-los, a amar Jesus neles, sorrindo,
trocando palavras gentis. Comecei a contar-lhes histórias das minhas viagens ao
exterior, como vivem os povos na América, Canadá, Japão, Filipinas, Cingapura,
França, Alemanha..., a economia, a liberdade, a tecnologia. Isso estimulou a
curiosidade dos guardas e incitou-os a perguntar-me muitas outras coisas. Pouco
a pouco nos tornamos amigos. Queriam aprender línguas estrangeiras, francês,
inglês... Os meus guardas tornavam-se meus alunos! A atmosfera da prisão mudou
muito. A qualidade do nosso relacionamento melhorou muito. Até com os chefes da
polícia. Quando viram a sinceridade do meu relacionamento com os guardas, não
só pediram para continuar a ajudá-los no estudo de línguas estrangeiras, mas
ainda me mandaram novos estudantes”[34].
Isso explica o pasmo com que um dia o carcereiro
lhe perguntou: – “O senhor nos ama verdadeiramente?” Vale a pena transcrever
todo o diálogo:
– “Sim, eu os amo sinceramente.
– “Mas nós o tivemos preso durante tantos anos, sem
julgá-lo, sem condená-lo, e o senhor nos ama? É impossível, isso não é verdade!
– “Estive muitos anos com vocês. Você viu que isso
é verdade.
– “Quando for libertado, não vai mandar os seus
fiéis incendiar as nossas casas e matar as nossas famílias?
– “Não. Mesmo que você queira matar-me, eu o amo.
– “Mas, por quê?
– “Porque Jesus me ensinou a amar a todos, mesmo
aos inimigos. Se eu não o fizer, não sou digno de ser chamado cristão.
– “É muito bonito, mas difícil de compreender...”
Tocado pelo exemplo da fé e da piedade desse homem
de Deus, outro militante comunista, que tinha sido escalado para espioná-lo e
depois se tornou seu amigo, teve um gesto que comove.
“Antes da libertação me prometeu: «A minha casa
fica a três quilômetros do santuário de Nossa Senhora de Lavang. Irei até lá
rezar por você». Acreditei na sua amizade, mas duvidei que um comunista fosse
rezar a Nossa Senhora. Eis que um dia, talvez seis anos depois, enquanto eu
estava no isolamento, recebi uma carta dele! Escrevia: «Caro amigo, prometi ir
rezar a Nossa Senhora de Lavang por você. Faço-o todos os domingos, se não
chove. Pego minha bicicleta quando escuto tocar o sino. A basílica foi
inteiramente destruída pelo bombardeio; então vou ao monumento da aparição que permanece
ainda intacto. Rezo por você assim: Senhora, não sou cristão, não conheço as
orações, peço-te dar ao senhor Thuân o que ele deseja». Fiquei comovido no
profundo do meu coração. Certamente Nossa Senhora o escutará”[35].
Com toda a simplicidade, esse autêntico mártir
cristão, pôde sintetizar a história das suas perseguições com estas breves
palavras, que João Paulo II fez questão de citar na homilia das exéquias: “No
abismo dos meus sofrimentos, jamais cessei de amar a todos, sem excluir ninguém
do meu coração”. E, no seu testamento, corroborava: “Parto com serenidade e não
conservo ódio por ninguém”. Este é o espírito de Cristo. Esta é a graça do
Espírito Santo, este o rio de águas cristalinas que fecunda de amor o mundo e o
impede de se perder. Esta é a vitória que
vence o mundo (1 Jo 5, 4).
– Reconheço que um homem assim é um clarão de luz,
cem vezes superior às nuvens negras do mal do mundo, e que ele sozinho tem mais
“força” que o mundo inteiro, com todas as suas ideologias...
– Sim, e digo-lhe que agora me parece ouvir de novo
as palavras de São Josemaria que, perante as “nuvens” de que você falava e que
comentamos tão amplamente no início desta nossa conversa, nos repete: – Estas crises mundiais são crises de santos...
E nos incentiva: – “Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor.
Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rastro viscoso e sujo que deixaram os
semeadores impuros do ódio”[36].
Não acha que isso nos interpela, de um modo muito pessoal...? Que não “podemos”
deixar de levá-lo muito a sério e perguntar-nos: “O que Deus espera de mim?”
– É uma perspectiva em que não tinha pensado como
devia. É grande, mas perturbadora...
– Pois esta é uma das conclusões práticas,
pessoais, que devemos tirar da meditação dos males do mundo. Deus precisa de
nós, mas precisa que nos decidamos a ser santos, a lutar por ser santos.
Especialmente no mundo atual, os cristãos conscientes não podem conformar-se com
a mediocridade, com uma bondade raquítica e morna. É preciso apontar alto. “É
hora – dizia João Paulo II – de propor de novo a todos, com convicção, a «medida alta» da vida cristã ordinária”[37],
e Bento XVI lembrava-nos, na homilia da Missa de canonização de Frei Galvão:
“Só dos santos, só de Deus provém a verdadeira revolução, a mudança decisiva do
mundo. Este é o convite que faço hoje a todos vós, do primeiro ao último, nesta
imensa Eucaristia. Deus disse: Sede santos, como eu sou santo (Lev 11,
44)”[38].
Tomemos, pois, boa nota disso: aqui está a nossa
responsabilidade. Fugir desse ideal, desse empenho por ser autênticos amigos de
Cristo, por procurá-lo, imitá-lo, amá-lo e servi-lo, seria uma traição à nossa
vocação cristã, e às exigências do nosso tempo.
UMA LUZ
NAS TREVAS: O MAGISTÉRIO DA IGREJA
“Como o Pai me enviou, assim eu vos envio”
– Vamos falar agora do segundo rio cristalino de
luz e de vida a que antes me referia: o Magistério da Igreja.
Ao lado do testemunho dos santos, o Magistério autêntico da Igreja é outro facho da luz
e do calor da vida que Cristo, mediante a ação do Espírito Santo, mantém aceso
sem cessar no mundo, como um farol brilhante – dizíamos acima –, como o único
farol que guia com segurança para o porto de Deus, e que nunca deixou nem
deixará de iluminar a humanidade.
– O senhor diz isso com tanta convicção, com tanta
fé...
– Mas, escute... Você também tem fé! Por isso sofre
e se amargura com a situação do mundo! É justamente disso que estamos falando o
tempo todo. Eu gostaria muito de poder ajudá-lo a desempoeirar essa fé e a
torná-la, como deveria ser, um farol erguido nos cumes e uma fonte de otimismo.
– Eu lhe agradeço. Bem que gostaria...
