Sucessão e Sacramentalidade do Munus Apostólicum
Diác. Juan Carlos Casté, E.P.
Arautos do Evangelho
A instituição do Colégio Apostólico
O Senhor, depois de ter rezado ao Pai,
constituiu Doze apóstolos para enviá-los a pregar o Reino de Deus.1
O número dos Doze recorda as doze tribos de Israel; de um lado expressa a
edificação do novo Israel, nascido do “resto” do antigo, mas por outro lado, é
intenção de Nosso Senhor romper com a casta sacerdotal limitada a uma tribo.
O próprio ato de eleição comporta já uma
participação dos apóstolos à consagração e missão de Jesus, porque os escolhe
para enviá-los a pregar, portanto, fá-los partícipes da Sua consagração e da
Sua missão, realizando-se isto em diversos momentos e coincidindo com a
instituição do sacramento da ordem, observável em diversas ocasiões nas quais
recebem de Jesus a chamada, a potestade e a missão, completada no Pentecostes.
O magistério une a instituição da ordem à
Eucaristia. João Paulo II, por exemplo, reafirmou a doutrina tridentina da
união da ordem com a Eucaristia. Depois da Ressurreição, o Senhor faz dos
apóstolos os continuadores da Sua missão e lhes dá o poder de perdoar os
pecados.2 Essa missão dos apóstolos deriva da consagração recebida.
Não é própria, em duplo sentido: é uma iniciativa de Outro e a sua capacidade
para desenvolvê-la é participada.
Nessa missão os apóstolos foram
confirmados no dia de Pentecostes. Ao descer o Espírito Santo, realizou-se o
cumprimento da promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo e se completa a
instituição da ordem sagrada enquanto dá aos apóstolos a graça necessária para
cumprir a Sua missão exercitando a potestas sacra. Os apóstolos
receberam, deste modo, a qualificação que permanecerá nos detentores do
sacerdócio ministerial: uma capacidade ontológica e um “impulso interior” — o
dom de Pentecostes contém também aquilo que posteriormente se chamará “graça
sacramental específica” da ordem.3 Se a missio Ecclesiae é
sempre reconduzível à missão invisível do Filho e do Espírito Santo, a missio
apostólica deverá ter a sua origem não só em Cristo, como também no
Espírito Santo.
O grupo dos Doze reunido no Cenáculo,
como gérmen da Igreja, tinha já sido enviado pelo Senhor aos filhos de Israel,
e depois a todas as gentes, a fim de que, participando da sua potestade, os
convertessem em discípulos, os santificassem e os governassem, porém, foram
confirmados nessa missão no Pentecostes. Foram impulsionados à missão e a
predicar audazmente o Evangelho. Esse dom do Espírito Santo, o mesmo Espírito de
Cristo, desceu sobre eles para que O comuniquem a todos os homens.
A posição dos Doze, ademais de serem
embaixadores e ministros de Cristo, situa-os também à cabeça da comunidade
cristã. Eles estão conscientes de estar investidos de autoridade, executando-a
inclusive com veemência.4 Escolhidos juntos, a sua união fraterna
estará a serviço da comunidade. Sua autoridade não é de domínio, mas exercitada
“para edificar e não para destruir”.5
A Sucessão Apostólica
Os apóstolos, ademais de serem fundamento
da Igreja, foram também a origem da sagrada hierarquia. O ministério sacerdotal
tem, então, como segundo fundamento — depois do cristológico, o sacerdócio de
Cristo — a sucessão apostólica que é a continuidade no tempo do ministério
apostólico, indispensável para a vida da Igreja. A sucessão apostólica é o
aspecto da natureza e da vida da Igreja que revela a dependência atual da
comunidade em relação a Cristo, através dos Seus enviados.
A missão divina, confiada por Cristo aos
apóstolos, deverá durar até o fim dos tempos e por isso os apóstolos, nessa
sociedade hierarquicamente estruturada, tiveram a preocupação de escolher
sucessores.6 Se bem que a morte do último apóstolo acaba o
apostolado dos Doze, o seu ministério não termina, continua através dos séculos
na sucessão apostólica: os poderes e a missão dos Doze foram recebidos pelos
seus sucessores, os bispos, e de um modo subordinado pelos presbíteros.
Da revelação neo-testamentária aprendemos
que na vida dos apóstolos existiam já colaboradores que desempenhavam o encargo
de completar e consolidar a obra já iniciada.7 Nesses colaboradores
já se destilava, por assim dizer, os bispos sucessores dos apóstolos, sendo que
esses “bispos” se distinguiam dos outros cristãos. Era a sucessão apostólica.
Estes primeiros sucessores possuem o munus apostolicum “per successionem ab
initio decurrente” e este é o critério que individualiza, inequivocamente,
aqueles que possuem realmente as marcas da semente apostólica.
São Clemente, terceiro sucessor de Pedro,
afirmava que “os Doze tiveram a preocupação de se constituírem sucessores para
que a missão que lhes foi confiada continuasse depois da sua morte”.8
Assim sendo, os apóstolos, em obediência à vontade do Senhor, instituíram os
ministérios que tinham a missão de continuar a obra iniciada por eles, e deram
aos seus sucessores a ordem de confiar esse ministério a outros, a fim de
continuar a sucessiva geração de cristãos.
