São Teófano Venard
missionário francês martirizado no longínquo oriente
(1829 Poitiers – 1861 Vietnam)
Alegre pela
ordenação presbiteral
“Deus estava no meio de nós, e com cada um de nós”,
dizia o recém-ordenado Pe. Teófano em carta que enviou a seu pai e aos irmãos
Melânia e Henrique após celebrar sua primeira Missa na festa da Santíssima
Trindade, em 6 de junho de 1852. “Amanhã pela manhã irei, com meus colegas,
os novos padres, consagrar o sacerdócio a Nossa Senhora das Vitórias e a Ela
agradecer por ter-me levado à ordenação”, acrescentou. Mesmo fazendo parte
de uma família muito unida, nenhum parente de Teófano pôde comparecer à sua
ordenação presbiteral, o que prefigurava, de certa forma, a separação que faz
parte da vida de todo missionário. “Pensei em vocês, o que farei sempre que
oferecer o Santo Sacrifício”, escreveu alegre ao mesmo tempo em que lhes
enviava a bênção.
O martírio de um
conterrâneo lhe causa uma santa inveja
João Teófano nasceu em 21 de novembro de 1829 em
Saint-Loup-sur-Thouet, na diocese de Poitiers, na França. Era
o segundo entre quatro irmãos (Melânia, Teófano, Henrique e Eusébio). Contava ele nove anos quando lhe chegou às mãos um livreto no qual era
relatada a vida e morte de São João Carlos Cornay, missionário martirizado
pouco antes em Tonkin (região na qual se localiza a cidade de Hanói, e que se
estendia por áreas geográficas que na atualidade pertencem à China, ao Laos, e
ao Vietnam). O mártir, nascido também na França em uma localidade situada a trinta
quilômetros de Saint-Loup (também diocese de Poitiers), tivera seu corpo
cortado em pedaços, e sua história fez o pequeno Teófano entusiasmar-se com a
leitura: “também quero ir para Tonkin; também quero ser mártir”,
almejava.
Decide-se pela vida
sacerdotal
Abrindo a alma ao seu pai, cristão exemplar, Teófano
manifestou seu desejo de tornar-se padre, e iniciou seus estudos em Doué,
cinqüenta quilômetros ao norte de onde sua família residia. Durante os estudos
perdeu sua mãe, cuja morte deu-se em 1843. Sua irmã mais velha, Melânia,
ocuparia o lugar da falecida mãe para receber os afetos de Teófano, inexistindo
segredos entre ambos, porém a influência mais profunda no grupo familiar era
exercida pelo pai, o que emana do eloqüente epistolário que sobreviveu ao
martírio do santo sacerdote.
Entra nas Missões
Estrangeiras
Já próximo ao fim dos estudos necessários à ordenação
presbiteral Teófano migrou para as Missões Estrangeiras de Paris, de onde
partiam missionários para a Índia e para o Extremo Oriente. Corria
o ano de 1851 quando o jovem clérigo pediu ao pai permissão para se tornar
missionário: apesar da dor, o temperamento cristão do Sr. Venard o fez
conformar-se com a vontade de Deus. Teófano partiu, juntamente com outros
missionários, tendo ao fim da Missa de despedida os pés beijados pelo superior
e pelas demais pessoas presentes, ocasião solene em que os futuros mártires
eram venerados por antecipação (já que o esperado para todos era o martírio,
sendo excepcional a morte por causas orgânicas/naturais nas terras de missão).
Atua
clandestinamente como sacerdote missionário em Tonkin
Destinado inicialmente à China, Teófano foi depois
direcionado ao desejado Tonkin, exercendo por alguns anos o seu ministério
clandestinamente sob as ordens de Mons. Retord, vigário apostólico. Porém
a perseguição religiosa se intensificava, e os seminaristas locais tiveram
de se dispersar, mas apesar das dificuldades Teófano dava apoio ao ensino
religioso, ministrava os sacramentos do Batismo, Eucaristia, Reconciliação,
Matrimônio e Unção dos Enfermos, além da Confirmação para o que recebera
delegação do vigário apostólico, o qual não tinha condições de atender
pessoalmente a todo o rebanho que lhe fora confiado. Diversas vezes Teófano
teve de se ocultar, chegando a ficar escondido em um minúsculo compartimento
sob uma casa, evitando qualquer mínimo ruído para não ser encontrado. Mas uma
traição fez findar sua “liberdade”, palavra inapropriada para se referir às
condições em que perigosa mas voluntariamente exercia sua ação missionária.