– Muito bem. Vamos lá. Você, que conhece o
Evangelho, deve lembrar-se de que, na Última Ceia, quando Jesus se despedia dos
Apóstolos, lhes disse, com palavras cheias de ternura: Não vos deixarei órfãos. Voltarei a vós [...]. Agora estais tristes,
mas hei de ver-vos outra vez, e o vosso coração se alegrará e ninguém vos
tirará a vossa alegria (Jo 14, 18 e 16, 22). E pouco antes de subir ao Céu
prometeu-lhes: Eis que estou convoco
todos os dias, até o fim do mundo (Mt 28, 20). Como é que é essa presença
de Cristo?
– Bem. Eu sei que Jesus ressuscitou, está vivo, e
está presente sobretudo na Eucaristia...
– Muito certo. Na Eucaristia está Cristo,
verdadeira, real e substancialmente presente, com seu corpo, seu sangue, sua alma
e sua divindade. Mas há outras formas de presença de Cristo no mundo – estou convosco todos os dias –, uma das
quais agora nos pode ajudar a ganhar otimismo: concretamente a sua presença na
Igreja, que Ele fundou para que fosse a continuadora, a atualizadora, da sua
obra redentora no mundo.
– Tudo isso é muito bonito, mas parece-me um pouco
complicado...
– Vamos ver se o descomplicamos, ouvindo palavras
simples que Jesus nos diz. Gostaria de começar evocando um momento marcante da
vida de Cristo. No próprio dia da ressurreição, já completada a obra da
redenção, Jesus apareceu à tarde no Cenáculo e disse aos Apóstolos lá reunidos:
Como o Pai me enviou, assim também eu vos
envio a vós (Jo 20, 21). Você calibra o alcance dessas palavras? Preste
atenção e repare que Jesus quis fazer dos seus Apóstolos nada menos que os
responsáveis e continuadores da sua missão salvadora..., seus outros “Eu”! Faz
deles “instrumentos vivos” de si mesmo para continuarem a guiar os homens como
Ele, o Bom Pastor, e para levá-los – como Ele e com Ele – à luz da verdade, às
fontes da santidade e, enfim, à vida eterna.
Para que não houvesse dúvidas sobre esse plano
divino, em outro momento o Senhor disse aos Apóstolos: Quem vos ouve, é a mim que ouve; e quem vos rejeita, é a mim que rejeita;
e quem me rejeita, rejeita Aquele que me enviou (Lc 10, 16).
– Quem a vós
ouve, é a mim que ouve. Isso é muito forte, tendo em conta o abismo que há
entre o Filho de Deus e os homens da Igreja, carregados de limitações e
defeitos...!
– Claro que é forte! É fortíssimo, e não daria para
acreditar, se Cristo não o afirmasse tão categoricamente. Mas espere um pouco,
há coisas ainda mais fortes. Você já leu no Evangelho o diálogo de Jesus com os
Apóstolos, nos arredores da cidade de Cesaréia de Filipe?
– Francamente, não me lembro.
Promessas de Cristo
– Pois olhe, é um episódio de uma importância
decisiva para a fé cristã. É Mateus quem nos descreve essa cena com detalhe.
Afinal, ele esteve presente (Mt 16, 13-20). Chegando àquele lugar, Jesus
perguntou de repente aos Apóstolos o que era que as pessoas andavam dizendo
acerca dEle. As respostas foram do arco da velha..., como hoje. Então Jesus
perguntou-lhes, diretamente: – E vocês?
Vocês quem dizem que eu sou? Aí, Simão Pedro levantou a voz e disse: – Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo! –
Jesus então disse-lhe: – Feliz és Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne
nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus.
Você entende, dá-se conta? Movido por Deus, Pedro
revela pela primeira vez, sem reparar bem no que diz – pois não fala por conta
própria, mas movido por Deus –, a verdadeira identidade de Jesus. Faz-se um
clarão. Mesmo que os Apóstolos não acabem de entender, percebem que estão numa
hora de Deus, num momento sagrado. Os corações se apertam. E é então que Cristo
pronuncia uma das promessas mais solenes que fez em toda a sua vida.
Dirigindo-se pessoalmente a Pedro, diz-lhe:
– E eu te
declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; e as portas
do inferno não prevalecerão contra ela.
– Dessas palavras, sim, eu me lembrava. E sei que
essa promessa feita a Pedro se estende a todos os seus sucessores, os Papas.
– Exatamente. Mas você prestou atenção à carga
tremenda que encerram as expressões usadas por Cristo?
Primeiro, fala da Igreja como de uma obra sua,
construção pessoal do Filho de Deus (edificarei
a minha Igreja), ou seja, diz que a Igreja não é invenção ou organização
humana, mas obra de Deus. Segundo, reforçando a afirmação anterior, chama à
Igreja minha, é dEle, não
“propriedade” dos homens nem fruto da sua capacidade organizativa. Terceiro,
promete, com a sua autoridade divina, que nada derrubará a Igreja nem a
impedirá de cumprir a sua missão salvadora no mundo (as portas do inferno não prevalecerão contra ela).
É o “selo de garantia” – garantia divina! – que
Cristo dá a Pedro, aos Apóstolos e aos seus sucessores: o Papa e o conjunto dos
bispos unidos a ele.
Agora vejamos o óbvio (que alguém já disse que é o
mais difícil de se enxergar). É evidente que essa garantia “carimba” estas
outras palavras de Jesus: Ide pelo mundo
inteiro e pregai o Evangelho a toda a criatura (Mc 16, 15). Ou as palavras
análogas transmitidas por São Mateus: Toda
a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai todas as
nações [...]. Ensinai-as a observar
tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do
mundo (Mt 28, 19-20).
Que diz Jesus? Que estará dando aos Apóstolos e aos
seus sucessores a garantia, o aval sobre a verdade daquilo que eles, unânimes,
ensinem com autoridade até o fim do mundo. Nada mais e nada menos! Aí está o
“Magistério da Igreja”, é isso!
Com palavras simples, o Catecismo da Igreja Católica ensina:
“O ofício de interpretar autenticamente a Palavra
de Deus, escrita [na Sagrada Escritura] ou transmitida, foi confiado unicamente
ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus
Cristo, isto é, foi confiada aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o
bispo de Roma”[39].
Esta é a Igreja que São Paulo, inspirado pelo
Espírito Santo, chamava casa de Deus,
Igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade (1 Tim 3, 15).
“Ele vos levará à verdade completa” (Jo 16, 13)
– Em toda esta exposição, ainda que baseada
inteiramente em palavras da Sagrada Escritura, você não nota que está faltando
algo de essencial?