Os ministérios desenrolam-se já no
período apostólico e imediatamente pós apostólico. Apenas nos bispos,
com a ajuda dos presbíteros e dos diáconos, se encontram, através da sucessão
apostólica, a marcas autênticas da semente apostólica. Estes foram considerados
os pastores que dirigiram a comunidade cristã em nome de Deus. Cumpre aqui
acrescentar que apenas os bispos são os sucessores dos apóstolos.
A sucessão apostólica é, segundo a sua
essência, a presença viva da palavra em forma pessoal de testemunho, de modo
que o “Evangelho a transmitir” seja de verdade “para a Igreja o princípio de
sua vida em todo o tempo”.9
O ministério dos bispos se configura,
assim, como a visibilidade do “episcopado” de Cristo, e aqui se encontra a base
da veneração que a Igreja confere aos seus pastores, pois essa participação
torna Cristo presente na Sua pessoa e no Seu atuar.
A sucessão apostólica é chamada
fundamento do ministério, no sentido em que consiste principalmente no fato de
ser próprio ao munus apostólicum ser transmitido, o múnus desses homens
aos quais Jesus prometeu: “Eu estarei sempre convosco até o fim dos tempos”.10
A sucessão apostólica também determina a modalidade dessa transmissão enquanto
ao rito, e garante o reconhecimento aos homens, de quem são aqueles que
receberam verdadeiramente a ordem. A missão recebida por Cristo do Pai é
transmitida aos apóstolos, e, destes aos bispos e aos presbíteros. Como disse
Bento XVI numa das suas catequeses:
Não podemos ter Jesus sem a realidade que ele criou e na qual se
comunica. Entre o Filho de Deus feito homem e a Sua Igreja existe uma profunda,
inseparável e misteriosa continuidade, em virtude da qual Cristo está presente
hoje no Seu povo. Ele é sempre nosso contemporâneo, é sempre contemporâneo na
Igreja construída sobre o fundamento dos apóstolos, está vivo na sucessão dos Apóstolos.11
Uma vez finalizada a era sub-apostólica,
coloca-se a pergunta de como seria possível conferir a sacra potestas
aos seus sucessores, já que não se pode recorrer de maneira direta à pessoa
visível de Cristo. Esta deve ser...
[...] considerada como um dos dons hierárquicos (cf. Lumen gentium, 4)
derramado sobre a Igreja pelo Seu Fundador divino e, desta forma, como um
elemento constitutivo da Tradição sagrada que contém tudo aquilo que os
Apóstolos legaram como instrumento de preservação e de promoção da santidade e
da fé do Povo de Deus (cf. Dei Verbum, 8). A história demonstra
amplamente que o exercício firme e sábio dessa autoridade apostólica, de modo
particular nos momentos de crise, tem tornado a Igreja capaz de preservar a sua
integridade, independência e fidelidade ao Evangelho, diante das ameaças que
provêm tanto de dentro como de fora.12
As funções desempenhadas pelos portadores
da sucessão apostólica revelam que nos bispos, assistidos pelos presbíteros,
está presente no meio dos crentes o Senhor Jesus.
Por meio do seu exímio ministério, prega a todas as gentes a Palavra de Deus,
administra continuamente aos crentes o sacramento da fé, incorpora por celeste
regeneração e graça à sua ação paternal (cf. 1 Cor 4, 15) novos membros ao Seu
corpo, e, finalmente, com sabedoria e prudência, dirige e orienta o Povo do
Novo Testamento na peregrinação para a eterna felicidade.13
No texto conciliar acentua-se o fato de
que é o próprio Cristo que está presente no meio dos fiéis a predicar,
incorporar e dirigir. Essa presença ativa de Cristo nos bispos exige um vínculo
ontológico entre Cristo e os bispos. E isso leva a que eles sejam sacramento de
Cristo no sentido em que eles possuem, desenvolvem a função de Cristo, mestre,
sacerdote e pastor, em virtude da realidade interior que os assemelham a
Cristo, com a intensidade de que é capaz uma criatura. Trata-se, então, de uma
presença totalmente distinta daquela que existe em qualquer cristão.
O bispo é enviado, em nome de Cristo, como pastor para cuidar duma determinada
porção do Povo de Deus. Por meio do Evangelho e da Eucaristia, deve fazê-la
crescer como realidade de comunhão no Espírito Santo. Disso deriva para o bispo
a representação e o governo da Igreja que lhe foi confiada — com o poder
necessário para exercer o ministério pastoral recebido sacramentalmente (munus
pastorale) — como participação da própria consagração e missão de Cristo.14
Dessa maneira, chegamos à
sacramentalidade da ordem. Isso pede uma especial efusão das graças do Espírito
Santo e se transmite com a imposição das mãos. Esse dom foi transmitido pelos
apóstolos aos seus sucessores e assim sucessivamente. Essa transmissão deve se
realizar por via sacramental. Com a consagração episcopal, confere-se a plenitude
da ordem sacerdotal, a qual é chamada pela voz dos santos e dos Padres da
Igreja: sumo sacerdócio. Essa consagração confere o múnus de santificar,
ensinar e governar os fiéis.15
É no concílio Vaticano II que pela
primeira vez se afirma a sacramentalidade da ordenação episcopal enquanto
plenitude do sacramento da Ordem.16 Essa natureza sacramental quer
dizer que o rito da imposição das mãos é um verdadeiro e próprio sacramento da
Nova Lei.