Informa sua prisão
à família
Em dezembro de 1860 comunicou sua prisão à família: “O bom Deus, em sua misericórdia, permitiu que eu
caísse nas mãos dos maus. Foi no dia de Santo André [30 de novembro]
que fui posto em uma jaula [gaiola
feita de bambu] que foi levada à
sub-prefeitura, onde traço essas linhas com muita dificuldade, pois tenho
apenas um pincel para escrever. Amanhã, 4 de dezembro, serei levado à
prefeitura; ignoro o que me está reservado. Mas nada temo: a graça do Altíssimo
está comigo. Maria Imaculada não deixará de proteger seu mísero servidor”.
Em 2 de janeiro seguinte escrevia Teófano, também aos
familiares: “Escrevo-lhes no
início deste ano que será, sem dúvida, o último de minha peregrinação pela
Terra. Já lhes escrevi um bilhetinho pelo qual lhes fiz saber de minha prisão
em 30 de novembro, dia de Santo André, em uma aldeia cristã. O bom Deus
permitiu que eu fosse traído por um mau cristão”.
Sobre a cadeia que lhe atou o pescoço e as pernas, disse Teófano que “eu a beijei, bela cadeia de ferro, verdadeira corrente
de escravidão a Jesus e Maria, que eu não trocaria por seu peso em ouro”.
Interrogado por um
juiz
Na mesma carta o futuro mártir descreve seu
interrogatório no tribunal de justiça criminal, para o qual invocou o Espírito
Santo a fim de fortificá-lo e para falar por sua boca conforme
prometera Jesus. Após servir uma taça de chá, o juiz perguntou de onde ele era,
tendo por resposta “do grande Ocidente, do reino chamado França”.
- Que vieste fazer
aqui em Anam [nome da região, atual Vietnam]?
- Vim unicamente para
pregar a verdadeira religião àqueles que não a conhecem.
- Que idade tens?
- Trinta e um anos.
O juiz comentou, com um toque de pena: ‘é ainda bem jovem’, e em seguida
indagou:
- Quem te enviou
- Nem o rei nem os
mandarins da França me enviaram. Foi meu chefe que me disse para pregar aos
pagãos, e meus superiores na religião que me destinaram o reino anamita como
distrito.
Com inspiradas
palavras despede-se dos familiares
Nessa carta de 2 de janeiro Teófano despede-se dos
familiares, mas o faz novamente em nova correspondência datada de 20 de janeiro
endereçada ao pai: “Caríssimo, honradíssimo e bem amado pai;
como minha sentença ainda está em espera, quero lhe enviar um novo adeus, que
será provavelmente o último”. E
acrescenta que “desde o grande mandarim até o último soldado, todos lamentam
que a lei do reino me condene à morte”. Informa que “não pude sofrer torturas, como muitos de meus irmãos. Um rápido golpe de sabre separará minha cabeça, como
uma flor primaveril que o dono do jardim recolhe para seu prazer. Somos todos flores plantadas nesta terra que Deus colhe no tempo
apropriado, por vezes mais cedo, outras vezes mais tarde. Uma é a rosa avermelhada, outra o lírio virginal e
outra é a humilde violeta. Tratemos de
agradar, conforme o perfume ou o aspecto que nos foram dados, ao soberano
Senhor e Mestre”.
Na mesma data escreve ele à sua irmã Melânia: “Já é quase meia noite. Perto de minha jaula há lanças
e longos sabres, e em um canto da sala alguns soldados jogam dados. De tempo em
tempo sentinelas batem um tambor. A dois metros de mim, uma lâmpada [de óleo]
projeta sua luz vacilante sobre minha folha de papel chinês e me permite traçar
estas linhas. Espero dia a dia minha sentença. Talvez amanhã eu seja conduzido
à morte. Feliz morte, não é? Morte desejada, que conduz à vida. Segundo todas
as probabilidades terei a cabeça cortada: desonra gloriosa da qual o céu será o
prêmio. A essa notícia, cara irmã, chorarás, mas de felicidade. Veja então teu
irmão, com a auréola dos mártires coroando-lhe a cabeça, a palma dos que
triunfam levantada nas mãos! Mais um pouco e minha alma deixará a Terra,
findará seu exílio, terminará seu combate. Subo ao céu, alcançando a pátria,
ganharei a vitória. Entrarei nessa residência dos eleitos, vendo as belezas que
o olho do homem nunca viu, ouvindo as harmonias que o ouvido nunca escutou,
desfrutando das delícias que o coração jamais provou”.