– Francamente, agora não atino no que possa ser.
– E o Espírito Santo? Começamos esta parte falando
dEle, dos rios cristalinos das graças do Espírito Santo, e parece que o
esquecemos.
– É verdade. E então?
– Então..., uma coisa muito simples. O Catecismo da Igreja (ns. 689-690) ensina
que toda a obra da Redenção é uma missão
conjunta do Filho e do Espírito Santo, enviados pelo Pai ao mundo para
salvá-lo. É fácil verificar: O Filho encarnou-se no seio de Maria por obra do Espírito Santo (Mt 1, 20);
começa a sua pregação ungido na sua
humanidade pelo Espírito Santo (Lc 3, 22 e 4, 18); diz a Nicodemos que veio
trazer uma nova vida ao mundo, e que poderemos nascer para essa vida nova pela
ação do Espírito Santo (Jo 3, 6); ofereceu-se na Cruz, como vítima pelos
pecados, impelido pelo amor que o Espírito Santo lhe insuflava na alma (cfr. Hebr
9, 14); e, enfim, na despedida dos discípulos antes da ascensão, diz-lhes: Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai [o
Espírito Santo]; entretanto, permanecei
na cidade, até que sejais revestidos da força do alto (Lc 24, 49). Só
depois disso, da vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes, é que a Igreja
começa a cumprir a sua missão; e os Atos dos Apóstolos – história dos primeiros
passos do Cristianismo – mostram, em quase todas as páginas, que a atuação da
Igreja é inspirada, sustentada e movida constantemente pelo Espírito Santo.
Recordando estas verdades, é exato dizer que Cristo
age sempre “pelo Espírito Santo”. Estou
convosco – diz – e essa sua presença vai acompanhada pelo dom e pela ação
do Espírito Santo: Eu rogarei ao Pai, e
ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco (Jo 14,
16). Ide, ensinai, eu estou convosco
– diz –, Ele que antes anunciara: Mas o
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e
recordar-vos-á tudo o que vos tenho dito (Jo 14, 26). Quando vier o Paráclito, o Espírito da verdade, ele vos guiará para a
verdade completa (Jo 16, 13). Não dá para entender melhor agora muitas
dessas palavras de Cristo que antes já mencionávamos?
– Dá, sim. Tudo fica bem claro.
– Então já sabe o que é o Magistério da Igreja: é
aquilo que a Igreja ensina, com autoridade, sobre as verdades da fé e da moral,
assistida por Cristo (Cabeça da Igreja, que é seu Corpo: cfr. Rom 12, 5; Ef 4,
15), mediante a ação do Espírito Santo (que os antigos chamavam “a alma da
Igreja”).
Só queria acrescentar mais um esclarecimento. O
ensinamento da Igreja não está fossilizado, não se limita a repetir fórmulas
congeladas. A revelação da Verdade, feita por Deus, que alcançou a sua
plenitude com o exemplo e a palavra de Cristo, é um tesouro que nunca se
esgota. A Igreja, sem trocar por outro esse tesouro nem deturpá-lo, mantendo-o
intacto, vai fazendo como aquele escriba de uma parábola evangélica que, do seu tesouro, vai tirando coisas novas e velhas (Mt 13, 52).
Sempre o Espírito Santo move o Magistério da Igreja
a aprofundar nas riquezas insondáveis, inesgotáveis (cfr. Rom 11, 33), que
Cristo lhe pôs nas mãos como um depósito (cfr. 1 Tim 5, 20), um depósito que a
Igreja tem a missão de guardar, fazer frutificar e distribuir aos homens,
oferecendo-lhes assim a autêntica resposta aos problemas e necessidades de cada
época. Este é o sentido destas outras palavras de Cristo: O Espírito Santo vos guiará para a verdade completa (Jo 16, 13).
“A Igreja – ensina o Catecismo – não tem outra luz senão a de Cristo. Ela é, segundo uma
imagem cara aos Padres da Igreja, comparável à lua, cuja luz toda é reflexo do
sol”. E ainda: “A missão da Igreja não é acrescentada à de Cristo e do Espírito
Santo [...]. Ela é enviada para anunciar e testemunhar, atualizar e difundir o
mistério da comunhão com a Santíssima Trindade [...], que consiste em fazer os
homens participarem da comunhão que existe entre o Pai e o Filho no seu
Espírito de amor”[40].
“Eu vim para que os que não vêem vejam”
– Se todos entendessem isto – intervém o leitor –,
seria uma maravilha. Mas, infelizmente, o senhor já sabe que um dos dramas do
mundo atual é a desconfiança, se não a rejeição, por parte de muitos católicos,
jovens e velhos, dos ensinamentos da Igreja. Consideram-se e querem ser
católicos, são capazes de vibrar de entusiasmo pelo Papa – vimos isso na sua
recente visita ao Brasil –, milhões de jovens cruzam o mundo para participar,
com alegria, dos encontros mundiais do Papa com a juventude..., mas, na hora da
verdade, que é a vida real, poucos levam a sério a doutrina da Igreja, o seu
Magistério; e isso, tanto em questões de fé e obediência (como valorizar a
Missa e o dever de participar dela aos domingos e dias de guarda, o sentido divino
da confissão, etc.), como em questões de comportamento moral (por exemplo, de
moral sexual).
– Não leu ou ouviu dizer que a grande tentação
diabólica, nos tempos modernos, é a de um cristianismo sem Igreja?
– Não ouvi isso, mas basta abrir os olhos para
vê-lo...
– E saberia dizer por que acontece isso?
– Acho que alguma coisa percebo..., mas,
sinceramente, prefiro deixar a palavra com o senhor.
– De acordo. Olhe, para lhe dar essa resposta, não
preciso agora de improvisar. É um assunto sobre o qual tenho refletido desde há
anos, tenho trocado impressões com colegas e dado bastantes palestras e
conferências. Por isso não hesito em assinalar três causas principais dessa
desconexão entre sentimentos, pensamento e vida prática que se observa em
muitos católicos que julgam amar a Igreja (ou, pelo menos, admiram e amam o
Papa). Vamos chamá-las de “três véus” que tapam os olhos e impedem ou
dificultam a visão da fé.
O primeiro véu é a ignorância religiosa, que já Pio
XII chamava o maior inimigo de Deus no mundo contemporâneo. Dois anos antes da
sua eleição como Papa, o cardeal Ratzinger lamentava o que ele chamava “o
resultado catastrófico da catequese moderna”, a partir dos anos sessenta do
século XX. “Sem querer condenar ninguém – constatava com pena –, é evidente que
hoje a ignorância religiosa é tremenda; é só conversar com as novas
gerações...”[41]
Essas “novas gerações” são as dos que atualmente têm de cinqüenta ou sessenta
anos para baixo.
– É verdade. É difícil, por exemplo, encontrar
“jovens” dessas idades que tenham as mais elementares noções sobre o Evangelho,
a vida de Cristo, a história do Cristianismo, os sacramentos, as virtudes
cristãs, etc. Desconhecem a terminologia religiosa mais elementar, e nem mesmo
sabem enunciar os dez mandamentos...
– É lamentável, mas é assim. Essas gerações que
estão quase na estaca zero em matéria de doutrina cristã são as vítimas daquela
crise de embriaguez de “novidades” que levou, a partir dos anos sessenta,
muitos responsáveis pela formação cristã, cheios de boa vontade, a querer
experimentar novos métodos, formas inéditas, teorias..., fazendo
involuntariamente das crianças e dos jovens verdadeiras “cobaias” dos seus mal
digeridos palpites inovadores. Resultado, com dizia o cardeal Ratzinger, “não
sabem nada”. Você faz idéia do perigo que corre uma pessoa cheia de boa
vontade, mas ignorante?
– Claro. No vazio da ignorância é muito fácil
despejar todas as idéias e teorias erradas, os maiores absurdos, as mentiras e
falsificações mais grosseiras, tipo Código
da Vinci... Os coitados engolem tudo como se fosse verdade, porque a
ignorância os deixa desarmados, sem um mínimo de espírito crítico; faltam-lhes
as luzes da cultura religiosa que poderiam abrir-lhes os olhos.
– Exato. Mas, como não quero facilitar-lhe uma
recaída no pessimismo, deixe-me perguntar-lhe: Essa situação tão bem
diagnosticada, o que exige de nós?...
– Suponho que fazer o possível para difundir a
doutrina católica... Mas podemos tão pouco...
– Também os primeiros cristãos podiam pouco, e
espalharam a luz da fé pelo mundo inteiro, uma fé, por certo, riquíssima de
doutrina. Eu fico pasmo ao ler os sermões que Santo Agostinho pregou à
população portuária, analfabeta na sua maior parte, da pequena cidade de
Hipona, no norte da África. Aos católicos cultos do século XXI, esses sermões
parecem tratados de teologia de nível de pós-graduação... Que vergonha! E que
contas prestarão a Deus os que deviam ter-lhes ensinado a doutrina e só lhes
passaram perfumaria ou política). A verdade é que, durante séculos, os cristãos
recebiam constantemente doutrina, boa doutrina; dava-se doutrina, e não
divagações sentimentais ou comícios políticos!
Mas agora sou eu que divago. Dizia que é preciso
que todos difundamos a autêntica doutrina católica e, para isso, que cuidemos
seriamente de começar nós mesmos por aprofundar nela, de uma maneira
sistemática, perseverante: lendo, estudando, conhecendo bem os documentos da Igreja.
É um dever sobre o qual o Papa Bento XVI não se cansa de falar. No dia 13 de
maio de 2007, por exemplo, dizia aos bispos reunidos em Aparecida:
“Convirá intensificar a catequese e a formação na
fé, tanto das crianças como dos jovens e adultos. A reflexão madura da fé é luz
para o caminho da vida e força para sermos testemunhas de Cristo. Para isso se
dispõe de instrumentos muito valiosos como o Catecismo da Igreja Católica e sua versão mais breve, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica.
“Neste campo, não devemos limitar-nos só às
homilias, conferências, cursos de Bíblia ou teologia, mas é preciso recorrer
também aos meios de comunicação: imprensa, rádio e televisão, sites da
Internet, foros e tantos outros sistemas para comunicar eficazmente a mensagem
de Cristo a um grande número de pessoas”.
Tomemos nota, e não fiquemos na teoria nem na boa
vontade inoperante. Isso é que é ser otimista “responsável”: fazer, com
realismo, “tudo” o que de positivo possamos fazer – mas “tudo” mesmo, não só um
pouco para embromar –, certos de que Deus abençoará este esforço. Levemos a mão
à consciência, peçamos perdão a Deus e aos nossos irmãos pelas nossas omissões,
e estudemos um plano de formação pessoal muito concreto, para recuperar o tempo
perdido e avançar cada vez mais.
O segundo véu é o desconcerto causado por condutas
escandalosas, reprováveis, de alguns membros do clero. Ventilados pela mídia,
esses escândalos abalam a confiança na Igreja e, às vezes, desencadeiam um
movimento interior de aversão em não poucas pessoas.
Jesus já previu essa dificuldade. No capítulo
dezoito do Evangelho de São Mateus, que é chamado pelos especialistas a
“Instrução sobre a vida da Igreja”, nosso Senhor fala com crueza: Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles
são inevitáveis, mas ai do homem que os causa! Chega a dizer,
hiperbolicamente, que seria melhor que o jogassem ao mar com uma pedra de
moinho amarrada ao pescoço (cfr. Mt 18, 6-7).
Nenhum desses escândalos se justifica. E não
adianta dizer que são apresentados na mídia com lente de aumento e mais dois
zeros atrás da cifra estatística, nem que, entre professores leigos casados e
dentro do âmbito das famílias, escândalos desse tipo são muitíssimo mais
freqüentes. Isto é verdade, verdade estatisticamente comprovada. Mas um só desses
escândalos na Igreja de Cristo já é demais.
O que é doloroso, e não se justifica, é que esses
males se transformem numa nuvem de fumaça que impeça de ver e amar a grande multidão, que ninguém pode contar
(Apoc 7, 9), de sacerdotes, religiosos e religiosas e de leigos católicos bons,
virtuosos, fiéis aos ideais cristãos e até mesmo santos, que há na Igreja e a
tornam bela e atraente.
Numa homilia pronunciada em 1993, o cardeal
Ratzinger dizia:
“Se duvidamos da Igreja, com todas as suas brigas e
misérias, olhemos então para esses homens e mulheres [os santos] que se abriram
para Deus, para esses homens em quem Deus ganhou um rosto. Veremos como nos dão
luz. Neles poderemos ver quem Deus realmente é; deles poderemos receber a
coragem de que precisamos para ser homens. E também serão eles que nos hão de
mostrar o verdadeiro rosto da Igreja,
porque neles podemos enxergar o que a Igreja é e para que existe, e que frutos
dá, apesar da miséria dos seus membros”[42].