A um irmão, escreveu Teófano no mesmo dia: “Caro Eusébio, amei e ainda amo esse povo anamita [vietnamita]
com um amor ardente. Se Deus me tivesse dado longos anos, creio que eu me
consagraria inteiramente, corpo e alma, à edificação da Igreja tonquinense [de Tonkin].
Se minha saúde, fraca como uma palha, não me permitiu grandes obras, tenho pelo
menos o coração nesse trabalho. Dizemos: ‘o homem propõe e Deus dispõe’. A vida
e a morte estão em Suas mãos; se Ele nos dá a vida, vivamos para Ele; se nos dá
a morte, morramos para Ele”. E ao outro irmão, Henrique, também na mesma data (20 de janeiro
de 1861) dirigiu Teófano edificantes conselhos: “Eras ainda bem jovem quando me destes o adeus. Talvez
teu espírito tenha seguido as coisas da época e idéias mundanas, e buscado, com
falsos amigos, a felicidade onde ela não existe. O coração do homem é grande demais para que as falsas e passageiras
alegrias daqui de baixo o satisfaçam. Meu caro Henrique, não uses a tua vida
nas inutilidades do mundo. Tu tens agora vinte e nove anos. É a idade do homem.
Sê, portanto, um homem. Resistir às inclinações da carne e à escravidão do
espírito, mantendo-se atento contra as ciladas do demônio e os prestígios do
mundo, observando os preceitos da religião: eis o que é ser um homem. Não agir
assim é ser um animal”.
Últimos momentos de
vida
Preso, aguardando o martírio, recebeu diversas vezes a
Eucaristia, que lhe era levada por uma piedosa cristã. A sentença de morte foi
pronunciada pelo imperador Tu-Duc, tendo a decapitação sido feita no alvorecer
de 2 de fevereiro de 1861, dia de uma festividade mariana. Precedendo a
execução, foi lido o documento condenatório, e Teófano pôde fazer algumas
considerações, afirmando que ele não estava ali pregando uma religião falsa.
Pessoas presentes pediram-lhe que não voltasse após a morte para se vingar
sobre elas, pedido que ele gentilmente aceitou, tranqüilizando-as.
Chegando o momento final, mais um sofrimento foi
imposto a Teófano: o carrasco, desastrado, não desferiu o golpe com habilidade,
tendo que repeti-lo mais quatro vezes. A cabeça, exposta por três dias, foi
lançada ao rio, sendo depois encontrada.
Beatificado por São Pio X, Teófano foi canonizado por João Paulo II em
1988.
o 0 o
Teófano – cujo nome significa “manifestação de Deus – foi muito admirado
por Santa Teresinha do Menino Jesus, que em meio aos sofrimentos da doença que
lhe precedeu a morte teve o consolo de receber uma estampa e uma relíquia do
missionário mártir. Na Basílica-Santuário da Padroeira
das Missões, em Lisieux, uma capela é dedicada ao mártir a quem
ela venerava e também invejava.
Os 117 mártires do Vietnam assim morreram: 75
decapitados, 22 estrangulados, seis queimados, cinco esquartejados,
e nove mortos nas prisões como consequência das torturas.
Fontes:
Lettres choisis du
bienhereux Théophane Venard (Jean Guennou, Téquí, Paris, 1982).
L’Eglise au Vietnam fécondée par le sang dês martyrs (http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_19880619_martiri_vietnam_fr.html)
Publicado
2009/02/10
Author : Pe. Louis Anicet Etienne Goyard
http://www.arautos.org.br/view/show/1503-sao-teofano-venard-missionario-frances-martirizado-no-longinquo-oriente