É claro que há “miséria” nos membros da Igreja,
também no clero, também em cada um de nós. Somos homens e não anjos. Mas não
nos esqueçamos de que, como eu gosto de dizer, “Deus trabalha com barro”. Por
isso São Paulo reconhecia, com humildade: Trazemos
este tesouro [as graças concedidas por Deus aos Apóstolos] em vasos de barro, para que transpareça
claramente que este poder extraordinário provém de Deus e não de nós (2 Cor
4, 7).
Às vezes, pode-se ter a impressão de que a Igreja,
pelos pecados dos seus membros, é como uma daquelas pobres mulheres corroídas
pela lepra, que a Madre Teresa de Calcutá assistia ao darem à luz; e a Madre
sorria ao ver que, daquele corpo desfeito, nascia uma criança sadia, pura, bela[43].
A Igreja é uma Mãe que, em seus membros, ao lado de exemplos heróicos de
santidade, ostenta muitas vezes a “lepra” do pecado, da fraqueza humana, do
escândalo; mas é a Mãe que Deus nos deu, e a doutrina e a vida que nos
transmite são e serão sempre puras, belas, divinas[44].
São Josemaria Escrivá não se cansava de manifestar
a sua inabalável fé na Igreja e na sua doutrina, a despeito de todas as falhas
humanas dos que a governam:
“A ninguém passa despercebida a evidência dessa
parte humana. A Igreja, neste mundo, está composta por homens e para homens.
Ora, falar de homem é falar de liberdade, da possibilidade de grandezas e de
coisas mesquinhas, de heroísmos e de claudicações [...]. No corpo visível da
Igreja – no comportamento dos homens que a compõem aqui na terra –, aparecem
misérias, vacilações, traições. Mas a Igreja não se esgota aí nem se confunde
com essas condutas erradas [...]. Considerai, além disso, que mesmo que as
claudicações superassem numericamente as valentias, ficaria ainda esta
realidade mística – clara, inegável, embora não a percebamos com os sentidos –,
que é o Corpo de Cristo, o próprio Nosso Senhor, a ação do Espírito Santo, a
presença amorosa do Pai”[45].
Com esse espírito de fé, ao contemplarmos as
misérias dos homens, reforça-se ainda mais a nossa fé na doutrina da Igreja, e
vemos o seu Magistério autêntico como
o rio cristalino de que falávamos. Com São Josemaria, eu lhe diria que “se, por
vezes, não soubermos descobrir o rosto formoso da Igreja, limpemos nós os
olhos; se notarmos que a sua voz não nos agrada, tiremos dos nossos ouvidos a
dureza que nos impede de ouvir, no seu tom, os assobios do Pastor amoroso”[46].
– Escutei, calado, pelo interesse do assunto. Mas
tenho uma pergunta guardada desde faz tempo: por que diz tantas vezes,
enfaticamente, o adjetivo autêntico
aplicado ao Magistério da Igreja? Qual é o inautêntico?
– É precisamente o que constitui o terceiro véu.
O terceiro véu é o da desorientação doutrinal
provocada em muitos ambientes católicos, entre amplos setores do clero e dos
religiosos, em comunidades e associações, escolas e instituições católicas,
pelas interpretações deturpadas, erradas, que foram dadas aos ensinamentos do
Concílio Vaticano II. Deturpações muitas vezes apresentadas altivamente como
“dogmas” modernos e indiscutíveis. Essas interpretações e os que as ensinam é
que constituem o “magistério inautêntico”.
Não concorda?
– Plenamente.
– É um fato muito conhecido que os decênios
posteriores ao Concílio Vaticano II – essa grande assembléia da Igreja
Católica, fonte de imensas esperanças – viram surgir, ao lado de frutos
esplêndidos de renovação, de santidade e de apostolado, uma onda crescente de
interpretações errôneas e aplicações inaceitáveis do Concílio, que semearam uma
deplorável confusão entre os fiéis católicos e produziram defecções e crises
dolorosas em amplos setores do clero e dos religiosos, e desorientação em
incontáveis leigos. Como alguém dizia, de modo rudemente expressivo, ao
“autêntico pós-Concílio” parecia querer sobrepor-se, estrangulando-o, um “falso
pós-Concílio”. De fato, nesses anos 60 e 70, a Igreja, em todos os seus níveis,
parecia varrida por um furacão de loucura anárquica, cujas seqüelas ainda se
deixam sentir em bastantes ambientes atuais.
O Papa Paulo VI, representante e cabeça do
Magistério autêntico, que encerrara o
Concílio em 8 de dezembro de 1965, mostrava-se desolado. Lamentava, com
angústia visível, essa “falsa e abusiva interpretação do Concílio”, que
considerava, alarmado, como uma verdadeira “ruptura” com a Igreja, como que uma
tentativa – dizia – de criação de uma “Igreja nova, quase reinventada de dentro
da sua constituição, tanto no dogma, como na moral e no direito”[47].
Diante desse panorama, entende-se por que, em
dezembro de 2005, ao comemorarem-se os quarenta anos de encerramento do
Concílio Vaticano II, o Papa Bento XVI quisesse fazer um balanço do
pós-Concílio[48].
Sintetizava então a confusão mencionada explicando que, após a assembléia
conciliar, se enfrentaram duas interpretações, duas “hermenêuticas”: a
“hermenêutica da descontinuidade e da ruptura” que, como uma histérica crise de
adolescência, queria modificar tudo na Igreja e anular toda a sua história:
arrancar a fé, a moral, a disciplina e a liturgia católicas das suas raízes
bimilenares, e transplantá-las para o atoleiro de ideologias incompatíveis com
a fé; e a “hermenêutica da renovação na continuidade”, que corresponde ao
espírito do Concílio, expresso por João XXIII, o Papa que o convocou, e que
declarou com todas as letras que o Concílio queria “transmitir a doutrina pura
e íntegra sem atenuações nem desvios”.
“Onde quer que esta interpretação [da renovação na
continuidade] tenha sido a orientação que guiou a recepção do Concílio –
acrescentava Bento XVI –, cresceu uma nova vida e amadureceram novos frutos.
Quarenta anos depois do Concílio, podemos realçar que o positivo é muito maior
e mais vivo do que podia parecer na agitação por volta do ano de 1968. Hoje
vemos que a boa semente, mesmo desenvolvendo-se lentamente, vai crescendo, e
cresce também assim a nossa profunda gratidão pela obra realizada pelo
Concílio”.
Essa atitude de fidelidade é a que adotaram, no
meio das diatribes violentas, os teólogos fiéis a Jesus Cristo e à sua Igreja.
Dá alegria ver figuras de primeiríssima grandeza, como Henri de Lubac,
declarar:
“Infeliz de mim se, sob pretexto de abertura ao
mundo ou de renovação, me puser a adorar, como dizia Newman, vagas e
pretensiosas ficções do meu espírito em lugar do Filho que vive para sempre na
sua Igreja; se eu depositar a minha confiança nas novidades meramente humanas,
cujo calor momentâneo já não é senão um cadáver prestes a desaparecer!... Possa
eu compreender sempre que somente a minha fidelidade à Tradição da Igreja
(Tradição que não é um peso mas uma força) será o dínamo dos meus
empreendimentos audaciosos e fecundos!”[49]
– Sim, é maravilhoso ver os Papas, os santos e os
bons teólogos defenderem sem hesitar a verdade, mas o povo não sei se percebe
isso... Dada a ignorância em que está, é tão fácil iludi-lo!
– Mais uma vez vou-lhe dizer que depende de nós,
depende de nós que o povo veja a luz da autêntica doutrina. É mais um apelo à
formação pessoal e à catequese que, como víamos, para todo o católico consciente
é hoje um dever grave, uma responsabilidade grande. Assim o recordava o Papa
Bento XVI, em 10 de maio de 2007, no discurso dirigido aos jovens no Estádio do
Pacaembu:
“Podeis ser protagonistas de uma sociedade nova se
procurais pôr em prática [...] um empenho pessoal de formação humana e
espiritual de vital importância. Um homem ou uma mulher despreparados para os
desafios reais de uma correta interpretação da vida cristã no seu meio ambiente
será presa fácil de todos os assaltos do materialismo e do laicismo, sempre
mais atuantes em todos os níveis [...]. Eu vos envio para a grande missão de
evangelizar os jovens e as jovens, que andam por este mundo errantes, como
ovelhas sem pastor”[50].
Não sente vontade de dar graças a Deus pela
orientação tão segura do Papa? Temos motivos fortíssimos para agradecer-lhe
que, por cima das ondas tempestuosas de erros e deturpações, o Magistério autêntico do Papa e dos bispos em
comunhão com ele se tenha erguido sempre e continue a erguer-se como um farol
brilhante, fincado no alto promontório da fé, a oferecer a todos os que navegam
no mar encrespado do mundo o referencial seguro que orienta e guia todos para o
porto da salvação. Não é um precioso motivo de otimismo? Não é uma prova da
assistência indefectível de Cristo e do Espírito Santo à sua Igreja?
– Sim, é realmente uma grande graça de Deus.
“Felizes os vossos olhos, porque vêem!”
– Abra os olhos, dizia-lhe. – Bem sabe que o que
“abre” os nossos olhos é a fé, e, agora que nos aproximamos do final da nossa
conversa, é bom repetir que “o teu otimismo será conseqüência necessária da tua
fé”[51].
Gostaria de que, quando este diálogo terminar, pudéssemos
despedir-nos com a alma cheia daquela felicidade que Jesus deseja para todos
nós, e que São Lucas descreve assim, após narrar a primeira expedição
apostólica dos discípulos:
Naquela mesma hora, Jesus
exultou de alegria no Espírito Santo e disse: “Pai, Senhor do céu e da terra,
eu te dou graças porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as
revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, bendigo-te porque assim foi do teu agrado” [...].
E voltando-se para os seus discípulos, disse: Ditosos os olhos que vêem o que
vós vedes, pois vos digo: muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes,
e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram” (Lc 10, 21-24).
Todo aquele que abre com simplicidade a alma à fé,
a Cristo e à sua Igreja, alcança essa
alegria e torna-se um coração otimista, por mais que o mundo continue a estar
cheio de problemas.
Penso que pode ser um bom fecho desta reflexão
apresentar-lhe o exemplo de dois homens que, tendo vivido num ambiente de
turbulências ideológicas contrárias à Igreja e ao seu Magistério, souberam ter
o coração puro dos humildes, e, como os pastores de Belém, viram e alegraram-se (cfr. Lc 2, 20).
Descobriu o amor ignorado.
André Frossard, jornalista francês ateu, aos 21
anos foi surpreendido repentinamente pela alegria da fé católica, pela graça
inesperada, nunca sonhada nem desejada por ele, da conversão. “Como esquecer –
confidenciaria – o dia em que subitamente se descobre o amor ignorado, Deus,
pelo qual se ama e se respira, em que se aprende que o homem não está só?” [52]
Filho daquele que foi o primeiro Secretário Geral
do Partido Comunista francês, descendente de famílias judaicas e protestantes
de há muito afastadas da religião, viveu sempre num ambiente de ateísmo
“pacífico”, no qual Deus era mais ignorado, como algo de superado e inútil, do
que combatido. “Nenhuma intuição me era mais estranha que a Igreja Católica e,
se a palavra não encerrasse um matiz de hostilidade ativa – coisa que não é do
meu feitio –, diria que me era antipática. Era como a Lua, o planeta Marte:
Voltaire nunca me falara bem dela, e desde os meus doze anos eu não lia senão a
ele e a Rousseau”[53].
Quer dizer que, da religião católica, só conhecia os mesmos ataques e troças
que hoje em dia inúmeros professores de cursinho e de faculdades de “humanas”
enfiam goela abaixo nos seus alunos.
Mas Deus é mais forte que Voltaire e Karl Marx, e
quis apanhá-lo nas suas redes de amor.
“Como pôde acontecer que, entrando com indiferença
numa igreja [apenas para aguardar um amigo] – ateu plácido e isento de
inquietações –, esse rapaz tenha saído uns minutos depois gritando de alegria
no seu íntimo que a verdade era tão bela, de uma beleza que às vezes a torna
difícil de crer [...], impaciente por partilhar a sua felicidade com toda a
terra [...], convencido enfim de que neste mundo não há tarefa mais digna nem
mais doce nem mais necessária e urgente do que louvar a Deus, louvá-lo por ser,
e por ser Quem é!” [54]
Entrou numa capela para se resguardar da
intempérie, enquanto aguardava um amigo, como poderia ter entrado num bar ou
numa tabacaria. Entrou ateu e, instantes depois, saiu católico convicto, com o
radar da alma orientado sem hesitações para o núcleo, a luz central de todas as verdades que a Igreja Católica
ensina como reveladas por Deus, luzes que lhe foram infundidas pelo Espírito
Santo num segundo, sem que nunca soubesse explicar como nem por quê. Depois,
como é evidente, dedicou anos e anos a estudá-las, a aprofundar nelas, e a
comprovar que a doutrina da Igreja combinava perfeitamente com a intuição
inicial, que Deus tinha colocado no seu coração.
Talvez o mais impressionante da sua conversão, que
foi um deslumbramento e uma alegria crescente até o fim da vida, foi a sua
descoberta da Igreja Católica. Falando da sua fé na Igreja, que o envolveu em
um amor terno, num cálido aconchego familiar, escrevia:
“Eu não lhe dei a minha adesão; fui levado a ela
como uma criança que se leva pela mão à escola, ou que se leva à casa da
família que ela ainda não conhecia. Esta sensação de conivência entre a Igreja
e o divino foi tão forte, que [...] nunca tive sequer a tentação de proferir o
mínimo esboço de juízo sobre a Igreja: o que ela tem de santidade no invisível
impressionou-me, o que tem de fraqueza e imperfeições aqui em baixo
tranqüiliza-me e faz-me senti-la mais perto de mim, pois também eu não sou
perfeito [...]. Ela pareceu-me bela desde o primeiro dia”[55].
Recordando as leituras atéias e anticlericais que o
tinham alimentado até à idade madura, cheias de investidas e injúrias contra a
Igreja, prosseguia:
“Não, os meus
livros não me tinham dito que a Igreja me salvou de todos os desmandos a que
estamos entregues sem defesa desde que ela deixou de ser ouvida ou desde que se
calou; que as suas promessas de eternidade fizeram de cada um de nós uma pessoa
insubstituível, antes que a nossa renúncia ao infinito fizesse de nós um átomo
efêmero e indefinidamente renovável da mucosa ou da espinha do grande animal
etático; que nos seus cemitérios guarda, como um tesouro, o pó impalpável de que
surgirão um dia os corpos ressuscitados; que as únicas janelas que alguma vez
se abriram na muralha da noite que nos envolve são as dos seus dogmas, e que as
lajes gastas pelas lágrimas das suas catedrais são o único caminho que alguma
vez se abriu para a alegria”[56].
– Estou comovido – diz-me o bom interlocutor –, e estou agradecido.
São maravilhas que mereceriam uma divulgação muito maior!
Seja louvada esta grande
Mãe.
Vamos, então, à segunda
testemunha dessa alegria inefável que acompanha a fé na Igreja e gera um
otimismo invencível: o teólogo francês Henri de Lubac, que antes citava.
Um dos maiores teólogos do século XX, perito do Concílio Vaticano II,
julgado por muitos, durante anos, como um perigoso “progressista”, maltratado
até por algumas autoridades, clérigos cheios de boa fé mas inconscientemente
encarquilhados e habituados a ver fantasmas, Lubac manteve sempre uma
fidelidade exemplar à Igreja; uma fidelidade comovente quando se pensa que
outros teólogos contemporâneos, por dificuldades ou incompreensões bem menores,
se revoltaram magoados, e acabaram por encastelar-se em posições cada vez mais
radicais e agressivas, que os puseram para fora da fé e do lar materno da
Igreja.
Tendo isso em conta, ganha um valor inestimável o testemunho que
insiro a seguir, contido no seu livro Meditations
sur l’Église[57]:
“O mistério
da Igreja e da sua ação benfazeja sempre fica além do que nós dele vivemos
praticamente. Só conseguimos apropriar-nos de uma fraca porção das riquezas que
a nossa Mãe nos dispensa. Pelo menos, todo o católico, se não é um filho
ingrato, canta no seu coração o hino da gratidão ao qual um poeta dos nossos
dias deu a sua forma verbal. Todo o católico clama, com Paul Claudel: «Seja
louvada para sempre esta grande Mãe majestosa, sobre cujos joelhos eu aprendi
tudo» («Louée soit à jamais cette grande
mère majestueuse aux genoux de qui j’ai tout appris!»[58]).
“Sim, que
seja louvada esta grande Mãe sobre cujos joelhos nós certamente temos aprendido
tudo e tudo continuaremos a aprender todos os dias.
“É ela que,
em cada dia, nos ensina a Lei de Cristo, nos põe na mão o seu Evangelho e nos
ajuda a decifrá-lo. O que seria desse pequeno livro, ou em que estado teria ele
chegado até nós se, por um impossível, não tivesse sido redigido, e depois
conservado e comentado, dentro da grande comunidade católica? Que deformações
não teria sofrido, que mutilações no seu texto e na sua compreensão?
“[A Igreja] é
sempre esse Paraíso, no meio do qual o Evangelho é custodiado como uma fonte
pura e se expande nos seus quatro rios (cfr. Gên 2, 11)[59]
pela terra inteira. Graças a ela, de geração em geração, o Evangelho é proposto
a todos, tanto aos pequenos como aos grandes deste mundo; e quando ele não
produz em nós os seus frutos de vida, a falha é toda nossa.
“Louvada seja
mais uma vez esta grande Mãe pelo Mistério divino que nos comunica,
introduzindo-nos nele pela dupla porta, continuamente aberta, da sua Doutrina e
da sua Liturgia! Seja louvada pelos braseiros de vida religiosa que ela
suscita, que ela protege, cuja chama ela alimenta! Louvada seja pelo universo
interior que nos descobre e nos faz explorar, guiados pela sua mão! Louvada
seja pelo desejo e pela esperança que faz arder em nós! Louvada seja também por
todas as ilusões enganosas que desmascara e dissipa em nós para que a nossa
adoração seja pura! Louvada seja esta grande Mãe!
“Louvada
sejas, Mãe do belo amor, do temor salutar, da ciência divina e da santa
esperança! Sem ti, os nossos pensamentos ficam dispersos e flutuantes; tu os
ligas num feixe robusto; tu dissipas as trevas onde cada um de nós, sem
reparar, se extravia, onde se desespera, onde tristemente amesquinha o romance
do infinito à sua pobre medida. Sem nos desencorajares de tarefa alguma, tu nos
guardas dos mitos enganadores, tu nos poupas aos desvios e às decepções de
todas as igrejas feitas pela mão do homem...
“Por ti,
enfim, nós temos nele – em Jesus – a esperança da vida. A tua lembrança é mais
doce do que o mel, e quem te escuta jamais conhecerá a confusão. Mãe santa, Mãe
única, Mãe imaculada! Ó grande Mãe, santa Igreja, Eva verdadeira, a única
verdadeira «Mãe dos viventes»”.
– Que achou?
– Fantástico! Foi tão bom lembrar estas coisas!
Sim, concordo. A luz de Deus, a luz de Cristo, a luz da Igreja são
incomparavelmente maiores e mais poderosas que todas as trevas de Mordor. Há
motivos, há motivos poderosíssimos para termos otimismo, por mais caótico ou
perdido que o mundo nos pareça.
– Então, levemos a sério, totalmente a sério, como
um recado dirigido pessoalmente a cada um de nós, o que Bento XVI dizia em
Aparecida, em 13 de maio de 2007:
“O discípulo [de Cristo], fundamentado na rocha da
Palavra de Deus, sente-se impulsionado a levar a Boa Nova da salvação aos seus
irmãos. Discipulado e missão são como os dois lados de uma mesma moeda: quando
o discípulo está enamorado de Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que
só Ele nos salva (cfr. At 4, 12). Com efeito, o discípulo sabe que sem Cristo
não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro”[60].
Vamos, pois, pedir a Deus, por intercessão da Mãe
da Igreja, Maria, que nos ajude a assumir um otimismo operante, vibrante, ativo
e criativo, a serviço da fé e da fidelidade dos nossos irmãos e, por isso
mesmo, da salvação do mundo. Que nos ajude a nunca esquecer que “muito” depende
de nós. “De que tu e eu nos portemos como Deus quer – não o esqueças – dependem
muitas coisas grandes”[61].
[1] “Omnia quasi oculo Dei intuemur”, In Boethio, de Trinitate, q. 3, a. 1.
[2] Cfr. Palavras de Bento XVI no Brasil, Eds. Paulinas, São Paulo, 2007, págs. 109-110.
[3] Objetiva, Rio de Janeiro, 2005, págs. 15 e segs.
[4] Cfr. Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma, Quadrante, São Paulo, 1996, págs. 300-301.
[5] Quadrante, São Paulo, 1998.
[6] Agir, Rio de Janeiro, 1960.
[7] Entrevista concedida a Mario Politi, sobre O laicismo, nova ideologia, publicada no jornal La Reppublica, 19.11.2004.
[8] Marcello Pera e Joseph Ratzinger, Senza radici, Mondadori, Milão, 2004, págs. 116-117.
[9] Ver o importante volume Compêndio da Doutrina Social da Igreja, publicado pelo Pontifício Conselho “Justiça e paz” e editado no Brasil por Eds. Paulinas, São Paulo, 2006 (3a. ed.), págs. 237 e segs.
[10] Cfr. Francisco Faus, A sabedoria da Cruz, Quadrante, São Paulo, 2001.
[11] Bento XVI, Carta Encíclica Spe salvi, 30.11.2007, ns. 26 e 27.
[12] Spe salvi, n. 38.
[13] Spe salvi, n. 39.
[14] Spe salvi, n. 5.
[15] Memória e identidade, pág. 14.
[16] Bento XVI, Deus caritas est, 25.12.2005, n. 40.
[17] Josef Ratzinger, Homilias sobre os santos, Quadrante, São Paulo, 2007, págs. 62-63.
[18] Francisco Faus, A força do exemplo, Quadrante, São Paulo, 2005, págs. 81 e segs.
[19] Ver, por exemplo, a biografia de George Weigel, Testemunho de esperança, Bertrand, Lisboa, 2000, pág. 227.
[20] Memória e identidade, págs. 22-23.
[21] Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1995, págs. 201 e segs.
[22] São Josemaria Escrivá, Carta, 24.03.1930.
[23] Salvador Bernal, Perfil do Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1978, pág. 130.
[24] Andrés Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, vol. II, Quadrante, 2004, págs. 90-197.
[25] São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, 1976, n. 182.
[26] Cfr. São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, 2000, ns. 298 e 301.
[27] Caminho, 9ª ed., Quadrante, 1999, n. 301.
[28] Cfr. Caminho, n. 378.
[29] 3ª ed., Quadrante, São Paulo, 1986, págs. 177 e segs.
[30] São Josemaria Escrivá, Folha informativa, n. 18, 2005, págs. 7 e segs.
[31] Spe salvi, n. 32.
[32] A maior parte das citações de palavras do cardeal estão tiradas dos seguintes livros: Testemunhas da esperança, retiro pregado à Cúria romana em 2000 (Cidade Nova, São Paulo, 2002), Cinco pães e dois peixes (Santuário, Aparecida, 2000) e O caminho da esperança (Edusc, Bauru, 1999).
[33] Josef Ratzinger, Cooperadores de la verdad, Rialp, Madrid, 1991, pág. 14.
[34] F. X. Ngûyen Van Thuân, Cinco pães e dois peixes, págs. 54-55.
[35] Cinco pães e dois peixes, págs. 37-38.
[36] Caminho, n. 1.
[37] João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, 06.01.2001, n. 31.
[38] Palavras do Papa Bento XVI no Brasil, pág. 41.
[39] Catecismo da Igreja Católica, n. 85.
[40] Catecismo, ns. 748, 738 e 850.
[41] Entrevista a Gianni Cardinale, Avvenire, 27.04.2003.
[42] Homilias sobre os santos, pág. 69.
[43] Cfr. Dominique Lapierre, A cidade da alegria, Record, Rio de Janeiro, 1987.
[44] Cfr. São Josemaria Escrivá, Amar a Igreja, Quadrante, São Paulo, 2004, “Apresentação”, pág. 10.
[45] Cfr. Amar a Igreja, págs. 53-56.
[46] Amar a Igreja, págs. 32-33.
[47] Alocuções, 1970.
[48] Discurso natalino à Cúria Romana, em 22.12.2005.
[49] Paradoxe et mystère de l’Église, Aubier, Paris, 1967, pág. 9 e segs.
[50] Palavras do Papa Bento XVI no Brasil, págs. 23-24.
[51] Caminho, n. 378.
[52] Há um outro mundo, págs. 14-15.
[53] André Frossard, Há um outro mundo, Quadrante, São Paulo, 2003, pág. 5.
[54] Há um outro mundo, págs. 15-16.
[55] A história da sua conversão está descrita no livro Deus existe, eu o encontrei, publicado no Brasil pela Record, Rio de Janeiro, 1969.
[56] Há um outro mundo, págs. 42-43 e 45-46.
[57] 3e. ed. revisée, Aubier, Paris, 1954, pág. 236.
[58] Paul Claudel, Ma conversion. Converti pendant le chant du “Magnificat”; “Lectures Chrétiennes”, em Ecclesia, Paris, n. 1, abril 1949, págs. 53-58.
[59] Refere-se aos quatro Evangelhos.
[60] Palavras do Papa Bento XVI no Brasil, pág. 113.
[61] São Josemaria Escrivá, Caminho, n. 755.